Sentença de Julgado de Paz | |
| Processo: | 50/2024-JPLSB |
| Relator: | SOFIA CAMPOS COELHO |
| Descritores: | OBRA QUE PREJUDICA SEGURANÇA DO PREDIO |
| Data da sentença: | 06/18/2024 |
| Julgado de Paz de : | LISBOA |
| Decisão Texto Integral: | SENTENÇA Processo n.º 50/2024-JPLSB-------------------------------------------------------- Demandante: [PES-1] (NIF [Identificação-1] 221.229.965). ------- Demandado: [PES-2]. --------------------------- RELATÓRIO: --------------------------------------------------------------------------------- A demandante, devidamente identificada nos autos, intentou contra o demandado, também devidamente identificado nos autos, a presente ação declarativa de condenação, pedindo que este seja condenado a retirar a grade metálica que colocou a vedar a sua janela. Para tanto, alegou os factos constantes do requerimento inicial, de folhas 1 a 3 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, alegando, que reside no rés do chão direito do prédio sito no n.º 19 da Rua [localização-1], em Lisboa, e que em dezembro de 2022 o demandado vedou, com uma grade, a janela de um quarto, que dá para o logradouro do prédio do demandado, o que prejudica a segurança do prédio e a sua saúde. ---------------------------------------------- Juntou 15 documentos, que aqui se dão por reproduzidos. ---------- *** Regularmente citado, o demandado apresentou a contestação de fls. 32 a 34 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida, na qual alega que “(…) sempre existiu um gradeamento fixo de proteção entre as propriedades privadas (…) que confrontam com o meu logradouro (…)” e que em 19 de outubro de 2021 a grade que protegia a janela da casa da demandante foi cortada e furtada por desconhecidos e que, após essa data, a demandante invadiu a sua propriedade, através dessa janela, danificando plantas e objetos. Alega que a fração é também propriedade de um menor, filho do ex companheiro da demandante. Termina alegando que a pretensão da demandante carece de fundamento. Juntou os documentos de fls. 35 a 45 dos autos, que aqui se dão por reproduzidos. --*** Foi marcada data para realização da audiência de julgamento, da qual as partes foram devidamente notificadas. --------------------------------------------*** Foi realizada a audiência de julgamento, na presença das partes, tendo a Juíza de Paz procurado conciliar as partes, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do artº 26.º, da LJP, diligência que não foi bem-sucedida. –-------------------------------------Foram ouvidas as partes, nos termos do disposto no art.º 57.º da LJP, e realizada a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal, como resulta da respetiva ata. Não foram apresentadas testemunhas. -------------------------------------------- *** Nos termos do n.º 1 do art.º 306.º do Código de Processo Civil, fixa-se à causa o valor de € 70 (setenta euros). ------------------------------------------O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território. ------------ As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas. ---------- Não existem nulidades que invalidem todo o processado, exceções que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa. ------- *** FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE FACTO ----------------------------Com interesse para a decisão da causa, ficou provado que: ------------- 1 – A demandante reside no rés do chão direito do prédio sito no n.º 19 da Rua [localização-1], em Lisboa – (admitido). -------------------------- 2 – O demandado reside no prédio sito no n.º 25, porta 2, da Rua [localização-1], em Lisboa, – (admitido). ---------------------------------------- 3 – Um dos quartos da fração identificada no n.º 1 tem uma janela, visível nas fotografias de fls. 8 a 10, 12 e 13 dos autos, que tem vistas para o logradouro do prédio identificado no n.º 2 supra - (admitido). ------------ 4 – Em data não apurada o demandado colocou no seu logradouro, cravada no pavimento, a grade em aço visível nas fotografias de fls. 8 a 10, 12 e 13 dos autos, a cerca de 5 cm da janela - (admitido e Docs. de fls.8 a 10, 12, 13 e 15 e 16 dos autos). ------- 5 – Dão-se aqui por reproduzidos os demais documentos juntos aos autos. --------------- Não ficou provado: ------------------------------------------------------- Com interesse para a decisão da causa não se provaram mais quaisquer factos alegados, designadamente: ------------------------------------------- 1 – A demandante é proprietária do rés do chão direito do prédio sito no n.º 19 da Rua [localização-1], em Lisboa, e desde quanto. -------------------- 2 – O demandado é proprietário do prédio sito no n.º 25, porta 2, da Rua [localização-1], em Lisboa, e desde quanto. ------------------------------------ 3 – A janela identificada no n.º 3 de factos provados sempre esteve gradeada. ----------- 4 – Quando foi colocado o gradeamento visível nas fotografias de fls. 8 a 10, 12 e 13 dos autos, designadamente se em dezembro de 2022. ---------- 5 – Em 19 de outubro de 2021 a grade que protegia a janela da casa da demandante foi cortada e furtada por desconhecidos e que, após essa data, a demandante invadiu a sua propriedade, através dessa janela, danificando plantas e objetos. -------------------- Motivação da matéria de facto: ----------------------------------------------- Em cumprimento do disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 60.