Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 428/2018 – JPPRT |
Relator: | MARTA M. G. MESQUITA GUIMARÃES |
Descritores: | AÇÃO DE CONDENAÇÃO |
Data da sentença: | 03/20/2019 |
Julgado de Paz de : | PORTO |
Decisão Texto Integral: | SENTENÇA Proc. n.º 428/2018 – JP IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES Demandante: A. Lda., NIPC 0000, com sede na Rua …., Barcelos Demandada: B. S.A., NIPC 000, com sede na Rua …… Lisboa * OBJECTO DO LITÍGIOA Demandante intentou contra a Demandada a presente acção enquadrável na alínea h) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei nº 78/2001 de 13 de Julho, peticionando a condenação da Demandada no pagamento da quantia de € 1.590,12, acrescida de juros legais desde a citação e até efectivo e integral pagamento. Alegou, em suma, que é proprietária do veículo automóvel pesado de mercadorias, composto por tractor matrícula 00-SI-00 e semi-reboque matrícula L-000 e que, no dia 30.05.2017, pelas 17.30h, no nó de acesso à A28, sentido Sul-Norte, no Porto, ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes o supra indicado veículo automóvel pesado de mercadorias, conduzido por C., e o veículo automóvel de matrícula 00-00-VG, propriedade e conduzido por D., e seguro na Demandada por danos causados a terceiros sob a apólice n.º 000; que o condutor do veículo propriedade da Demandante circulava no nó de acesso à A28, sentido Sul-Norte, provindo da VCI, a uma velocidade de cerca de 25km/h e, ao realizar uma curva à direita, foi inesperadamente embatido na lateral frente direita pela lateral esquerda do veículo seguro na Demandada, cujo condutor circulava a uma velocidade superior a 80km/h e em total desrespeito pelas regras estradais e demais utentes da via, iniciando manobra de ultrapassagem do veículo pesado, pela sua direita, em local proibido, utilizando, para o efeito, a berma direita da via, delimitada por traço contínuo, que o condutor do veículo seguro na Demandada transpôs para concretizar o propósito ilegítimo de ultrapassar o veículo propriedade da Demandante; nada pôde o condutor do veículo propriedade da Demandante fazer para evitar ser embatido; o acidente ficou a dever-se exclusivamente ao condutor do veículo seguro na Demandada; em consequência do sinistro, o veículo propriedade da Demandante sofreu danos na lateral frente direita, cuja reparação ascende a € 690,12; para reparar o veículo são necessários dois dias úteis, pelo que fica a Demandante durante três dias (dois para a reparação e um para a peritagem) impedida de utilizar o seu veículo, o qual é essencial à prossecução da actividade da empresa, pois é um pesado de transporte de mercadorias, com camião frigorífico e afecto ao transporte internacional, sendo devidos € 900,00 (€ 300,00/dia) a título de danos de privado do uso – cfr. fls. 2 a 15. * A Demandada apresentou contestação nos termos plasmados a fls. 23 a 50, tendo impugnado parte da factualidade alegada pela Demandante, e invocado que o acidente ocorrido se deveu exclusivamente à conduta do condutor do veículo propriedade da Demandante, mais tendo pugnando, a final, pela improcedência da acção, com as legais consequências.Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, com observância do legal formalismo consoante resulta da respectiva acta. * O Julgado de Paz é competente em razão da matéria (cfr. artigo 9.º, n.º 1, alínea h) da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho), do território (cfr. artigo 12.º, nº 2, da indicada Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho) e do valor que se fixa em € 1.590,12 (cfr. artigos 297.º, n.º 1 e 306.º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, doravante CPC Salvo indicação em contrário, todos os artigos do CPC que sejam referidos na presente sentença são aplicáveis por via do disposto no artigo 63.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho.). As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (ambas por representação – cfr. artigo 25.