Sentença de Julgado de Paz
Processo: 431/2015-JP
Relator: MARGARIDA SIMPLÍCIO
Descritores: AÇÃO DE RESOLUÇÃO DE LITÍGIOS ENTRE PROPRIETÁRIOS DE PRÉDIOS RELATIVOS A PASSAGEM - LITIGIO ENTRE PROPRIETÁRIOS
RESPEITANTE AO ESTACIONAMENTO DE VEÍCULOS
Data da sentença: 05/30/2016
Julgado de Paz de : FUNCHAL
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA

Processo n.º 431/2015-J.P.

RELATÓRIO:
Demandantes, A, NIF. ------, e B, NIF. -------, residentes na rua --------------, no concelho do Funchal.
Representados por mandatário constituído, com domicílio profissional na rua------------------------------, no Funchal.

Requerimento Inicial: Alegam em suma que, são donos e legítimos proprietários da fração autónoma D, sita no prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, por seu turno o demandado é vizinho deles, e condutor habitual do veículo ligeiro de passageiros da marca Renault Clio, com a matrícula XH. O demandado sistematicamente estrangula o acesso á garagem deles, o que os impede de abrir o portão da garagem e entrar e sair com a respetiva viatura, por isso estão constantemente a chamar a PSP para intervir, mas que não pode intervir por ser um arruamento integrado em prédio privado. Por diversas vezes pediram ao demandado para não estacionar naquele espaço, o qual retira a viatura para depois voltar a estacionar. Para evitar estes incómodos acabaram por solicitar na CMF a colocação de um sinal de proibição de estacionamento, o qual foi deferido, mas como não foi suficiente para demover o demandado de estacionar no espaço comum, acabaram por instaurar a ação n.º 535/14.8T8FNC, na instância local, seção Cível-J1. No seu decurso, as partes acordaram por fim aos autos, por acordo, devidamente transitado em julgado, nos termos do qual o demandado se obrigava a não estacionar naquele arruamento, para não prejudicar os demandantes, seus comproprietários conforme documento que juntam. Sucede que apesar de se ter obrigado, logo a seguir desrespeitou o acordo, estacionando habitualmente naquele espaço comum, o que denunciam e que constitui um enorme abuso de direito. Tais factos causam um enorme mau estar entre os residentes, e sobretudo incomoda com os estacionamentos abusivos a quem quer passar para a garagem, violando assim as regras do C.E. Concluíram pedindo que: A) seja condenado a reconhecer o direito de propriedade dos demandantes e a abster-se de o violar; B) na quantia de 3.000€, de indemnização por danos não patrimoniais causados aos demandantes; C) abster-se dos comportamentos, nomeadamente estacionar abusivamente bloqueando o acesso á garagem dos demandantes, dificultando as manobras de entrada e saída da viatura dos demandantes á sua própria garagem, sob pena de ser condenado na quantia diária de 100€ de sanção pecuniária compulsória; D) custas e demais encargos legais. Juntando 14 documentos.

MATÉRIA: Ação de resolução de litígios entre proprietários de prédios relativos a passagem, enquadrada no art.º 9, n.º1, alínea D) da L.J.P.
OBJETO: Litigio entre proprietários, respeitante ao estacionamento de veículos.
VALOR DA AÇÃO: 3.000€.

O demandado, C, NIF. ---------, residente na rua ----------------, no concelho do Funchal.
Representado por mandatário constituído, com domicílio profissional na ------------------------, no Funchal.
Contestação: Em suma impugna a matéria e fotografias juntas. Alega que no r.i., os demandantes reproduzem praticamente a maioria do articulado constante dos autos que correram termos sob n.º 535/14.8T8FNC. e que foram objeto de transação homologada a 29/04/2015. Contudo, após a mesma o demandado cumpriu o acordo, não voltando a estacionar na parte final do arruamento, comum às residências das partes. Mesmo antes dessa altura os demandantes não tinham dificuldade em estacionar, nem foi dificultado o seu acesso ao portão de acesso á garagem. Não existindo qualquer estacionamento abusivo do seu automóvel, mas uma simples paragem, junto á entrada da moradia dele e não á dos demandantes. Na realidade os demandantes utilizam o espaço de abrigo de automóvel para outros fins que não seja o estacionamento do veículo. No entanto, parece existir alguma confusão de terminologia entre o parar e estacionar, o que são coisas distintas, sendo certo que admite que tem parado pontualmente para retirar coisas da viatura, sendo que tal ato não os impede de abrir ou fechar os portões, nem de ir a qualquer local. Para além disso, nunca lhe solicitaram que retirasse o veículo, pois se o tivesse feito assim teria procedido, sem recusa. De facto, parou algumas vezes para proceder á limpeza do veículo, junto ao espaço onde entram as águas, retirando a seguir a mesma desse local. Quanto á sinalização que referem, a C.M.F. não tinha competência para colocar um sinal em arruamentos privados, por isso reconheceu-o e retirou-o do local. Quanto á indemnização trata-se de um conjunto de falsidades invocadas, parecendo que pretendem de forma gananciosa espoliar o demandante através do presente processo, sendo anedótico que pretendam que seja condenado numa pena pecuniária, por estacionar e obstruir a passagem, a qual é surrealista, pelo que deve ser absolvido. Conclui pela improcedência da ação e absolvição do demandado nos pedidos. Junta 7 documentos.

