Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 115/2023-JPCBR |
Relator: | CRISTINA EUSÉBIO |
Descritores: | COMODATO |
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Data da sentença: | 05/14/2024 |
Julgado de Paz de : | COIMBRA |
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Decisão Texto Integral: | Proc. N. º115/2023-JPCBR
SENTENÇA
IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES: Demandantes: [ORG-1], Unipessoal Lda, com sede na [...] n.º 122, r/c em [...] Demandada: [PES-1], residente na [...], 124, 1º Dto em [...]
RELATÓRIO A demandante propôs ação declarativa de condenação, nos termos do artigo 9.º, n.º 1, alínea h) da Lei do julgado de Paz, pedindo, em suma a condenação, da demandada, no pagamento de indemnização no valor de 5456,90€ por danos materiais que alega ter sofrido em virtude de infiltração/inundação ocorrida na fração autónoma sita no rés do chão do prédio sito na [...], 122 onde exerce a sua atividade de mediação imobiliária. Alega, para tanto, que a água provinda da canalização da fração da demandada se infiltrou na loja que explora, danificando tetos, paredes e painéis de mutene instalados nas paredes da fração. Para tanto, alegou os factos constantes do requerimento inicial de fls. 1 a 5, que se dá aqui por reproduzido e juntou 7 documentos (fls. 6 a 11), sendo os documentos de fls. 21 a 27 correspondentes a registos fotográficos. A demandada, regularmente citada apresentou contestação negando ter ocorrido qualquer rutura na canalização da sua fração, pugnando pela improcedência da ação. Agendada a sessão de pré-mediação, esta realizou-se sem que as partes tenham logrado chegar a acordo. Prosseguiram os autos com a marcação de audiência de julgamento que se realizou com cumprimento das formalidades legais como da respetiva ata se alcança. Na audiência de julgamento a demandada alegou a ilegitimidade ativa da demandante, porquanto verificou que esta alega ser comodatária da fração e não sua proprietária. Sobre a exceção, a demandante não se pronunciou tendo junto aos autos o contrato de comodato. Foi produzida prova testemunhal, por inspeção ao local e visualização de vídeo. *** Encontram-se reunidos os pressupostos da regularidade da instância, não havendo exceções ou nulidades que, previamente, cumpra apreciar, porquanto se entende que a questão da legitimidade se aferirá do ponto de vista substantivo e perante os factos que vierem a ser provados. Assim, o tribunal é chamado a decidir da verificação dos pressupostos de que depende a obrigação de indemnizar à luz da responsabilidade civil extracontratual. Valor da ação: 5456,90 (cinco mil quatrocentos e cinquenta e seis euros e noventa cêntimos). *** FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE FACTO Da prova produzida resultaram provados os seguintes factos: 1. Com data de 1 de novembro de 2016, a demandante e a empresa [ORG-2] – Compra e Venda de Imóveis Lda outorgaram documento particular, designado “Contrato de Comodato”, através do qual, esta cedeu à demandante, o uso temporário e gratuito da fração destinada a estabelecimento comercial, designada pela letra T correspondente ao rés do chão do prédio urbano sito na [...]. N.º 2 na freguesia de [...], [...], Almedina e [...], concelho de [...] conforme de fls. 59 a s 63 2. Consta, designadamente, do documento aludido em 1, que a primeira outorgante empresta à Segunda Outorgante, o bem imóvel para que esta se sirva dele, com vista à prestação de serviços e com a obrigação de o restituir quando solicitado (clausula segunda) e confere à demandante poderes de representação nos assuntos relativos ao imóvel (clausula quarta). 3. Pelo contrato referido em 1 a demandante obrigou-se a “manter o imóvel no estado de conservação impecável em que se encontra e a “substituir eletrodomésticos ou outros bens móveis em caso de avaria ou perecimento, por novos, nunca de qualidade inferior, que passarão a fazer parte do imóvel, sem direito de retenção ou indemnização a qualquer título” ( clausula quinta alíneas a) e g) 4. Desde data não apurada, a demandante passou a ocupar o referido imóvel, ali exercendo a sua atividade comercial de mediação imobiliária. 5. Em dia não apurado no ano de 2021, a demandante detetou algumas humidades nas paredes e tetos da loja; 6. Em data igualmente não apurada a demandada contratou um canalizador para proceder à substituição da canalização existente no interior da parede, por nova canalização. 