º do CPC) e são legítimas. * FACTOS PROVADOS COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO DA CAUSAA. No dia 30.05.2017, pelas 17.30h, no nó de acesso à A28, sentido Sul-Norte, no Porto, ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes o veículo automóvel pesado de mercadorias, composto por tractor matrícula 00-SI-00 e semi-reboque matrícula L-000, propriedade da Demandante e conduzido por C., e o veículo automóvel de matrícula 00-00-VG, propriedade e conduzido por D., e seguro na Demandada por danos causados a terceiros sob a apólice n.º 000. B. O local onde ocorreu o sinistro aludido no precedente facto configura uma via de circulação única. C. A anteceder o local do acidente, a via compreende duas faixas de rodagem, no mesmo sentido de marcha, separadas entre si por um traço longitudinal descontínuo, sendo que, mais perto da entrada do nó de acesso à A28, e sempre em curva à direita, a faixa de circulação da esquerda é suprimida através de setas de desvio marcadas no pavimento, até configurar uma via de circulação única. D. O condutor do veículo propriedade da Demandante circulava no nó de acesso à A28, sentido Sul-Norte, provindo da VCI, a uma velocidade inferior a 40km/h, tendo em conta o trânsito intenso que se fazia sentir e a configuração da via. E. Ao realizar a curva à direita existente para a entrada no nó de acesso à A28, o condutor do veículo propriedade da Demandante foi embatido na lateral frente direita pela lateral esquerda do veículo seguro na Demandada, cujo condutor circulava a uma velocidade superior à do veículo automóvel pesado de mercadorias, embora não concretamente apurada, tendo iniciado manobra de ultrapassagem do veículo pesado, pela sua direita, utilizando, para o efeito, a berma direita da via, a qual transpôs para concretizar o propósito de ultrapassar o veículo propriedade da Demandante. F. Dada a dinâmica do acidente aludido nos precedentes factos, nada pôde o condutor do veículo propriedade da Demandante fazer para evitar ser embatido. G. Em consequência do sinistro aludido nos precedentes factos, ficou o veículo propriedade da Demandante danificado na lateral frente direita, nomeadamente porta, roda, capô, friso, faróis e para-choques, cuja reparação ascende a € 690,12. H. Para reparar o veículo propriedade da Demandante é necessário um dia. I. O veículo propriedade da Demandante mencionado nos precedentes factos é essencial à prossecução da actividade da empresa, pois é um pesado de transporte de mercadorias, com camião frigorífico e afecto ao transporte internacional, sendo, dos demais veículos propriedade da Demandante, o único afecto ao transporte internacional. * FACTOS NÃO PROVADOS COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO DA CAUSA1. O veículo 00-00-VG percorreu a curva à direita sempre do lado direito, até que, quando alcançou a via de circulação única, foi abalroado pelo veículo pesado de mercadorias, proveniente da faixa de circulação da esquerda, sem que este atentasse à sua presença. 2. O veículo pesado de mercadorias percorreu a curva à direita, ora do lado esquerdo, ora do lado direito, consoante a sua conveniência, até que, no momento imediatamente anterior ao do embate – momento em que estava na hemi-faixa da esquerda, a pisar as setas de desvio para a direita – quando se apercebeu já não ter espaço e tempo para travar, desviou-se para a direita, abalroando o ligeiro que no momento ali circulava, circulando o pesado a uma velocidade, seguramente, superior a 40km/h. 3. Sem nada que o fizesse prever, o condutor do veículo pesado de mercadorias ocupou a hemi-faixa de rodagem da direita, embatendo na parte lateral esquerda do veículo 00-00-VG. * FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICAAo pronunciar-se pela forma acabada de enunciar quanto à matéria de facto em causa nos autos, o Tribunal firmou a sua convicção na análise crítica e conjugada que dos meios de prova fez. Assim, os factos A e G resultaram provados por via de admissão (cfr. artigo 574.º, n.º 2, do CPC), conjugada, respectivamente, com o documento n.