Sentença de Julgado de Paz
Processo: 118/2023-JPCBR
Relator: CRISTINA EUSÉBIO
Descritores: INDEMNIZAÇÃO POR DANOS PATRIMONIAIS E PRIVAÇÃO DE USO DECORRENTES DE ACIDENTE DE VIAÇÃO
Data da sentença: 05/14/2024
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral:
Proc. N.º 118/2023-JPCBR

SENTENÇA

RELATÓRIO:
[PES-1], identificado a fls. 1, propôs contra [ORG-1] S.A. melhor identificada a fls. 1 e 22 , a presente ação declarativa de condenação, pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 8298,43 € (Oito mil, duzentos e noventa e oito euros e quarenta e três cêntimos) a título de indemnização por danos patrimoniais e privação de uso decorrentes de acidente de viação .
Alega, sem suma que sofreu um despiste causado por outro veículo, que inopinadamente se atravessou na via por onde seguia, determinado a sua reação de se desviar para a direita para evitar a colisão. Mais refere que por ter embatido numa estrutura comercial existente na berma da estrada, sofreu danos na sua viatura.
Para tanto, alegou os factos constantes do seu Requerimento Inicial de fls. 1 a 7, que se dá por integralmente reproduzido.
Juntou 6 documentos (fls. 8 a 16) que igualmente se dão por reproduzidos.
Regularmente citada, veio a demandada apresentar contestação de fls. 22 a 24 pugnando pela improcedência da ação, alegando que o despiste sofrido pelo demandante se deveu ao excesso de velocidade em que circulava, pois perante o obstáculo deveria poder parar no espaço visível à sua frente.
Juntou 21 documentos (fls. 25 a 39) que se dão por reproduzidos.
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Ao tribunal cabe decidir a) a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação; b) da obrigação da Seguradora indemnizar o Demandante pelos danos verificados
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O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território.
Não existem nulidades que invalidem o processado.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas.
Não existem exceções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito da causa.
Fixa-se o valor da causa em 8298,43€ (Oito mil, duzentos e noventa e oito euros e quarenta e três cêntimos).
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Tendo sido afastado o recurso à Mediação, procedeu-se á marcação da Audiência de Discussão e Julgamento, que se realizou com observância do formalismo legal, conforme da respetiva ata melhor se alcança.
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FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE FACTO
Com interesse para a decisão da causa, ficaram provados os seguintes factos:
1. No dia 12 de março de 2022, pelas 10 horas, na [...] 111-1 na freguesia de [...] e [...], concelho de [...], ocorreu um acidente de viação.
2. O acidente envolveu o veículo ligeiro de passageiros marca [Marca-1] de matrícula [AJ 1] de propriedade e conduzido pelo demandante e o veículo Renault com matrícula [TL 2] conduzido por [PES-2] e de sua propriedade.
3. O veículo AJ seguia no sentido [...] – [...] e o TL seguia em sentido inverso.
4. No local, o trânsito processa-se por duas vias em sentidos opostos, com o piso com 7,20 metros de largura em linha reta.
5. Na data e hora referidas em 1, o tempo apresentava-se chuvoso e o piso escorregadio.
6. O condutor do TL parou no eixo da via, sinalizando a mudança de direção, porquanto pretendia aceder a um estabelecimento de frutas situado do lado esquerdo atento o seu sentido de marcha e seguidamente avançou ocupando a faixa na qual seguia o AJ.
7. No sentido de evitar a colisão o demandante guinou para a berma, perdendo o controlo do veículo e embateu na estrutura do estabelecimento de venda de fruta “[ORG-2]”;
8. Do referido embate resultaram danos no AJ na frente e lateral esquerda do veículo.
9. A GNR deslocou-se ao local, elaborando o competente auto. (Doc. fls. 11 a 13).
10. A responsabilidade civil emergente de acidente do TL estava ao tempo dos factos transferida por contrato de seguro válido e em vigor com a apólice n.º xxxxxxxxx para a demandada.
11. O demandante fez a participação do sinistro à Seguradora, aqui demandada, tendo preenchido a reclamação de fls. 9, em 14 de março de 2022.
12. A oficina [ORG-3] reparou o veículo AJ emitindo a respetiva fatura no valor de 7098,43€, em 11 de maio de 2022, que o demandante pagou.
13. Em 24 de outubro de 2022, a demandada remeteu ao mandatário do demandante, a carta de fls. 16 declinando a responsabilidade pelo pagamento de qualquer indemnização resultante do sinistro.

