Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 142/2024-JPSTB |
Relator: | CARLOS FERREIRA |
Descritores: | INDEMNIZAÇÃO NO ÂMBITO DO DIREITO DO CONSUMIDOR – DANOS COLATERAIS COM ORIGEM NO CUMPRIMENTO DEFEITUOSO DE EMPREITADA |
![]() | ![]() |
Data da sentença: | 11/26/2024 |
Julgado de Paz de : | SETÚBAL |
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 142/2024-JPSTB * Resumo da decisão: - Condena a parte demandada a pagar à parte demandante a quantia de €7.920,67. - Absolve a Demandada do restante peticionado. - Ambas as partes têm de pagar as custas no prazo de 3 dias úteis, cabendo a quantia de €32,20 à parte demandante; e a quantia de €37,80 à parte demandada. *** Sentença Parte Demandante: --- 1) [PES-1], contribuinte fiscal número [NIF-1], e; --- 2) [PES-2], contribuinte fiscal número 293183645, ambos residentes na [...], [...] 2, [...], [Cód. Postal-1] [...]. --- Mandatário: Dr. [PES-3], Advogado, com escritório em [...], 242 – Sl 206, 4050- [...]. --- Parte Demandada: ---- [ORG-1], S.A., sociedade comercial com o número único de matrícula e pessoa coletiva [NIPC-1], com sede na [...], 10 e 12, [Cód. Postal-2] [...], [...]. --- Mandatária: Dr.ª [PES-4], Advogado com escritório na [...], 10 e 12, [Cód. Postal-2] [...], [...]. ---- * Matéria: ações que respeitem a responsabilidade civil contratual e extracontratual, al. h), do n.º 1, do art.º 9.º, da Lei dos Julgados de Paz (versão atualizada da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho). --- Objeto do litígio: Indemnização no âmbito do direito do consumidor – danos colaterais com origem no cumprimento defeituoso de empreitada. --- * Relatório: --- Os Demandantes instauraram a presente ação, nos termos do requerimento inicial constante de fls. 8 a 35, que aqui se declara integralmente reproduzido, peticionando a condenação da Demandada a pagar-lhes a quantia global de €14.762,53, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais. - Para tanto, alegaram em síntese que, à data dos factos eram proprietários do imóvel sito na [...], Lote 2, [Cód. Postal-3] [...]. -- Em 22-03-2023, o Demandante adquiriu materiais e serviços para execução de uma obra à Demandada. --- A obra foi realizada defeituosamente pelo prestador de serviços subcontratado pela Demandada, dando origem a uma infiltração que provocou danos no montante peticionado. Concluíram pela procedência da ação, juntaram documentos e procuração forense. ---- Regularmente citada, a Demandada apresentou contestação de fls. 279 a 286, que aqui se declara integralmente reproduzida. ---- A Demandada requereu a abertura de incidente de intervenção principal provocada, para chamamento à demanda do prestador de serviços que realizou os trabalhos de construção na habitação dos Demandantes. ---- Por impugnação, a Demandada alegou em síntese que, confiou no cuidado e profissionalismo do prestador de serviços subcontratado para realizar os trabalhos na habitação dos Demandantes. --- A desconformidade da obra resulta exclusivamente da mão-de-obra que não foi realizada pela Demandada, pelo que, a mesma não tem responsabilidade pelos alegados danos. --- Por cortesia comercial, a Demandada sempre colaborou na resolução da situação, e não foi detetada nenhuma desconformidade nos materiais e produtos que os Demandantes adquiriram. --- Concluiu e pela sua absolvição do pedido, juntou procuração forense e documentos. --- * O chamamento de terceiro foi indeferido, nos termos do despacho constante de fls. 389 e 390. --- * Aberta a audiência e estando todos presentes, foram ouvidas as partes nos termos do disposto no art.º 57.º, da Lei dos Julgados de Paz. ---- O objetivo de justiça próxima e pacificadora, que caracteriza o processo em Julgado de Paz já poderia ter sido apropriadamente alcançado nos presentes autos em sede de Mediação, ou por via de conciliação. --- Os presentes autos são apenas mais um exemplo de como as relações sociais ainda estão condicionadas por um acentuado espírito de litigância, que determina à rejeição da resolução consensual e construtiva dos conflitos. --- Certamente que, uma solução obtida por acordo traria os ganhos resultantes de uma utilidade imediata e tangível para as partes, e poderia ser capaz de lhes transmitir maior grau de satisfação das suas necessidades concretas e amplitude de reconhecimento, do que eventualmente resultará de uma decisão impositiva, limitada por estritos critérios de prova produzida e da legalidade aplicável. Em audiência de julgamento foi feito o esforço necessário e na medida em que se mostrou adequado para explorar todas as possibilidades de acordo, nos termos do disposto no art.