º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, com a redação que lhe foi atribuída pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho, que prescreve que deve constar da sentença uma “sucinta fundamentação”, importa referir que para fixação da matéria fáctica dada como provada concorreram os factos admitidos e os documentos juntos aos autos. ------------------------------------------------------- Esclareça-se ainda que este tribunal, ao abrigo do prescrito no n.º 3, do art.º 466.º, do Código de Processo Civil, não considerou suficientes as declarações de parte prestadas pelas partes dos factos que não levámos a “factos provados”. Não podemos olvidar que este inovador meio de prova, dirige-se, primordialmente, às situações de facto em que apenas tenham tido intervenção as próprias partes, ou relativamente às quais as partes tenham tido uma perceção direta privilegiada em que são reduzidas as possibilidade de produção de prova (documental ou testemunhal), em virtude de terem ocorrido na presença circunscrita das partes – situação que claramente não se enquadra no caso em apreço. --- Não foram provados quaisquer outros factos alegados pelas partes, dada a ausência de mobilização probatória credível, que permitisse ao tribunal aferir da veracidade desses factos, após a análise dos documentos juntos aos autos e da audição das partes. ------------------------- Importa referir que, no caso em apreço e considerando a causa de pedir e o pedido, a propriedade das duas frações tinha de ser documentalmente comprovada, não sendo suficiente o declarado em audiência de julgamento (a demandante disse que vive na casa desde 2004, data desde a qual é comproprietária da mesma; o demandado disse que a fração por volta de 2005). ---------------------------------------- Importa ainda referir que as declarações a fls. 35 e 37 dos autos, são documentos autênticos que, nos termos do prescrito nos artigos 369.º e 370.º do Código Civil, faz prova plena dos factos que nele são atestados com base nas perceções da entidade documentadora (artigo 371.º do Código Civil). Assim desses documentos resulta somente o que o demandado comunicou/participou à Polícia de Segurança Pública e não que o comunicado tenha efetivamente ocorrido. --------------------------- *** FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE DIREITO -----------------------O caso em apreço é revelador do espírito de litigância que ainda impera nas relações sociais, avessas à conciliação como modo de resolução amigável dos conflitos. No caso o conflito entre demandante e demandado é notório e assustador. Nenhuma das partes o oculta. Nenhuma das partes se escuta. A relação é hostil. Não há empatia. Cientes que o conflito de vizinhança entre as aqui partes é grave e não pode ser menosprezado, bem como da missão pacificadora do Julgado de Paz, tudo fizemos para apaziguar o conflito existente, com vista a se encontrar um acordo justo, onde os interesses de ambas as partes fossem minimamente protegidos; pretendíamos alcançar os alicerces de um futuro e eventual reatamento da relação de vizinhança. Tal não foi possível, o que se lamenta. Um típico caso de situação em que se houvesse maior espírito de compreensão e tolerância, o litígio teria sido – aliás poderia e deveria! – resolvido pela via conciliatória. Assim as partes não quiseram, quiçá não estavam preparadas para tal, quiçá seja demasiado cedo, mas consideramos que não fizeram o esforço sério nesse sentido, urge lamentar a conduta de quem, sem mais, afasta a hipótese mais plausível para uma justa e real composição dos litígios. A única via para, em conflitos vizinhança com os contornos do presente, se encontrar uma solução duradoura e aceite. Mas, e como dissemos, uma vez que as partes não perfilharam esse caminho, há que apreciar a questão que nos é colocada sob o prisma da legalidade. E, neste prisma, não basta alegar: é preciso provar. -------------------------- *** Iniciando-se a análise técnico jurídica do caso em pareço, refira-se que o direito de propriedade tem por conteúdo o gozo, fruição e disposição da coisa. Nos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como o subsolo, como tudo o que neles se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio jurídico (cfr. artigo 1344.º do Código Civil – doravante CC). Em princípio, o proprietário pode fazer no seu prédio as portas, janelas, varandas, terraços, sacadas, eirados e obras semelhantes que lhe apetecer, ainda que com elas fique devassado o prédio vizinho. Porém, o direito de propriedade tem limitações, destacando-se, no que ao caso interessa, as emergentes das relações de vizinhança, nomeadamente as respeitantes a construções e edificações. E, neste âmbito, prescreve o n.º 1 do art.º 1360.