Sentença de Julgado de Paz
Processo: 344/2023-JPSTB
Relator: CARLOS FERREIRA
Descritores: INDEMNIZAÇÃO POR INFILTRAÇÃO COM ORIGEM NAS ZONAS COMUNS DO EDIFÍCIO
Data da sentença: 10/24/2024
Julgado de Paz de : SETÚBAL
Decisão Texto Integral: Processo n.º 344/2023-JPSTB
*

Resumo da decisão:

- Condena o Demandado a pagar ao Demandante a quantia de €1.250,00.

- Absolve a Demandada do restante peticionado.

- Ambas as partes têm de pagar as custas no prazo de 3 dias úteis, cabendo a quantia de €63,00 à parte demandante; e a quantia de €7,00 à parte demandada.


***

Sentença


Parte Demandante: ---
[PES-1], contribuinte fiscal número [NIF-1], residente na [...], n.º 19, 3.º Esq., [Cód. Postal-1] [...]. ---
Mandatária: Dr.ª [PES-2], Advogada, com escritório em [...], n.º 57, 1.º Dt. º, [Cód. Postal-2] [...].
Parte Demandada: ----
[ORG-1] [Cód. Postal-1] [...], entidade equiparada a pessoa coletiva com o NIPC [NIPC-2]8, administrado por [...], [ORG-2] com o NIPC [NIPC-1], com sede na [...], [...] 18, [...], [...], [Cód. Postal-3] [...], legalmente representado por [PES-3], com domicílio profissional ma mesma morada. ---
Mandatário: Dr. [PES-4], Advogado com escritório na [...], n.º 148, 4.º B, [Cód. Postal-4] [...].
*

Matéria: ações que respeitem a responsabilidade civil contratual e extracontratual, al. h), do n.º 1, do art.º 9.º, da Lei dos Julgados de Paz (versão atualizada da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho). ---

Objeto do litígio: Indemnização por infiltração com origem nas zonas comuns do edifício. ---


*

Relatório: ---

O Demandante instaurou a presente ação, nos termos do requerimento inicial constante de fls. 4 a 21, que aqui se declara integralmente reproduzido (e integrado pela desistência do pedido formulada em audiência de julgamento), peticionando a condenação do Demandado, entre o mais, a pagar-lhe a quantia global de €14.897,84, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, bem como, os juros à taxa legal.-

Para tanto, alegou em síntese que, em 07-01-2020, adquiriu a fração autónoma descrita nos autos para sua habitação própria. ---

Logo após as obras de remodelação subsequentes à compra apareceram os primeiros sinais de infiltração proveniente do telhado, por toda a habitação. ---

O Demandante comunicou a situação ao Demandado, que nada fez. ---

O Demandante procedeu à reparação da origem das infiltrações, tendo suportado o custo das obras, e dos danos no imóvel e no mobiliário e bens existentes no interior da fração, bem como, a privação do uso por ter que deixar de habitar a fração até a mesma voltar a ter condições. ---

Concluiu pela procedência da ação, juntou documentos e procuração forense. ----

Regularmente citado, o Demandado apresentou contestação de fls. 76 a 81, que aqui se declara integralmente reproduzida. ---

O Demandado não deduziu especifica e separadamente qualquer exceção, mas afirmou que a eventual responsabilidade pelos danos deveria ser assacada ao empreiteiro que fez as obras na cobertura do edifício. ---

Em resposta, o Demandante requereu a improcedência da exceção de ilegitimidade passiva, e requereu a intervenção principal provocada do empreiteiro (requerimento de fls. 101 a 105), tendo a matéria sido objeto de decisão por despacho de fls. 107 e 108, pelo qual foi indeferido o chamamento à ação do empreiteiro, e confirmada a legitimidade passiva do Demandado. —

Por impugnação, o Demandado alegou, em síntese que contratou um empreiteiro para reparar o telhado e que a obra foi executada com defeito, e que não reconhece os danos na mobília e equipamentos do Demandante, e que o Demandante efetuou as reparações no telhado sem fazer a respetiva comunicação ao Demandado. ---

Mais alegou que, o Demandante nunca deixou de habitar a fração e não ficou privado do uso da mesma.