º 2.º, e n.º 1, do art.º 26.º, ambos da Lei dos Julgados de Paz, o que não logrou conseguir-se. ---- Frustrada a tentativa de conciliação, prosseguiu a realização da audiência de julgamento, em observância das normas de processo, como resulta documentado na respetiva ata. ---- Assim, respeitando a decisão das partes em não haver acordo, decide-se o litígio por sentença, com os seguintes fundamentos (cf., art.º 60.º, n.º 1, al. c), da Lei dos Julgados de Paz). --- * Fundamentação – Matéria de Facto: --- Incumbe ao Demandante o ónus de provar os factos que constituem o direito invocado na presente ação (cf., n.º 1, do art.º 342.º, do Código Civil). --- Por outro lado, cabe ao Demandado fazer prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo Demandante (cf., nº2, do artigo 342º, do Código Civil). --- Com interesse para a resolução da causa, tendo em conta as várias soluções jurídicas plausíveis, ficou provado que: --- 1. À data dos factos os Demandantes tinham registada em seu nome a aquisição do prédio urbano descrito na ficha [Nº Identificador-1] freguesia de S. Lourenço, da 1.ª Conservatória do Registo Predial de [...], sito na [...], Brejos de Azeitão, em [...], fls. 37 e 38; --- 2. O imóvel identificado no número anterior consiste numa moradia de dois pisos, fls. 44 e 45; - 3. Em 22-03-2023, o Demandante adquiriu materiais e serviços no estabelecimento comercial da Demandada, em [...], para remodelação da casa-de-banho do piso superior da referida moradia, fls. 39 a 43; --- 4. O serviço de remodelação contratado pelos Demandantes à Demandada incluiu a aquisição, entrega e instalação de uma base de chuveiro, de um móvel de lavatório e o revestimento das paredes com a colocação de cerâmicos sobre aqueles que já existiam e realização de pintura, abrangendo os trabalhos necessários para a remoção, desmontagem dos equipamentos antigos e desmontagem e montagem das loiças; --- 5. Os serviços encomendados à Demandada ascenderam ao montante de €1.991,92, fls. 39, e 287 a 290; --- 6. Na mesma data, o Demandante adquiriu materiais para a obra no montante de €1.318,88, fls. 40 e 41; --- 7. Na mesma data, o Demandante pagou à Demandada os montantes mencionados nos dois números anteriores, fls. 40 a 42; --- 8. As quantidades de materiais a adquirir e serviços a prestar foram determinados de acordo com o projeto concebido pela Demandada; --- 9. A Demandada, subcontratou um prestador de serviços, designado “instalador” para executar a obra; --- 10. O “instalador” foi escolhido por um serviço centralizado da Demandada; --- 11. O serviço pós-venda é atribuído ao “instalador” nos termos do contrato celebrado com a Demandada; --- 12. Os trabalhos foram realizados de 27-03-2023 a 03-04-2023; --- 13. Todos os trabalhos foram executados e concluídos na casa-de-banho do primeiro andar da moradia; --- 14. A referida casa de banho fica situada por cima da suite, existente no rés-do-chão do imóvel, e que era utilizada como quarto pelos Demandantes; --- 15. De 25-04-2023 a 03-05-2023, os Demandantes estiveram ausentes da sua habitação. --- 16. Quando regressaram a casa os Demandantes verificaram que havia uma infiltração de água provocada por uma fuga nas tubagens do autoclismo da casa-de-banho que tinha sido intervencionada nas obras; --- 17. A infiltração provocou danos no quarto dos Demandantes; 18. Os Demandantes participaram o sinistro à sua seguradora que rejeitou a responsabilidade pelos danos; --- 19. Os Demandantes obtiveram um relatório técnico da sua seguradora que atribuiu a causa da infiltração (que à data estava ativa), à intervenção do “instalador” que executou a obra, e fez uma enunciação preliminar de danos fls. 57 a 72; -- 20. O material vedante não foi corretamente colocado na rosca de aperto da torneira à tubagem embutida na parede; --- 21. Devido à fixação incorreta da