º 1 junto com a contestação (apólice de seguro do veículo com a matrícula 24-67-VG) e com o documento n.º 4 junto com a contestação (peritagem do veículo pesado de mercadorias). Os factos B e C resultaram provados por via dos documentos nºs 3 juntos com o requerimento inicial e com a contestação, os quais consubstanciam o mesmo vídeo do acidente, cuja gravação foi feita por via de câmara existente no veículo pesado de mercadorias interveniente no acidente. Com efeito, através de tal vídeo, é possível visualizar o percurso efectuado pelo pesado de mercadorias, assim como é possível visualizar a configuração da via na qual se deu o acidente. O facto D resultou provado por via dos indicados documentos nºs 3, conjugado com o depoimento de parte prestado pelo representante legal da Demandante, C., condutor do veículo pesado de mercadorias em apreço nos autos. Com efeito, e conforme já exposto, a visualização do vídeo permite percepcionar o percurso efectuado pelo veículo pesado de mercadorias, assim como permite visualizar o trânsito intenso que se fazia sentir. Acresce que, não obstante a consabida parcialidade de que se revestem todos os depoimentos de parte, considera-se que o representante legal da Demandante prestou um depoimento fluído e seguro, e, por isso, considerado credível pelo Tribunal, por via do qual afirmou que não sabia precisar, ao certo, a velocidade a que seguia, mas tendo em conta o trânsito intenso que se fazia sentir (como o atesta o vídeo) e o veículo que conduzia (pesado de mercadorias, que se encontrava carregado, como o afirmou), seguiria entre 40km/h e 10km/h, pois seguia em “pára-arranca”. Os factos E e F resultaram provados por via da visualização do aludido vídeo já mencionado, conjugada com o depoimento de parte prestado pelo representante legal da Demandante, C., e, ainda, por via da prova testemunhal produzida, especificamente, por via dos depoimentos de E., condutor de veículo automóvel que seguia atrás do veículo pesado de mercadorias aquando do acidente (2.º veículo atrás do pesado de mercadorias) e D., condutor do outro veículo interveniente no acidente, portanto, o veículo 00-00-VG. Na verdade, da visualização do vídeo é possível verificar que o veículo pesado de mercadorias manteve-se, durante todo o percurso que encetou e até ao embate, atrás de um outro veículo, marca …., sendo, porém, certo que efectuou um ligeiro desvio do veículo para a esquerda, tendo o representante legal da Demandante explicitado, em sede de depoimento de parte, a razão para ter efectuado tal desvio: dadas as dimensões do veículo, especificamente, o seu cumprimento, desviou-se, ligeiramente, para a esquerda para poder efectuar a manobra, portanto, curvar à direita. Acresce que, a testemunha E., que conduzia o 2.º veículo automóvel que seguia atrás do veículo pesado de mercadorias, afirmou, categoricamente, que o condutor do veículo seguro na Demandada “ultrapassou pela direita” o pesado de mercadorias. Na verdade, esta testemunha referiu que “viu o clio a ultrapassar pela direita” o pesado de mercadorias. Mas mais: o condutor do outro veículo interveniente no acidente, D., que igualmente prestou depoimento testemunhal, afirmou, sem reservas, que “vinha atrás do camião (portanto, o veículo propriedade da Demandante) há algum tempo, desde Gaia”, e que a berma da estrada ali existente “é larga”, “um carro poderia lá passar à vontade”… Ora, i. seguindo o veículo de matrícula 00-00-VG atrás do pesado de mercadorias há algum tempo, desde Gaia, ii. tendo o pesado de mercadorias sempre seguido atrás do mesmo veículo, iii. tendo em conta a configuração da via em causa a que já se aludiu supra nos factos provados B e C, iv. tendo o condutor do pesado de mercadorias feito um ligeiro desvio para a esquerda, na via em causa, para melhor conseguir manobrar, à direita, o veículo que conduzia, resulta evidente que o condutor do veículo de matrícula 00-00-VG aproveitou a berma do lado direito da via, que, tal como o próprio diz, “é larga”, e podia “um carro (…) lá passar à vontade” para, e tal como também dito pela testemunha E., “ultrapassar pela direita” o pesado de mercadorias. O facto H resultou provado por via da prova testemunhal produzida, especificamente, por via do depoimento de F., engenheiro que presta serviços para a Demandada e que afirmou ter efectuado a peritagem do pesado de mercadorias, tendo dito que a reparação do veículo demorava um dia, o que se encontra de acordo com o documento de peritagem junto com a contestação como documento n.