Concluiu pela improcedência da ação, e juntou documentos. ---


*

Foi realizada sessão de Mediação na qual as partes não lograram chegar a acordo. ---

Aberta a audiência e estando todos presentes, foram ouvidas as partes nos termos do disposto no art.º 57.º, da Lei dos Julgados de Paz. ----

O objetivo de justiça próxima e pacificadora, que caracteriza o processo em Julgado de Paz já poderia ter sido apropriadamente alcançado nos presentes autos em sede de Mediação, ou por via de conciliação.

Os presentes autos são apenas mais um exemplo de como as relações sociais ainda estão condicionadas por um acentuado espírito de litigância, que determina à rejeição da resolução consensual e construtiva dos conflitos. ---

Certamente que, uma solução obtida por acordo traria os ganhos resultantes de uma utilidade imediata e tangível para as partes, e poderia ser capaz de lhes transmitir maior grau de satisfação das suas necessidades concretas e amplitude de reconhecimento, do que eventualmente resultará de uma decisão impositiva, limitada por estritos critérios de prova produzida e da legalidade aplicável. ---

Em audiência de julgamento foi feito o esforço necessário e na medida em que se mostrou adequado para explorar todas as possibilidades de acordo, nos termos do disposto no art.º 2.º, e n.º 1, do art.º 26.º, ambos da Lei dos Julgados de Paz, o que não logrou conseguir-se. ----

Aliás, a audiência de julgamento esteve suspensa, na expectativa de acordo entre as partes. ---

Frustrada a tentativa de conciliação, prosseguiu a realização da audiência de julgamento, em observância das normas de processo, como resulta documentado na respetiva ata. ----

Assim, respeitando a decisão das partes em não haver acordo, decide-se o litígio por sentença, com os seguintes fundamentos (cf., art.º 60.º, n.º 1, al. c), da Lei dos Julgados de Paz). ---


*

Fundamentação – Matéria de Facto: ---

Incumbe ao Demandante o ónus de provar os factos que constituem o direito invocado na presente ação (cf., n.º 1, do art.º 342.º, do Código Civil). ---

Por outro lado, cabe ao Demandado fazer prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo Demandante (cf., nº2, do artigo 342º, do Código Civil). ---

Com interesse para a resolução da causa, tendo em conta as várias soluções jurídicas plausíveis, ficou provado que: ---

1. Por escritura pública de compra e venda celebrada em 07-01-2020, o Demandante adquiriu a fração designada pela letra “I”, correspondente ao 3.º andar esquerdo, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na [...], n.º 19. Areias, [...], freguesia de [...] ([...]), descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de [...], ficha [Nº Identificador-1], inscrito na matriz predial urbana sob o artigo [Nº Identificador-2], fls. 23 a 29; ---

2. No início do ano de 2020, o interior da referida fração começou a evidenciar sinais de infiltração proveniente do telhado do edifício; ---

3. A infiltração ocorria pelo teto de toda a habitação; ---

4. O Demandante comunicou o facto ao Demandado; ---

5. Em 13-10-2021 foi efetuado um teste de estanquicidade do telhado, para verificar a origem das infiltrações; ---

6. O teste mencionado no número anterior confirmou a entrada de água na fração do Demandante;

7. Os danos agravaram-se com o decorrer do tempo; ---

8. Sempre que chovia entrava água dentro da habitação do Demandante, provocando curto-circuitos na instalação elétrica, impedindo a utilização normal de tomadas e interruptores; ---

9. A concentração de humidade originou a formação de bolores e mau cheiro no interior da fração; -

10. O Demandante contratou os serviços de um profissional de construção civil para detetar e resolver a origem das infiltrações; ---