7. O canalizador executou as obras de substituição da canalização antiga que se encontrava por dentro das paredes por canalização exterior às paredes. 8. Uns dias depois da conclusão das obras referidas em 6, a demandante deparou-se com uma inundação na loja, sendo que a água caia abundantemente do teto do espaço, tendo fechado a torneira de segurança e contactado a demandada. 9. A demandada contactou telefonicamente o canalizador dizendo que tinha rebentado um tubo e este deslocou-se ao prédio em causa nos presentes autos, tendo constatado que a peça do curvo se tinha desencaixado e estava a verter água por excesso de pressão. 10. A comodante [ORG-2] – Compra e Venda de Imóveis Lda emitiu fatura datada de 31 de dezembro de 2021 à comodatária pela realização de obras na fração no valor de 1.718,31€ 11. A comodante [ORG-2] – Compra e Venda de Imóveis Lda emitiu fatura datada de 24 de dezembro de 2021 à comodatária pela limpeza geral do espaço após de obras na fração, no valor de 492,00€. 12. Em 26 de novembro de 2021 a empresa [ORG-3], a pedido da demandante, emitiu orçamento de substituição dos painéis e aros folheado a mutene em todo o espaço pelo valor de 3136,50€ 13. Em 24 de janeiro de 2022 a empresa [ORG-4] emitiu orçamento de material elétrico por solicitação da demandante no valor de 110,09€. 14. O condomínio do prédio participou o sinistro à [ORG-5], tendo esta em 17 de fevereiro de 2022 declinado a sua responsabilidade por considerar que o sinistro se deveu à deficiente instalação da rede hídrica exterior por parte do instalador na fração da demandada. 15. A demandante deu conhecimento da resposta da seguradora à demandada por email datado de 12 de abril de 2022, tendo esta respondido declinando a sua responsabilidade. 16. Nesta data não subsistem vestígios danos de água ou humidade na fração descrita em 1 a não ser em dois painéis de madeira no escritório e na receção, onde se verifica ligeira pigmentação branca e ligeiro abaulamento.
MOTIVAÇÃO A matéria dada por provada e não provada resulta da ponderação dos documentos juntos aos autos - indicados em cada item -, conjugados com as declarações do representante da demandante e das testemunhas que prestaram os seus depoimentos. De facto, não restaram dúvidas ao tribunal que ocorreu uma inundação na fração em causa nos presentes autos e que essa inundação teve origem na canalização da fração da demandada, porquanto a testemunha [PES-2] relatou de forma espontânea e coerente que foi contratado pela demandada para detetar eventual fuga ou infiltração existente na casa de banho. Verificado o espaço, o depoente verificou que a canalização era muito antiga sugerindo a sua substituição, o que fez. Refere que uns dias mais tarde foi contactado pela demandada que o informou que tinha rebentado um tubo. Foi verificar o que se passava constatando que a peça do curvo se tinha desencaixado e estava a verter água por excesso de pressão (resultando provados os factos sob os n.ºs 6 a 9). Verificou que havia muita pressão da rede e mais tarde colocou um redutor de pressão. Viu o chão da fração ocupada pela demandante com muita água, com bacias e o [PES-5] e a esposa a limpar. Viu que a água caia no projetor, por baixo da casa de banho da demandada. Esta situação foi também percecionada pela exibição de vídeo junto aos autos pela demandante. Igualmente as declarações da testemunha [PES-3] foram valoradas, que também viu a fração inundada e relatou que sabe que o sinistro foi participado à Companhia de Seguros, tendo seguido a situação por ser mediador de seguros. Mais referiu que da peritagem realizada pela seguradora resultou que a água era proveniente da canalização da fração da demandada que teria ficado incorretamente instalada. A inundação verificada é compatível com danos em pladur, madeiras na fração e parte elétrica, sendo certo, no entanto que com a realização de obras e sem outros elementos de prova, se torna inviável determinar a extensão dos mesmos assim como quantificar o seu valor. Por tal motivo apenas se deu por provado que a proprietária da fração emitiu faturas à demandante e a existência de orçamentos. Não foi produzida qualquer prova do pagamento das faturas por parte da demandante à proprietária do imóvel.
