Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 52/2012-JP |
Relator: | PAULA PORTUGAL |
Descritores: | CONDOMÍNIO – ANIMAIS NA FRACÇÃO |
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Data da sentença: | 09/19/2012 |
Julgado de Paz de : | VILA NOVA DE GAIA |
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Decisão Texto Integral: | SENTENÇA I – IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES Demandantes: 1 - A, 2 - B e 3 - C Demandado: D II – OBJECTO DO LITÍGIO Os Demandantes vieram propor contra o Demandado, a presente acção declarativa enquadrada na alínea c) do nº 1 do Art.º 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, pedindo a condenação deste a cumprir o Regulamento do Condomínio, retirando o animal do prédio; e ainda ser condenado a pagar os custos resultantes da instauração da presente acção, cujo montante se remete para execução de Sentença; bem como a pagar a quantia de € 200,00 mensais por cada dia de incumprimento na retirada do animal, após decisão do Tribunal. Alegaram, para tanto e em síntese, que o Demandado reside no prédio desde 2009; nesse prédio, os condóminos aprovaram o Regulamento do Condomínio, o qual prevê no art.º 5º, alínea 5.3, que não é permitido aos condóminos reter no prédio, mesmo nas fracções autónomas, animais que possam prejudicar a higiene ou o sossego do prédio, ou ainda a segurança das pessoas; e de acordo com a alínea 5.7 do mesmo artigo Regulamento do Condomínio, é expressamente vedado aos condóminos lançar quaisquer detritos para o exterior ou para as partes comuns do prédio; para além do Regulamento, o Condomínio tem afixado no placard da entrada do prédio um aviso que diz “É proibido ter animais, cão/cães, neste edifício”; acontece que o Demandado possui um cão, o qual tem vindo a alterar a tranquilidade do prédio e dos moradores pois ladra e gane, inclusive, durante a noite; o animal circula no terraço anexo à habitação (3º Esquerdo), o qual é uma parte comum do prédio e que serve de cobertura às fracções imediatamente abaixo; para além disso, o Demandado tem lançado pelo tubo de queda de águas pluviais os dejectos do referido animal e restos de comida do mesmo; já foram encontrados dejectos do cão no pátio circundante ao edifício e que são lançados pelo tubo de queda de águas pluviais; esse pátio é parte comum do prédio e serve de entrada e saída do edifício e de acesso às garagens; O Regulamento supra referido foi entregue ao Demandado aquando da sua vinda para o prédio; o Demandado foi contactado pessoalmente pela Administração do Condomínio e, posteriormente, a 10.08.2011, foi-lhe enviada uma carta registada, no sentido do cumprimento do Regulamento, carta essa que não deu o resultado pretendido pois o Demandado teima em não retirar o animal; o animal em questão causa todos os incómodos descritos, sobretudo aos condóminos do 2º Esquerdo e do 2º Frente, vendo-se os mesmos afectados no seu sossego e saúde; para além de ter vindo a alterar a tranquilidade dos condóminos, tem o referido animal vindo a prejudicar a higiene do prédio, nomeadamente, as partes comuns; o Demandado desrespeitou as regras que foram estipuladas pelo Condomínio e agiu de má-fé ao introduzir um cão na sua fracção, sabendo que não o podia fazer e sem pedir autorização ao Condomínio; daí que, por deliberação da Assembleia de Condóminos de 14.10.2011, os condóminos deram poderes à Administração do Condomínio para poder agir em juízo no tocante às partes comuns. Juntaram documentos. O Demandado, regularmente citado, apresentou Contestação onde alega que nunca lhe foi entregue a convocatória da Assembleia de Condóminos e a consequente acta/deliberação que aprovou o Regulamento do Condomínio; é verdade que possui um canídeo de raça Poodle, vulgarmente apelidado de “caniche anão”, de nome T; a T é um animal de estimação, de raça canina e é considerada a segunda raça mais inteligente do mundo; em termos físicos, o poodle é um cão de porte pequeno, medindo entre 28 e 35 cm do garrote, em idade adulta; é um cão de companhia, muito inteligente, e que não é susceptível a doenças transmissíveis ao Homem; é falso que a T perturbe ou tenha vindo a alterar a tranquilidade do prédio e dos moradores, através do ladrar ou do ganir, inclusive, durante a noite; a Tufa é um animal sossegado, amistoso, está habituado a permanecer e a dormir no exterior da habitação, não emite barulhos e à noite dorme sossegada, como todos os outros animais que permanecem no prédio, porque, além