Sentença de Julgado de Paz
Processo: 63/2023-JPCBR
Relator: MARGARIDA SIMPLÍCIO
Descritores: REPARAÇÃO DEFEITUOSA
Data da sentença: 02/15/2024
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA

Processo n.º 63/2023-JPCBR

RELATÓRIO:

MATÉRIA: Ação de responsabilidade contratual, enquadrada no n.º 1, al. H) do art.º 9 da L.J.P.

OBJETO: Contrato de prestação de serviços de mecânica, cumprimento defeituoso, indemnização por danos patrimoniais.

VALOR DA AÇÃO: € 4.345,68 (quatro mil, trezentos e quarenta e cinco euros, e sessenta e oito cêntimos, fixado nos termos do n.º 1 do art.º 306 do Cód. Proc. Civil).

O demandante, L. M. P. S., residente na Quinta C., rua principal, no concelho de Coimbra, que constituiu mandatária, a fls. 45.

Requerimento Inicial: Alega-se em suma que, em dezembro/2020 o demandante dirigiu-se à oficina demandada para reparar a viatura com a matrícula XXXXX da marca Volkswagen modelo Golf Variant, Tdi. A demandada realizou o disgnóstico e apontou a avaria na caixa de velocidades. A viatura foi reparada e entregue ao demandante, tendo pago pelo serviço €1.410,00. Ainda em dezembro/2020, quando circulava com a viatura, a mudança salta, tenta depois meter a 1ª velocidade, mas não entra. Na sequência telefona para a oficina e referem para se deslocar novamente à oficina. Em março/2021 a viatura apresenta novo problema, vertia óleo e os parafusos das varas de transmissão estavam desapertados. A viatura voltou para a oficina em setembro/2021, devido à fuga de óleo. A demandada substituiu a vareta de óleo, mas a viatura continuou a verter óleo, situação que foi novamente reportada à demandada, cerca de 4 vezes, tendo aquela referido que devia ser a cabeça do motor, mas negando-se a resolver a avaria. Em julho/2022, o demandante notou que havia barulhões estranhos na viatura, e como a demandada não se mostrou disponível para ver o que se passava, teve de recorrer a terceiros para reparar a viatura. Este detetou que tinha problemas na caixa de velocidades e apresentou-lhe um relatório de avarias. A viatura foi reparada tendo despendido a quantia de € 1.082,40. A viatura esteve parada na oficina da demandada diversas vezes para reparar sem que tal tenha sucedido, deixando aquela de o atender. Conclui pedindo que: deve a ação ser considerada procedente, por provada, condenando-se a demandada a indemnizar o demandante no valor global de € 4.355,57, a título de danos patrimoniais, no que se inclui a privação do uso da viatura. Juntou 6 documentos.

A demandada, J. A. D., residente na rua V.F., lote 19, no concelho de Coimbra, com mandatário constituído, a fls. 23.

Contestou, de fls. 19 a 27 verso. Em suma impugnou os factos. Em suma alega que teve conhecimento dos factos pela comunicação da DECO à qual respondeu a 13/10, a qual foi dada a conhecer ao demandante. Efetivamente, inicialmente o demandante queixou-se de avaria na caixa de velocidades, a qual foi reparada com a colocação de materiais, conforme fatura, a qual foi paga pelo demandante. A última queixa referia-se à cabeça de motor que não foi reparada por não se sentir habilitado a fazê-lo. Os defeitos supervenientes nada tiveram que ver com a execução dos trabalhos realizados pelo demandado. Conclui pela improcedência da ação, com a absolvição do demandado do pedido. Juntou 9 documentos.

TRAMITAÇÃO:

Realizou-se sessão de mediação, mas sem obter o consenso das partes, a fls. 35.

As partes são legitimas e dispõem de capacidade judiciária.

O Tribunal é competente em razão do valor, território e da matéria.

Os autos estão isentos de nulidades que o invalidem na totalidade

AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO:

Foi iniciada com tentativa de conciliação que se frustrou, seguindo-se para produção de prova, com a junção de documentos, a prova testemunhal, terminando com as alegações finais, conforme ata, junta de fls. 50 a 53.

