Sentença de Julgado de Paz
Processo: 165/2023-JPMMV
Relator: MARTA SANTOS
Descritores: PRESTAÇÃOES A BANCO - UNIÃO DE FACTO
Data da sentença: 06/12/2024
Julgado de Paz de : MONTEMOR-O-VELHO
Decisão Texto Integral:
Processo n. º165/2023-JPMMV

SENTENÇA

I. RELATÓRIO

[PES-1], com o NIF [NIF-1], residente na [...], n.º 3 – [Cód. Postal-1] [...], veio intentar a presente ação declarativa, com fundamento na alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei dos Julgados de Paz, contra [PES-2], NIF [NIF-2] e marido [ORG-1], NIF [NIF-3], residentes na [...], n.º 198, [...] – [Cód. Postal-2] [...], pedindo sejam os demandados condenados a entregar ao Demandante o valor de €9.397,97 (nove mil trezentos e noventa e sete euros e noventa e sete cêntimos), que é seu por direito e que a Demandada se apoderou indevidamente, valor este acrescido dos juros de mora que entretanto se vencerem, desde a data de citação, até efetivo e integral pagamento, tudo com custas a seu cargo.
Para tanto, alegou os factos constantes do requerimento inicial, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido.
Para prova do por si alegado juntou cinco (5) documentos, tendo posteriormente, em sede de audiência de julgamento feito a junção de mais um (1) documento, documentos estes que se dão por integralmente reproduzidos.
Agendada a sessão de mediação, a mesma não se chegou a realizar porquanto os Demandados declararam não pretender que ocorra qualquer mediação nos presentes autos, cfr. fls. 74.
Os Demandados apresentaram contestação, tendo pugnado pela inexistência na esfera jurídica do Demandante de qualquer direito de crédito ou outro para com os Demandados, invocado a exceção do direito ao não cumprimento e impugnado tudo o que concerne às invocadas invalidade/inexistência/ineficácia do invocado título de crédito (acordo casa de morada de família), apenas aceitando o vertido nos artigos 1.º a 4.º do requerimento inicial. Juntaram dois (2) documentos, tendo em sede de audiência de julgamento juntado mais dois (2) documentos.
Foi agendada e realizada a Audiência de Julgamento, na qual compareceram o Demandante, acompanhado da sua Ilustre Mandatária e os Demandados, acompanhados do seu Ilustre Mandatário.
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Verificam-se os pressupostos de regularidade da instância, já que:
O Tribunal é competente em razão do objeto, do valor, da matéria e do território, nos termos do disposto no artigo 6.º nº 1, 8.º, 9.º n.º 1 al. a), 10.º e 12.º, n.º 1, todos da Lei dos Julgados de Paz.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não existem nulidades, exceções ou outras questões prévias a conhecer.
Fixa-se o valor da ação em €9.397,97 (nove mil trezentos e noventa e sete euros e noventa e sete cêntimos), cfr. artigos 297.º n.º 1, 299.º n.º 1 e 306.º n.º 1, todos do Código do Processo Civil, ex vi do artigo 63.º da Lei dos Julgados de Paz.
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Reunidos os pressupostos de estabilidade da instância, cumpre proferir sentença, sendo que a alínea c) do n.º 1 do artigo 60.º da Lei dos Julgados de Paz, estatui que, nas sentenças proferidas, deve constar, entre outros, uma “sucinta fundamentação”.
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II. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Factos provados:
Com relevo para a decisão da causa resultaram provados os seguintes factos:
1. Por contrato de compra e venda celebrado no dia 21.12.2007, no [ORG-2], sito na Figueira da Foz, o Demandante [PES-1] e a ex-companheira Nélia [PES-3], adquiriram uma fração autónoma, em compropriedade, para sua habitação própria permanente, sita em [...], [...], pelo preço de €62.500,00 (sessenta e dois mil e quinhentos euros).
2. Para pagamento de parte do preço, o Demandante [PES-1] e a ex-companheira [PES-2], contraíram um crédito à habitação, no valor de €55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros), junto da Caixa Geral de Depósitos.
3. O Demandante [PES-1] e a ex-companheira [PES-2] contrataram com a Caixa Geral de Depósitos que tal montante seria pago em prestações a debitar, na conta de depósitos à ordem n.º [Nº Identificador-1], que se obrigavam a ter provisionada para o efeito.
