Sentença de Julgado de Paz | |
| Processo: | 70/2023-JPVNG |
| Relator: | PAULA PORTUGAL |
| Descritores: | DIREITO DE PASSAGEM |
| Data da sentença: | 05/07/2024 |
| Julgado de Paz de : | VILA NPVA DE GAIA |
| Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 70/2023-JPVNG SENTENÇA I – Identificação das partes Demandante: [PES-1], residente na [...], n.º 729, [Cód. Postal-1] [...], [...]. Demandados: [PES-2], residente na [...], n.º 785, [Cód. Postal-1] [...], [...]; e [PES-3], residente na [...], n.º 779, [Cód. Postal-1] [...], [...]. II – Objecto do litígio O Demandante veio propor contra os Demandados, a presente acção declarativa destinada a resolução de litígios entre proprietários de prédios vizinhos, enquadrada na alínea d) do n.º 1 do Art.º 9º da Lei n.º 78/2001 de 13.07 (LJP), alterada pela Lei n.º 54/2013 de 31.07, pedindo a condenação destes a reconstituirem o caminho de acesso aos terrenos do Demandante, como inicialmente se encontrava, retirando toda a terra colocada e o cabo elétrico instalado por baixo desta, bem como a reconstruirem a passagem de água da Presa do Vale que o Demandante tem direito para regadio e que foi pelos Demandados destruída; e ainda a serem estes advertidos para se absterem de comportamentos ofensivos para com o Demandante e seus familiares. Alegou, para tanto, que é proprietário do bem imóvel designado de [...], sito no lugar da [...], freguesia de [...], concelho de [...], descrito na Conservatória do Registo Predial de [...] – freguesia de [...], sob o n.º ...../20010209, e inscrito na matriz predial urbana sob o art.º ......; o referido terreno tem direito a um dia de água de 15 em 15 dias, para rega, da Presa do Vale, e mais meio dia de água, para rega, de 20 em 20 dias, da Presa da Cimalha; acontece que os Demandados, há uns tempos a esta parte, mais concretamente, desde finais de Junho de 2020, têm vindo a colocar terra no caminho de acesso aos restantes terrenos, passando pelo terreno propriedade do Demandante; essa colocação de terra tem caimento para o terreno do Demandante, obstruindo inclusive a passagem de água da [ORG-1] que o Demandante tem direito para rega, danificando a respectiva tubagem e estrutura do próprio terreno; para além da colocação da supra mencionada terra, foi colocado um cabo elétrico por baixo dessa terra, com o intuito de abastecimento de energia elétrica para outro campo pertença do primeiro Demandado; do modo como se encontra o dito cabo elétrico torna-se um perigo constante tanto para o Demandante como para quem passa pelo caminho a pé, até mesmo para os animais; o Demandante sente-se lesado por todos estes comportamentos dos Demandados. Juntou documentos. O Demandado [PES-2], regularmente citado, apresentou Contestação onde alega que os factos alegados pelo Demandante não têm qualquer fundamento, uma vez que o contestante nunca praticou qualquer acto que pudesse lesar ou limitar os interesses daquele ou o seu direito ao uso da água de rega; o Demandado é proprietário de um prédio rústico destinado a cultivo, sendo o acesso ao mesmo feito exclusivamente por caminho de servidão; com a concordância dos demais proprietários de terrenos rústicos confinantes que utilizam o caminho, e para que todos eles pudessem aceder de trator aos seus terrenos de cultivo, há cerca de sete anos, o Demandado regularizou o pavimento do caminho, que era em terra batida e na altura da chuva ficava enlameado e inacessível, colocando-lhe pó de pedra; no entanto, foi já há sete anos, e todos os demais usuários do caminho consentiram a colocação do pó de pedra, uma vez que tal só beneficiava e facilitava o acesso aos seus terrenos; não entende o Demandado o que pretende agora, decorridos sete anos, o Demandante; não consegue perceber de que forma a colocação de pó de pedra poderia interferir ou obstruir a passagem de água que se encontra na sua maioria encanada; mais falso ainda é que tenha colocado um cabo elétrico por baixo da terra que, a existir, não foi por si colocado nem lhe pertence. O Demandado [PES-3] veio na sua Contestação alegar que foi com estupefação que recebeu a citação nos presentes autos, não entendendo o que pretende o Demandante, muito menos a sua causa de pedir; o Demandado reside, a título de comodato, na [...], n.