11. Na vistoria realizada pelo profissional contratado pelo Demandante verificou-se que faltavam parafusos nas uniões das placas sandwich do telhado, e que estas placas eram curtas relativamente à área a cobrir, provocando infiltração de águas pluviais ao longo do algeroz para a placa do edifício, bem como, abertura entre as placas e a cumeeira com falta de isolamento, fls. 32; ---

12. Em outubro de 2022, o Demandante procedeu, por sua iniciativa aos trabalhos necessários para resolver a origem da infiltração; ---

13. Os trabalhados da reparação referida no número anterior, foram orçamentados no montante de €896,00, fls. 33; ---

14. A água proveniente da infiltração atingiu o colchão da cama de um dos quartos, e afetou mobiliário e roupa existente no local; ----

15. Por compra e venda celebrada em 28-03-2024, o Demandante transmitiu a fração autónoma identificada nos presentes autos a terceiro, fls. 215 a 22; ---

16. A infiltração teve origem na execução deficiente da obra de remodelação do telhado do edifício efetuadas antes da aquisição da fração pelo Demandante, por um empreiteiro contratado pelo Demandado. ---

17. O empreiteiro efetuou as obras de reparação no telhado após ter sido condenado no processo que correu termos neste Julgado de Paz, processo 155/2023, por sentença proferida em 26-03-2024. ---


*

Factos não provados: ---

Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes com interesse para a decisão da causa, nomeadamente, que: ---

i. O Demandante ficou privado de habitar na fração autónoma identificada nos presentes autos durante cerca de dois anos; ---

ii. O imóvel teve de ser temporariamente abandonado por ser impossível residir no local; ---

iii. O Demandado nada poderia fazer para evitar o agravamento dos danos; ---

iv. O Demandante despendeu a quantia de €1.629,75 na reparação do seu quarto; ---

v. O Demandante suportou a quantia de €1.102,08 na reparação da origem dos danos; ---

vi. O Demandante teve um prejuízo correspondente à quantia de €6.897,66, pelo mobiliário danificado.


---*---

Motivação da Matéria de Facto: ---

Os factos provados resultaram da conjugação da audição de partes, dos documentos constantes dos autos, e do depoimento testemunhal prestado em sede de audiência de julgamento, tendo os vários elementos de prova sido apreciados de forma a compatibilizar toda a matéria de facto adquirida, tendo em conta os dados da experiência de senso comum e as características próprias a relação controvertida vivenciada pelas partes. ---

Nos termos do n.º 2, do art.º 574.º, Código de Processo Civil, aplicável ex vi, art.º 63.º, da Lei dos Julgados de Paz, consideram-se admitidos por acordo os factos constantes nos números 2, e 4 a 6, 16 e 17. ----

Pela prova documental consideram-se provados os factos suportados pelo teor dos documentos indicados de forma especificada, na enumeração do probatório supra. ---

A testemunha [PES-5] declarou ser mãe do Demandante, e residente na fração autónoma identificada nos presentes autos, pelo que, o seu depoimento foi considerado como sendo de parte interessada e não isento. ---

No entanto a referida testemunha demonstrou razão de ciência e o seu depoimento em conjugação com as declarações de ambas as partes ajudou a formar convicção sobre a matéria provada vertida nos números 3, 7 a 10, e 12. ----

As restantes testemunhas da parte Demandante limitaram-se a aderir versão dos factos descrita no requerimento inicial, mostrando-se conclusivas e sem isenção. ---

O depoimento da testemunha [PES-6] foi considerado genericamente isento e credível, com algumas respostas consentâneas com a restante prova produzida nos autos e o seu depoimento ajudou a formar convicção positiva sobre o facto correspondente ao número 14, relativamente aos quais demonstrou razão de ciência por ter desempenhado as funções de gestora do condomínio na empresa que exercia o cargo de administrador à data dos factos., e nessa qualidade ter entrado na fração por mais de uma vez em momentos diferentes, designadamente, no início das infiltrações e na data do teste de estanquicidade. ---