º 4, o qual não foi impugnado pela Demandante, e, por isso, e atenta a prova testemunhal produzida, prevalece face ao teor do documento n.º 4 junto com o requerimento inicial (este impugnado pela Demandada). Finalmente, o facto I resultou provado por via do documento n.º 5 junto com o requerimento inicial (cópia certificada da licença n.º 000 para transporte rodoviário internacional de mercadorias por conta de outrem, não impugnada), conjugado com o depoimento de parte do representante legal da Demandante, o qual afirmou, sem reservas, que o pesado de mercadorias é essencial à prossecução da actividade da empresa, pois tem camião frigorífico e é o único dos veículos propriedade da Demandante que se encontra afecto ao transporte internacional. A parte final deste facto foi tomada em consideração à luz do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alíneas a) e b), do CPC. Já os factos não provados resultaram de ausência de prova. Com efeito, a dinâmica do acidente que resultou provada foi a que consta dos factos D, E e F, a qual não é compatível com a versão alegada pela Demandada e constante dos factos não provados. * DIREITOVisa a Demandante, com a presente acção, a condenação da Demandada no pagamento de uma indemnização, por entender que o acidente em causa nos autos se ficou a dever a culpa exclusiva do condutor do veículo com a matrícula 00-00-VG, veículo este seguro na Demandada. Da Responsabilidade dos intervenientes no acidente: O artigo 483.º do Código Civil (CC) determina que aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. Para que se conclua pela existência de responsabilidade civil por factos ilícitos é, então, necessário um comportamento humano dominável pela vontade; ilicitude, ou seja, a violação de direitos subjectivos absolutos ou normas que visem tutelar interesses privados; um nexo causal que una o facto ao lesante – a culpa (o juízo de censura ou reprovação que o direito faz ao lesante por este ter agido ilicitamente, quando podia e devia ter agido de outra forma) e outro que ligue o facto ao dano, de acordo com as regras normais de causalidade. Pode revestir duas formas: o dolo e a negligência ou mera culpa. Foi dado como provado que o acidente em apreço nos autos se deveu à conduta culposa do condutor do veículo seguro na Demandada, o qual, circulando a uma velocidade superior à do veículo automóvel pesado de mercadorias, veio a ultrapassar este, pela direita, utilizando, para o efeito, a berma direita da via, a qual transpôs para concretizar o propósito de ultrapassar o veículo propriedade da Demandante, quando este se encontrava a realizar a curva à direita existente para a entrada no nó de acesso à A28, tendo embatido na lateral frente direita do veículo propriedade da Demandante pela sua lateral esquerda. Face à matéria provada, há que concluir que a responsabilidade do acidente em apreço se deve exclusivamente à conduta do condutor do veículo com a matrícula 00-00-VG, com culpa efectiva, o qual violou o disposto nos artigos 17.º, n.º 1, 35.º, n.º 1 e 36.º, n.º 1, do Código da Estrada (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio), violação, essa, que foi causa adequada para a ocorrência do acidente. Conclui-se pois, estarem preenchidos todos os pressupostos (supra mencionados) do nascimento da obrigação de indemnizar por responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos por parte do condutor do veículo com a matrícula 00-00-VG, sendo que o proprietário de tal veículo havia transferido a sua responsabilidade civil, por danos emergentes da sua circulação, para a Demandada, pelo que é sobre esta que recai a obrigação de indemnizar a Demandante pelos danos provocados pelo acidente. Dos Danos: Nos termos do disposto no artigo 562.