TRAMITAÇÃO:
Não se realizou sessão de pré-mediação por recusa expressa dos demandantes.
O Tribunal é competente em razão do território, do valor e da matéria.
As partes dispõem de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas.
O processo está isento de nulidades que o invalidem na totalidade.

AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO:
Foi iniciada dando cumprimento ao disposto no art.º 26, n.º1 da L.J.P., sem obter o consenso das partes. Seguiu-se para inspeção ao local, e ocorreu a junção de documentos fotográficos, pelos demandantes. Na 2ª sessão de audiência foi produzida a prova testemunhal, com a junção de 1 documento pelos demandantes, terminando com alegações finais dos mandatários das partes, conforme atas de fls. 50 a 52 e 69 a 72.

-FUNDAMENTAÇÃO-
I- FACTOS ASSENTES (POR ACORDO):
a)Os demandantes são os legítimos donos e proprietários da fração autónoma designada pela letra D, sita num prédio urbano constituído sob regime de propriedade horizontal, inscrita na matriz predial sob art.º -------- da freguesia de S. Gonçalo, e descrita na conservatória do registo predial do Funchal sob n.º -------------------------.
b)O demandado é vizinho dos demandantes, residindo na fração designada pela letra C, do referido prédio, em regime de propriedade horizontal.
c)E, é também proprietário do veículo automóvel da marca Renault, com a matrícula XH.
d)O arruamento é parte comum do referido edifício, e privativo das frações.
e)A polícia apesar de ser chamada diversas vezes pelos demandantes não pode intervir, pois o arruamento está integrado num edifício em regime e propriedade horizontal e privado.
f) Os demandantes instauraram uma ação contra o demandado, sobre os factos referidos nos autos, que correu termos na Comarca da Madeira sob n.º 535/14.8T8FNC, Inst. Local, Seção Cível, J1.
g) Que na tentativa de conciliação realizada a 29/04/2015 as partes chegaram a acordo sobre o objeto do litígio.
h) Obrigando-se o demandado a não estacionar o carro no arruamento comum às duas frações autónomas, sito na rua d-----------------, na cidade do Funchal, para não prejudicar o direito dos demandantes, comproprietários do mesmo arruamento na sua utilização.
i) A qual foi devidamente homologada por sentença que transitou em julgado.

II- FACTOS PROVADOS:

1)O demandado tem dificultado o acesso á garagem dos demandantes.
2)O que se tem passado nos últimos 3 anos.
3)Estacionando o respetivo veículo no beco, próximo do portão de acesso á garagem dos demandantes.
4)O que obstrui a passagem do veículo dos demandantes.
5)E, não permite abrir o portão de acesso á garagem.
6)Que os demandantes não tem outro caminho para acederem á garagem.
7)O arruamento é comum aos imóveis das partes.
8)Que o arruamento é estreito.
9)Os demandantes já solicitaram ao demandado que retira-se o veículo e que não estacione o veículo em frente á garagem.
10)Mas, às vezes, o demandado recusa-se a retirar o veículo.
11)Que o demandado lava a sua viatura no arruamento.
12)O que faz com sabão e detergentes.
13)O que causa má qualidade de vida aos habitantes e frequentadores do local.
14)Que os demandantes solicitaram na C.M.F. que colocassem uma placa de proibição de estacionamento.
15)Que o estacionamento da viatura do demandado no arruamento impossibilita a passagem de outros veículos.
16)O demandado incumpriu o acordo a que se obrigou.
17)Que o demandado continua a estacionar o veículo no arruamento.
18)Dificultando a passagem dos demandantes no acesso á respetiva garagem.
19)Tal situação causa incómodos, aborrecimentos e mau estar nos demandantes.
20)E, prejudica o direito dos demandantes a acederem á respetiva propriedade.
21)Que os demandantes estacionam no interior do abrigo automóvel/garagem.
22)Que o arruamento é de uso para os que ali vivem e utilizado pelo público em geral.
23)Que o arruamento serve os imóveis com os números de polícia n.º ----, ----- -C, ------- -D e uma serralharia.
24)Que o acesso ao arruamento verifica-se através de uma rampa.
25)A Qual é pública.
26)Que o demandado solicitou á C.M.F. que retirasse a placa de proibição de estacionamento.
27)Que o demandante tem direito a estacionar no local por ser portador de deficiência motora.