Consigna-se que, para apuramento da matéria de facto não foi considerado o teor dos articulados, da audição das partes ou das testemunhas com matéria tida por irrelevante, conclusiva ou de direito. –

Os factos não provados resultam da ausência de elementos que permitam formar convicção positiva sobre os mesmos. ---

Em especial, relativamente aos seguintes factos não provados: ---

iv) O documento que titula a quantia alegada como despesa realizada indica uma morada diferente da fração identificada nos autos, fls. 50 e 51, e não foi junto comprovativo do respetivo pagamento. ---

v) O documento que titula a quantia alegada como despesa realizada indica uma morada diferente da fração identificada nos autos, fls. 34 e 35, e não foi junto comprovativo do respetivo pagamento. ---

vi) O documento de fls. 20 corresponde a um orçamento, que não está datado, nem identifica a pessoa responsável pela emissão, e foi emitido para um cliente que não corresponde à identidade do Demandante. Tendo sido alegado que o mobiliário foi adquirido em data recente relativamente à ocorrência dos danos, no estado de novo, a compra deveria ser comprovada nos autos por meio de fatura; mas não foi junta fatura do mobiliário adquirido originalmente, nem do mobiliário adquirido para substituição. Também não foi junta prova fotográfica de danos no mobiliário. ---

Aliás, durante o seu depoimento a testemunha [PES-7] admitiu expressamente que foi a testemunha [PES-5] que adquiriu o mobiliário para a fração, tratando-se, portanto, de bens próprios da testemunha e não do Demandante, dado que aquela habitava na fração. ---

Com efeito, a posse da fração e do respetivo foi sempre exercida pela testemunha [PES-5], sendo esta que reclamava a situação e interagia com o Demandado. ----


---*---

Fundamentação – Matéria de Direito: ---

A causa de pedir na presente ação respeita a danos alegadamente provocados ao Demandante, devido a uma infiltração de águas pluviais para o interior da sua fração, com origem no telhado do edifício. ---

Esta matéria remete-nos para o regime da responsabilidade por facto ilícito. ---

As questões a decidir pelo tribunal são as seguintes: ---

- Se o Demandado está obrigado a pagar a totalidade das quantias peticionadas pelo Demandante (após desistência de parte do pedido), a título de indemnização pelos danos alegadamente sofridos em consequência da infiltração descrita nos autos. ---

- A responsabilidade pelas custas da ação. ---

Vejamos se assiste razão ao Demandante: ---

O art.º 483º, do Código Civil. dispõe o seguinte: “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. ---

Para que se possa declarar a existência da obrigação de indemnizar, resultante da responsabilidade civil por factos ilícitos, têm de estar verificados os seguintes pressupostos: i) a existência de um facto cuja ocorrência seja dominada ou dominável pelo agente; ii) a ilicitude desse facto; iii) culpa do agente por dever e poder ter adotado uma conduta apta a evitar a ocorrência; iv) que da violação do direito subjetivo ou da lei derive um dano; e v) nexo de causalidade adequada e, ou, um nexo de imputação do facto praticado pelo lesante e o dano sofrido pelo lesado, de modo a poder concluir-se que a natureza e extensão do dano resultam necessariamente da conduta daquele. ---

Os referidos requisitos da obrigação de indemnizar são cumulativos. ---

Ora, o facto pode ser cometido por ação ou omissão (cf., 486.º, do Código Civil). ---

Da matéria provada resulta verificada a existência do facto voluntário ilícito. Efetivamente, o facto é ilícito, porque se traduz na lesão da coisa imóvel (fração autónoma) sobre a qual, à data dos factos, incidia o direito de propriedade do Demandante. ---

E, é certo que o referido facto ilícito é imputável ao Demandado, porque lhe cabe o dever legal de proceder às obras de conservação nas zonas comuns do edifício que se mostrem necessárias a evitar a produção de danos relativamente aos direitos de terceiros, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 492.º, n.º 1, e 493.º, n.º 1, ambos do Código Civil, em que a lei estabelece uma presunção de culpa relativamente ao proprietário ou possuidor de coisa imóvel que cause danos a outrem por falta de conservação. ---

