Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 31/2024-JPVNP |
Relator: | JANETE RODRIGUES FERNANDES |
Descritores: | DIREIRO DE PROPRIEDADE - RESPONSABILIDADE CIVIL PELOS DANOS CAUSADOS DECORRENTES DO CORTE ÁRVORES NA PROPRIEDADE |
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Data da sentença: | 05/23/2024 |
Julgado de Paz de : | VILA NOVA DE PAIVA |
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Decisão Texto Integral: | PROCESSO N.º 31/2024-JPVNP SENTENÇA I. RELATÓRIO A) IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES Parte Demandante: [PES-1], divorciado, com o número de identificação fiscal [NIF-1], residente na [...], 510, 3-A, [Cód. Postal-1] [...]; Parte Demandada: [ORG-1], S.A., pessoa coletiva número [NIPC-1], com sede na [...], 43, 6.º, [Cód. Postal-2] [...]; Mandatária: Dra. [PES-2], ilustre advogada; * B) PEDIDOO Demandante propôs contra a Demandada a presente ação declarativa enquadrada na alínea h) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001 de 13 de julho, pedindo que a ação seja julgada procedente por provada, e, em consequência, que seja a Demandada condenada a: a) Pagar uma indemnização no valor de 3.500,00 € (três mil e quinhentos euros), a título de danos patrimoniais, pelo prejuízo que causou com o corte dos eucaliptos e pinheiros existentes no prédio do Demandante, acrescida de juros, vencidos e vincendos, contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento; b) Indemnizar pelos danos morais causados ao Demandante com a sua conduta através de pagamento de quantitativo não inferior a € 800,00 (oitocentos euros), acrescida de juros, vencidos e vincendos, contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento; c) Abster-se de praticar atos que violem o direito de propriedade do Demandante sobre prédio identificado no artigo 1.º do Requerimento Inicial. Para tanto, alegou os factos constantes do respetivo requerimento inicial, que aqui se dão por reproduzidos, entre o mais, que, em novembro de 2023, o Demandante deparou-se com um corte de eucaliptos e pinheiros numa mata de que é proprietário, alegando que terão sido os técnicos da Demandada que entraram no seu prédio para proceder ao corte dos referidos eucaliptos e pinheiros, deixando-os derrubados para cima dos caminhos agrícolas, impedindo assim, os proprietários e ele próprio de aceder aos seus prédios e que a conduta da Demandada violou de forma grosseira o direito de propriedade do Demandante, que por isso mesmo deverá ser compensado. Juntou os documentos de fls. 7 a 14 ao requerimento inicial, os documentos de fls. 97 a 108, e os documentos de fls. 131 e 132 no início da audiência de julgamento, tendo sido concedida a oportunidade à Demandada para exercer o devido contraditório. * A Demandada, pessoal e regularmente citada (fls. 41), apresentou contestação, cujo teor aqui se reproduz integralmente, pedindo que a ação seja julgada improcedente, por não provada, absolvendo-se a Demandada dos pedidos. Para tanto, a Demandada alegou, entre o mais, que na parte do terreno do Demandante, que se encontra abrangida pela rede secundária de faixa de gestão de combustível, encontra-se constituída uma servidão administrativa, conforme decorre do artigo 56.º do DL 82/2021; Que a atuação da Demandada se encontra legitimada ao abrigo da legislação vigente, não tendo ocorrido qualquer violação à lei; Que o local em apreço está inserido em área florestal e previsto para execução da rede secundária de faixa de gestão de combustível, no concelho em questão ,para os anos 2023; 2026 e 2029; Que tal imposição legal resulta do regime jurídico previsto no Decreto-Lei n.º 82/2021, de 13 de outubro, que estabelece o sistema de gestão integrada de fogos rurais no território continental, na versão conferida pelo DL n.º 49/2022 de 19 de julho e que este diploma expressamente prevê a obrigatoriedade de execução da rede secundária de faixas de gestão de combustível na linha de distribuição de energia elétrica em causa.Na sua contestação requereu, ainda, a Demandada que seja deferido o incidente de intervenção provocada, chamando à ação a [ORG-2], Lda., pessoa coletiva n.º [NIPC-2], por ter sido esta a entidade que executou os trabalhos, na qualidade de prestadora de serviços da Demandada. A Demandada juntou à sua contestação os documentos de fls. 50 a 57 dos autos e a procuração forense de fls. 58 dos autos. * Por Despacho de fls. 77 dos autos, e depois de concedido o respetivo contraditório às partes, foi indeferida a requerida intervenção de terceiros, nos termos do artigo 39.