º do CC, a obrigação de indemnizar visa, desde logo, a reconstituição da situação que existiria na esfera jurídica do lesado, no caso de não se ter verificado o evento que obriga à reparação. São assim, indemnizáveis, os danos de carácter patrimonial (quer os prejuízos emergentes, quer os lucros cessantes, sejam danos presentes ou futuros, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 564.º do CC) e os de carácter não patrimonial (estes apenas no caso de mereceram a tutela do direito, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 496.º do CC). Mais dispõe o artigo 566.º, n.º 1, do CC que a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor. A Demandante, in casu, peticionou danos patrimoniais, especificamente, os danos verificados no veículo, constantes do relatório de peritagem, cuja reparação se cifra em € 690,12, e os danos pela privação do uso do veículo no valor de € 900,00, correspondente a € 300,00/dia, considerando que seriam necessários dois dias para a reparação do veículo, acrescido do dia da realização da peritagem. Provou-se que, na sequência do acidente, o veículo propriedade da Demandante sofreu danos, cuja peritagem concluiu serem reparáveis no valor de € 690,12, mais se tendo provado ser necessário um dia para essa reparação. Assim, e em face da factualidade dada como provada, impõe-se a condenação da Demandada no pagamento à Demandante do valor de € 690,12, a título de quantia necessária à reparação do veículo, em face do acidente de que foi exclusivo culpado o condutor do veículo seguro na Demandada. Note-se que, não obstante a Demandante ter já procedido à reparação do veículo – tal como afirmado pelo representante legal desta em sede de depoimento de parte –, tal em nada invalida a indemnização que lhe é devida, pois, conforme decidido no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08.02.2018, proferido no processo n.º 3385/15.0T8PNF.P1, e disponível em www.dgsi.pt, “A indemnização pelo valor da reparação consubstancia uma forma de reconstituição natural a que o Recorrente autor tem direito e que não é afastada por aquele ter procedido à reparação do veículo sinistrado. O dano existiu e impõe-se a sua reparação mediante a atribuição do valor necessário.” Na medida em que se provou, ainda, ser necessário um dia para a reparação do veículo, tendo, assim, a Demandante ficado durante dois dias – portanto, um dia para a reparação e outro dia para a peritagem – impedida de utilizar o seu veículo, a mesma esteve, assim, e durante tal período, impedida de poder utilizar um bem que é seu, impedimento, esse, que lhe acarretou danos, tanto mais que se deu, igualmente, como provado, que o veículo propriedade da Demandante é essencial à prossecução da actividade da empresa, pois é um pesado de transporte de mercadorias, com camião frigorífico e afecto ao transporte internacional, sendo, dos demais veículos propriedade da Demandante, o único afecto ao transporte internacional. Ora, no que se reporta aos danos da privação do uso, tendo em conta a orientação da Jurisprudência mais recente, o simples uso constitui uma vantagem patrimonial susceptível de avaliação pecuniária. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.05.02, págs. 125 a 129, citado na obra “Indemnização do Dano de Privação do Uso”, Volume I, 2ª Ed., Almedina, de ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES. No mesmo sentido, também o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15.03.2005, proferido no processo 0520317, e disponível em www.dgsi.pt, considera que: “o lesado, durante o período da imobilização da viatura, ficou privado das utilidades que esta poderia proporcionar-lhe; e isto constitui um prejuízo, uma realidade de reflexos negativos no património do lesado, mesmo se, como é o caso, não se provou em concreto um aumento das despesas em razão da privação do seu uso.” Citando novamente ABRANTES GERALDES (in “Indemnização do Dano da