-FUNDAMENTAÇÃO-

I- DOS FACTOS PROVADOS:

1) Em dezembro de 2020 o demandante dirigiu-se à oficina demandada para reparar a viatura com a matrícula XXXX da marca [Marca e Modelo].

2) A demandada realizou o disgnóstico e apontou que a avaria dizia respeito à caixa de velocidades.

3) A viatura foi reparada e entregue ao demandante, que pagou pelo serviço.

4) Posteriormente, a viatura teve um novo problema quando circulava, dando um estoiro.

5) O demandante após falar com a oficina, deslocou-se para a mesma.

6) Em 2021 a viatura teve um novo problema, vertia óleo.

7) A viatura foi entregue ao demandante.

8) O demandado substituiu a vareta do óleo, tendo o demandante pago o serviço.

9) Como a viatura continuava a verter óleo, o demandante reportou novamente o problema ao demandado, que referiu tratar-se de um problema na cabeça do motor.

10) O demandante recorreu ao serviço de terceiros para reparar a viatura.

11)O serviço foi realizado pela empresa L. S. M., Unipessoal, Lda., o qual corresponde à fatura FT 001/2663 de 12/08/2022, no valor de € 1.853,17, com o IVA à taxa de 23% incluído, o que foi pago pelo demandante, conforme documento n.º 3, junto de fls. 10.

12) A empresa mencionada no ponto 12, apresentou um relatório de avarias da caixa de velocidades, conforme documento n.º 4, junto de fls. 11.

13) Nessa reparação a viatura levou o seguinte material: veio primário e rolamentos, carreto da 2ª, 3ª e 4ª velocidades e marcha atrás, e o cárter da caixa (que estava partido), conforme documento n.º 5, junto de fls. 12.

14) O valor desta reparação perfaz € 1.082,40, com o IVA à taxa de 23% incluído, o que corresponde à fatura FT 001/2852 datada de 2/07/2023, emitida pela empresa L. S. M., Unipessoal, Lda., conforme documento n.º 6, junto de fls. 13.

15) O demandante esteve privado da viatura enquanto se encontrava a reparar.

16) O demandado tomou conhecimento dos factos, pela comunicação da DECO, que recebeu, datada de 21/09/2022, conforme documento junto a fls. 24.

17) À qual respondeu a 13/10/2022, conforme o documento junto a fls. 24 verso.

18)E da qual foi dado conhecimento ao demandante, conforme comunicação recebida da DECO, documento junto a fls. 25.

19) A 19/10/2022 o demandante respondeu à DECO, por email, conforme consta do documento junto a fls. 25 verso.

20) Perante a queixa de avaria na caixa de velocidades, foi necessário verificar a anomalia, tendo-se desmontado a caixa de velocidades.

21) Para a reparação desta avaria, entre outros, foi necessário realizar trabalhos e aplicar os materiais, descritos na fatura 002/414, conforme consta do documento junto a fls. 27.

22) O demandante procedeu ao seu pagamento, conforme recibo n.º 002/277, o documento junto a fls. 27 verso.

23) Inicialmente, quando o demandante procurou a demandada para verificar a caixa de velocidades do seu veículo, esta apresentou-lhe um orçamento no valor de € 400,00.

24) A demandada nunca procedeu à reparação das novas deficiências apontadas pelo demandante na respetiva viatura, limitando-se a substituir a vareta do óleo que verificou estar partida.

25) As anomalias diziam respeito a problemas na cabeça do motor, para cuja reparação a demandada não se sentia habilitada a efetuar.

26) A maior anomalia e reparação, relacionava-se com o volante do motor, conforme consta do documento 3, junto a fls. 10.

MOTIVAÇÃO:

O Tribunal baseou a decisão nas declarações de parte do demandante, concatenada com a prova testemunhal, tendo em consideração as regras de repartição do ónus da prova e da experiência comum.