válvula e do vedante, ocorreu um vazamento de grandes quantidades de água através das tubagens existentes atrás da sanita; --- 22. A água acabou por escorrer através da rosca a tardoz do espelho da válvula da instalação sanitária, e infiltrou-se pelo interior das paredes até ao piso inferior, nas paredes e no teto da suite dos Demandantes; --- 23. A infiltração ocorreu ao longo de vários dias, desde a realização da obra até ao regresso a casa dos Demandantes; 24. A água escorria entre o azulejo antigo e o azulejo novo; --- 25. A válvula colocada em obra era compatível com a instalação apesar de esta ser antiga; --- 26. A água escorria do candeeiro para a cama da suite; --- 27. O pavimento da suite ficou todo alagado; --- 28. A água proveniente da infiltração atingiu dois roupeiros, chão, tapetes, mobiliário, pintura das paredes, teto e instalação elétrica da suite; ---- 29. Em 09-05-2023, os Demandantes comunicaram a ocorrência à Demandada, fls. 53 a 56; --- 30. A Demandada encaminhou o assunto para a seguradora do terceiro prestador de serviços, fls. 105 e 106. — 31. Foi necessário proceder ao corte geral de água em toda a casa durante cerca de 4 dias; --- 32. Em 10-05-2023, o representante do prestador de serviços que realizou os trabalhos deslocou-se à residência dos Demandantes para verificar a origem dos danos; --- 33. A visita ao local mencionada no número anterior foi acompanhada por um técnico contratado pelos Demandantes; --- 34. No relatório do técnico contratado pelos Demandantes consta o seguinte: “(…) O empreiteiro ao desenroscar a torneira, apenas com um leve toque da chave conseguiu deixá-la solta. Ao retirá-la, ficou comprovado que existia uma deficiente instalação do isolante, estando a rosca torneira completamente limpa e estando apenas na extremidade o isolante, a instalação defeituosa foi reconhecida pelo empreiteiro imediatamente. Quando foi colocado o isolamento corretamente e novamente instalada a torneira não existia qualquer fuga.”, fls. 73; --- 35. O “instalador” subcontratado pela Demandada acionou a sua apólice de seguro de responsabilidade civil junto da seguradora [ORG-2]; ---- 36. No relatório de peritagem efetuado pela empresa [ORG-3], a cargo da [ORG-2], consta o seguinte´: “(…) A reparação efetuada em 10/05/2023 foi apenas na válvula má montada, não é feita qualquer reparação na canalização de água fria, apenas corrigida a montagem da válvula, que conforme a testemunha, o canalizador o Sr. [PES-5], o isolamento (teflon) estava deficiente e a montagem também, por o enroscamento era parcial (curto).”, sic, fls. 176 a 186 (vide, fs. 179);--- 37. Após correção da montagem da torneira na ligação da rede de água fria ao autoclismo, não voltou a ocorrer qualquer fuga; --- 38. A empresa subcontratada e a sua seguradora declinaram a responsabilidade pelos danos; -- 39. A Demandada e a sua seguradora declinaram a sua responsabilidade pelos danos; --- 40. Entre 12-06-2023 e 18-06-2023, a suite afetada pela infiltração foi remodelada. --- 41. Para repor os bens atingidos pela infiltração na situação de uso normal, os Demandantes suportaram os seguintes encargos: --- a) Desmontagem do antigo roupeiro e aquisição de um novo: €3.665,40, fls. 225; --- b) Colocação de novo pavimento flutuante: €1.266,90, fls. 226; c) Pintura do quarto após infiltrações: €1.353,00, fls. 227; --- d) Aquisição de materiais de pintura: €66,86, fls. 229; --- e) Aquisição de cama tipo sommier: €399,00, fls. 230; --- f) Aquisição de duas almofadas, no custo total de €44,99, fls. 231; --- g) Serviços de lavandaria, para as roupas pessoais, lavagem de roupas de cama e carpetes: fls. 233 e 234; --- h) Verificação do mecanismo da cortina elétrica: €194,25, fls. 235; --- i) Aquisição de rolos de relva, com o custo total de 114,60€; --- j) Acompanhamento da assistência pelo técnico de canalização, no valor de €60,27, fls. 239; --- k) Reparação dos estores, no valor de €36,90, fls. 240; --- 42. Até à presente data, a Demandada não efetuou qualquer reparação dos danos aos Demandantes; --- 43. Em consequência da referida infiltração os Demandantes tiveram que dedicar parte do seu tempo a limpezas, mudanças de mobiliário, suportaram novas obras para reparação dos danos, gastaram