Privação do Uso”), no que concerne à temática dos autos (§ 5.14): “Pressupondo que a privação do uso do veículo representa sempre uma falha na esfera patrimonial do lesado e que, em regra, será causa de um prejuízo material, impõe-se avaliar qual a compensação ajustada ao caso, de acordo com a gravidade das repercussões negativas e o destino que, em concreto, era dado ao bem.” “Essa compensação pode variar de acordo com o circunstancialismo presente em cada caso, designadamente, tendo em consideração, a disponibilidade de outro veículo com idêntica função ou o grau de utilização que, efectivamente, lhe seria dado durante o período da privação. Mas, em princípio, a privação deverá ser compensada com a atribuição de um quantitativo correspondente ao desvalor emergente da acção.” “Mesmo não se tendo provado prejuízos efectivos, é possível determinar com o recurso à equidade, o valor dos danos da paralisação” – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.06.96, in BMJ 457/325. Ora, a Demandante peticiona, a este título, a quantia de € 900,00, correspondente a € 300,00/dia, sendo certo que, tendo em consideração a factualidade provada, apenas será ressarcida pela privação do uso do veículo correspondente a dois dias (um para a reparação e outro para a peritagem). Quanto ao peticionado montante de € 300,00/dia, não foi possível apurar os prejuízos efectivamente incorridos com a privação do uso do veículo, sendo, porém, certo que tais prejuízos ocorreram, tanto mais que o veículo em causa é essencial à actividade da Demandante, por ser o único que efectua transporte internacional de mercadorias. Em face do exposto, entende-se ser exagerado o montante de € 300,00/dia peticionado, pelo que se reduz este valor, fixando-se, nos termos do artigo 566.º, n.º 3 do CC, em € 400,00 – portanto € 200,00/dia x 2 dias – a quantia total devida pelo dano da privação do uso do veículo propriedade da Demandante. Dos juros de mora: Nos termos do disposto nos artigos 804.º e 559.º do CC, sobre a obrigação de indemnizar incide também a obrigação de pagamento de juros a partir do dia da constituição em mora. Assim, e nos termos do disposto no artigo 805.º, n.º 3 do CC, serão devidos juros de mora, à taxa legal de 4% (cfr. Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril), sobre o valor da indemnização de € 690,12, desde a data da citação até integral pagamento, sendo, ainda, devidos juros de mora, igualmente à mesma taxa legal de 4%, sobre o valor da indemnização pela privação de uso de € 400,00, desde o trânsito em julgado da presente decisão e até integral pagamento. * DECISÃOFace a quanto antecede, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência: a) Condeno a Demandada no pagamento, à Demandante, do valor de € 690,12 (seiscentos e noventa euros e doze cêntimos), a título de indemnização pelos prejuízos causados ao veículo automóvel pesado de mercadorias, composto por tractor matrícula 00-SI-00 e semi-reboque matrícula L-000; b) Condeno a Demandada no pagamento, à Demandante, do valor de € 400,00 (quatrocentos euros), a título de indemnização por 2 dias de privação do uso da referida viatura; c) Condeno a Demandada no pagamento, à Demandante, de juros de mora, à taxa legal de 4%, sobre a indemnização de € 690,12, desde a data da citação até integral pagamento, e sobre o valor da indemnização pela privação de uso de € 400,00, desde o trânsito em julgado da presente decisão e até integral pagamento, e, d) Absolvo a Demandada do demais peticionado. Custas na proporção do decaimento que se fixam em 32% para a Demandante e 68% para a Demandada – cfr. artigos 8.º e 9.º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro. Registe e remeta cópia da presente sentença à Demandada, atenta a sua falta de comparência na presente data e hora (14.30h), agendadas para leitura de sentença. Porto, 20 de Março de 2019 A Juíza de Paz, (Marta M. G. Mesquita Guimarães) Processado por computador (Artigo 18.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho) Revisto pela signatária. Julgado de Paz do Porto |