A testemunha, L. M. C. S., foi a pessoa que procedeu à reparação do veículo do demandante, daí os motivos do seu conhecimento. Explicou que já tinha reparado o veículo do demandante, pelo que foi novamente procurado por ele em 2022. O veículo foi de reboque para a oficina dele. Mais referiu que, apenas emitiu a fatura após o pagamento integral, pois foi o demandante pagando aos poucos. Acrescentou que, teve de verificar o veículo, vendo que a embraiagem estava cheia de óleo, o que não é normal e a caixa de velocidades não abria, pelo que encaminhou a reparação da caixa para uma empresa especializada, mas não sabia que tinha levado uma caixa nova. Explicou que, a empresa onde mandou reparar a caixa, referiu que tinha a cloche partida, o que não costuma suceder. Explicou que, o problema era no veio primário, onde estão acoplados os carretos das velocidades, a caixa gripou, pois saiu a valvulina, e não existindo a engrenagem trabalhava ferro com ferro, gripando. O depoimento deste em geral foi explicativo e mostrou ter conhecimentos na área de mecânica. Todavia, registaram-se algumas incoerências em relação aos seguintes assuntos: não tive explicação para o cárter estar partido, o relatório que redigiu, teve por base as explicações que obteve da outra empresa (que nunca identificou) onde mandou reparar a caixa de velocidades, e em relação à fatura datada de 7/02/2023 referiu que foi paga diretamente pelo demandante à empresa que abriu e reparou a caixa de velocidades, pese embora conste do documento que foi a empresa L. S. M., Unipessoal, Lda. que a emitiu.

A testemunha, R. M. R. S. C., trabalha no mesmo local do demandante. Explicou que conhece o demandante há cerca de 22 anos, em conversa com ele percebeu que estava com dificuldades de deslocação por isso emprestou-lhe uma carrinha que tem, durante mais ou menos um mês, no ano de 2022, depois de férias. O depoimento desta foi claro e conciso.

A testemunha, C. A. M., é mecânico reformado. Explicou que auxiliou o filho do demandado, P., a executar a reparação da viatura do demandante, referindo que foi ele que a foi buscar ao local de trabalho dele (que identificou- APPA). Acrescentou que, após analisarem o veículo concluíram que não era da embraiagem por isso tiveram de desmontar a caixa, o que sucedeu há mais de 2 anos. Explicou que, na caixa não se usa óleo, mas valvulina, o óleo é na zona do motor. Acrescentou que, recorda de no final o Pedro ter experimentado o veículo, e funcionava bem. Acrescentou que, pela experiência de trabalho sabe que a falta de valvulina faz gripar os carretos, e prejudica toda a caixa. Mais referiu que, “o cárter só parte se o veículo tiver sofrido alguma pancada, nada tem que ver com a valvulina. Referiu, ainda, outro incidente com o veículo, esclarecendo que foi um tirante que soltou, este tem que ver com as mudanças, e não com a caixa de velocidades. Este teve um depoimento esclarecedor, demonstrou ter conhecimento da matéria e foi coerente, daí ter sido considerado.

A testemunha, J. S. M., é mecânico reformado. Explicou que costuma estar na oficina do demandado para se entreter. No entanto, quanto aos factos, em concretos nada sabia, apenas se referiu à situação em termos genéricos e de acordo com a respetiva experiência profissional, motivo pelo qual o depoimento deste não foi considerado.

A testemunha, J. C. P., é mecânico reformado da mercedes. Explicou que de vez em quando faz alguns trabalhitos para o demandado. Referiu que, recorda da reparação executada à caixa de velocidades do veículo do demandante, que identificou pela cor e marca do mesmo, a qual teve de ser desmontada. Acrescentou que, no final a caixa de velocidades foi bem montada, “encaixada”, caso contrário notava-se quando tentasse meter as velocidades. Explicou que, a caixa de velocidades não tem óleo, mas sim valvulina, o óleo é no motor. Mais acrescentou que, “se a valvulina saiu toda, o que não viu, não demora cerca de um ano a dar problemas, isto sucede em qualquer veículo, mas ocorre passado algumas semanas, por isso não pode ter sido daquela reparação, mas sim por ter batido em alguma coisa, que danificou o cárter, daí que tivessem verificado existir óleo na embraiagem”. Referiu, ainda, que a valvulina não sai da caixa, a não ser que haja uma pancada que a danifique, e vá saindo, mas para isso tem de ser com força, talvez por isso o cárter, também, se tenha partido. Este teve um depoimento esclarecedor e coerente, daí ter sido considerado.