Assim, caberia ao Demandado (enquanto representante da universalidade dos condóminos, proprietários das frações que integram o edifício), alegar e provar que nenhuma culpa houve da sua parte na produção dos danos, ou que os mesmos teriam lugar independentemente de culpa sua. ---

Ora, o Demandado reconduziu a sua defesa imputando a responsabilidade dos danos ao empreiteiro que realizou as obras no telhado do edifício. ---

É do conhecimento funcional do signatário que correu neste Julgado de Paz uma ação com o número de Processo 155/2023, instaurada pelo ora demandado, contra [ORG-3], Lda.ª, com decisão já transitada em julgado, relativamente ao cumprimento defeituoso da empreitada de reparação do telhado do edifício, constando na matéria provada da respetiva sentença que a obra foi concluída e aceite em maio/junho de 2017. —

Ora, a escolha do empreiteiro foi feita pelo Demandado, sendo-lhe imputável o resultado das soluções técnicas aplicadas na obra, bem como, a adequação dos trabalhos executados, nos termos do disposto no art.º 800.º, do Código Civil. ---

Consequentemente, há imputação ao Demandado dos danos produzidos na fração do Demandante, nos termos em que o comitente responde pelos atos do comissário. ---

Aliás, o Demandado deve ser responsabilizado em resultado não apenas da má execução da obra, como também da inércia em resolver a origem dos danos, porque após ter conhecimento dos factos limitou-se a aguardar que o empreiteiro fosse responsabilizado num processo declarativo em curso, sem promover qualquer intervenção preventiva relativamente aos danos que se produziram ao longo do tempo.---

Assim, o facto é perfeitamente dominável pela vontade humana, encontrando-se na esfera de risco do dono da obra, e aqui demandado, nos termos do disposto no art.º 492.º, n.º 1, do Código Civil. ---

Da matéria provada resulta que, em resultado da referida infiltração, a fração do Demandante apresenta danos na pintura do teto e paredes e pavimento na fração, designadamente nos quartos, com prejuízo para o mesmo. ---

Também ficou provado que a referida infiltração teve origem nas deficiências do telhado do edifício, o qual é parte imperativamente comum, nos termos do disposto na al. b), do n.º 1, do art.º 1421.º, do Código Civil.

Com efeito, resulta provado que quando chovia, a água infiltrava para a placa do edifício, devido a aberturas no telhado. ---

Deste modo, é evidente o nexo de causalidade entre a infiltração de água proveniente da infiltração acima descrita e os danos reclamados pelo Demandante, sendo o facto imputável ao Demandado por não ter atuado de forma a evitar a lesão do direito de propriedade do Demandante, o que não prejudica o eventual direito de regresso do Demandado sobre o empreiteiro, a discutir em sede própria. ---

Determinada que está a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil do Demandado pelos danos causados no interior da fração dos Demandantes, resta analisar os pedidos formulados na ação e apreciar a respetiva procedência. ---

Danos patrimoniais: ---

Verba de €2.801,68, respeitante a quantias alegadamente já despendidas pelo Demandante na reparação dos danos: ---

Ficou provado que o Demandante suportou o custo correspondente aos trabalhos orçamentados para reparar a infiltração da água pelo telhado do edifício, e que foi identificada como origem dos danos, que foram orçamentados no montante de €896,00. ---

Consideramos que é de reconhecer o direito de o Demandante proceder a obras preventivas que tornaram possível evitar o agravamento dos danos, devendo ser indemnizado pelo respetivo valor. ---

Ora, a prova dos danos foi incipiente, por falta de elementos que permitam comprovar as quantias efetivamente pagas, mas, ao mesmo tempo toda a prova produzida foi consistente no sentido de ter havido a referida intervenção, a cargo do Demandante. ---