MOTIVAÇÃO:
O Tribunal firmou a decisão com base na análise crítica dos documentos, conjugados com a inspeção ao local, prova testemunhal, e regras da experiencia comum.
Na inspeção ao local apurou-se a localização dos imóveis das partes, sitos num beco sem saída, no qual há cinco imóveis que possuem saída para o arruamento, denominado por rua do lazareto, sendo um deles uma serralharia.
Mais se verificou que os demandantes possuem um espaço de estacionamento automóvel com portão que deita diretamente para o arruamento.
O arruamento é estreito, tendo um poste elétrico público de iluminação e também, existe um sistema de esgotos com uma sarjeta.
O acesso aos imóveis das partes faz-se íngreme por uma rampa, bastante inclinada na qual, ao lado direito no sentido ascendente, tem uma escadaria, logo de seguida há uma curva apertada para a direita. Mais se constatou que não existe outro percurso alternativo para os imóveis.

A testemunha, D, é vizinho das partes, e morador no arruamento. Há cerca de ano e meio que auxilia diariamente os demandantes no transporte da neta á escola, utilizando o veículo deles. Relatando que diariamente se vê confrontado com o veículo do demandado estacionado no arruamento, o qual é mal educado quando lhe pedem para retirar o veiculo dele. O seu depoimento foi idóneo e merecedor de credibilidade
A testemunha, E, até há cerca de um ano atrás frequentava diariamente a casa dos demandantes. Nessas deslocações assistiu às tentativas diárias para entrarem e saírem de casa, devido ao estacionamento do carro do demandado junto ao portão de entrada á garagem. Inclusive das vezes que chamaram a PSP e enquanto esta não veio o demandado não retirou o veículo do local, sendo mal educado para todos. Este depoimento foi idóneo, esclarecedor e merecedor de credibilidade
A testemunha, F, é afilhada da demandante e frequentadora da casa do casal. Das vezes que vai a casa dos demandantes costuma ver o carro do demandado estacionado no arruamento e por vezes mesmo junto ao portão da garagem. Relatou, também, que presenciou o demandado a lavar o veículo na via. O seu depoimento foi idóneo e merecedor de credibilidade
A testemunha, G, é vizinho das partes. O seu imóvel situa-se, um pouco, mais acima do local onde as partes residem. Relatou alguns dos factos que presenciou, devido ao barulho que se fazia sentir. Nomeadamente a presença da polícia no local por mau estacionamento do demandado. O seu depoimento foi idóneo, isento e merecedor de credibilidade.
Os factos complementares de prova, com os n.º 8, 22 a 27 resultam dos documentos junto aos autos pelas partes e da inspeção efetuada ao local.
Não se provaram mais factos por ausência de prova.