Os factos com os n.ºs 1 e 2, resultam do acordo das partes (n.º 4 do art.º 607 do Cód. Proc. Civil)

O facto com o n.º 3 considera-se parcialmente provado, uma vez que o documento apresentado pelo demandante não é uma fatura, mas a 1ª página da folha do serviço realizado pela demanda. Esta foi completada na audiência, o documento junto de fls. 54 a 55. A fatura do serviço é o documento junto de fls. 27 a 27 verso, a qual tem o valor total de € 1.073,08. Assim, conclui-se que efetivamente o demandante terá pagado a quantia constante da fatura, se pagou mais, não há prova disso. Por outro lado, o demandado na contestação refere que falta pagar o valor da mão de obra, pese embora não fizesse prova do que alega, por ausência de prova nesse sentido.

O facto com o n.º 4 considera-se parcialmente provado. Resultou das declarações de parte do demandado e da testemunha, C. A. M., que o demandante foi com a viatura à oficina alegando que deu um estoiro e não metia as velocidades, tendo verificado que foi um tirante de encaixe que ficou encravado, o que foi reparado na hora e o veículo entregue a funcionar. Todavia, não se provou quando isto ocorreu. Por outro lado, o demandante também não alegou, e muito menos fez prova, que o veículo não ficasse reparado, do que se depreendeu que efetivamente a reparação foi executada e sem qualquer custo para o mesmo.

Os factos com os n.ºs 6, 7 e 8 consideram-se parcialmente provados, estando interligados. Efetivamente, resultou das declarações de parte do demandante e do demandado, que aquele se deslocou à oficina do demandado, por o veículo estar a verter óleo, facto que o demandado confirmou ter ocorrido. Porém, nenhum dos dois referiu em qual altura do ano sucedeu tal facto. Também, nenhum dos dois fez qualquer referência aos parafusos. Nenhuma das partes referiu que, o veículo fosse, pelo mesmo motivo, muitas vezes à oficina do demandado. Aliás, o demandante referiu que: “falou com o filho do demandado (identificado pelas testemunhas como P., e pela pessoa que fez as reparações na viatura) várias vezes”, do que se depreendeu que foi telefonicamente que o fez, não se tendo deslocado com o veículo. Efetivamente, o demandado confirmou que apenas foi substituída a vareta do óleo, que estava partida, que foi verificado que o problema provinha da cabeça do motor, mas não se sentia habilitado a corrigir esta avaria, uma vez que a especialidade dele é pintura e bate-chapa, o que transmitiu ao demandante, mas este continuou a insistir na reparação desta avaria.

O facto com o n.º 9 considera-se parcialmente provado. Resultou das declarações de parte do demandante e da testemunha, L. M. C. S., que em data não concretamente apurada do ano de 2022, o veículo do demandante foi por meio de reboque para a oficina explorada pela testemunha, L. S. M., Unipessoal, Lda., sendo esta terceira face ao litígio das partes. A referida testemunha esclareceu que, desconhecia que a caixa de velocidades tinha, anteriormente, sido substituída.

O facto com o n.º 10, foi confirmado pela testemunha, L. M. C. S., que executou a reparação da viatura do demandante, serviço que foi pago em prestações, confirmando o teor da fatura, o documento 3, junto a fls. 10.

