Sentença de Julgado de Paz
Processo: 04/2024-JPSRT
Relator: ELISA FLORES
Descritores: RESSARCIMENTO DOS DANOS CAUSADOS PELA CIRCULAÇÃO DE VEÍCULO
Data da sentença: 06/28/2024
Julgado de Paz de : SANTO TIRSO
Decisão Texto Integral:
Processo nº 04/2024-STS

SENTENÇA


RELATÓRIO

Demandante: ---
[PES-1], contribuinte nº [NIF-1], residente na [...], n. º1607, 4º.- Direito, [Cód. Postal-1], [...]; ---
Demandadas: ---
[ORG-1] Sólidos, S.A., com o NIPC [NIPC-1] e a sede em [...] – 4890, [...]; ---
[ORG-2], S.A., com o NIPC [NIPC-2] e a sede na [...], 24-D, [Cód. Postal-2], [...]; e, --
3ª- [ORG-3] S.A., com o NIPC [NIPC-3], e a sede na [...], n.º 43, [Cód. Postal-3] [...]. ---
O demandante propôs contra estas demandadas a presente ação declarativa, pedindo, com os fundamentos constantes do requerimento inicial de fls. 6 a 15 [do processo físico] e juntou 12 documentos, que aqui se dão por reproduzidos. ----
Em síntese, demanda: a 1ª por presunção de culpa do condutor do seu veículo no sinistro em causa nos autos; A 2ª, para quem aquela transferiu a responsabilidade pelo ressarcimento dos danos causados pela circulação do veículo, por ter sido contactada e declinado qualquer responsabilidade, considerando-a da 3ª pelo facto dos cabos elétricos se encontrarem abaixo do legalmente previsto: E esta última, no âmbito da presunção de culpa pelo exercício de atividade perigosa ou pela responsabilidade objetiva com fundamento no risco. --
A 1ª demandada apresentou oportunamente contestação, nos termos constantes de fls. 128 a 130 [do processo físico], impugnando os factos alegados, e concluindo pela improcedência da ação, referindo, todavia que, “…o ressarcimento de qualquer dano causado pela circulação da viatura teria de ser assumido pela 2ª demandada…” com quem estabeleceu um contrato de seguro obrigatório. Juntou 1 documento, que aqui também se dá por reproduzido. ---
A 2ª demandada também apresentou oportunamente contestação, nos termos constantes de fls. 128 a 130 [do processo físico], impugnando os factos alegados, e concluindo pela improcedência da ação. Juntou 3 documentos, que aqui se dão por reproduzidos também. ---
Por sua vez, a 3ª demandada também apresentou contestação, nos termos constantes de fls. 200 a 206 [do processo físico], oportunamente, mas para um endereço eletrónico errado, pelo que não foi rececionada neste Julgado de Paz. Contudo, em Audiência de julgamento, com a anuência de todos os intervenientes, a mesma foi admitida (cf. Ata I, a fls. 240 a 242). Juntou 7 documentos e cópia de uma sentença do Tribunal Judicial da comarca de Braga. ----
Na contestação, defende-se esta demandada por exceção- alegando, em síntese, o cumprimento de todas as normas legais e que o incidente em causa se deveu, em exclusivo, à atuação da 1ª demandada que danificou a rede elétrica pública, o que, em seu entender, se traduz num caso de força maior, por culpa de terceiro- e por impugnação, concluindo pela sua absolvição do pedido por procedência da exceção, ou assim não se entendendo, pela improcedência da ação, por não provada. --
Foi concedido prazo para o exercício do contraditório relativamente a esta exceção suscitada, e aos documentos juntos pela mesma. ---
Respondeu o demandante, impugnado a exceção, e pronunciando-se sobre os documentos e pedindo que se considere irrelevante a sentença junta por aquela pelo facto da situação em causa na ação que lhe deu origem não ter qualquer paralelo com esta (cf. fls. 246 a 250 do processo físico). --
E respondeu a 2ª demandada, que, embora não considere a matéria alegada matéria de exceção, sem prescindir, respondeu à mesma e pronunciou-se sobre os documentos (cf. fls. 244 do processo físico]. ---
O litígio não foi submetido a Mediação. ----
Em Audiência de julgamento todos apresentaram prova testemunhal. -----
Valor da ação: Fixo em € 2 890,50 (dois mil oitocentos e noventa euros e cinquenta cêntimos). ----
O artigo 60º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, na sua alínea c), prescreve que do conteúdo da sentença proferida pelo juiz de paz faça parte uma sucinta