4. Obrigação, que o Demandante e a ex-companheira, aqui. Demandada, cumpriram conjuntamente até julho de 2017.
5. Demandante e Demandada acabaram a relação em maio de 2017, tendo a Demandada saído de casa em junho de 2017.
6. Demandante e Demandada assinaram um “acordo morada de família”, redigido pela então Advogada do Demandante, Dra. [PES-4], datado de 21 de junho de 2017 e com termo de autenticação datado de 19 de julho de 2017, no qual consta que o Demandante ficaria a residir no imóvel e a pagar todas as despesas inerentes ao mesmo, inclusive, a prestação do crédito à habitação, junto da Caixa Geral de Depósitos.
7. E ainda que a Demandada mulher se comprometia a autorizar a venda do imóvel, caso fosse essa a vontade do Demandante “…na condição dessa venda resultar a desoneração da 2.ª outorgante de qualquer responsabilidade ou titularidade do crédito hipotecário descrito supra, prescindindo a 2.ª outorgante desde já, do valor que lhe caberá na venda do imóvel acima identificado.”
8. O “acordo casa morada de família” foi efetivado num período temporal conturbado em que as relações entre o Demandante e Demandada mulher se degradaram ao ponto de ocorrer a separação definitiva.
9. A Demandada apresentou queixa crime em 06/07/2017 contra o Demandante, que deu origem ao inquérito n.º [Processo-1], por factos ocorridos em junho e julho de 2017.
10. O processo identificado em 9. veio a terminar ainda em fase de inquérito depois da suspensão provisória do processo, em 30/10/2019.
11. Os factos ocorridos em junho e julho de 2017 causaram temor à Demandada.
12. O demandante e a Demandada, na data de 20 de maio de 2022, outorgaram contrato de promessa de compra e venda de imóvel relativo à fração autónoma designada pela letra ”U”, prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na [...], n.º 13, 3.º Esq., [...], [...] – [Cód. Postal-3] [...], descrito na Conservatória dos Registos Predial, Comercial e Automóveis da Figueira da Foz, freguesia de [...], sob o n.º 64, inscrito na matriz urbana da [...], sob o artigo matricial 1429, Serviço de Finanças (3824) – [...], tendo para o prédio de que faz parte a fração “U”, para o qual foi emitida a Licença de Utilização n.º 191, em 15/04/1985 e cujo certificado energético é o SCE198642838, válido até 26/04/2029.
13. O Demandante e a Demandada, na data de 26 de julho de 2022 procederam à venda do imóvel identificado em 12.
14. Tendo a Demandada [PES-2] recebido na data indicada em 13. o montante de €9.397,97 e o Demandante [PES-1] exatamente o mesmo valor (nove mil, trezentos e noventa e sete euros e noventa e sete cêntimos).
15. O Demandante propôs à Demandada que esta pagasse metade das despesas que este havia suportado com o imóvel, entre a data da separação e a venda do mesmo, nomeadamente, as prestações do crédito à habitação, o seguro do imóvel, o seguro de vida, o condomínio e o IMI.
16. A Demandada recusou assumir as despesas elencadas em 11. porquanto o Demandante havia ficado, desde a data da separação, a usar e a fruir, exclusivamente, quer do imóvel, quer do recheio do mesmo, sem pagar qualquer renda à Demandada, comproprietária, como ele, do imóvel.
17. A Demandada contrapôs com a necessidade de se proceder à partilha do recheio do imóvel, do qual o Demandante era apenas titular do uso e fruição.
18. Tendo o Demandante ficado com todo o recheio.
19. A Demandada suportou metade das despesas do IMI referente ao imóvel identificado em 12. nos anos de 2019, 2020 e 2021.
20. O Demandante não pagou integralmente o crédito hipotecário referente ao imóvel, o qual foi pago pelo produto da venda do imóvel comum.
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Não resultaram provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.
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A convicção do Tribunal, relativamente à factualidade supra descrita, resultou da audição das partes, da análise ponderada dos documentos juntos aos autos pelo demandada e pelos demandados e da prova testemunhal, tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 607.º, nº 5 do Código do Processo Civil e ainda o disposto no artigo 5.º, n.º 2, als. a) e b), também do Código do Processo Civil, aplicáveis subsidiariamente por força do disposto no artigo 63.º da Lei dos Julgados de Paz e no artigo 396.º do Código Civil.