Pelo que, não havendo prova documental ou outra que permita afirmar com rigor o preço dos trabalhos que o Demandante suportou, a indemnização pelo correspondente prejuízo terá de ser calculada por recurso à equidade, nos termos do disposto no art.º 566.º, n.º 3, do Código Civil. ---

Do mesmo modo, no que respeita às restantes verbas peticionadas relativamente trabalhos de construção civil que alegadamente o Demandante custeou, mas que não ficou provado o respetivo pagamento, conforme resulta da fundamentação da matéria de facto. ---

Efetivamente, o Demandante não logrou fazer prova de ter ficado prejudicado nos montantes peticionados a este título, incumbindo-lhe o respetivo ónus, nos termos do disposto no art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil. -

Pelo que a ação procede parcialmente nesta parte do pedido, devendo ser considerada a indemnização em valor global a declarar infra. ---

Verba de €6.897,66, referente a mobiliário danificado: ---

Com as devidas adaptações, reitera-se o que acima se disse sobre os outros danos patrimoniais sofridos pelo Demandante, relevando o facto de ser de concluir que os bens de mobiliário que estavam a equipar a fração terem sido adquiridos pela testemunha [PES-5], e não ter ficado provado que tais bens eram património do Demandante, incumbindo-lhe o respetivo ónus (cf., art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil), conforme consta supra na fundamentação da matéria de facto.---

Pelo que a ação improcede nesta parte do pedido. ---

Tendo em conta a desistência da parte do pedido respeitante a obras a realizar em dois quartos da fração, fica prejudicado o pedido de condenação pelo agravamento dos danos. ---

Sobre o pedido de condenação no montante de €2.800,00, a título de danos morais (não patrimoniais): -

Dispõe o n.º 1, do art.º 496.º, do Código Civil: “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.” Estes danos – não patrimoniais, ou morais – são "prejuízos (como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio, de reputação, de descanso, os complexos de ordem estética) que, sendo insuscetíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física, a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização". (A. Varela, Das Obrigações em Geral Vol. I, pág. 561, 5.º Ed. - [...]). Tal indemnização deverá ser fixada em dinheiro, já que a reconstituição natural não é possível (cf. 566.º, n.º 1, do Código Civil). ---

Ora, do acima exposto resulta claro que, o art.º 496.º, do Código Civil, restringe a tutela do direito aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade não possam ser tolerados. ---

Por isso, como pressuposto da obrigação de indemnizar, o dano tem de apresentar um grau de gravidade tal, que a atribuição de uma indemnização ao lesado configure um imperativo de elementar justiça, porque o dano não deve ser tolerado. ---

Neste sentido, grande parte da doutrina e da jurisprudência tem entendido que as simples contrariedades ou incómodos não apresentam um nível de gravidade objetiva suficiente, para os efeitos de aplicabilidade do disposto no n.º 1, do artigo 496.º, do Código Civil. ---

Assim, nos termos do citado art.º 496.º, do Código Civil, não são suscetíveis de compensação, a título de danos morais, por exemplo, os desgostos sofridos com a destruição de coisas, porque não têm gravidade que mereça a tutela do direito e devem ser tolerados por constituírem uma contingência natural da interação em sociedade, na condição humana. ---

Ora, o que se provou no caso dos autos, a título de danos não patrimoniais, foram apenas aborrecimentos e arrelias, enquadráveis nas comumente apelidadas «contrariedades da vida» que não ultrapassam o grau de tolerância correspondente ao padrão de normalidade social e que, por isso, não devem ser indemnizados. ---

Por outro lado, cumpre afirmar ainda que, o Demandante formula o referido pedido, alegando resumidamente que, por efeito das infiltrações no interior da fração, ficou impedido de utilizar plenamente o imóvel. ---

Salvo o devido respeito por opinião diversa, o Demandante elabora em erro, ao assimilar o referido pedido a danos não patrimoniais. ---

Com efeito, entendemos que a impossibilidade de usar plenamente a coisa constitui um dano patrimonial, suscetível de ser avaliado objetivamente (o que é diferente de se conseguir apurar concretamente o seu valor exato), por equiparação ao valor de mercado das utilidades correspondentes aos bens da mesma espécie, natureza e quantidade. ---

Ora, o Demandante formulou o pedido indicando uma quantia abstrata, sem terem sido alegados quaisquer elementos de facto relativamente à expressão patrimonial da privação do uso normal da fração, incumbindo-lhe o respetivo ónus, nos termos do art.º 5.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. ---

Por outro lado, da prova não resultou que o Demandante tivesse sequer habitado regularmente a fração, já que indicou sempre outra morada, quer na aquisição da fração, quer na transmissão do bem a terceiro.