º ..., em [...], [...], numa habitação completamente murada, não sendo proprietário ou usuário de qualquer terreno rústico nas imediações do imóvel propriedade do Demandante; assim, o contestante não tem legitimidade e não poderia nunca fazer o que quer que fosse em terrenos ou caminhos de acesso aos mesmos; não colocou terra no caminho de acesso nem qualquer cabo elétrico no mesmo. Ambas as partes participaram na sessão de Pré-Mediação, seguida de Mediação, da qual não resultou Acordo, pelo que se procedeu ao agendamento da Audiência de Julgamento, a qual se realizou com observância das formalidades legais como da Acta se infere. Fixo o valor da acção em €5.000,01 (cinco mil euros e um cêntimo). Cumpre apreciar e decidir. III – Fundamentação Da prova carreada para os autos, resultaram provados os seguintes factos: A) O Demandante é proprietário do bem imóvel designado de [...] de Baixo, sito no lugar da [...], freguesia de [...], concelho de [...], descrito na Conservatória do Registo Predial de [...] – freguesia de [...], sob o n.º ...../20010209, e inscrito na matriz predial urbana sob o art.º ....... – cfr. caderneta predial urbana e certidão permanente a fls. 8 e 9; B) O referido terreno tem direito a um dia de água de 15 em 15 dias, para rega, da Presa do Vale, e mais meio dia de água, para rega, de 20 em 20 dias, da Presa da Cimalha – cfr. relação de bens a fls. 10 a 14; C) O Demandado [PES-2] é possuidor de um prédio rústico destinado a cultivo, sendo o acesso ao mesmo feito por caminho de servidão; D) O Demandado [PES-5] reside (não foi apurado a que título), na [...], n.º 779, em [...], [...]. Motivação dos factos provados: Consideraram-se os suprarreferidos documentos, bem como o depoimento das testemunhas, todos eles vizinhos das partes. Não foi provado que: I. Os Demandados, há uns tempos a esta parte, mais concretamente, desde finais de junho de 2020, têm vindo a colocar terra no caminho de acesso aos restantes terrenos, passando pelo terreno propriedade do Demandante; II. Essa colocação de terra tem caimento para o terreno do Demandante, obstruindo inclusive a passagem de água da Presa do Vale que o Demandante tem direito para rega, danificando a respectiva tubagem e estrutura do próprio terreno; III. Para além da colocação da supra mencionada terra, foi colocado pelos Demandados um cabo elétrico por baixo dessa terra, com o intuito de abastecimento de energia elétrica para outro campo pertença do primeiro Demandado. Motivação da matéria de facto não provada: Resultou da ausência de mobilização probatória credível que atestasse a veracidade dos factos. Refira-se que nenhuma das testemunhas arroladas viu alguma vez os Demandados a colocarem terra no caminho de servidão. Desde logo, as testemunhas arroladas pelo Demandante: - [PES-6], doméstica, vizinha das partes, declarou que trabalhava para o Demandante de vez em quando, ia ajudar; reside ali há quarenta anos; há cerca de três anos taparam o rego; não viu quem foi mas o caminho está diferente porque havia um desnível para o lado oposto; não viu ninguém a colocar terra; actualmente a água espalha-se; deixou-se de fazer o rego desde que ficou tudo plano; o Demandante tem poço de água e tem direito a uns dias certos de água de rega. - [PES-7], agricultor, vizinho das partes, declarou que nasceu e sempre viveu naquele local; partilha a água com o Demandante; já não rega há muito, há cerca de quatro anos; um vizinho de cima encanou a água; passou naquele caminho muitas vezes com um trator; havia um rego de água; não viu quem o tapou; o caminho tinha declive para o lado oposto; um outro vizinho encanou a água mas se o rego for afundado passa água na mesma vinda de uma presa a cerca de 300/400 metros. - [PES-8], reformada, declarou que trabalha para o Demandante há muitos anos; conhece os terrenos ali à volta há mais de sessenta anos; toda a vida a água correu do lado de lá do caminho; a água passava; não sabe há quanto tempo deixou de passar, não passa ali há algum tempo; o Demandante usava a água que vinha da presa para regar; veio muitas vezes ajudar o Demandante a limpar o rego e a Presa do Vale; já não limpa o rego há uns