- Os factos considerados provados sob os n.ºs 1 a 4 foram dados como assentes pelas partes.
- Os factos considerados provados sob os n.ºs 5, 15, 16 resultaram das declarações de parte do demandante e da demandada [PES-2].
- Os factos considerados provados sob os n.ºs 6 e 7 resultaram do documento n.º 3 junto aos autos com o requerimento inicial (acordo casa morada de família).
- Os factos considerados provados sob o n.º 8 e 11, 17, 18 resultaram das declarações de parte da Demandada e das testemunhas apresentadas pela Demandada – [PES-5] (irmã da demandada) e [PES-6] (mãe da demandada).
- O facto considerado provado sob o n.º 9 resultou do doc. junto aos autos a fls. 140 ss. (certidão emitida pela [ORG-3] referência ao inquérito n.º [Processo-1]).
- O facto considerado provado sob o n.º 10 resultou do doc. junto aos autos a fls. 162 ss. (despacho de arquivamento no âmbito do inquérito n.º [Processo-1]).
- O facto considerado provado sob o n.º 12 resultou do doc. 1 junto aos autos com a contestação (contrato promessa de compra e venda de imóvel).
- Os factos considerados provados sob os n.ºs 13, 14 e 20 resultaram do doc. 4 junto aos autos com o requerimento inicial (contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca e renúncia).
- O facto considerado provado sob o n.º 19 resultou dos docs. juntos aos autos de fls. 133 a 139 (documentos de cobrança de IMIs) e ainda das declarações de parte da Demandada.
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Pelo Demandante [PES-1], em sede de declarações de parte, foi referido que viveu maritalmente com a Demandada [PES-2] num apartamento na [...], sendo que em maio de 2017 se separaram. Confrontado com o acordo casa de morada de família junto como doc. 3 ao requerimento inicial (fls. 25), disse que o que está ali escrito foi feito por ambos, devidamente acompanhados de Advogado. A Demandada [PES-2] ficou com a guarda do filho de ambos e o Demandante com as obrigações atinentes ao imóvel por ambos adquirido. Morou no referido imóvel durante seis (6) anos sozinho, até que em 2022 resolveu vender o apartamento, tendo arranjado um comprador para o mesmo, pelo valor de €80.000,00 (oitenta mil euros). Referiu que na altura comunicou à imobiliária que ele e a Demandada Nélia tinham aquele acordo de morada de família. A Demandada Nélia terá dito ao Demandante que só assinava a documentação necessária à concretização da venda do imóvel, se recebesse metade do lucro que se obtivesse com a venda, tendo o Demandante cedido a tal exigência porque queria vender o imóvel. Antes de vender falou com a sua Advogada e houve uma reunião entre as partes no escritório desta. Na escritura, cada um, Demandante e Demandada [PES-2], receberam a quantia de €9.397,97 (nove mil trezentos e noventa e sete euros e noventa e sete cêntimos). Nessa ocasião da escritura ainda tentou falar com a Demandada [PES-2], mas não chegou a haver nenhuma conversa sobre encontro de contas, sendo que até ao presente a Demandada [PES-2] se negou a entregar a dita quantia ao Demandante.
Esclareceu que a Demandada [PES-2] saiu de casa em maio de 2017 e que só assinaram o acordo seis (6) meses depois dela ter saído de casa. Não assinaram o acordo na presença um do outro, foi entre Advogados. Novamente confrontado com o acordo casa de morada de família junto como doc. 3 ao requerimento inicial (fls. 25), esclareceu que a Dra. [PES-4] era Advogada dele, tendo confirmado que o acordo foi feito em 21/06/2017, mas assinado em definitivo em 19/07/2017.
Referiu não ter pago o IMI do imóvel desde 2019 até 2021 por ter a conta penhorada e consequentemente, não ter conseguido fazer os pagamentos, tendo sido a Demandada [PES-2] a fazê-los no que à sua parte respeita.