eletricidade suplementar com a alimentação de um desumidificador, tiveram deslocações e efetuaram outras diligências para tratar do assunto, e para repor a sua habitação no estado equivalente ao momento anterior à produção dos danos. --- * Factos não provados: --- Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes com interesse para a decisão da causa, nomeadamente, que: --- i. Fruto dos esforços físicos que o Demandante despendeu na realização das obras, veio a padecer de uma anemia que o levou a ser internado durante 8 dias; --- ii. A suite era o único quarto da moradia que poderia ser utilizado durante o período de convalescença do Demandante; iii. Em consequência da infiltração descrita nos autos os Demandantes suportaram o custo com: - a. Aquisição de carpete, no custo total de €39,99 – motivo: não foi alegada a inutilização das carpetes atingidas pela infiltração que justificasse a necessidade de adquirir novas carpetes. As carpetes existentes no local foram mandadas limpar conforme consta da matéria provada, tornando incompatível a prova da despesa da limpeza com a aquisição de bens que não existiam à data do sinistro, em caso de dúvida sobre a necessidade de substituição do bem, o facto deve ser considerado não provado, nos termos do disposto no art.º 414.º, do Código de Processo Civil.--- b. Aquisição de baldes e regadores, no valor de €32,90 – motivo: incompatibilidade com a impossibilidade de regar, por corte geral da água, e por ter sido provado que foi necessário substituir toda a relva existente por ter ficado seca por falta de rega. Por outro lado, a reposição da situação anterior segundo a teoria da diferença, não justifica in casu, a aquisição destes bens que os Demandantes não tinham e que ficaram a integrar o respetivo património; --- c. Aquisição de box de tv e cabos, no valor de €130,97 – motivo: os descritivos dos documentos de fls. 237 e 238 não se referem a box de tv, e nada foi alegado especificamente sobre os equipamentos de informática indicados nesses documentos; --- d. Aquisição de roupas e calçado, no valor de €247,36, motivo: com as necessárias adaptações, conforme indicado em a., e b., supra. --- e. Os Demandantes suportaram a quantia de €41,04, relativamente à energia elétrica que o desumidificador gastou durante a secagem da suite – motivo: falta de elementos de suporte documental que permitam quantificar o valor alegado de forma autónoma. O dano está englobado na indemnização pela privação do uso. ---- ---*--- Motivação da Matéria de Facto: --- Os factos provados resultaram da conjugação da audição de partes, dos documentos acima elencados de forma especificada, e do depoimento testemunhal prestado em sede de audiência de julgamento, tendo os vários elementos de prova sido apreciados de forma a compatibilizar toda a matéria de facto adquirida, tendo em conta os dados da experiência de senso comum e as características próprias a relação controvertida vivenciada pelas partes. --- Por declarações do Demandante consideram-se provados os factos respeitantes aos números 18; 31; 40 e 43. --- Tendo em conta que a Demandada declarou aceitar todos os factos alegados no requerimento inicial que não fossem incompatíveis com a sua defesa, e bem assim, que a impugnação dos factos foi estruturada com base na imputação da responsabilidade ao instalador, e na rejeição do valor dos danos, consideram-se admitidos por acordo, nos termos do n.º 2, do art.º 574.º, Código de Processo Civil, aplicável ex vi, art.º 63.º, da Lei dos Julgados de Paz, os factos constantes nos números 4; 8 e 9; 12 a 17; 20; 32 e 33; 35; 37 a 39; e 42, por considerar que os mesmos não estão em oposição à defesa no seu conjunto.