Não provados:
- O veículo AJ circulava a uma distância superior a 100 metros, quando o TL mudou de direção;
- O veículo AJ circulava a uma velocidade superior a 90km / hora e não abrandou a sua velocidade.
- O condutor do AJ circulava distraído e alheado do demais trânsito.
- A hemiataxia de rodagem da esquerda encontrava-se livre para o AJ poder passar em segurança.
- O veículo AJ foi entregue ao demandante pela oficina, em 11 de maio de 2022.
- O veículo AJ é o único da propriedade do demandante e viu-se privado deste pelo período de 60 dias.

MOTIVAÇÃO
Não resultaram provados quaisquer outros factos alegados pelas partes ou com interesse para a decisão da causa.
A convicção probatória do tribunal, de acordo com a qual se seleciona a matéria dada como provada ou não provada, ficou a dever-se ao conjunto da prova produzida nos presentes autos, tendo sido tomados em consideração os documentos juntos por ambas as partes.
O tribunal valorou as declarações de parte do demandante em conjugação com as prestadas pela testemunha [PES-3]. Na verdade, o demandante relatou que, de facto, avistou o TL parado no eixo da via com o pisca ligado, indicando que pretendia virar à esquerda e que no momento que ia passar, o TL “corta-me o caminho” e que instintivamente se desviou para a berma que tem um resvalo, o que provocou a perda de controle do veículo e consequente embate na frutaria. A sua versão dos factos é coincidente com a da testemunha presencial dos factos, apenas com exceção da circunstância de o TL ter, ou não, imobilizado o veículo no eixo da via. Na sua douta contestação, a demandada refere, igualmente que o condutor do TL transpôs a via para a esquerda.
A testemunha mais refere, de forma perentória e assertiva, que viu o BMW que se despistou para não bater no veículo. Viu que o AJ ficou “todo desfeito à frente” e que este até “nem vinha com velocidade”.
Informou que não foi ouvido nem pela polícia nem pela seguradora sobre os factos que agora relata ao tribunal.
A testemunha apresentada pela demandada, confirmou “in totum” o relatório de peritagem por si efetuado, referindo que o local se afigura em reta e que ambos os condutores teriam, necessariamente de se avistar.