º, do CC, sob a epígrafe “Abertura de janelas, portas, varandas e obras semelhantes”, que “O titular do direito real não pode abrir portas ou janelas viradas para o prédio vizinho sem deixar entre estas e o limite daquele uma distância de, pelo menos um metro e meio”. ---------------------------------------------Daqui decorre que, regra geral, o proprietário não pode abrir portas ou janelas viradas para o prédio vizinho, sem que deixe entre estas e o limite do prédio vizinho uma distância de um metro e meio (proibição extensiva a varandas e terraços com beirados a altura inferior a um metro e meio). Parte-se do princípio que uma distância inferior é uma devassa não tolerável e pretende-se evitar que o prédio vizinho seja objeto da indiscrição de estranhos e impedir o devassamento e arremesso de objetos. ------------- Por sua vez, os artigos 1363º e 1364º, do CC, vêm consagrar duas exceções a tal proibição: se não respeitar a distância de um metro e meio relativamente ao prédio vizinho, o proprietário poderá abrir óculos ou seteiras ou janelas gradadas, desde que possuam as caraterísticas aí definidas. --------------------------------------------------------------- Ora, o Código Civil não definiu o que se entende por janela, tendo a doutrina e a jurisprudência as definido com o sentido que tem na linguagem corrente: aberturas feitas nas paredes dos edifícios, que dispõem de um parapeito onde as pessoas podem apoiar-se ou debruçar-se e desfrutar comodamente as vistas que tais aberturas proporcionam, olhando quer em frente, quer para os lados, quer para cima ou para baixo. Olha, atentas as fotografias juntas aos autos, dúvidas não temos que, no caso em apreço, está em causa uma janela, caindo na previsão do artigo 1360.º, do CC, sendo claro que foi construída sem respeito da distância de um metro e meio relativamente ao prédio do demandado. ------------------------------------------------------ Por outro lado, dispõe o artigo 1362º, do CC, com a epígrafe “Servidão de Vistas”: que “1. A existência de janelas, portas, varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, em contravenção do disposto na lei, pode importar, nos termos gerais, a constituição da servidão de vistas por usucapião. 2. Constituída a servidão de vistas, por usucapião ou outro título, ao proprietário vizinho só é permitido levantar edifício ou outra construção no seu prédio desde que deixe entre o novo edifício ou construção e as obras mencionadas no nº1 um espaço mínimo de metro e meio, correspondente à extensão das obras.”. Daqui resulta que as janelas podem levar à constituição de uma servidão de vistas por usucapião, importando a consequente imposição ao proprietário vizinho de deixar um espaço mínimo de um metro e meio nas obras que venha a efetuar em frente de tais janelas, ou seja, o proprietário do prédio vizinho perde a faculdade de se insurgir contra tal janela, ficando ele sujeito à obrigatoriedade de respeitar a distância de um metro e meio relativamente a qualquer construção que levante em frente à mesma. ------ *** Por outro lado, um dos princípios basilares da nossa lei processual civil é o princípio do dispositivo, segundo o qual comete às partes, em exclusivo, definir objeto do litígio, cabendo-lhes alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções (n.º 1 do artigo 5.º do Código de Processo Civil), factos que cada uma das partes tem que provar, nos termos do disposto do nº 1 do artigo 342º, do Código Civil, que prescreve “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado” e, do n.º 2 do mesmo artigo, que prescreve “A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita”. ------------------------------------------------------------*** E, assim sendo, como o é, a sorte da presente ação terá de ser a sua improcedência. - *** DECISÃO -----------------------------------------------------------------------------------------------------Em face do exposto, julgo a presente ação improcedente, por não provada e, consequentemente, absolvo o demandado do pedido. ------------------------------------------- *** CUSTAS -------------------------------------------------------------------------------------------------------Nos termos da Portaria n.º 342/2019, de 1 de outubro, condeno a demandante no pagamento das custas processuais, pelo que deverá proceder ao pagamento de € 70 (setenta euros), através de terminal de pagamento automático, multibanco e homebanking, após emissão do documento único de cobrança (DUC) pelo Julgado de Paz, no prazo de três dias úteis a contar da data de notificação da presente sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa de € 10 (dez euros) por cada dia de atraso e até um máximo de € 140 (cento e quarenta euros). ----------------------------------------------------- *** Transitada em julgado a presente decisão, sem que se mostre efetuado o pagamento das custas, emita-se a respetiva certidão para efeitos de execução por falta de pagamento de custas, e remeta-se aos Serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira competente, pelo valor das custas em dívida, acrescidas da respetiva multa, com o limite previsto no n.º 4 do art.º 3.º da Portaria n.º 342/2019, de 1 de outubro. -------------*** Notifique as partes da presente sentença (processada em computador, revista e impressa pela signatária - artº 18º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho). -------------------------------------------------------*** Registe. -------------------------------------------------------------------------------------------------------*** Após trânsito, e encontrando-se integralmente pagas as custas processuais, arquivem-se os autos. ------------------------------------------------------------------------------------Julgado de Paz de Lisboa, 18 de junho de 2024 DEPÓSITO NA SECRETARIA:A Juíza de Paz, ______________________________ (Sofia Campos Coelho) Em: 18/06/2024 Recebido por: _____________ |