III- DO DIREITO:
O caso em discussão refere-se a uma questão entre vizinhos.
No caso concreto, o demandado, por transação já transitada em julgado, no âmbito do processo n.º 535/14.8T8FNC que correu termos no Tribunal judicial, assumiu a obrigação de não estacionar no espaço existente em frente aos imóveis das partes.
Como se tratou de uma transação na qual o Tribunal Judicial não se pronunciou sobre a matéria, embora as partes sejam as mesmas, e a situação transversal aos dois processos, acabou por não se formar caso julgado material, podendo agora o Julgado pronunciar-se sobre a mesma.
Em relação ao primeiro pedido, do teor da contestação com a admissão do art.º 1 do r.i., resulta que o demandado não põe em causa a propriedade dos demandantes, estando para o devido efeito reconhecida, tal como consta do respetivo registo, o qual no presente caso tem efeitos declarativos.
Assim, está em causa o estacionamento e a lavagem de um veículo, propriedade do demandado, num arruamento.
Resulta do r.i e, também, da contestação, que o referido arruamento está inserido numa zona privada, sendo através dele que as partes, e outros, acedem aos respetivos imóveis, algo que o Tribunal comprovou na deslocação ao local.
Porém, resulta do art.º 2, n.º2 do C.E. que é igualmente aplicável às vias de domínio privado, quando abertas ao trânsito público, ou seja há uma equiparação das vias de comunicação terrestre do domínio privado.
O que carateriza a via é precisamente a liberdade de transitar, incluindo-se a passagem de peões, veículos automóveis ou outros automóveis. Para tal bastará a afetação do caminho á utilidade pública, ou seja, á satisfação de interesses coletivos relevantes.
Trata-se de um conceito amplo como defende Vaz Serra, in Rev. De Legislação e Jurisprudência, 104-46, devendo abranger todos os locais que proporcionem a possibilidade de alguém ser lesado por um veículo, posição igualmente defendida no AC. RP. Proc. 9941371 de 29/03/2000.
A invocação deste preceito resulta das partes terem opiniões distintas em relação ao espaço comum, pois se para uma é um arruamento privado, para a outra é público.
E, das certidões emitidas pela C.M.F., em momentos diferentes, resulta que a situação também não é clara. Não obstante, aquele espaço, devidamente cimentado, confere aceso aos imóveis das partes, sendo acessível ao público em geral, não estando vedado, o que o Tribunal constatou na inspeção efetuada ao local. Acrescenta, ainda, o facto de naquele arruamento existirem elementos do domínio público, como é o caso de um poste de eletricidade, para iluminar a via e de existir uma sarjeta, para escoamento de águas pluviais, o que evidencia ser área do domínio público ou pelo menos de acesso ao público.

Resulta, também, dos factos provados que as partes residem num edifício constituído sob regime da propriedade horizontal, e que o imóvel/unidade habitacional dos demandantes, possui no r/c um abrigo para automóvel, algo que o Tribunal, também, constatou.
Do regime que regula a propriedade horizontal, dispõe o art.º 1420, n.º1 C.C. cada condómino é proprietário exclusivo da sua fração e comproprietário das partes comuns.
E, o art.º 1406, n.º1 do C.C., na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destine e não prive os outros consortes do uso a que igualmente tem direito.
Da conjugação destes preceitos resulta que o proprietário pode fazer o que entender no prédio de sua propriedade, contudo em relação ao espaço comum deve respeitar o uso dos outros, de forma a evitar comportamentos que excluam ou limitem a utilização do espaço pelos outros.
No caso concreto, as partes são vizinhos, por isso, e antes de mais, devem mutuamente respeitarem-se, sendo esta uma regra essencial para a sã convivência em sociedade.
Na inspeção ao local verificou-se que no r/c do imóvel dos demandantes existe um espaço que serve para estacionarem o respetivo veiculo. De facto o demandado questiona se o mesmo será ou não uma garagem. Da escritura de aquisição, de fls. 6 a 8, o referido espaço foi designado por abrigo automóvel, e encontra-se como tal descrito no registo predial do Funchal. Ora o art.º 7, n.1 do C.R.P. contém uma presunção legal, nos termos da qual o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define, ora nesta presunção se inclui as descrições que constam dos prédios.
Assim sendo, estamos face a um abrigo automóvel, já que a presunção não foi elidida. Mas, decorre do significado desta palavra que, o local em questão serve para colocar viaturas, aliás abrigo significa local para resguardar, guardar, coisas ou pessoas. E, para quem conhece a ilha, local onde os factos são passados, sabe bem que o espaço plano é escasso, por isso é comum verem-se veículos estacionados, junto às estradas, em espaços pequenos mas vedados e contíguos aos prédios, os quais não estão, na sua maioria, cobertos. Não obstante, esses espaços servem para estacionar os veículos dos respetivos proprietários, e ninguém questiona a propriedade e muito menos o uso que dele se faz, por isso se lhe chamamos garagem ou abrigo, pouco importa, o essencial é o uso que deles se faz. E, neste caso o espaço em questão serve para guardar o veículo dos demandantes, algo que, se dúvidas houvesse foi provado por todas as testemunhas.
Como o arruamento não é largo, a existência de um veículo estacionado impede a passagem de qualquer outro, facto que o Tribunal pode constatar na inspeção ao local e que também é visível pelas fotografias junto aos autos, nomeadamente a que foi junta pelo demandado, a fls. 33.
E, se estacionar junto do portão do abrigo/garagem dos demandantes impede a abertura dos portões e o acesso á propriedade destes, facto que decorre da experiencia comum, e foi provado pelas testemunhas.
Aliás foi por este motivo que a PSP foi chamada pelos demandantes ao local, o que foi relatado pelas testemunhas, algumas alertadas pelo barulho existente na zona, despertando a curiosidade dos vizinhos das partes, especialmente de quem mora mais acima deles, conforme assim o relatou.
E, que o demandado só retirou o veículo do local após a chegada da PSP, ora isto não são comportamentos adequados á convivência social. Se de facto o veículo está mal estacionado, o seu proprietário deve, de forma rápida e imediata, remediar a situação, retirando o veículo do local onde se encontra.
Quer isto dizer que, afinal o demandado não fez uma simples paragem com o respetivo veículo, para dele retirar algo, mas acaba mesmo por o estacionar no arruamento durante vários períodos de tempo.
De facto o art.º 48 do C.E. estabelece-se a diferença entre parar e estacionar. Assim, ocorre o primeiro quando há uma imobilização de veiculo, pelo tempo estritamente necessário para a entrada e saída de passageiros, ou breves operações de carga e descarga, desde que o condutor esteja pronto a retomar a marcha e o faça sempre que estiver a impedir ou a dificultar a passagem de outros veículos. A segunda ocorre quando a imobilização de veículo não constitui paragem e não seja motivada por circunstâncias próprias da circulação.
Deste preceito resulta claramente que há uma diferença entre as condutas/comportamentos descritos, pressupondo a primeira que o condutor do veículo está no interior deste ou nas imediações, de forma a retomar a marcha de seguida, enquanto no estacionamento, o qual deve se feito em local apropriado, o seu condutor não estará nas imediações, ou seja, ausentou-se do mesmo.
Independentemente da terminologia que as partes defendem, na verdade as testemunhas das partes acabaram por descrever que o demandado deixa sozinho o veiculo no arruamento, o que sucedeu em diversas ocasiões, e alturas do dia, o que equivale a dizer estacionado.
E, em alguns desses momentos os demandantes não conseguiam retirar a viatura deles do local adequado ao efeito de estacionamento, ou seja, na garagem ou abrigo automóvel.