º da Lei 78/2001, por não se estar perante uma situação de litisconsórcio necessário, nem estar em causa a legitimidade da Demandada.* Não foi possível alcançar a resolução do litígio através do serviço de mediação existente neste Julgado de Paz.* A audiência de julgamento decorreu com observância dos legais formalismos.* II- Estão reunidos os pressupostos de regularidade e validade da instância, pois, o Julgado de Paz é competente em razão do objeto, do valor, da matéria e do território (artigos 6º, nº 1, 8º, 9º, nº 1, alínea h) e 12º, nº 2, todos da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação da Lei nº 54/2013, de 31 de julho).As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas. Não há exceções, nulidades ou questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa. * III - VALOR DA AÇÃOFixa-se em € 4.300,00 (quatro mil e trezentos euros) o valor da presente causa (artigos 296.º, 297.º n.º 2, 299.º e 306.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 63.º da Lei 78/2001 de 13 de julho, com a redação da Lei 54/2013 de 31 de julho). * IV - OBJETO DO LITÍGIOO objeto do litígio reconduz-se a apurar da responsabilidade civil da Demandada pelos danos causados ao Demandante decorrentes do corte árvores na propriedade deste. * V – QUESTÕES A DECIDIRAs questões que importa decidir consistem em saber: a) Se existe ilicitude na atuação da Demandada e consequente responsabilidade civil e obrigação de indemnização a cargo da Demandada; b) E, em caso afirmativo, quais os danos ressarcíveis e o respetivo quantum indemnizatório, à luz do regime legal aplicável. Assim, cumpre apreciar e decidir. * VI- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Com relevância para a decisão da causa, atenta a prova produzida, resultaram os seguintes: FACTOS PROVADOS 1. O demandante é dono e legítimo possuidor do prédio rústico, sito ao [...], composto por mato, pinhal e rocha, com a área de 840 m2, inscrito na matriz da [...], concelho de [...], sob o artigo n.º 2187 e descrito, na Conservatória do Registo Predial de [...], sob o número 1999, daquela freguesia; 2. No referido prédio o Demandante, tinha eucaliptos e pinheiros de grande porte, em toda a sua extensão; 3. A Demandada, por via do seu prestador de serviços, cortou eucaliptos e pinheiros do Demandante; 4. No início de novembro de 2023, o Demandante deslocou-se ao seu prédio e verificou o corte de eucaliptos e pinheiros; 5. O Demandante no dia 20.11.2023 submeteu, online, uma participação à Demandada, no sentido de lhe dar conhecimento de toda a situação; 6. A Demandada respondeu ao Demandante de que tinha tomado conhecimento; 7. No dia 25.11.2023, a Demandada respondeu ao Demandante informando-o que a sua reclamação foi submetida com sucesso; 8. No dia 02.01.2024, o Demandante submeteu, online, uma nova participação à Demandada, na qual solicitava “ser ressarcido dos prejuízos do abate das árvores, sem qualquer critério obstruindo os caminhos de acesso às suas propriedades, bem como de terceiros, sem aviso prévio, e sem pedido de autorização ou prévio contrato de ambas as partes para acordarem no montante das árvores a abater”, mais dizendo “Tal queixa foi já reportada há vários dias no site oficial da Demandada mas, até agora, não obteve uma resposta conclusiva”; 9. A Demandada, sem solicitar autorização do Demandante, ordenou aos seus técnicos que entrassem no prédio do Demandante para proceder ao corte dos referidos eucaliptos e pinheiros, deixando-os derrubados para cima dos caminhos agrícolas, impedindo assim, os proprietários e ele próprio de aceder aos seus prédios; 10. A Demandada é concessionária da rede de distribuição de energia elétrica em alta tensão e média tensão e ainda concessionária da rede elétrica de baixa tensão em múltiplos concelhos, entre os quais o concelho em apreço nos autos ([...]); 11. No local em causa nos autos encontra-se estabelecida a linha dupla integrante da rede de distribuição de energia em média tensão com a designação [...],[...], sendo a Demandada titular da respetiva licença de estabelecimento; 12. A emissão da licença de estabelecimento confere à Demandada, além do mais, o direito de manter estabelecidas as linhas elétricas no terreno do Demandante e, bem assim, o direito de aceder aos locais em causa, considerando que são títulos constitutivos das servidões administrativas que oneram aqueles imóveis; 13. O local em apreço está inserido em área florestal e previsto para execução da rede secundária de faixa de gestão de combustível no concelho em questão para os anos 2023; 2026 e 2029; 14. O n.