--- O teor do relatório técnico de fls. 73, foi confirmado pelas declarações da testemunha [PES-5], única apresentada pela parte Demandante, que afirmou ser o autor do referido documento, e respondeu às perguntas da sua inquirição com objetividade, isenção e demonstrando razão de ciência. O depoimento da referida testemunha compaginado com o teor do relatório técnico de fls. 176 a 178, foi determinante para dar como provados os factos 20 a 28, e 34, da matéria provada. --- O relatório de fls. 176 a 186, foi considerado objetivo, isento e instruído de reportagem fotográfica credível. O referido documento mostra-se devidamente fundamentado em termos técnicos, e resulta compatível com o depoimento da testemunha [PES-6], apresentada pela Demandada, que prestou depoimento na qualidade de perito de averiguação de danos. --- As restantes testemunhas apresentadas pela Demandada responderam de forma genericamente isenta e credível, e da apreciação dos seus depoimentos resultam provados os factos correspondentes aos números 10 e 11, da matéria provada. --- Consigna-se que, para apuramento da matéria de facto não foi considerado o teor dos articulados, da audição das partes ou das testemunhas com matéria tida por irrelevante, conclusiva ou de direito. Os factos não provados resultam da ausência de elementos que permitam formar convicção positiva sobre os mesmos, conforme motivação acima mencionada. --- ---*--- Fundamentação – Matéria de Direito: --- O princípio da liberdade contratual, consagrado no art.º 405.º, do Código Civil, permite que, dentro dos limites da lei, as partes fixem livremente o conteúdo dos contratos, celebrem contratos diferentes dos previstos na lei ou incluam nestes as cláusulas que lhes aprouverem. --- Os factos da causa remetem-nos para a matéria da responsabilidade contratual numa relação de consumo, resultante de um contrato misto de compra e venda de materiais e subsequente empreitada, com vista à realização de trabalhos de construção civil na habitação dos Demandantes. - As questões a decidir são as seguintes: --- - Se as partes estabeleceram entre si um acordo para a realização de uma obra, e quais as prestações a que cada uma das partes ficou vinculada; --- - Se os Demandantes sofreram danos devido a desconformidades dos serviços adquiridos à Demandada; e na positiva, --- - Se a Demandada está obrigada a indemnizar, e qual a natureza, extensão e tutela dos danos sofridos em consequência dos factos descritos nos autos; --- - A responsabilidade pelas custas da ação. --- Vejamos se assiste razão aos Demandantes: --- Três notas iniciais para enquadramento jurídico da situação descrita nos autos: --- Primeiramente, cumpre afirmar que, na presente ação estamos perante uma relação jurídica de consumo, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, da Lei da Defesa do Consumidor, abreviadamente LDC (redação atualizada da Lei n.º 24/96, de 31 de junho) --- A característica fundamental da relação jurídica de consumo reside na verificação de requisitos cumulativos, respeitantes à específica qualidade de cada uma das partes contratantes e do objeto do contrato. — Assim, no contrato subjacente a uma relação de consumo o fornecedor, vendedor ou prestador de serviço é, necessariamente, um profissional, que atua no âmbito de uma atividade económica destinada à obtenção de benefícios e, ou, lucro; e que, por sua vez, o consumidor é uma pessoa particular, que atua no âmbito da satisfação de necessidades pessoais, adquirindo bens, serviços, ou direitos que são destinados ao uso não profissional. --- Assim é no caso sub judice, uma vez que a Demandada é uma sociedade comercial que atou no âmbito do desenvolvimento do seu objeto social e prossecução dos seus fins lucrativos, e em que os Demandantes intervieram como adquirentes de bens e serviços destinados a realizar obras de construção civil na sua habitação. --- Tratando-se de uma relação de consumo, os Demandantes gozam, ainda, de um regime especial de proteção dos seus direitos e legítimas expectativas, nos termos do disposto no art.º 3.º, n.º 1, al. a), Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de outubro. --- Com efeito, nos termos do art.º 3º alínea a), da Lei de Defesa do Consumidor (versão atualizada da Lei n.º 24/96, de 31 de julho), o consumidor tem direito à qualidade dos bens e serviços. --- In casu, com um aspeto subtil, mas a nosso ver importante, e que reside no facto de embora a compra e venda dos materiais apareça formalmente desligada dos serviços de execução da obra, o programa económico perspetivado pelas partes é materialmente o mesmo, ou seja, há verdadeiramente um único contrato misto celebrado entre as partes, no sentido em que, os Demandantes adquiriram aquele conjunto de materiais à Demandada, para serem aplicados em obra nos termos e condições da prestação de serviços desta, e em conformidade com o projeto e calendário convencionado com a mesma Demandada.