A Demandada [PES-2], em sede de declarações de parte disse que terminou a relação amorosa que mantinha com o Demandante em maio de 2017, tendo ainda ficado cerca de um mês no apartamento onde dormia no quarto do filho e juntamente com o filho. Em junho de 2017 saiu de casa. Referiu que o Demandante lhe fez uma “perseguição” depois disso e que houve um processo judicial derivado a esses comportamentos do Demandante e que queria o mínimo de contacto com ele por ter receio dele. Referiu que o acordo casa morada de família lhe foi apresentado pelo Advogado dela na altura, mas que só queria que a deixassem em paz, a ela e ao filho de ambos e que por isso assinou tudo o que lhe pediram. Esclareceu que a conta de onde estava a ser paga a prestação da casa ao banco era conjunta, só tendo falhado com os pagamentos dos IMIs inicialmente, logo após a separação. Instada, disse que aquando da assinatura do acordo casa morada de família estava acompanhada por Advogado, mas que este não a elucidou sobre o acordo, que assinou sem sequer ter pensado no que assinou. Disse que mudou de ideias quanto ao que ficou exarado no acordo casa morada de família porquanto se achou injustiçada relativamente ao Demandante, pois este ia ficar a usufruir do apartamento por uma prestação de cerca de €150,00 ao banco, enquanto que a Demandada teve de arrendar uma casa pelo valor de €250,00.
A testemunha apresentada pelo demandante, [PES-7], pai do Demandante disse que o filho vendeu o apartamento em 2017 porque estava com dificuldades em pagar tudo sozinho. Foi o filho da testemunha que ficou a viver no apartamento de ambos, sabendo que a Demandada ficou exonerada de qualquer responsabilidade pelo pagamento das despesas referentes ao imóvel e que o Demandante é que ficou a pagar essas despesas. Quando à escritura do imóvel disse “não estava presente, não sei”, referindo saber apenas que a ex-nora recebeu metade do lucro com a venda do apartamento. Lembra-se de ter chegado a ver o documento que a ex-nora assinou a dizer que prescindia da sua parte quando o imóvel fosse vendido, mas que ela posteriormente exigiu esse valor ao seu filho. Desconhece o que o filho fez aos móveis que estavam no apartamento. Referiu desconhecer que existissem conflitos entre eles ou da existência de algum processo crime.
A primeira testemunha apresentada pelos demandados, [PES-5], irmã da Demandada, disse ter conhecimento que a irmã saiu de casa por várias discussões com o Demandante e que por esse facto começaram a ter dificuldades no relacionamento. Referiu ter havido uma ocasião em que a irmã lhe ligou a chorar porque o Demandante lhe tinha levado a chave de casa e ela não conseguia entrar. Sabe que depois da Demandada sair de casa o Demandante andou atrás dela, o que na altura (há cerca de sete anos), levou a um processo judicial por perseguição, segundo pensa a testemunha. Nesse mesmo ano houve uma grande discussão entre ambos por volta da altura do aniversário da Demandada (26/27 de maio), tendo-se mantido a situação de tensão entre ambos nos meses seguintes (junho/julho). Concretizou que o Demandante a perseguiu a ela e a uma moça onde ela trabalhava (iam ambas no carro quando ele fez a perseguição). Não sabe nada de nenhum acordo, nem assistiu a nada, só sabe que a irmã lhe disse que para ter paz preferia ficar sem nada para bem dela e do filho de ambos. Referiu que a Demandada não trouxe nada de casa quando saiu, a não ser cobertores, utensílios de cozinha, tapetes, sendo que de mobiliário não trouxe nada, embora, Demandante e Demandada tenham adquirido em conjunto os móveis. Disse ter conhecimento que a irmã não ficou a pagar as prestações da casa, mas desconhece como é que eram pagas. Sabe também que a irmã chegou a pagar IMIs, mas não sabe durante quanto tempo. Embora tenha conhecimento de que o apartamento foi vendido há pouco tempo, desconhece qual o resultado dessa venda para a Demandada, só sabendo que o ex-cunhado não queria partilhar o valor que era para a irmã, desconhecendo os motivos para esta sua atitude, só sabe que discutiam muitas vezes por causa de dinheiro. Desconhece igualmente se assinaram algum acordo.