poucos de anos porque ninguém o quer limpar; não viu ninguém a entulhar o rego; ajudou o Sr. Fontes a entubar o rego para impedir que a água fosse para as propriedades dele; a água pode correr na mesma no final da água entubada se o rego for limpo. Quanto ao depoimento, de [PES-9], mulher do Demandante, o mesmo não foi valorizado, pois, além do interesse directo na causa, foi patente a grande animosidade por parte desta em relação aos Demandados, não logrando convencer o Tribunal de que tenha visto em data que nem conseguiu precisar o camião do Demandado Armindo e um outro a despejar terra no caminho. E relativamente às testemunhas arroladas pelos Demandados: - [PES-10], reformado, vizinho das partes, declarou que fez o entubamento da água porque há duas casas que não têm saneamento público e despejam a fossa séptica no rego, provocando mau cheiro; entubou até ao fim da casa amarela, se abrir o rego, a água passa livremente; se o rego não for periodicamente refeito, passado um tempo não se vê rego nenhum; não viu os Demandados a taparem o rego, mora ali há setenta anos; a água vinha da [...] para abastecer os consortes; há cerca de uma dúzia de anos a água não passa por ali porque não limparam o rego. - [PES-11], construtor civil, primo dos Demandados, declarou que nada sabe do rego de água; passou no caminho para levar terra da piscina do Demandado para uns terrenos há cerca de dois/três anos; o Demandado Armindo também andou com o camião dele a levar terra para esses terrenos; não deixaram terra nenhuma no caminho. - [PES-12], aposentada, vizinha das partes, declarou que tem um terreno junto à casa do Demandante; desde pequena que andava com os tios a limpar o rego e a presa; a água não chega ao caminho há cerca de doze anos; todos os anos os regos tapam, ficam com erva, sujos, com o tempo vem a terra; agora não se limpa porque ninguém precisa da água; nunca viu ninguém a colocar terra no caminho, este teve sempre a configuração actual. - [PES-13], motorista, inquilino do Demandado [PES-2] desde 10.06.2017, declarou que desde que veio para ali viver nunca viu água a passar no caminho; passava no caminho com o trator do [PES-2] até há dois/três anos; limpam a erva com o tractor; com a chuva e com o vento, a terra acaba por ir caindo no caminho; apenas mexeram no caminho na parte de baixo, colocaram cerca de um carro de mão de terra, espalharam a terra do lado do rego para o meio do caminho por causa de umas covas que empoçavam. IV – Do Direito Estamos perante um caminho de servidão, também chamado de caminho de consortes, que serve, quer o ora demandante, quer os demais moradores das habitações contíguas, bem como os proprietários de terrenos de cultivo encravados. Ora, não obstante resultar da relação de bens junta que o prédio propriedade do Demandante tem direito a um dia de água de quinze em quinze dias, para rega, da Presa do Vale, e mais meio dia de água, de vinte em vinte dias, da [ORG-2], água essa que circularia por um rego no aludido caminho, pelo que se apurou, a dita água já não passa ali há mais de dez anos, desde logo porque já não é necessária para rega – refira-se que o Demandante tem um poço, além de que tal implicaria a limpeza da dita Presa do Vale e do rego, o que não vem a ser feito desde essa altura, sendo certo que os agentes erosivos vão arrastando terras do caminho e do combro, soterrando, juntamente com a vegetação espontânea que por ali prolifera, o dito rego. Mais, não foi provado que os Demandados tenham vindo, desde finais de Junho de 2020, a colocar terra no dito caminho nem que a alegada colocação de terra obstruiu a passagem de água da Presa do Vale, danificando inclusive a respectiva tubagem e estrutura do próprio terreno. Quanto ao alegado cabo elétrico, pelo que se apurou, já terá sido retirado, sendo certo que desconhecemos quem o colocou. Face ao exposto, a acção não poderá proceder. V – Decisão Face a quanto antecede, julgo improcedente a presente acção, e, por consequência, absolvo do pedido os Demandados [PES-2] e [PES-3]. Custas pelo Demandante, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido. Registe e notifique. Vila Nova de Gaia, 07 de junho de 2024 A Juiz de Paz (Paula Portugal) |