--- Deste modo, a inexistência de desconformidades nos materiais vendidos não pode desonerar a Demandada da responsabilidade que lhe possa caber por má execução dos trabalhos, em especial, se a colocação ou instalação dos materiais em obra foi realizada deficientemente e causou danos. -- Consideramos que o que se acaba de afirmar é válido para todos os trabalhos previstos na prestação de serviços convencionada com a Demandada, mesmo que tenha havido um desdobramento do contrato através de uma intervenção de terceiro, o “instalador”, subsumível a uma subempreitada. -- Ora, tendo ficado provado que o “instalador” é escolhido por um departamento centralizado da Demandada, verifica-se uma relação comitente/comissário, para os efeitos do disposto no art.º 500.º, do Código Civil. --- Aliás, os termos e condições que regulam a intervenção do “instalador”, e a parceria estabelecida com a Demandada que lhe está subjacente (cf., fls. 309 a 382), vinculam exclusivamente interpares, e portanto, não são oponíveis aos Demandantes, cf., 406.º, n.º 2, do Código Civil. --- Em segundo lugar, estabelece o art.º 406.º, n.º 1, do Código Civil, que os contratos devem ser pontualmente cumpridos, e só podem modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei. A lei determina que o devedor cumpre a sua obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado, a qual, salvo convenção em contrário, deverá ser realizada integralmente e não por partes (cf., artigos 762.º, e 763.º, ambos do Código Civil). --- Por outro lado, no âmbito da responsabilidade contratual, como no caso dos autos, tem aplicabilidade o disposto no art.º 799.º, do Código Civil, que estabelece uma presunção legal de culpa do devedor, incumbindo-lhe provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua. --- Em terceiro lugar, é pertinente afirmar que a noção de empreitada é legalmente estabelecida como, “o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço.” (cfr., art.º 1207.º, do Código Civil). – Da empreitada derivam obrigações recíprocas e interdependentes para ambas as partes. Assim, com a celebração do contrato, nasce para o empreiteiro a obrigação de realizar a obra nas condições acordadas e sem vícios; e para o dono da obra, como contrapartida, nasce o dever de pagar integralmente o preço. --- Por sua vez, nos termos do artigo 1213.º, do Código Civil, a subempreitada tem como pressupostos, a existência de um contrato prévio de empreitada, nos termos do qual o empreiteiro se vincula a realizar uma obra, e a celebração de um segundo negócio jurídico, por cujos termos o subempreiteiro se obriga, para com o empreiteiro, a realizar toda ou parte da mesma obra.--- Assim, a subempreitada está sempre subordinada a um contrato de empreitada pré-existente, em que o subempreiteiro se apresenta como um “empreiteiro do empreiteiro”, também adstrito a uma obrigação de resultado. -- Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, é o empreiteiro que deve responder perante o dono da obra pelas desconformidades na execução do contrato, ou seja, pelas deficiências no resultado obtido, podendo exercer o direito de regresso relativamente ao subempreiteiro. --- Ficou provado que a válvula de corte do autoclismo da casa-de-banho que foi intervencionada pelo “instalador”, na sequência do contrato celebrado entre as partes na presente ação, foi colocada de forma incorreta, o que deu origem a uma infiltração que provocou danos. --- Também ficou provado que a parte Demandante denunciou a situação logo que dela teve conhecimento, e que imediatamente após ter sido determinada a origem da infiltração, a mesma foi resolvida pelo “instalador”. --- O peticionado nos autos respeita aos danos colaterais ou sequenciais, isto é, os danos no imóvel e nos bens dos Demandantes, resultantes dos defeitos da obra. --- Por aquilo que já foi afirmado supra, resulta claro que os Demandantes provaram a desconformidade do serviço prestado com o contrato, o que leva a afirmar que o contrato não foi devidamente cumprido, sendo o facto ilícito e causador de vários danos imputáveis à Demandada. --- Sobre