da T, residem, ou já residiram, outros animais no prédio, nomeadamente, o gato do condómino do 2º Esquerdo; assim, pela presente via, o Condomínio pretende adoptar um regime de excepção para a T; é também falso que o Demandado tenha lançado pelo tubo de queda de águas pluviais os dejectos do canídeo e restos de comida, pois que, o Demandado, diariamente, limpa e coloca a comida no recipiente destinado à alimentação da T e limpa o local onde a T permanece, recolhendo os restos de comida e os dejectos que possam lá existir, colocando-os num saco plástico, que de seguida é levado para o depósito público de lixo; além disso, os dejectos de cão que os Demandantes dizem ter sido encontrados no pátio circundante ao edifício, poderão pertencer a um qualquer outro animal e não terem sido lançados pelo tubo de queda de águas pluviais; não se compreende, também, como poderão ser afectados na sua saúde, se os condóminos do 2º Andar não estão em contacto com o canídeo. Os Demandantes recusaram a fase da Mediação, pelo que se determinou a marcação da Audiência de Julgamento, a qual se realizou com observância das formalidades legais como da acta se infere. Cumpre apreciar e decidir. III – FUNDAMENTAÇÃO Da prova carreada para os autos, resultaram provados os seguintes factos: A) O Demandado reside no prédio sito em Vila Nova de Gaia; B) O Regulamento do Condomínio do Edifício prevê no art.º 5º, alínea 5.3, que não é permitido aos condóminos reter no prédio, mesmo nas fracções autónomas, animais que possam prejudicar a higiene ou o sossego do prédio, ou ainda a segurança das pessoas; C) De acordo com a alínea 5.7 do mesmo artigo do Regulamento do Condomínio, é expressamente vedado aos condóminos lançar quaisquer detritos para o exterior ou para as partes comuns do prédio; D) O Condomínio tem afixado no placard da entrada do prédio um aviso que diz “É proibido ter animais, cão/cães, neste edifício”; E) O Demandado possui um cão; F) O animal circula no terraço anexo à habitação (3º Esquerdo), o qual é uma parte comum do prédio e que serve de cobertura às fracções imediatamente abaixo; G) Foram encontrados, uma vez, dejectos do cão no pátio circundante ao edifício e que foram lançados pelo tubo de queda de águas pluviais; H) Esse pátio é parte comum do prédio e serve de entrada e saída do edifício e de acesso às garagens; I) O Regulamento supra referido foi entregue ao Demandado aquando da sua vinda para o prédio; J) O Demandado foi contactado pessoalmente pela Administração do Condomínio e, posteriormente, a 10.08.2011, foi-lhe enviada uma carta registada, no sentido do cumprimento do Regulamento; K) Por deliberação da Assembleia de Condóminos de 14.10.2011, os condóminos deram poderes à Administração do Condomínio para poder agir em juízo no tocante às partes comuns; L) O Demandado possui um canídeo de raça Poodle, vulgarmente apelidado de “caniche anão”, de nome T; M) Em termos físicos, o poodle é um cão de porte pequeno, medindo entre 28 e 35 cm do garrote, em idade adulta; N) A T é um animal sossegado e amistoso; O) O Demandado coloca a comida no recipiente destinado à alimentação da T e limpa frequentemente o local onde a mesma permanece, recolhendo os restos de comida e os dejectos que possam lá existir, colocando-os num saco plástico, que de seguida é levado para o depósito público de lixo. Motivação dos factos provados: Os factos A), E), F), H), I), J) e K) foram expressamente aceites pelo Demandado na sua Contestação e o facto G) foi confirmado pelo Demandado em Audiência de Julgamento, o qual referiu que, efectivamente, ocorreu aquela situação pontual de numa ocasião os dejectos do animal terem ido pelo cano abaixo, referindo ainda que logo no inicio em que o cão foi para a fracção, caiu e partiu uma pata, tendo, de facto, nesse dia ganido aflito com as dores. Para os factos B), C) e D) atendeu-se aos documentos de fls. 6 a 9 e para os factos J) e K) consideraram-se os de fls. 11, 12 e 14 a 16 v.. Para os demais factos relevou o depoimento da testemunha E, mãe do Demandado, por ser frequentadora habitual da casa do filho, tendo declarado que a cadela é muito pequenina, tendo o Demandado a levado para casa para fazer companhia à filha de 7 anos que está muito afeiçoada ao animal; quando está sozinha, a cadela está no pátio e à noite dorme com o Demandado ou com a neta; o Demandado é muito asseado, tendo sempre limpo o pátio onde está o cão. Não foi provado que: I. O cão do Demandante tem vindo a alterar a tranquilidade