Os factos com os n.ºs 11, 12 e 13 estão interligados. Resultou da prova testemunhal de, L. M. C. S., que foi detetada a avaria, na caixa de velocidades, a qual não conseguia abrir, daí ter desmontado e enviado a mesma para uma oficina especializada (que não identificou), para o fazer. Este esclareceu que os documentos identificados com os n.ºs 4 e 5 fazem parte do mesmo documento. O 1º é a avaria detetada e o 2º o material que foi necessário para reparar a avaria. No entanto, apesar da caixa de velocidades ter sido reparada por outra oficina (cuja identidade se desconhece), não foi esta que emitiu o relatório. A referida testemunha, esclareceu ainda, que foi ele que emitiu o relatório, pois deslocou-se à outra oficina, vendo que a cloche estava partida, no seu interior não existia valvulina, o que levou a que os carretos tivessem gripado, e que estava impregnada de óleo. A mencionada testemunha, nunca referiu que o veículo fosse mais do que uma vez à respetiva oficina para ser reparado. No entanto esclareceu que, a 2ª fatura, datada de 7/02/2023, apenas foi emitida após estar integralmente paga. Das declarações da testemunha, depreendeu-se que o veículo não foi duas vezes à oficina, que a reparação foi executada, pese embora não se conseguisse apurar a data da conclusão da mesma. A mencionada testemunha, também, esclareceu o documento 3, a fatura emitida a 12/08/2022 a qual diz respeito à reparação da embraiagem, serviço que foi executado na respetiva oficina.

O facto com o n.º 14 resultou da prova testemunhal de, L. M. C. S., que o demandante, foi pagando em prestações, por isso a 2ª fatura, que diz respeito à reparação da caixa de velocidades, apenas foi emitida quando estava paga na integra, daí a data constante da mesma.

O facto com o n.º 15 resultou da prova testemunhal de, R. M. R. S. C., que emprestou um veículo ao demandante no ano de 2022 para que ele pudesse continuar a realizar as deslocações diárias para o trabalho, facto que durou cerca de 1 mês. Este depoimento não foi posto em causa por ninguém, pelo que mereceu a devida credibilidade.

Os factos com os n.ºs 20 e 21 resultou da prova testemunhal de, C. A. M. e de J. C. P., que face às queixas do cliente sobre o veículo, o filho do demandado (identificado pelo nome de P.) para confirmar a origem da avaria, teve de desmontar a caixa de velocidades, o que confirmaram não só pela experiência profissional de longos anos de trabalho na área de mecânica auto, como por o verem executar o serviço, embora não estivessem permanentemente na oficina do demandado. No que diz respeito aos materiais, foi junto na audiência de julgamento as faturas de aquisição de peças que foram colocadas na viatura, de fls. 56 a 60, documentos a que o demandante não se opôs à referida junção. Para além disso, a testemunha L. M. C. S., analisou as faturas referindo que são materiais adequadas à reparação da avaria denunciada. Também as mencionadas testemunhas, C. A. M. e J. C. P., explicaram algumas das peças que viram ser utilizadas na reparação da viatura, e descreveram partes do serviço.

O facto com o n.º 22 resultou do documento, junto de fls. 27 a 27 verso, conjugado com o alegado pelo demandante, que pagou a reparação executada na oficina do demandado, conforme consta dos art.ºs 3 e 4 do r.i.

O facto com o n.º 23 resultou essencialmente do documento 1 apresentado pelo demandante, o qual foi completado na audiência, junto de fls. 54 a 55, conjugado com as declarações do demandado. De acordo com o documento o orçamento apenas contemplava a mão de obra. Note-se que não houve prova testemunhal sobre este facto. Não obstante, resulta da experiência comum que qualquer serviço envolve mão de obra e peças, assim concluiu-se que apenas terá sido dado uma estimativa sobre a mão de obra que seria necessário despender na reparação da caixa de velocidades.

O facto com o n.º 24 resultou das declarações das partes que o demandado apenas substituiu a vareta de óleo que estava partida, quanto à outra queixa, perda de óleo não foi reparada.