Dispõe o art.º 50, alíneas b) e c) do C.E. que é proibido estacionar em vários locais, nomeadamente em locais que impeça o acesso a veículos devidamente estacionados e nos lugares por onde se faça o acesso de pessoas ou veículos a propriedades, a parques ou lugares de estacionamento, constituído a sua violação uma contra ordenação.
Ora o demandado, enquanto vizinho dos demandantes e morador no imóvel contiguo, não pode ignorar que os demandantes utilizam aquele espaço, que é propriedade exclusiva deles, para estacionar, pois é algo que se vê do próprio arruamento, existindo um portão (com duas meias portas) que deita diretamente para a referida via.
Para além disso, o demandado tem conhecimento que o demandante é portador de deficiência física, pois é seu vizinho. Não obstante, e devido às questões de estacionamento que têm sucedido entre as partes, decidiu comprova-lo, através de reclamação que apresentou na C.M.F., mas á qual a referida edilidade entendeu não lhe dar razão, mantendo o lugar afeto a pessoa com deficiência, documento com o n.º7 que juntou, a fls. 40.
Como é evidente com estas atitudes, diárias ou quase diárias, acaba por provocar mau estar, e confere má qualidade de vida a quem já não possui muita, como é o caso do demandante.
Este tipo de comportamentos são evitáveis, bastando um pouco de bom senso e compreensão, por isso o direito, também, não pode ficar indiferente, uma vez que vai para além da negligência, tendo mesmo cariz provocatório e abusivo (art.º 334 do C.C.), sobretudo quando começam a ser diários, como foi relatado pelas testemunhas.
A verdade é que desta forma o demandado não só perturba o acesso, ao imóvel e do imóvel, dos demandantes, como também a própria circulação no arruamento, a qual é pública.