A segunda testemunha apresentada pelos demandados, [PES-6], mãe da Demandada disse que a filha saiu de casa em maio, não sabendo precisar de que ano, porque tiveram uma grande discussão e a filha disse ao Demandante que a partir dali acabava. Referiu que nessa altura a filha tinha medo por si e pelo filho de ambos, esclarecendo, no entanto, que o Demandante nunca fez mal ao filho e nem nunca pôs em causa a segurança do menino. Relativamente à filha, sabe que ambos discutiam imenso, mas desconhece se durante a relação a Demandada tinha razões para ter medo ou não ou se o Demandante alguma vez lhe fez mal, esclarecendo que ela saiu de casa porque não se entendia com o Demandante. A Demandada foi para casa da testemunha até arranjar casa arrendada em Montemor-o-Velho para ir viver com o filho de ambos, desconhecendo o valor da renda que a Demandada foi pagar. Disse que o Demandante andou a perseguir a filha depois de ela ter saído de casa (em junho desse mesmo ano), que houve pelo menos uma perseguição. A filha andava “atemorizada e amedrontada e andou uns meses valentes com medo”. Desconhece se houve algum processo judicial, desconhecendo igualmente se houve algum acordo quanto à casa. Tem conhecimento que foi o Demandante que ficou a pagar as prestações da casa ao banco, desconhecendo de que conta é que saíam essas prestações. A casa foi vendida, mas não sabe qual foi o resultado dessa venda.
Os depoimentos das testemunhas apresentadas pelas partes afiguraram-se isentos e credíveis ao Tribunal, no entanto, revelaram pouco conhecimento sobre os factos em discussão nos presentes autos.
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III. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Impõe-se desde logo atentar ao regime jurídico aplicável às relações patrimoniais das pessoas unidas de facto, à liquidação do património adquirido com o esforço comum dos seus membros e à destinação das atribuições patrimoniais feito por um deles ao outro.
A união de facto é a convivência duradoura, i.é, superior a dois anos, de duas pessoas como se casados fossem (artigo 1.º, n.º 1 da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, na sua redação atual); a única diferença entre esta união e o matrimónio será, pois, a falta do vínculo formal do casamento.
Os unidos de facto não têm, como sucede com os cônjuges, um património comum, i.é, uma massa patrimonial a que a lei concede um certo grau de autonomia, mas que pertence aos dois cônjuges, em bloco, sendo ambos titulares de um único direito sobre ela, em que cada um dos cônjuges tem uma posição jurídica em face do património comum - no qual participam por metade - posição que a lei tutela no artigo 1730.º, nºs 1 e 2 do Código Civil, e segundo a expressão da própria lei, um direito à meação, um verdadeiro direito de quota, que exprime a medida de divisão e que virá a realizar-se no momento em que esta deva ter lugar. Os unidos de facto não têm, como os cônjuges, bens comuns objeto de uma relação de propriedade coletiva ou de mão comum, mas poderão ter – e muitas vezes têm - bens objeto de uma relação jurídica real de compropriedade.
Ora, é este o caso dos autos no que concerne ao imóvel “fração autónoma designada pela letra ”U”, prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na [...], n.º 13, 3.º Esq., Chã, [...] – [Cód. Postal-3] [...], descrito na Conservatória dos Registos Predial, Comercial e Automóveis da Figueira da Foz, freguesia de [...], sob o n.º 64, inscrito na matriz urbana da [...], sob o artigo matricial 1429, Serviço de Finanças (3824) – [...], tendo para o prédio de que faz parte a fração “U”, para o qual foi emitida a Licença de Utilização n.º 191, em 15/04/1985 e cujo certificado energético é o SCE198642838, válido até 26/04/2029.”, identificado em 12. dos factos dados como provados.
“Existe propriedade comum, ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa.” (artigo 1403.º, n.º 1 do Código Civil)
Dispondo o artigo 1403.º, n.º 2 do Código Civil que “Os direitos dos consortes ou comproprietários sobre a coisa comum são qualitativamente iguais, embora possam ser quantitativamente diferentes; as quotas presumem-se, todavia, quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título constitutivo.”
Sendo dois os comproprietários, como é o caso dos autos, a sua quota será, pois, presuntivamente, de metade.
A extinção da compropriedade do imóvel não se pode produzir com a extinção da relação de união de facto pelo que a Demandada, mesmo após a extinção dessa relação de união de facto manteve-se como comproprietária do imóvel na proporção de metade, assistindo-lhe, naturalmente, o direito a receber daquela que veio a ser a compradora a parte que lhe compete em razão da sua quota.