º 4 do artigo 49.º do Decreto-Lei n.º 82/2021, de 13 de outubro, na versão atual, prevê a obrigatoriedade de execução da rede secundária de faixas de gestão de combustível na linha de distribuição de energia elétrica em causa; 15. A Demandada deve proceder à abertura de uma faixa correspondente à projeção vertical dos cabos condutores exteriores, acrescidos de uma faixa de largura não inferior a 7 m para cada um dos lados, o que a Demandada fez; 16. Os trabalhos de corte em apreço foram executados em 2023, no âmbito da ordem de trabalho 7284481789, atribuída pela Demandada à sua prestadora de serviços [ORG-3], LDA.; 17. Para a publicitação dos trabalhos, a Demandada remeteu ao Município de [...] o edital e respetivo mapa; 18. Na parte do terreno do Demandante que se encontra abrangida pela rede secundária de faixa de gestão de combustível encontra-se constituída uma servidão administrativa; 19. Para a criação da faixa de gestão de combustível apenas foram cortadas as quantidades estritamente necessárias à execução da referida faixa; 20. A rede secundária de faixa de gestão de combustível implica a abertura de um corredor ao nível do solo, o que é exigido pela necessidade de se criar uma descontinuidade efetiva de material combustível, que evite ou minimize a propagação de um eventual incêndio; 21. Os sobrantes que resultaram do corte das plantações foram deixados pelo prestador de serviços da Demandada no terreno do Demandante; 22. As respostas às reclamações do Demandante não foram conclusivas porque o Demandante foi indicando coordenadas erradas, não tendo sido possível, de imediato, à Demandada apurar o local exato; FACTOS NÃO PROVADOS a) No dia 5 ou 6 de novembro de 2023, o Sr. [PES-3], vizinho do Demandante passou pelo prédio do Demandante identificado no número um dos factos dados como provados e deparou-se com a mata dos eucaliptos de grande porte cortada e derrubada sobre o caminho agrícola; b) O Demandante, no dia 26.11.2023 submeteu, online, uma nova participação à Demandada; c) A situação tem provocado ao Demandante grande nervosismo e ansiedade, que lhe tem perturbado o seu descanso e as suas horas de sono. Não resultaram provados ou não provados quaisquer outros factos, dos alegados, que importem para a decisão da causa, constituindo tudo o mais alegado pelas partes factos conclusivos, mera impugnação motivada, meras repetições dos factos relevantes e matéria de direito, ou factos irrelevantes para a causa. * A Lei 78/2001, de 13 de julho (com a redação da Lei 54/2013, de 31 de julho), prevê no artigo 60.º alínea c) que na sentença, o Juiz de Paz deve fazer constar uma sucinta fundamentação.A convicção do Tribunal fundou-se na apreciação e conjugação crítica de toda a prova produzida e analisada em sede de audiência de julgamento (documentos apresentados pelas partes e que a seguir se vão identificar, prova testemunhal, declarações das partes proferidas nos termos do n.º 1 do artigo 57.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho), considerando as regras de repartição do ónus da prova (artigos 342º e seguintes do Código Civil), as regras de experiência comum e os factos instrumentais adquiridos nos termos do disposto no artigo 5º, nº 2, alínea a) do Código de Processo Civil. Quanto às declarações das partes, proferidas nos termos do n.º 1 do artigo 57.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, foram valorados com reserva, atento o especial interesse no desfecho da causa e atendidos na medida em que se mostraram corroboradas pelos demais meios de prova produzidos, ou na medida que os factos por si alegados resultaram provados por admissão (nos termos do artigo 574.º, n.º 2, do Código de Processo Civil). No que respeita à prova documental, foram apreciados os seguintes documentos: Caderneta predial rústica, respeitante ao artigo matricial 2187 (fls. 8); Fotografia (fls. 9); Comunicações (fls. 10 a 14); Carta respeitante à Licença de Estabelecimento (fls. 50); E-mail, Edital e Aviso (fls. 51 a 53); Condições Especiais de Contrato/Termo de Responsabilidade (fls. 54 e 55); E-mail de 11 de março de 2024 (fls. 56 e 57); Carta (fls. 98 a 107; E-mail de 14 de março de 2024 (fls. 108); Certidão permanente respeitante ao prédio descrito sob o número 1999, da freguesia de [...], [...] (fls. 131 e 132). Assim: O facto dado como provado sob número 1 foi considerado provado pelos documentos de fls. 8 e de fls. 131 a 132 dos autos (caderneta predial respeitante ao artigo matricial rústico 2187 da freguesia de [...] e certidão permanente respeitante ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de [...] sob o número 1999 da mesma freguesia de [...]); Para dar como provados os factos constantes dos números 2 a 4, 9, 19 a 21, o Tribunal considerou as declarações do Demandante, proferidas nos termos do n.