Resulta, ainda, dos factos provados que o demandado tem lavado o respetivo no arruamento, o que se pode verificar pelas fotografias juntas pelos demandantes a fls. 17 e 58.
Acerca do assunto o C. da Estrada é omisso mas a situação é regulada através do D.L. 239/97 de 9/09 que estabelece as normas básicas para a gestão de resíduos, de forma a defender a natureza e o ambiente. Nomeadamente estabelece o princípio de responsabilizar o produtor pelos resíduos que produza, e nessa categoria inserem-se os outros resíduos, desde que apresentem perigosidade para a saúde ou ambiente.
Com base neste diploma compete aos municípios a gestão e responsabilização no respetivo espaço geográfico, e foi no âmbito desta área de atuação que surgiu o Regulamento de Resíduos Sólidos e Comportamentos Poluentes do concelho do Funchal.
Assim, nos termos do art.º 39 do referido Regulamento dos Resíduos Sólidos e Comportamentos Poluentes do Município do Funchal, relativamente à higiene e limpeza nas vias, lugares públicos e espaços confinantes são punidos, com as coimas indicadas, as seguintes contra-ordenações, constando na alínea m) lavar veículos automóveis nas vias e outros espaços públicos, sendo uma contra-ordenação punível com coima de 50 € a 250 €.

Disto resulta que, o comportamento do demandado é inapropriado pois o uso de detergentes nas vias públicas pode ser causador de acidentes pois torna o pavimento mais escorregadio, o que resulta da experiencia comum, e em especial naquele arruamento onde o pavimento é em cimento conferindo menos aderência dos veículos ao solo, por isso se a PSP nada fez é porque desconhece este regulamento, pois pode e deve atuar nestas circunstâncias.

No que diz respeito ao pedido indemnizatório por danos morais, dispõe o art.º 496, n.º1 do C.C. que deve atender-se aos que pela sua gravidade mereçam tutela do direito.

Quer isto dizer que embora possam ser qualificados como morais, nem todos os danos são suscetíveis de serem ressarcidos, mas apenas os que á luz do direito sejam considerados como grave.

A gravidade é aferida por um padrão objetivo, pese embora deva ter em consideração as circunstâncias concretas, será de afastar factores suscetíveis de sensibilidade exagerada ou requintada.

Com a atribuição de uma indemnização visa não só reparar os danos sofridos pela pessoa lesada, como também reprovar ou castigar a conduta do agente.

No caso dos autos os comportamentos devidamente identificados do demandado foram, em regra, causadores de incómodos, mau estar e muitos aborrecimentos para os demandantes, e em especial para o demandante devido á sua condição física.

Ora estes danos, e porque não causaram nada mais grave, não são merecedores de tutela jurídica pois são pouco relevantes juridicamente e como tal não podem ser indemnizáveis, não obstante são merecedores de censura jurídica.

No que diz respeito á aplicação da sanção pecuniária compulsória (art.º 829-A, n.º 1 e 2 do C.C.), deve a mesma ser aplicada tendo em consideração os factos, pois o principal objetivo é precisamente compelir o infrator a ter comportamentos adequados.

Assim, tendo em consideração que está em causa o acesso ao abrigo/garagem dos demandantes, o qual pertence á propriedade privada destes, mas têm que passar por um arruamento de uso público, e que para o fazerem dependem exclusivamente de uma conduta do demandado, devendo por isso de se abster de estacionar e lavar o veículo no arruamento, para que todos possam circular naquele espaço, pelo que será adequado aplicar a sanção pecuniária compulsória diária na quantia peticionada de 100€, por cada dia de infração cometida.


DECISÃO:
Face ao exposto, considera-se a ação procedente, por provada. Reconhece-se que os demandantes são proprietários do imóvel urbano, sito na rua do Lazareto com o número de polícia ----- -D, e em consequência condena-se o demandado a abster-se de estacionar o respetivo veículo no arruamento, designado por rua do Lazareto, bem como evitar dificultar o acesso e manobras de entrada e saída da garagem/abrigo automóvel dos demandantes, sob pena de ser condenado no pagamento da sanção pecuniária compulsória na quantia diária de 100€, por cada dia de violação da mesma.

CUSTAS:
São da responsabilidade do demandado, por ser considerado parte vencida. Deve proceder ao pagamento de 35€ (trinta e cinco euros) num dos três dias úteis após notificação da presente sentença, sob pena de lhe aplicar a sobretaxa diária na quantia de 10€ (dez euros), nos termos do art.º 8 e 10, ambos da Portaria n.º1456/2001 de 28/12 com a redação dada pela Portaria n.º209/2005 de 24/02.

Em relação aos demandantes, cumpra-se o disposto no art.º 9 da referida Portaria.

Notificada às partes, nos termos do art.º 60, n.º2 da L.J.P.

Funchal, 30 de maio de 2016

A Juíza de Paz
(redigido e revisto pela signatária, art.º 131, n.º5 C.P.C.)


(Margarida Simplício)