Sentença de Julgado de Paz
Processo: 166/2016-JP
Relator: LUÍS FILIPE GUERRA
Descritores: INCOMPETÊNCIA INTERNACIONAL E TERRITORIAL - ILEGITIMIDADE - NULIDADE DA CITAÇÃO - RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
Data da sentença: 11/04/2016
Julgado de Paz de : PORTO
Decisão Texto Integral: A, Lda., com os demais sinais identificativos nos autos, intentou a presente acção declarativa respeitante à responsabilidade civil contratual contra B, melhor identificada a fls. 18, pedindo a condenação da mesma a pagar-lhe a quantia global de 1400,00 €, sendo 1.200,00 € de créditos cessionados e 200,00 € de custos administrativos, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal aplicável às transacções comerciais, até integral pagamento.
Para tanto, a demandante alegou os factos constantes do requerimento inicial de fls. 3 e 4, que aqui se dá por reproduzido, tendo juntado ao mesmo quatro documentos.
Regularmente citada, a demandada apresentou a contestação de fls. 18 a 56, que aqui se dá por reproduzida, invocando nomeadamente a nulidade da citação e as excepções de incompetência internacional e territorial deste julgado de paz, bem como a ilegitimidade do demandante, além de pugnar pela improcedência da acção.
Não se realizou a sessão de pré-mediação, dado que a demandante afastou expressamente essa possibilidade.
Posto isso, a demandante foi convidada a pronunciar-se sobre a matéria de excepção deduzida pela demandada, sem que nada tenha dito no prazo concedido para o efeito.
Neste passo, haveria lugar à marcação da audiência de julgamento, mas a verdade é que, face aos princípios da adequação, simplicidade e da absoluta economia processual e uma vez que as referidas excepções são de conhecimento oficioso, se justifica conhecer desde já das mesmas, a fim de prevenir a eventual prática de actos processuais inúteis.
Em primeiro lugar, muito embora assista razão à demandada no que respeita à nulidade da citação (cfr. artigo 191º, nº 1 do CPC), considerando que a mesma deduziu contestação, por excepção e por impugnação, não faz já sentido declarar a mesma (cfr. nº 4 do mesmo preceito legal).
Por outro lado, no que respeita à questão da (in)competência internacional dos tribunais portugueses para apreciar e decidir esta acção, importa ter em conta que a causa de pedir é complexa, uma vez que se funda quer no cumprimento defeituoso da obrigação por parte da demandada quer na cessão do respectivo crédito indemnizatório à demandante. Assim sendo, à luz do artigo 62º b) do CPC, é possível integrar esta acção na competência internacional dos tribunais portugueses, atendendo a que a demandante tem sede na cidade do Porto e que o contrato de cessão de crédito foi virtualmente celebrado nesta cidade. Contudo, é certo que se os demandantes fossem os passageiros da demandada, então os tribunais portugueses não teriam competência internacional para julgar esta causa, uma vez que a mesma não teria qualquer elemento de conexão com a ordem jurídica portuguesa, tal como a demandada procurou demonstrar. No entanto, na medida em que os mesmos cederam o seu alegado crédito indemnizatório à demandante, deve considerar-se que um dos factos que integram a causa de pedir foi praticado em território português.
De qualquer modo, a 2ª parte da alínea c) do citado artigo 62º do CPC também permite, neste caso, considerar os tribunais portugueses internacionalmente competentes, uma vez que se pode presumir que, de outro modo, a demandante teria dificuldade apreciável em propor a acção no estrangeiro, tendo nomeadamente em conta o seu valor e os custos acrescidos que essa eventualidade implicaria, por contraponto à demandada que é uma multinacional com representação em Portugal, podendo aqui litigar sem maior dificuldade.
Isto posto, é necessário atender às regras de competência territorial para aferir se a acção pode correr os seus termos neste julgado de paz.
Ora, o artigo 14º da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, estabelece uma regra geral para pessoas colectivas do seguinte modo: a acção deve ser proposta no julgado de paz da sede da administração principal ou na sede da sucursal, agência, filial, delegação ou representação, conforme a acção seja dirigida contra aquela ou estas. Neste caso, não há dúvida que a demandante intentou a acção contra a representação da demandada em Portugal, embora a tenha erradamente domiciliado no x, na Maia. Assim, de acordo com esta regra geral, a acção devia ter sido proposta no julgado de paz de Lisboa por ser esse o concelho onde a sucursal portuguesa da demandada está sediada.
E a igual conclusão se chega por aplicação do artigo 12º, nº 1 do mesmo diploma legal, o qual, por se tratar de regra especial, afasta a aplicação da citada regra geral. Com efeito, derivando o crédito indemnizatório que constitui o pedido formulado, do alegado atraso no cumprimento do contrato de transporte entre Dublin (Irlanda) e Istambul (Turquia) por parte da demandada, o local de cumprimento da obrigação era naquela cidade irlandesa, mas não em Portugal. Assim sendo, a escolha do credor em território português para efeitos de proposição desta acção estava neste caso limitada ao julgado de paz do domicílio do demandado.
Ora, a incompetência dos julgados de paz é por estes conhecida e declarada oficiosamente ou a pedido das partes e determina a remessa do processo para o julgado de paz ou para o tribunal judicial competente (cfr. artigo 7º da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho).
Pelo exposto, declaro o Julgado de Paz do Porto incompetente em razão do território para apreciar e decidir a presente acção e, nessa conformidade, ordeno a remessa destes autos, após trânsito em julgado desta decisão, para o Julgado de Paz de Lisboa, por ser aquele que tem competência para o efeito.
Nessa medida, fica prejudicada a apreciação, nesta fase, da invocada ilegitimidade da demandante (cfr. artigo 278º, nº 2 do CPC).

Notifique.
Porto, 4 de Novembro de 2016
O Juiz de Paz,
(Luís Filipe Guerra)