º 1 do artigo 57.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, bem como os documentos juntos aos autos e a prova testemunhal apresentada pelas partes. Mais concretamente: O Demandante, ouvido termos do n.º 1 do artigo 57.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, referiu que, no seu entendimento, o corte efetuado em nome da Demandada excedeu 7 metros lateral à linha e que os eucaliptos que foram cortados pela empresa prestadora de serviços da demandada, acabaram por, na sua queda, partir outros eucaliptos. O Demandante confirmou que, depois da reclamação que efetuou junto da Demandada, logo que a equipa da empresa prestadora de serviços da Demandada conseguiu localizar a sua propriedade, foi ao local e removeu as árvores que estavam derrubadas sobre o caminho agrícola, desimpedindo tal caminho. O Tribunal considerou, ainda, o depoimento da testemunha do Demandante, [PES-4]. A testemunha afirmou que viu a empresa contratada pela Demandada a cortar árvores, mas disse que não viu a cortar árvores no terreno do Demandante. Disse que, embora não tenha visto a cortar árvores no terreno do Demandante, foi à propriedade deste e viu que o caminho estava completamente impedido. A testemunha disse que a empresa que efetuou o corte em nome da Demandada cortou ao lado das linhas (de média tensão), dizendo que, no seu entendimento, num dos lados acha que alargaram o corte entre sete a dez metros, tendo cortado eucaliptos e pinheiros e possivelmente carvalhos. Disse, contudo, que não sabe a área do corte. Referiu que os eucaliptos que foram cortados já tinham uma dimensão considerável e que, ao caírem, outras árvores partiram ao meio, não sabendo, contudo, precisar os factos. A testemunha disse não saber quantas árvores foram cortadas nem quantas árvores ficaram partidas por via do derrube dos eucaliptos. O Tribunal considerou, também, o depoimento da testemunha do Demandante, [PES-5]. A testemunha começou por dizer que não assistiu aos factos e que sabe do corte das árvores porque foi ao local há dois dias (por referência à data da audiência de julgamento), dizendo que lá viu os troncos cortados. A testemunha disse que, no seu entendimento, foram cortadas árvores a mais de sete metros (não dizendo qual o seu ponto de referência), mas que não pode afirmar a quantos metros foram cortados. Disse que viu seis ou sete árvores cortadas (mas que não as contou), e que só havia eucaliptos cortados. Afirmou que havia uma carreira de árvores que foi cortada. O Tribunal considerou, também, o depoimento da testemunha da Demandada, [PES-6], que trabalha para a empresa [ORG-4], Lda., empresa esta que executou os trabalhos de execução/criação da faixa de gestão de combustível ao serviço da Demandada, nomeadamente na propriedade do Demandante. Disse saber que foram cortadas quatro ou cinco árvores, mas que só sabe deste facto porque a Demandada lhe solicitou para ir ao local resolver a reclamação do Demandante. Confirmou que a linha em questão é uma linha de média tensão e os termos em que deve ser efetuada a faixa de gestão de combustível. Disse que o abate das árvores, para a execução/criação da faixa de gestão de combustível, tem que ser realizado para fora da linha, sobretudo por questões de segurança e que, com o derrube, pode ter havido uma ou outra árvore, afetadas, mas que eram árvores de pequeno porte, sem qualquer valor comercial. Disse que as árvores que estavam na propriedade do Demandante eram árvores que estavam mais altas que a linha, sendo árvores de 15 ou 20 metros, e que as árvores que foram abatidas eram árvores de grande porte. A testemunha disse não saber precisar se o tronco das árvores estavam dentro da faixa de gestão de combustível, admitindo que um dos troncos está fora desta faixa, mas que, mesmo o tronco estando fora desta faixa, se as suas pernadas (ramos) estavam até quatro metros da linha a árvore tem que ser abatida. Esclareceu que, como eram árvores de grande porte, se as suas pernadas (ramos) estivessem até quatro metros da linha as árvores são cortadas, pois