É indiscutível, em face dos factos dados como provados que o Demandante e a Demandada [PES-2] viveram um com o outro em união de facto e no contexto da relação de convivência e de comunhão instituída pela união de facto adquiriram, para a sua habitação própria e permanente, uma fração autónoma, tendo sido o preço, até à rutura da união de facto, (ocorrida em junho de 2017), pago com dinheiro proveniente da conta n.º [Nº Identificador-2], da titularidade de ambos, tendo a parte remanescente do preço sido liquidada com dinheiro mutuado, a ambos, por instituição bancária. A partir da data da separação foi do Demandante [PES-1] que ficou responsável pelo pagamento de todos os encargos referentes ao imóvel, mas também é certo que, sendo este imóvel em compropriedade com a Demandada, o Demandante não lhe ficou a pagar nenhuma renda pelo seu uso e fruição exclusivas, tendo ainda resultado provado que o Demandante ficou com os móveis pertença de ambos e que a Demandada pagou metade dos valores de IMI referentes aos anos de 2019, 2020 e 2021.
Tendo Demandante e Demandada posto termo à união de facto em junho de 2017 e, na sequência da rutura, temos que, sequencialmente no tempo:
- Demandante e Demandada assinaram um “acordo morada de família”, redigido pela então Advogada do Demandante, Dra. [PES-4], datado de 21 de junho de 2017 e com termo de autenticação datado de 19 de julho de 2017, no qual consta que o Demandante ficaria a residir no imóvel e a pagar todas as despesas inerentes ao mesmo, inclusive, a prestação do crédito à habitação, junto da Caixa Geral de Depósitos;
- E ainda que a Demandada mulher se comprometia a autorizar a venda do imóvel, caso fosse essa a vontade do Demandante “…na condição dessa venda resultar a desoneração da 2.ª outorgante de qualquer responsabilidade ou titularidade do crédito hipotecário descrito supra, prescindindo a 2.ª outorgante desde já, do valor que lhe caberá na venda do imóvel acima identificado.”;
- O Demandante e a Demandada, na data de 20 de maio de 2022, outorgaram contrato de promessa de compra e venda de imóvel relativo à fração autónoma designada pela letra ”U”, prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na [...], n.º 13, 3.º Esq., Chã, [...] – [Cód. Postal-3] [...], descrito na Conservatória dos Registos Predial, Comercial e Automóveis da Figueira da Foz, freguesia de [...], sob o n.º 64, inscrito na matriz urbana da Freguesia de [...], sob o artigo matricial 1429, Serviço de Finanças (3824) – Figueira da Foz-2, tendo para o prédio de que faz parte a fração “U”, para o qual foi emitida a Licença de Utilização n.º 191, em 15/04/1985 e cujo certificado energético é o SCE198642838, válido até 26/04/2029;
- O Demandante e a Demandada, na data de 26 de julho de 2022 procederam à venda do imóvel, sendo que nesta data cada um deles recebeu o montante de €9.397,97 (nove mil, trezentos e noventa e sete euros e noventa e sete cêntimos).
Destarte, posteriormente à assinatura do “acordo casa morada de família”, assinaram contrato promessa de compra e venda e posteriormente contrato definitivo de compra e venda relativamente ao imóvel de que ambos eram comproprietários, vendendo a terceiro o referido imóvel pelo preço de €80.000,00 (oitenta mil euros), parte do qual – €61.204,06 [sessenta e um mil duzentos e quatro euros e seis cêntimos - €8.000,00 (oito mil euros), no contrato promessa de compra e venda e €53.204,06 (cinquenta e três mil duzentos e quatro euros e seis cêntimos) no contrato definitivo de compra e venda) ] – afetaram à liquidação do mútuo hipotecário contraído para a sua aquisição, tendo cada um deles recebido da compradora um valor igual - €9.397,97 (nove mil trezentos e noventa e sete euros e noventa e sete cêntimos).
Resultou também provado que imediatamente a seguir à saída da Demandada mulher de casa foram praticados factos pelo Demandante que a levaram a ter medo e que psicologicamente não andaria bem. O facto de o “acordo casa morada de família” ter sido tratado entre Mandatários, como resultou da audição das partes e da prova testemunhal, sem que tenha havido contacto direto entre Demandante e Demandada, leva este Tribunal a crer que efetivamente as relações entre ambos estavam muito conturbadas e que a Demandada tinha temor do Demandante e que por isso só queria paz e sossego.
Havendo rutura da união de facto, como houve, há uma remissão para o regime da dissolução do casamento. O artigo 4.º da Lei n.º 7/2001, sob a epígrafe “Proteção da casa de morada da família em caso de rutura” diz que “O disposto nos artigos 1105.º e 1793.º do Código Civil é aplicável, com as necessárias adaptações, em caso de rutura da união de facto.”