O facto com o n.º 25 resultou essencialmente das declarações do demandado, nomeadamente que a sua área de atuação seja a pintura e bate chapa, embora fizesse alguns serviços leves de mecânica, declinando aqueles que não se sentia habilitado a executar, facto que é do conhecimento pessoal do demandante por recorrer aos serviços dele há vários anos, o que o demandante não contrariou. Também as testemunhas, C. A. M. e de J. C. P., confirmaram que os serviços de mecânica eram realizados pelo filho do demandado, de nome P., o qual é mecânico, e algumas vezes auxiliavam-no, uma vez que já estavam reformados.

Os factos não provados resultam essencialmente de falta de prova convincente. Nomeadamente, que o demandante tenha pagado o valor total de € 1.410,00 referente ao serviço executado pela demandada. Note-se que o documento 1, junto a fls. 6, é somente a ficha de serviço, documento que normalmente as empresas preenchem para identificarem o serviço a executar e o material levou o veículo, o que resulta da experiência comum, e deste não consta o valor do pagamento realizado pelo demandante.

-Também não se provou que o demandante não tivesse pagado à demandada a quantia de € 400,00 referente à mão de obra, uma vez que as testemunhas apresentadas nada sabiam quanto aos pagamentos acordados entre as partes.

-Não se provou as datas das avarias, uma vez que as testemunhas não esclareceram e as faturas não provam que fosse a data das avarias, mas apenas as datas em que foram emitidas. Para além disso, a testemunha, L. M. C. S., embora referisse que a viatura foi de reboque para a oficina dele, explicou que o serviço foi sendo pago em prestações pelo demandante, daí só ter emitido a fatura após estar totalmente liquidado o valor do serviço. Destes factos não se pode concluir a data da avaria que determinou o presente litígio.

- Não se provou o tempo concreto em que o demandante esteve privado do veículo, por ausência de prova. Na realidade, apesar da testemunha R. M. R. S. C., ter esclarecido que emprestou um veículo ao demandante no ano de 2022 para que ele pudesse continuar a realizar as deslocações diárias para o trabalho, facto que durou cerca de 1 mês, não se provou que para além desse período de tempo estivesse mais tempo parado na oficina do demandado para reparar.

- Não se provou qual o valor que o veículo do demandante tem no mercado, por total ausência de prova. Note-se que o demandante nem juntou aos autos os documentos do veículo, nomeadamente o livrete ou o atual certificado de matrícula.

II- DO DIREITO:

O caso dos autos prende-se com a realização de um serviço de reparação mecânico, efetuado na viatura do demandante.

Questões: cumprimento contratual defeituoso, indemnização por danos patrimoniais e pelo não uso do veículo.

O contrato de prestação de serviços é um contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição (art.º 1154 do Cód. Civil).

Este tipo de contrato rege-se pelas normas do contrato de mandato, uma vez que não está tipificado por lei (art.º 1156 do Cód. Civil).

O incumprimento contratual ocorre sempre que o devedor não realiza a prestação a que está adstrito ou quando a executa em termos deficitários, o que corresponde ao cumprimento defeituoso.

Para além das normas referentes ao mandato, tendo em consideração que o serviço em crise foi executado por uma pessoa singular que atua, inclusivamente através de qualquer outra pessoa em seu nome ou por sua conta, para fins relacionados com a sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional, está igualmente abrangido pelo Decreto-Lei n.º 84/2021 de 18/10.

No caso concreto o demandante, em dezembro/2020 deslocou-se à oficina do demandado alegando ter um problema na caixa de velocidades da sua viatura.

Na sequência, para verificar o problema, foi necessário desmontar a caixa de velocidades. Ao constatar o problema, o demandado apresentou um orçamento referente ao valor da mão de obra que estimava ser necessário para executar o serviço.

Para efetuar esta reparação, o demandado teve que adquirir peças adequadas ao serviço a executar, conforme documentos juntos em audiência, de fls. 56 a 61.

O veículo foi reparado, e entregue ao demandante, o qual por sua vez procedeu em conformidade ao pagamento deste, no valor de € 1. 073,08, conforme recibo n.º 002/277, emitido a 9/09/2021, documento junto de fls. 27 verso.