Refere a inexistência de marcas de travagem no local e que não existiu colisão entre os veículos. Mais referiu, com relevância para a decisão da causa que quando elaborou o relatório, - 10 de maio de 2022 - o AJ já se encontrava reparado, o que, por um lado, confirma a reparação efetuada pelo demandante e, por outro lado, contradiz a alegação de que este tenha sido entregue pela oficina reparadora em 11 de maio de 2022.
A matéria considerada não provada resulta da total ausência de prova que a infirmasse.
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FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE DIREITO
O Demandante ancora o seu pedido no facto de o condutor do veículo TL ser, no seu entender, o único culpado no acidente ocorrido.
Preliminarmente, importa referir, na questão de Direito, embora de modo sintético, que a obrigação de indemnizar, seja qual for a fonte de que provenha (responsabilidade por factos ilícitos, extracontratual ou aquiliana –
Art.ºs 483.º e ss. do Código Civil; responsabilidade pelo risco ou objetiva - Art.ºs 499.º e ss.; responsabilidade por factos lícitos ou responsabilidade contratual - Art.ºs. 798.º e ss.) radica sempre num dano, isto é, na supressão ou diminuição de uma situação vantajosa que era protegida pelo ordenamento jurídico (cit. Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, II, 1986 – reimpressão, AAFDL, 283).
Além do dano, são pressupostos da responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana (Art.º 483.º, n.º 1 e ss do C.C.): o facto, que se analisa numa conduta humana dominável pela vontade; a ilicitude, traduzida na violação de direitos subjetivos absolutos, ou de normas destinadas a tutelar interesses privados; a imputação psicológica do facto ao lesante, sob a forma de dolo ou de mera culpa e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, que pode afirmar-se, quando se prove, que a conduta do lesante, considerada ex ante e tendo em conta os conhecimentos concretos do mesmo, era adequada à produção do prejuízo efetivamente verificado, nos termos do disposto no Art.º 563.º do C.C. (cfr. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, 1, 4.ª ed., 471 e ss. e 578).
Os requisitos estabelecidos no n.º 1 do Art.º 483.º do C.C. para a obrigação de indemnizar são cumulativos.
No caso sub judicie, verificamos que ocorreu um despiste do qual resultaram danos para a viatura do demandante, cabendo a este tribunal determinar se se encontram preenchidos os requisitos da obrigação de indemnizar por parte da demandada, na medida em que se alega que foi o seu segurado que deu causa ao despiste verificado.
Vejamos,

Dispõe o DL n.º 114/94 de 3 de maio com as sucessivas alterações (Código da Estrada, doravante designado CE) que “O condutor só pode efetuar as manobras de ultrapassagem, mudança de direção ou de via de trânsito, inversão do sentido de marcha e marcha atrás em local e por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito.” (art. 42º CE).
As referidas manobras devem efetuar-se com especial cuidado, sendo que a mudança de direção à esquerda (que pressupõe o atravessamento da faixa contrária) está revestida de especial perigosidade.
Resulta provado nos presentes autos que o condutor do TL encostou ao eixo da via, sinalizou a intenção de voltar à esquerda e parou, cumprindo o disposto no art. 44º n.º 1 do CE.
Tal conduta faz pressupor que terá avistado o AJ que circulava em sentido contrário, até porque a via em causa é uma reta com boa visibilidade. Ao parar indiciou que aguardava que o AJ passasse para dar início à sua manobra. No entanto, tal não sucedeu e de seguida, o TL avançou, cortando a via de marcha do AJ.
Por sua vez, o AJ deveria ter adequado a sua condução por forma a imobilizar o veículo no espaço visível á sua frente. (art. 24º CE).
“Para a determinação do espaço livre e visível à frente do veículo não contam os obstáculos ou outras circunstâncias que surjam inopinadamente, cuja previsão não seja especialmente exigível ao condutor prudente, entendendo-se este como todo o indivíduo que conduz no respeito escrupuloso de todas as regras estabelecidas para o transito rodoviário, prevendo com tempo os obstáculos razoavelmente previsíveis e regulando a marcha por forma a ser detida, sempre que necessário, em condições de segurança” (cfr. A. A. Tolda Pinto Código da Estrada e Legislação Complementar, 2ª ed., pág. 59).
No presente caso, pese embora a manobra do TL não fosse totalmente expectável, o que é certo é que o AJ ao avistar o TL parado com o pisca ligado no eixo da via, deveria ter equacionado a possibilidade de que este pudesse avançar. (possivelmente por considerar que ainda teria tempo de realizar a manobra antes da chegada do AJ ao local, como amiúde se verifica na condução quotidiana).
Ao desviar-se para evitar o embate, o condutor do AJ acabou por perder o controlo do veículo, embatendo na estrutura do estabelecimento de frutas.
Da dinâmica do acidente podemos concluir que ambos condutores deram causa à ocorrência do despiste que causou danos para o AJ, porquanto ambos incumpriram as regras estradais supra referenciadas.
Restará determinar a medida da responsabilidade de cada um dos intervenientes.