o pedido de indemnização pelos danos patrimoniais no montante de €7.762,93: --- Resulta da prova que os Demandantes incorreram em encargos e despesas que apresentam um evidente nexo de causalidade com o cumprimento defeituoso do contrato, pelo que, a ação deve ser declarada parcialmente procedente nesta parte do pedido, pelo montante de €7.270,67, correspondente ao valor do somatório das alíneas do número 41, da matéria provada. --- Sobre a privação do uso do quarto €1.000,00: --- Ficou provado que os Demandantes ficaram com o seu quarto temporariamente inutilizável. --- Com efeito, resulta da prova que os Demandantes, a expensas suas, repuseram as condições de utilização da suite, cerca de dois meses após terem detetado os danos. --- Também ficou provado que a Demandada declinou a sua responsabilidade, pelo que, o período de tempo acima mencionado é inteiramente imputável à mesma. --- Ficou ainda provado que, os Demandantes tiveram que dedicar parte do seu tempo às limpezas e mudanças de mobiliário, suportaram novas obras para reparação dos danos, gastaram eletricidade suplementar com a alimentação de um desumidificador, tiveram deslocações e efetuaram outras diligências para tratar do assunto, e para repor a sua habitação no estado equivalente ao momento anterior à produção dos danos. --- O referido circunstancialismo corresponde a danos patrimoniais, decorrentes da privação das utilidades proporcionadas pelos bens afetados pela infiltração descrita nos autos. --- Não sendo viável aferir a quantificação rigorosa do valor pecuniário de tais danos, o mesmo terá de ser determinado por recurso à equidade, nos termos do disposto no n.º 3, do art.º 566.º, do Código Civil. --- Assim, tendo em conta os factos provados, nomeadamente, o período de tempo da privação, a extensão e a natureza dos danos, considero adequada a quantia global de €650,00, pelo que a ação deverá ser declarada parcialmente procedente nesta parte do pedido. --- Sobre o pedido de condenação no montante de €6.000,00 por danos não patrimoniais: -- O art.º 496.º, do Código Civil, dispõe o seguinte: “1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.” --- Da letra do citado preceito legal, resulta claro que o legislador quis restringir a tutela do direito aos danos que, pela sua gravidade não possam ser tolerados, impondo-se a respetiva compensação ao lesado. --- Por outro lado, em sede de compensação por danos não patrimoniais, por não se estar perante a lesão de interesses suscetíveis de avaliação pecuniária, o dano não corresponde a um prejuízo determinado ou materialmente determinável, reparável por reconstituição natural ou através de um sucedâneo em dinheiro, mas a uma lesão de ordem moral ou espiritual apenas indiretamente compensável através de utilidades que o dinheiro possa proporcionar. (Vide, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. 177/16.3T8FIG.C1, disponível em www.dgsi.pt).--- No entanto, não sendo necessária uma gravidade extrema, não são todos os desgostos, todas as dores e sofrimentos que têm a gravidade suficiente para merecerem a tutela do direito, mas só alguns desses desgostos particularmente graves (idem). --- Assim, para efeitos indemnizatórios, a lei apenas elege os danos não patrimoniais que “pela sua gravidade mereçam a tutela do direito” (artigo 496°, n.º 1, do Código Civil), ou seja, aquele dano que “sai da mediania, que ultrapassa as fronteiras da banalidade. Um dano considerável que, no seu mínimo, espelha a intensidade duma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação”. (Vide, Acórdão do S.T.J., de 4.3.2008, no processo 08A164, em www.dgsi.pt.). --- Por isso, como pressuposto da obrigação de indemnizar, o dano tem de apresentar um grau de gravidade tal, que a atribuição de uma indemnização ao lesado configure um imperativo de elementar justiça, porque o dano não deve ser tolerado. --- Assim, nos termos do citado art.º 496.