a execução da faixa assim o exige. Esclareceu, igualmente, que a faixa de gestão de combustível tem que ser vista por cima também e que não se vê só pelo tronco das árvores, tendo que se ver também a sua rama. Disse ainda que o estado das árvores abatidas foi identificado como uma situação de risco. A testemunha, confirmou, ainda, que as árvores abatidas foram deixadas inteiras no caminho (por ser procedimento deixá-las inteiras para que o proprietário possa decidir quanto ao seu destino, e ser este a decidir se as pretende cortar em troncos mais pequenos), mas que logo depois da reclamação do Demandante (e logo que souberam da localização exata do terreno do Demandante) a testemunha foi ao local, tendo as árvores sido cortadas de acordo com a pretensão do Demandante e desimpedido o caminho. O Tribunal considerou, também, o depoimento da testemunha da Demandada, [PES-7], funcionária da Demandada. A testemunha confirmou que recebeu uma exposição do Demandante, mas que não conseguiu identificar de imediato o local, porque o Demandante se enganou a fornecer a localização exata da sua propriedade. Disse que os critérios (para a execução da faixa de gestão de combustível) que são transmitidos aos seus prestadores de serviços são os que estão na legislação, confirmando, ainda, que a publicação dos trabalhos foi efetuada por via da divulgação de editais e que, no caso dos trabalhos em causa nos autos, os procedimentos de divulgação dos editais, junto da respetiva Câmara Municipal, foram cumpridos. Confirmou que a linha em causa é uma linha de média tensão, identificando a linha, rede e concessão. Disse que tudo o que esteja dentro da faixa de gestão de combustível tem que ser cortado. Disse que, na execução dos trabalhos em causa, nenhuma situação anómala lhe foi reportada, a não ser o reporte que lhe foi efetuado pelo Demandante quanto ao facto de as árvores cortadas terem ficado a ocupar um caminho, dizendo que, logo que conseguiram localizar a propriedade do Demandante, esta situação foi regularizada de imediato. A testemunha referiu que a linha em causa nos autos é de 2007 e que na altura em que a linha foi implementada não existam estas árvores na propriedade do Demandante. A testemunha referiu, ainda, que todos os prestadores de serviços da Demandada, onde se inclui a empresa [ORG-4], Lda., são previamente qualificados, dando conta da qualidade dos trabalhos desta empresa na execução da faixa de gestão de combustível e no cumprimento dos requisitos legais. Os depoimentos das testemunhas mostraram-se credíveis, incluindo quando conjugados entre si. Os factos constantes dos números 5, 6, 7, 8, 10 e 11, foram, ainda, dados como provados atendendo à conjugação das declarações do Demandante e do depoimento das testemunhas acima referidas com os seguintes documentos: comunicação de fls. 10 (facto dado como provado sob o número 5); documento de fls. 11 (facto dado como provado sob o número 6); documento de fls. 12 (facto dado como provado sob o número 7); reclamação de fls. 14 (facto dado como provado sob o número 8); documento de fls. 50 - Licença de Estabelecimento (factos dados como provados sob os números 10 e 11). Os factos dados como provados sob os números 12, 13, 14, 15, 18 e 20 foram, também, dados como provados atendendo à conjugação e confronto do depoimento das testemunhas da Demandada com a legislação aplicável, nomeadamente com o Decreto-Lei n.º 82/2021, de 13 de outubro, na sua redação atual. Os factos constantes dos números 16 e 17 foram dados como provados atendendo à conjugação do depoimento das testemunhas da Demandada com os seguintes documentos: documento de fls. 54 e 55 – Termo de Responsabilidade (facto dado como provado sob o número 16); documento de fls. 51 a 53 – e-mail e edital (facto dado como provado sob o número 17). O facto dado como provado sob o número 22 foi dado como provado atendendo à conjugação das declarações do Demandante, com o depoimento das testemunhas da Demandada e com o documento de fls. 56 e 57. Os factos dados como não provados resultaram da ausência de qualquer prova no sentido alegado. * VII – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITOCom base na matéria de facto provada, cumpre apreciar os factos e aplicar o direito. Os presentes autos respeitam à responsabilidade civil extracontratual, nos termos da alínea h) do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho. O Demandante vem, nomeadamente, requerer uma indemnização à Demandada, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, pelos