Caberá nessa determinação salientar que inexistem marcas de travagem do AJ ( o que indicia que o TL invadiu a via da direita cortando a possibilidade de circulação do AJ, quando este já se encontrava muito perto do local) e a distância entre o local de início do despiste e a berma da faixa de rodagem é de 1,25 m ( o que indicia que o TL se encontrava a ocupar a via de trânsito do AJ em quase toda a sua extensão). Releva ainda a circunstância de a manobra efetuada pelo TL se considerar de maior perigosidade, apelando a redobrado cuidado do condutor que a pretenda realizar.
Tudo sopesado, pensamos que a contribuição dos dois condutores para a produção do evento é concorrente, razão pela qual se considera adequada uma repartição da culpa em 30% para o demandante e 70% para o veículo seguro na demandada.
Dos danos
Resultou provado nos presentes autos que o veículo AJ foi reparado pelo valor de 7048,43€, não se tendo provado, no entanto que este tenha ficado impedido de circular pelo período alegado pelo demandante, porquanto nenhuma prova foi feita nesse sentido.
Dispõe o art. 562º do Código Civil que “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga á reparação.” A nossa lei consagra, por princípio, a reconstituição natural do bem danificado, sendo certo que, no entanto, o pedido corresponde ao respetivo valor.
Nos termos do n.º 566º. nº3 do CC, dentro dos limites da prova, o tribunal haverá de determinar equitativamente o valor indemnizatório, sendo certo que o tribunal haverá de socorrer-se do valor da fatura junta aos autos e não impugnada pela demandada.
Por tudo quanto foi exposto e considerando a concorrência de culpas do acidente verificado na proporção de 30% /70% para cada um dos condutores atenta a dinâmica do acidente, fixa-se o quantum indemnizatório para a reparação dos danos materiais do veículo em 7.098,43€, cabendo á demandada liquidar a quantia de 4.968,90€.
A obrigação de reparar o dano com o atraso no cumprimento da obrigação de indemnização é exigível, em princípio, desde o momento em que o devedor se considera constituído em mora (artºs. 804º e 806º do CC). E esse momento é o da sua citação para a ação (art. 805ºn.º3 do CC). Assim, os juros peticionados na ação haverão de proceder.
Quanto á privação de uso diga-se que hoje é, comum e maioritariamente aceite na nossa jurisprudência, que o simples uso, constitui uma vantagem patrimonial suscetível de avaliação pecuniária.

No entanto, para a determinação concreta do referido dano, seria necessário que resultasse dos autos o tempo de privação da mesma, o que não sucedeu, pelo que o pedido a este título haverá de improceder.

Decisão:
Nos termos e com os fundamentos invocados, decido declarar a presente ação parcialmente procedente, porque parcialmente provada e em consequência condeno a demandada a pagar ao demandante a quantia de 4.968,90€ (quatro mil novecentos e sessenta e oito euros e noventa cêntimos) a título de indemnização por danos decorrentes de acidente de viação, acrescida de juros de mora desde a citação até integral e efetivo pagamento.

As custas serão suportadas por ambas as partes, em razão do decaimento na proporção de 40% para o Demandante e 60% para a Demandada, declarando-se ambas partes vencidas nos termos e para os efeitos do art. 3º da Portaria n.º 342/2019 de 1 de Outubro devendo ser pagas, no prazo de 3 (três) dias úteis a contar da notificação desta sentença –ainda que o prazo de validade do DUC seja mais alargado , sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efetivo cumprimento dessa obrigação.
A falta de pagamento das custas acarreta a sua cobrança por processo de execução fiscal.


Registe e remeta cópia.


Coimbra, 29 de maio de 2024
(Juíza de Paz que redigiu e reviu em computador – Art.º 138.º/5 do C.P.C.)

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(Cristina Eusébio)