MATÉRIA DE DIREITO Perante a matéria de fato provada e não provada nos presentes autos, este tribunal á chamado a apreciar da obrigação de indemnizar no âmbito da responsabilidade civil extracontratual. Para que nasça a obrigação de indemnizar no domínio da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos é necessário que ocorra um facto ilícito, por ação ou omissão do agente, culposo e adequado a causar danos ao lesado, estabelecendo o art. 483º do C.C. que: “1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. 2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.” Ora, no presente caso a demandante, na qualidade de comodatária da fração em causa nos presentes autos, peticiona o pagamento de danos verificados na dita fração por ocorrência de inundação, no pladur, iluminação e painéis em madeira. Resulta, pois a existência de um contrato de comodato que foi junto aos autos, pelo que caberá aferir em que esfera jurídica se produziram os danos alegados- se na da comodante ou na da comodatária. Comodato é o contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir: art.º 1129º do CC. Se este for privado dos seus direitos, ou perturbado no respetivo exercício, o comodatário pode usar, mesmo contra o comodante, dos meios facultados ao possuidor nos artigos 1276.º e seguintes: art.º 1133º nº 2 CC. Estamos, apenas, no domínio de ações de prevenção, manutenção ou restituição de posse da coisa (objeto do comodato). O preceito não confere ao comodatário o direito a ser indemnizado pelos prejuízos causados na própria coisa, já que são direitos exclusivos do proprietário. Na verdade, os danos provocados por terceiro no imóvel comodatado apenas se repercutem na esfera jurídica do comodatário relativamente aos seus danos pessoais. Não resulta alegado e provado nos autos - e até está, em certa medida, em contradição às clausulas do contrato - que tenha sido a demandante a proceder a obras na fração dotando-a de tetos e paredes em pladur e painéis em madeira e que tais materiais lhe pertencessem e não fizessem parte integrante da fração. De facto, no que se refere aos danos na fração aqui em causa, estamos no domínio das obrigações/direitos “propter rem”, cujo titular sempre seria o proprietário. Resulta da factualidade provada que a esta data já não subsistem os danos verificados, nem vestígios dos mesmos a não ser em dois pequenos pontos dos painéis de madeira. Mais se provou que a proprietária terá feito as obras e faturado as mesmas à aqui demandante, o que não pode fazer nos termos contratuais, na medida em que os danos verificados na fração não foram provocados pela comodatária - aqui demandante - mas por terceiro. Assim, a obrigação de reparação dos danos não pode recair sobre a demandante, ainda que esta tenha obrigação de a conservar tal como lhe foi entregue. Por outro lado, nos termos da clausula quarta do contrato de comodato a proprietária da fração em causa confere poderes de representação à demandante nos assuntos relativos ao imóvel junto a entidades publicas ou privadas, donde não podemos retirar que lhe tenha conferido o poder de agir contra terceiros que violem o direito de propriedade da comodante e a receber indemnizações por tal facto. Assim, a demandante carece de legitimidade substantiva para o efeito de acionar o ressarcimento dos danos causados na fração, procedendo a exceção invocada.
DECISÃO Em face do exposto e das disposições legais aplicáveis, improcede a presente ação, absolvendo-se a demandada da instância.
Custas Custas a cargo da demandante, que se declara parte vencida, nos termos e para os efeitos do art. 3º da Portaria n.º 342/2019 de 1 de Outubro devendo ser pagas, no prazo de 3 (três) dias úteis a contar da notificação desta sentença –ainda que o prazo de validade do DUC seja mais alargado, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efetivo cumprimento dessa obrigação. A falta de pagamento das custas acarreta a sua cobrança por processo de execução fiscal. Registe.
Coimbra, 14 de maio de 2024
A Juíza de Paz _____________________ (Cristina Eusébio) |