Aliás, resultou claramente da audiência de julgamento que a interação do Demandante com o Demandado relativamente aos factos da causa, foi feita por intermédio da mãe, testemunha [PES-5] nos autos, que habitava efetivamente na fração com o irmão do Demandante. ---

Ora, da prova resultou claramente que muito embora toda a situação descrita nos autos tenha sido suscetível de afetar a comodidade e as condições de uso da fração por quem residia no local, não foi efetuado o correspondente pedido pela privação (total ou parcial) do uso do bem. ---

Com efeito, o pedido encontra-se fundamentado nos incómodos sofridos em consequência da situação descrita nos autos, ou seja, o “stress, agitação, insónias, revolta, por não ver a situação resolvida” (art.º 47.º, do requerimento inicial). ---

No entanto, nos termos do disposto no art.º 609.º, n.º 1, do Código Civil, designadamente, por decorrência dos princípios de imparcialidade e do dispositivo, o juiz está impedido de condenar em coisa diversa do peticionado, pelo que, tendo sido peticionados danos não patrimoniais que, no caso concreto, não são indemnizáveis, a ação deve improceder nesta parte do pedido.---


---*---

Decisão: ---

Atribuo à causa o valor de €14.897,84, por corresponder à quantia em dinheiro que o Demandante pretendia obter no momento da propositura da ação, cf., normas conjugadas dos artigos 306.º, n.º 1; 297.º, n.º 2 e 299.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi, art.º 63.º, da Lei dos Julgados de Paz. ---

Pelo exposto e com os fundamentos acima invocados: ---

Julgo a presente ação parcialmente procedente por parcialmente €1.250,00. ---

Mais decido absolver o Demandado do restante peticionado na presente ação. ---

Custas: ---

As custas no montante de €70,00 (setenta euros), são da responsabilidade de ambas as partes na proporção do respetivo decaimento, que fixo em 10%, para a parte demandada, e 90%, para o Demandante. ---

Assim, a Demandada deverá proceder ao pagamento da quantia de €7,00. ---

Por sua vez a Demandante deverá proceder ao pagamento da quantia de €63,00. ---

Os pagamentos deverão ser efetuados no prazo de três dias úteis, mediante liquidação das respetivas guias de pagamento (DUC), emitidas pela secretaria do Julgado de Paz. ---


--.---

Extraia as guias de pagamento (DUC), e notifique aos responsáveis pelo pagamento das custas juntamente com cópia da presente decisão. ---

Após os três dias úteis do prazo legal, aplica-se uma sobretaxa no montante de €10,00 (dez euros), por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação, até ao máximo de €140,00 (cento e quarenta euros).-

O valor da sobretaxa aplicável acresce ao montante da taxa de justiça em dívida. ---


*

Após trânsito, verificando-se a falta de pagamento das custas, mesmo após o acréscimo da referida sobretaxa legal, conclua para emissão de certidão para efeitos de execução fiscal, a instaurar junto dos competentes serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), pelo valor das custas em dívida acrescidas da respetiva sobretaxa.

*

Registe. ---

Notifique pessoalmente em sede de audiência de discussão e julgamento, nos termos do disposto no artigo 60.º, n.ºs 1 e 2, da Lei dos Julgados de Paz. ---


---*---

Julgado de Paz de Setúbal, 24 de outubro de 2024

O Juiz de Paz

_________________________

Carlos Ferreira