Aqui chegados, importa então atentar ao disposto nesse artigo 1793.º do Código Civil, que no seu n.º 1 diz que “Pode o Tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada de família, quer essa seja comum quer própria do outro, considerando nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal.”
In casu, o imóvel, apesar de ser comum, não foi dado de arrendamento ao Demandante por parte da Demandada, sendo certo que este ficou a pagar todas as despesas atinentes ao imóvel, mas também sendo certo que a Demandada saiu de casa com o filho de ambos, arrendou outra casa a expensas suas e não recebeu nenhuma renda do Demandante pelo uso e fruição do imóvel propriedade de ambos, tendo ainda resultado provado que os bens móveis comuns ficaram, até hoje, também na posse do Demandante e que a Demandada pagou metade dos valores de IMI referentes aos anos de 2019, 2020 e 2021.
Sempre se diga que a sede própria para apurarem o exato acerto de contas finda que foi a união de facto entre ambos nunca seria por esta via, mas por via de uma ação de divisão de coisa comum. Se Demandante e Demandada [PES-2] não o fizeram, tendo de mútuo acordo procedido ao negócio da venda do imóvel nos termos em que o foi, ainda que o Demandante afirme que a Demandada [PES-2] lhe disse que só assinava a documentação necessária à concretização da venda do imóvel, se recebesse metade do lucro que se obtivesse com a venda, tendo o Demandante cedido a tal exigência porque queria vender o imóvel, o facto é que cedeu a tal exigência por sua própria vontade, tendo manifestado essa vontade na data em que assinou o contrato promessa de compra e venda (20 de maio de 2022) e, posteriormente, na data da escritura (26/07/2022).
Temos também que no n.º 3 do artigo 1793.º do Código Civil se diz que “O regime fixado, quer por homologação do acordo dos cônjuges, quer por decisão do Tribunal, pode ser alterado nos termos gerais de jurisdição voluntária.”
Ora, o regime fixado no “acordo casa morada de família” em causa nos autos não foi objeto nem de homologação do acordo dos unidos de facto, nem por decisão de qualquer Tribunal, foi antes um contrato celebrado ao abrigo da liberdade contratual das partes a que alude o artigo 405.º, n.º 1 do Código Civil.
Quanto à sequência dos factos no tempo:
Tendo Demandante e a Demandada assinado o “acordo morada de família” em 21 de junho de 2017, com termo de autenticação datado de 19 de julho de 2017, e, posteriormente, na data de 20 de maio de 2022, outorgado contrato de promessa de compra e venda relativo ao imóvel e na data de 26 de julho de 2022 outorgado contrato definitivo de compra e venda do imóvel, não tendo resultado provado que a Demandada por alguma forma coagiu por força o Demandante à assinatura de tais contratos (o de promessa de compra e venda e o contrato definitivo de compra e venda do imóvel a terceiro), é entendimento deste Tribunal que o “acordo morada de família” inicialmente assinado por ambos foi modificado por mútuo consentimento também de ambos, nos exatos termos previstos no artigo 406.º, n.º 1 do Código Civil, pelo que, tem necessariamente a presente ação, de improceder, nos termos da legislação aplicável e da prova produzida.
Aqui chegados e atento o disposto no artigo 5.º, n.º 3 do Código do Processo Civil que dispõe que “O Juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”, escusa-se este Tribunal de conhecer as exceções invocadas pelos Demandados na contestação de fls. 56 e ss., as quais respeitam integralmente a matéria de direito.
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IV. DECISÃO
Face ao que antecede e às disposições legais aplicáveis, julgo a ação improcedente por não provada e, por via disso absolvo os Demandados [PES-2] e [PES-8] do pedido contra si formulado pelo Demandante [PES-1].

As custas, no montante de €70,00 (setenta euros) serão a suportar pelo Demandante, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que beneficia na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo (fls. 46). (Artigos 527.º, do Código de Processo Civil - aplicáveis ex vi do artigo 63.º da Lei dos Julgados de Paz - e artigo 2.º n.º 1 al. b) da Portaria n.º 342/2019, de 1 de outubro).
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Registe e notifique.
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Montemor-o-Velho, 12 de junho de 2024
A Juíza de Paz,
Marta Santos

Processado por meios informáticos e
revisto pela signatária. Verso em branco
(art. 18º da LJP)