Em data não concretamente apurada, o referido veículo teve um novo problema, dando um estouro, o que motivou nova deslocação à oficina do demandado.

Pese embora do r.i. inicial não se perceba o que sucedeu, nem se o demandado reparou ou não, através das declarações do demandado apurou-se que, se tratou de um tirante de encaixe que ficou encravado, o que foi reparado e o veículo voltou a circular, normalmente.

No ano de 2021, em data não concretamente apurada, o demandante notou que o veículo vertia óleo, na sequência levou o veículo à oficina.

Na ocasião foi verificado o problema, e a oficina limitou-se a substituir a vareta do óleo, que estava partida.

Sucede que, a oficina do demandado não executou a reparação do veículo, tendo esclarecido que não se sentia habilitado para efetuar esta reparação, que identificou como sendo à cabeça do motor.

Não obstante, o demandante continuou a circular com o veículo e a insistir com a oficina do demandado para executar o serviço, a qual por sua vez recusava-se a fazê-lo.

Em data não concretamente apurada do ano de 2022, o veículo foi de reboque para outra oficina a empresa L. S. M., Unipessoal, Lda.

Esta verificou o que se passava com o veículo, tendo concluído que existia um problema na caixa de velocidades, a qual não conseguia abrir.

Assim, retirou a caixa e enviou-a para uma oficina especializada (a qual não foi identificada pela testemunha, L. M. C. S.), e foi esta que abriu a caixa de velocidades.

Efetuada a reparação, foi apresentado o relatório de avarias da caixa de velocidades, conforme consta dos documentos 4 e 5, juntos de fls. 11 a 12. Note-se que o relatório foi realizado na integra pela empresa L. S. M., Unipessoal, Lda., e não pela empresa que abriu a caixa.

Ainda assim, através da testemunha, L. M. C. S., apurou-se que, não havia valvulina no interior da caixa de velocidades, motivo pelo qual os rolamentos funcionaram sem qualquer lubrificação, o que levou a que gripassem, e foi, ainda, verificado que a embraiagem estava impregnada em óleo.

Mais se apurou que, o demandante procedeu ao pagamento desta reparação, em prestações, pelo que as faturas apenas foram emitidas a 12/08/2022 e a 7/02/2023, conforme consta dos respetivos documentos juntos a fls. 10 e 13, respetivamente, aquando do pagamento integral. Acrescenta-se que, a fatura datada de 7/02/2023, segundo a testemunha, L. M. C. S., foi paga pelo demandante, diretamente à empresa que abriu e procedeu à reparação da caixa de velocidades, mas analisando o mesmo documento constata-se que foi emitido pela empresa L. S. M., Unipessoal, Lda., o que é mais um contrassenso, uma vez que devia ser aquela a emitir a fatura.

Todavia, não se apurou quando é que o serviço foi integralmente realizado, uma vez que a emissão das faturas não coincide com a execução do serviço, e concretamente não houve ninguém que conseguisse concretizar datas.

Quanto ao serviço em crise, apurou-se que a caixa de velocidades é formada por um conjunto de engrenagens que tem como objetivo o movimento da viatura, tal como o ilustra os documentos juntos em audiência, de fls. 62 a 63.

Estas engrenagens são constituídas por rodas dentadas que, ligadas entre si, criam a “força” para iniciar a marcha e manter a viatura em movimento. De uma forma mais simples pode-se dizer que, a caixa de velocidades transmite a potência do motor.

A caixa de velocidades tem dentro de si, duas séries de carretos. A primeira tem o nome “veio principal” que traz a rotação do motor dependendo da embraiagem. A segunda série de carretos é conhecida como “veio secundário” e é aqui que é transmitido a rotação do motor ao diferencial. Esta engrenagem funciona dentro de uma caixa metálica, designada por cloche, a qual necessita de lubrificante (valvulina) para o sistema funcionar em condições.