do prédio e dos moradores pois ladra e gane, inclusive, durante a noite; II. O Demandado tem lançado pelo tubo de queda de águas pluviais os dejectos do referido animal e restos de comida do mesmo; III. O animal em questão causa todos os incómodos descritos, sobretudo aos condóminos do 2º Esquerdo e do 2º Frente, vendo-se os mesmos afectados no seu sossego e saúde; IV. Para além de ter vindo a alterar a tranquilidade dos condóminos, tem o referido animal vindo a prejudicar a higiene do prédio, nomeadamente, as partes comuns; V. Além da T, residem, ou já residiram, outros animais no prédio, nomeadamente, o gato do condómino do 2º Esquerdo. Motivação dos factos não provados: Resultaram de ausência de mobilização probatória que atestasse a veracidade dos mesmos, tendo, inclusivamente, os factos I. a IV. sido contrariados pelo depoimento das testemunhas arroladas pelos Demandantes. Ademais, a própria Demandante C, que reside na fracção correspondente ao 2º Andar Esquerdo, por baixo da do Demandado, confessou em Audiência de Julgamento, confissão essa devidamente consignada em acta, que o cão não a incomoda. Relativamente à Demandante B, alegadamente lesada e que vive também no 2º Andar, não compareceu em Audiência, tendo-se feito representar por mandatária, sendo certo que nenhuma das testemunhas declarou ouvir o cão a ladrar, à excepção de uma (F, condómino no prédio) que referiu que só ouve o cão latir quando está fora de casa pois o pátio onde ele se encontra dá para a rua mas quando está dentro da sua habitação não ouve nada. Mais declarou esta testemunha ter visto uma única vez os dejectos do animal no fundo do cano que transporta as águas. IV - DO DIREITO Do confronto dos art.ºs 1414º a 1416º do Código Civil extrai-se que existe propriedade horizontal quando as fracções de que se compõe um edifício estão em condições de constituírem unidades independentes, havendo no mesmo prédio fracções individualizadas de propriedade privada, perfeitamente distintas, afectas ao uso exclusivo do proprietário, ao lado de partes comuns adstritas ao uso de todas ou de algumas fracções, objecto de compropriedade. Neste regime, cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício (art.º 1420º, n.º 1 do C. Civil). Desta simbiose entre a propriedade sobre a fracção autónoma e a compropriedade forçada (n.º 2 do citado art.º 1420º) sobre as partes comuns do edifício resulta que os condóminos sofrem, no exercício deste novo direito, restrições ou limitações ditadas pela necessidade de conciliar os interesses de todos, dado existirem entre eles especiais relações de interdependência e de vizinhança. Nas relações entre si, os condóminos estão sujeitos, quanto às fracções que exclusivamente lhes pertencem, às limitações impostas aos proprietários e, relativamente às partes comuns, às limitações impostas aos comproprietários de coisas imóveis (art.º 1422º, n.º 1 do C. Civil). Quanto às suas fracções, os condóminos estão sujeitos não só às restrições e limitações ao exercício do direito de propriedade normal e legalmente impostas em termos gerais, mas também às que decorrem da relação de proximidade ou comunhão em que vivem, visando sempre salvaguardar interesses de ordem pública: interesses públicos e colectivos, relacionados com condições de salubridade, estética e segurança dos edifícios, bem como das condições estéticas, urbanísticas e ambientais (cfr. Aragão Seia, Propriedade Horizontal, 2ª ed., pág. 102, referindo o acórdão do TC publicado no DR, II série, de 5/8/99). Segundo o n.º 2, al. d) do citado art.º 1422º é especialmente vedado aos condóminos “praticar quaisquer actos ou actividades que tenham sido proibidos no título constitutivo ou, posteriormente, por deliberação da assembleia de condóminos aprovada sem oposição”. A detenção de certas espécies de animais domésticos é, precisamente, um exemplo de acto material incluído nestas proibições, dado pelos Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, para quem “Todas as restrições de origem negocial, quer quanto ao destino das fracções autónomas, quer quanto aos actos materiais ou jurídicos que os condóminos não podem praticar, fazem parte integrante do estatuto do condomínio, o que equivale a dizer que têm natureza real e, portanto, eficácia erga omnes, prevalecendo sobre qualquer negócio que com elas se não harmonize” (cfr. Código Civil Anotado, vol. III, 2ª ed., págs. 426 e 427). No caso em apreço, para além de ter sido confessado por uma das Demandantes – o que nos leva a questionar da razão de vir agora litigar, correndo o risco de incorrer em condenação por litigância de má-fé -, foi declarado pelas próprias testemunhas dos Demandantes que o cão do Demandado não incomoda os demais utentes do Edifício, não se indiciando aqui qualquer situação de violação dos direitos de personalidade dos restantes condóminos, que atentasse contra o seu direito ao repouso, saúde e tranquilidade. Vejamos. O problema de saber se um condómino pode ou não deter, e em que termos, animais numa fracção autónoma de um prédio constituído em propriedade horizontal tem vindo a ganhar novas proporções nos dias que correm, devido ao aumento do número de animais de companhia, em especial cães e gatos, detidos em apartamentos. A Assembleia não pode impor a proibição de existirem animais dentro de uma fracção autónoma. Se esta proibição não estiver estabelecida no título, a Assembleia só pode proibi-los através de uma deliberação aprovada sem qualquer oposição. Pode proibir, desde que essa disposição seja votada por unanimidade. Todavia esta disposição não vincula futuros condóminos que não tenham participado na reunião que aprovou tal deliberação, sendo certo que quando o Demandado adquiriu a fracção, já havia sido aprovado o Regulamento do Condomínio. Mais, O dito Regulamento não proíbe a existência de animais mas tão só a retenção daqueles que possam prejudicar a higiene ou o sossego do prédio, ou ainda a segurança das pessoas. Ainda que proibisse, é importante que ao estabelecerem esta proibição, os condóminos indiquem claramente a espécie de animal proibido, tendo em consideração essencialmente os distúrbios e a higiene. Para que se possa proibir a existência de animais, terá que se verificar em concreto se estes são efectivamente prejudiciais para o condomínio. Ademais, os animais são “parte” do nicho familiar, englobados na esfera particular. Ninguém se pode opor a que eles vivam em casa, dentro do espaço privado, pois é um direito consagrado na lei. Tendo por adquirido que o valor social do condomínio se articula axiologicamente com a habitação e com a família, a resposta ao problema da detenção de animais num edifício constituído em propriedade horizontal deve reflectir, inevitavelmente, a sedimentação valorativa do crescente reconhecimento do papel dos animais na realização pessoal do indivíduo e da sua importância enquanto membros da colectividade familiar. Atente-se que, no caso, o Demandado possui o animal, a conselho pediátrico para o desenvolvimento social e bem estar da sua filha de 7 anos. A lei permite que todas as pessoas tenham animais e que estes vivam consigo nas suas casas, sendo que, o dono é sempre responsável por todas as situações em que o animal se envolva, devendo garantir as condições de salubridade e tranquilidade da vizinhança. De facto, existe legislação que regulamenta as exigências quanto aos cuidados a ter com os animais nos apartamentos. Porém, não existe legislação que proíba as pessoas de os terem. O código civil considera os animais pertença (um bem) das pessoa, tornando-as por eles responsáveis em todas as situações, logo, as pessoas não podem ser espoliadas dos seus pertences e ou bens por qualquer deliberação. O condomínio é um espaço de convívio e nesse convívio os animais participam não como coisas mas como conviventes. Como é natural, e de acordo com as regras da sã convivência, entre conviventes é necessário suportar os pequenos incómodos causados pelos outros. Quando esses incómodos ultrapassam o grau de razoabilidade e de tolerabilidade, o legislador coloca à disposição, através de meios de direito público ou de direito privado, uma série de meios e instrumentos adequados e bastantes para a protecção contra danos causados pela detenção de um animal numa fracção autónoma. A interpretação das proibições de detenção de animais, constantes do título constitutivo ou resultantes de acordo condominial, deve ser feita de acordo com referentes constitucionais e, tendo em consideração o princípio da unidade do ordenamento jurídico, as valorações feitas em sede de Direito Civil, ao nível do direito de vizinhança e da tutela da personalidade. As deliberações da assembleia de condóminos e as decisões do administrador, que regulem a detenção de animais num prédio em propriedade horizontal, têm de ser justificadas pelo interesse colectivo do condomínio, enquanto elemento conformador da actividade administrativa. Vai, por conseguinte, improcedente o pedido. |