prejuízos e danos que esta lhe causou com o corte de eucaliptos e pinheiros existentes no seu prédio, sendo que a Demandada alega que tal corte de árvores se deu no estrito cumprimento das obrigações legais que sobre si impendem e que a sua atuação se encontra legitimada ao abrigo da legislação vigente, não tendo ocorrido qualquer violação de lei. Deste modo, há que averiguar se da factualidade dada como provada resulta a verificação dos pressupostos desta responsabilidade civil geradores da obrigação de indemnizar e, se assim for, fixar o valor indemnizatório pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo Demandante. Nos termos dados como provados, como referido pela Demandada e conforme prescrito pelo artigo 51º do Decreto Lei nº 43335, de 19 de novembro de 1960, a emissão da licença de estabelecimento confere à Demandada, “além do mais, o direito de manter estabelecidas as linhas elétricas no terreno do Autor e, bem assim, o direito de aceder aos locais em causa, considerando que são títulos constitutivos das servidões administrativas que oneram aqueles imóveis.” Resulta da matéria de facto dada como provada (facto dado como provado sob os números 13 e 18) que na parte do terreno do Demandante, que se encontra abrangida pela rede secundária de faixa de gestão de combustível, encontra-se constituída uma servidão administrativa. Também como referido pela Demandada e conforme previsto nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 47.º, aplicável ex vi n.º.1 do artigo 49.º do Decreto Lei 82/2021 “as redes secundárias de faixas de gestão de combustível desenvolvidas sobre as linhas de distribuição de energia elétrica cumprem a função de redução dos efeitos da passagem de incêndios, protegendo de forma passiva vias de comunicação, infraestruturas e equipamentos sociais, zonas edificadas e formações florestais e agrícolas de valor especial; e cumprem ainda a função de isolamento de potenciais focos de ignição de incêndios”. Resulta também da matéria de facto dada como provada (facto dado como provado sob o número 20) que a rede secundária de faixa de gestão de combustível implica a abertura de um corredor ao nível do solo, o que é exigido pela necessidade de se criar uma descontinuidade efetiva de material combustível, que evite ou minimize a propagação de um eventual incêndio. Também como referido pela Demandada e conforme previsto na alínea ii), c) do n.º 4 do artigo 49.º Decreto-Lei n.º 82/2021, de 13 de outubro, na redação dada pelo Decreto Lei n.º 56/2023, de 14 de julho, as entidades responsáveis pelas infraestruturas a que se referem as alíneas a), b) e f) do n.º 1 do referido artigo (onde se incluiu a Demandada) são obrigadas a executar: “no caso de linhas de distribuição de energia elétrica em média tensão, a gestão de combustível numa faixa correspondente à projeção vertical dos cabos condutores exteriores acrescidos de uma faixa de largura não inferior a 7 m para cada um dos lados”, tendo resultado provado que a Demandada respeitou este limite (facto dado como provado sob o número 15). Deste modo, embora tenha resultado provado que a Demandada cortou eucaliptos e pinheiros do Demandante (facto dado como provado sob o número 3), também resultou provado que para a criação da faixa de gestão de combustível apenas foram cortadas as quantidades estritamente necessárias à execução da referida faixa (facto dado como provado sob o número 19). Isto posto, a Demandada agiu no cumprimento dos deveres que lhe impõe o Decreto-Lei n.º 82/2021, de 13 de outubro, na redação dada pelo Decreto Lei n.º 56/2023, de 14 de julho. Por outro lado, ainda que assim não fosse, nos termos da alínea c) do artigo 21.º deste diploma, sob o proprietário impende o ónus de executar a gestão de combustível nas áreas sob sua gestão. Veja-se ainda que, nos termos do artigo 56.º deste referido diploma, nos terrenos abrangidos, nomeadamente, pela rede secundária de faixas de gestão de combustível, são constituídas servidões administrativas, estabelecendo para os respetivos proprietários (na rede secundária de faixas de gestão de combustível), o dever de facultar, aos terceiros responsáveis pela execução dos deveres de gestão de combustível a cargo das entidades gestoras das infraestruturas e dos estabelecimentos de atividades económicas, equipamentos e centrais eletroprodutoras, o acesso aos terrenos necessários para o efeito. Veja-se também que, nos termos do n.º 2 do artigo 57.