Entre as reparações realizadas à caixa de velocidades dista um espaço temporal superior a um ano, conclusão a que se chegou pela emissão da fatura correspondente ao 1º serviço, 9/03/2021, documento junto de fls. 27 a 27 verso, conjugado com a prova testemunhal de L. M, C. S., o representante legal da empresa L. S. M., Unipessoal, Lda, que efetuou a 2ª reparação à caixa de velocidades, e a testemunha, R. M. R. S. C., que em meados de 2022 emprestou um veículo demandante para que pudesse continuar a deslocar-se para o trabalho.

Segundo se apurou através da testemunha, L. M. C. S., a 2ª reparação deveu-se ao facto de a embraiagem estar impregnada de óleo, e a caixa de velocidades ter gripado. Acrescenta-se que a referida testemunha, nunca referiu ter ocorrido uma terceira reparação em 2023, como consta do r.i., mas que o pagamento do serviço foi pago em prestações, pelo que a emissão da coincide com o pagamento integral do mesmo.

Todavia, a mencionada testemunha não conseguiu explicar de onde provinha o óleo que foi encontrado na embraiagem, nem sequer o motivo de o cárter estar partido, como decorre da análise do relatório de avarias, nomeadamente o documento junto de fls. 11 a 12.

O cárter é o nome que se dá à peça que está situada na parte inferior do motor, este tapa o bloco e forma uma espécie de um reservatório onde fica retido o óleo lubrificante.

Por outro lado, foi apurado, através das testemunhas (C. A. M. e J. C. P.) que no interior da caixa de velocidades não se encontra óleo, mas sim valvulina, a qual serve de lubrificante para o funcionamento adequado dos rolamentos da caixa.

Também se apurou que o cárter está fora da caixa de velocidades, que não parte com a reparação da caixa, a não ser que tenha sofrido alguma pancada bastante forte, conforme foi explicado pelas das testemunhas, C. A. M. e J. C. P., mecânicos experientes.

Ora o veículo não consegue funcionar durante cerca de 1 ano, espaço de tempo entre as duas reparações, sem que haja valvulina no interior da caixa de velocidades, quando muito funcionará no máximo 15 dias, como foi explicado pelas das testemunhas, C. A. M. e J. C. P., mecânicos experientes.

E, se o cárter está partido, como foi verificado pela testemunha, L. M. C. S., foi porque, no período de tempo que medeia as duas reparações, algo sucedeu com o veículo que motivasse a quebra do cárter, ou seja, foi por um facto alheio à 1ª reparação.

Para além disso, se o demandante em data não apurada de 2022 verificou que havia perda de óleo no veículo e apesar do demandado (ou o filho do mesmo) lhe ter referido que não se sentia habilitado para fazer a dita reparação, continuou a insistir com este na dita reparação e a circular com o veículo, acabou por contribuir para o agravamento dos danos ocorridos no veículo, o que decorre do senso comum (art.º 570 do Cód. Civil). Face aos motivos referidos, considera-se que, a reparação em crise não é considerada defeituosa, ou pelo menos não foi demonstrado tal facto.

DECISÃO:

Nos termos expostos julga-se a ação improcedente, por não provada, absolvendo-se a demandada do peticionado.

CUSTAS:

São da responsabilidade do demandante na quantia de € 70,00 (setenta euros) a realizar no prazo de 3 dias seguidos, sob pena da aplicação da sobretaxa no valor diário de € 10,00 (dez euros) e eventual execução pela A. T.

Extraia-se o DUC e notifique-se o mesmo ao demandante, referindo que o prazo legal para proceder ao pagamento é de 3 dias seguidos, sendo o prazo indicado no DUC um prazo de validade do documento, que permite realizar o pagamento fora do prazo, mas não fica isento de proceder ao pagamento da sobretaxa.

Proferida nos termos do n.º 2 do art.º 60 da L.J.P.


Coimbra, 15 de fevereiro de 2024

A Juíza de Paz

(redigido pela signatária, art.º 135 do C. Proc. Civil)



(Margarida Simplício)