º, do Código Civil, não são suscetíveis de compensação, a título de danos morais, por exemplo, os desgostos sofridos com a destruição de coisas, porque não têm gravidade que mereça a tutela do direito e devem ser tolerados por constituírem uma contingência natural da interação em sociedade, na condição humana. --- Por outro lado, a avaliação da gravidade da lesão tem de aferir-se segundo um padrão objetivo e não à luz de fatores subjetivos. --- Neste sentido, grande parte da doutrina e da jurisprudência tem entendido que as simples contrariedades ou incómodos não apresentam um nível de gravidade objetiva suficiente, para os efeitos de aplicabilidade do disposto no n.º 1, do artigo 496.º, do Código Civil. --- Ora, o que se provou no caso dos autos, a título de danos não patrimoniais, foram apenas aborrecimentos e arrelias, enquadráveis nas comumente apelidadas «contrariedades da vida» que não ultrapassam o grau de tolerância correspondente ao padrão de normalidade social e que, por isso, não devem ser indemnizados. --- Compreende-se que, a idade avançada e eventuais patologias que os Demandantes possam padecer, são fatores que concorrem para uma maior vulnerabilidade, suscetível de ampliar ao nível psicológico o potencial lesivo do incumprimento contratual e dos danos causados pela infiltração. --- Todavia, as condições especiais dos Demandantes são preexistentes aos factos e não podem servir para critério de decisão: é a gravidade objetiva da lesão e o grau de culpa do agente que, em primeira linha, devem modelar a atribuição da compensação monetária por danos não patrimoniais. – Com isto, o tribunal não desconhece, nem desvaloriza o transtorno e ansiedade que a situação descrita nos autos, certamente, provocou aos Demandantes. --- Admite-se que que os Demandantes sofreram danos morais, mas tais danos não atingiram a gravidade suficiente para serem indemnizáveis. --- No caso concreto, considerando a matéria provada, não nos parece que se ultrapasse o nível das contrariedades e incómodos toleráveis. --- Assim, deve improceder a ação, relativamente ao pedido de condenação da parte Demandada por danos não patrimoniais. --- ---*--- Decisão: --- Atribuo à causa o valor de €14.762,53, por corresponder à quantia em dinheiro que o Demandante pretendia obter no momento da propositura da ação, cf., normas conjugadas dos artigos 306.º, n.º 1; 297.º, n.º 2; e 299.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi, art.º 63.º, da Lei dos Julgados de Paz. --- Pelo exposto e com os fundamentos acima invocados: --- Julgo a presente ação parcialmente procedente por parcialmente provada, e consequentemente, condeno o Demandado a pagar ao Demandante a quantia global de €7.920,67. -- Mais decido absolver a Demandada do restante peticionado na presente ação. --- Custas: --- As custas no montante de €70,00 (setenta euros), são da responsabilidade de ambas as partes na proporção do respetivo decaimento, que fixo em 54%, para a Demandada, e 46%, para a parte demandante. --- Assim, a Demandada deverá proceder ao pagamento da quantia de €37,80. --- Por sua vez, a parte demandante deverá proceder ao pagamento da quantia de €32,20. --- * Os pagamentos deverão ser efetuados no prazo de três dias úteis, mediante liquidação das respetivas guias de pagamento (DUC), emitidas pela secretaria do Julgado de Paz. --- * Extraia as guias (DUCs), e notifique para pagamento das custas juntamente com cópia da presente decisão. --- Após os três dias úteis do prazo legal, aplica-se uma sobretaxa no montante de €10,00 (dez euros), por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação, até ao máximo de €140,00 (cento e quarenta euros). --- O valor da sobretaxa aplicável acresce ao montante da taxa de justiça em dívida. --- * Após trânsito, verificando-se a falta de pagamento das custas, mesmo após o acréscimo da referida sobretaxa legal, conclua para emissão de certidão para efeitos de execução fiscal, a instaurar junto dos competentes serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), pelo valor das custas em dívida acrescidas da respetiva sobretaxa. * Registe. --- Notifique pessoalmente em sede de audiência de discussão e julgamento, nos termos do disposto no artigo 60.º, n.ºs 1 e 2, da Lei dos Julgados de Paz. --- Envie cópia da mesma aos intervenientes processuais que, eventualmente, faltarem na data agendada para a prolação da sentença, cf., artigo 46.º, n.º 3, da Lei dos Julgados de Paz. --- ---*--- Julgado de Paz de Setúbal, 26 de novembro de 2024 O Juiz de Paz
_________________________ Carlos Ferreira |