º do mesmo diploma, caso o proprietário se oponha à execução dos trabalhos de gestão de combustível na data indicada neste artigo, passa o mesmo a ser responsável pela execução dos trabalhos em causa, no prazo indicado para o efeito em intimação a dirigir pela GNR, após participação da entidade legalmente responsável pela gestão do combustível. E, nos termos do ponto ii) da alínea d) do n.º 3, d), daquele artigo 57.º, “em caso de oposição à execução dos trabalhos de gestão de combustível objeto da notificação, a execução desses trabalhos é exigível ao proprietário, sem prejuízo da contraordenação a que haja lugar.” Pelo que, sempre o proprietário/Demandante estaria obrigado ao abate das árvores em causa nos autos. Ademais, nos autos, o Demandante não logrou provar, como lhe competia, que as árvores que foram cortadas pela Demandada (incluindo as respetivas copas) se encontravam fora da faixa de gestão de combustível e que a Demandada, na sua atuação, não respeitou (porque excedeu) a faixa de gestão de combustível definida para o caso (faixa correspondente à projeção vertical dos cabos condutores exteriores acrescidos de uma faixa de largura não inferior a 7 m para cada um dos lados). Com efeito, o ónus de prova sobre a localização das árvores e respetivas copas/pernadas que foram cortadas a mando da Demandada cabia ao Demandante, ou seja, impendia sobre o Demandante o ónus de alegar e provar que o corte das árvores foi efetuado fora das condições previstas na alínea ii), c) do n.º 4 do artigo 49.º do referido Decreto-Lei n.º 82/2021, o que não fez. Veja-se, alias, que nenhuma das testemunhas arroladas pelo Demandante presenciou os factos. Assim, não se tendo apurado, nestes autos, que houve ilicitude na atuação da Demandada não pode haver responsabilidade civil desta, nem consequente obrigação de indemnização. Por fim, e na decorrência da conjugação de toda a matéria de facto dada como provada com as disposições normativas citadas, não pode o Demandado fundamentar a sua pretensão indemnizatória com base numa obrigação legal que impende sobre a Demandada e que, em última instância, impenderia sobre o Demandante (na qualidade de proprietário) caso aquela não a execute, nos termos do artigo 57.º do referido Decreto-Lei n.º 82/2021. Pelo que, o pedido de pagamento da indemnização peticionada pelo Demandante, quando a lei impõe, no caso, o estabelecimento da rede secundária de faixa de gestão de combustível e não se tendo provado que não foram respeitados os limites previstos na lei, tem, necessariamente, que improceder, improcedendo quer o pedido de pagamento de indemnização peticionado a título de danos patrimoniais quer o pedido de pagamento de indemnização peticionado a título de danos morais. No que respeita ao pedido formulado sob a alínea c) do pedido, não se tendo provado que a atuação da Demandada tenha sido ilícita, deve o mesmo, também, improceder. * VIII- DISPOSITIVONos termos e com os fundamentos invocados, julgo a presente ação totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, absolve-se a Demandada dos pedidos deduzidos. * IX– RESPONSABILIDADE POR CUSTAS: As custas totais, no valor de € 70,00 (setenta euros), são da responsabilidade do Demandante, que declaro parte vencida, sendo que tal importância deve ser paga num dos três dias úteis imediatamente subsequentes ao do conhecimento da presente decisão, sob pena de aplicação de uma sobretaxa de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no cumprimento dessa obrigação, não podendo o montante global da sobretaxa exceder o valor de € 140,00 (cento e quarenta euros), nos termos do disposto no artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação da Lei nº 54/2013, de 31 de julho, e dos artigos 1º, 2º, nº 1, alínea b) e nº 3 e 3º, nº 4 da Portaria nº 342/2019, de 01 de outubro. * Adverte-se o Demandante que a falta de pagamento das custas da sua responsabilidade, através do documento único de cobrança (DUC) emitido pelo Julgado de Paz e no referido prazo, terá como consequência a submissão de certidão de dívida de custas para efeitos de execução fiscal junto da Administração Tributária, após o trânsito em julgado da presente decisão (artigo 35º, nºs 1 e 2 do Regulamento das Custas Processuais).* Registe e notifique.A presente sentença compõe-se de dezasseis páginas, com os respetivos versos em branco, e foi elaborada (por meios informáticos) e revista pela signatária. Julgado de Paz de Vila Nova de Paiva, 23 de maio de 2024 A juíza de paz, (Janete Rodrigues Fernandes |