fundamentação. Assim: -----
FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO: --------
Consideram-se provados, para os presentes efeitos, os seguintes factos: ----
1.º- O demandante é proprietário e legítimo possuidor do prédio rústico, situado em [...], freguesia de [...], concelho de [...], descrito na Conservatória do Registo Predial de [...], sob o nº [Nº Identificador-1], e inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo xxxº da [ORG-4], [...], Lamas e Palmeira; --
2.º- A demandada é responsável pela recolha de lixo no concelho de [...]; ---
3.º- A 1ª demandada [ORG-5], S.A., é responsável pela recolha dos resíduos sólidos no concelho de [...]; --
4.º- E é proprietária do veículo Volvo FEB, com a matrícula [ - - 1], utilizado na referida recolha; --
5.º- Este veículo está devidamente homologado, sem qualquer alteração fora da homologação, pelo que tem uma altura máxima, a partir do solo, e com a respetiva grua, de 4 metros, atento o disposto na alínea a) do nº 4 do artigo 3º da Secção II do Decreto-Lei nº 133/210; ---
6.º- Dispondo de um sensor que, por razões de segurança, bloqueia o andamento se a grua não estiver totalmente recolhida;
7.º- No dia 10/07/2023, pelas 20:00h, este veículo, ao realizar o seu trajeto habitual de recolha de ecopontos, circulou na [...], na freguesia de [...], [...]; ---
8.º- Ao passar junto ao imóvel do demandante, acima identificado, pelo seu lado direito, arrastou o cabo aéreo de fornecimento de energia elétrica existentes no local; --
9.º- Ao arrastar este condutor elétrico, foram infligidos danos na rede elétrica; --
10.º- E ficou danificada a cabine elétrica, de rega, implantada no imóvel do demandante como demonstra a foto do Relatório de Peritagem a fls. 102 dos autos;
11.º- Cabine que fornecia a energia elétrica para funcionamento do motor que puxava água do seu poço para rega dos produtos agrícolas cultivados no terreno do imóvel; --
12.º- E que para a sua reparação inclui os seguintes trabalhos: construção de cabine, aplicação de porta nova, retificação de arames da ramada e arrumação da cabine antiga; ---
13.º- Não tendo o condutor do veículo, [PES-2], se apercebido de ter embatido em qualquer cabo elétrico ou que o tivesse arrastado ou arrancado; --
14.º- O referido cabo elétrico atravessa a referida estrada, e não tinha a mesma altura nas duas extremidades; ---
15.º- Vindo de um poste da 3ª demandada, [ORG-3] S.A., -situado do lado esquerdo considerando o sentido de marcha que então tomava o veículo, Norte para Sul-, e que tem uma altura mínima de 6 metros, terminava no lado direito, no prédio do demandante, num postalete de ferro com 2,77m de altura que estava acoplado à cabine que, por sua vez, media 2m, sobre o terreno que tem uma cota que fica 80 cm abaixo da cota da estrada; --
16.º- O veículo da 1ª demandada, porque habitualmente estavam veículos estacionados do lado direito da estrada, costumava circular do lado esquerdo; -
17.º- Neste dia, na ausência de veículos estacionados deste lado o veículo pode circular do lado direito da via, conforme impõe o Código da Estrada, acontecendo o embate no cabo elétrico da 3ª demandada; ---
18.º- O mesmo veículo já havia passado por vários cabos elétricos na zona sem que tenham ocorrido quaisquer incidentes;
19.º- A 3ª demandada exerce, em regime de concessão de serviço público, a atividade de distribuição de energia elétrica em alta e média tensão, sendo ainda concessionaria da rede de distribuição de energia elétrica em baixa tensão no concelho de [...] (conforme resulta do disposto nos artigos 6.°, n° 1, 7.°, n° 1, alínea b), 8.°, n° 1, alíneas e) e f), 110.°, 284.° e 285.º do Decreto-Lei nº 15/2022, de 14 de janeiro - e no artigo 1º do Decreto-Lei nº 344-B/82, de 1 de setembro); ---
20.º- Nesta qualidade explora várias infraestruturas e equipamentos considerados de utilidade pública, nomeadamente apoios e cabos condutores de energia elétrica;
21.º- A atividade de distribuição de energia elétrica está subordinada à disciplina consagrada em diversos diplomas legais. designadamente: --
RRC - Regulamento das Relações Comerciais (Regulamento n.°1129/2020, publicado no DR n° 252. 2ª Série, de 30 de dezembro de 2020); --
RQS - Regulamento da Qualidade de Serviço (Regulamento n° 406/2021, de 12 de maio, da [ORG-6]); --
22.º- Os regulamentos referidos têm força de lei e foram emitidos pelos respetivos entidades, no âmbito das competências conferidos pela lei, concretamente pelos artigos 172°, 204°, 205° e 206° do Decreto-Lei nº 15/2022, de 14 de janeiro; --
23.º- Por força de um contrato celebrado entre o demandante e a comercializadora, a 3ª demandada, na qualidade de Operadora de Rede, esta abastece de energia elétrica a instalação do demandante em causa nos autos; --
24.º- Tal instalação corresponde ao local de consumo n.°XXXIX, e é abastecida em baixo tensão a partir do Posto de Transformação e Distribuição xxxxxxxxxxxx - "PTD STS 0492" e o ramal que serve as instalações do demandante é constituído por Cabo de Torçoda "LXS 4x25+16"; ---
25.º- Ainda no dia do incidente, esta demandada, tomando conhecimento da ocorrência [registo no sistema nº xxxxxxxxx) contactou a empresa que lhe presta estes serviços, que enviou de imediato um técnico ao local, a aqui testemunha [PES-3], eletricista, para reparar a rede de distribuição de energia elétrica, tendo sido necessário interromper temporariamente o fornecimento de energia elétrica à instalação para proteger pessoas e bens; --
26.º- A 3ª demandada faz inspeções periódicas, através de prestadores de serviços, quer à rede de baixa tensão quer ao referido Posto de Transformação e Distribuição, sendo a última “Manutenção preventiva” efetuada em 18/11/2019 e não lhe tendo sido reportada qualquer anomalia, nem alerta quanto aos cabos; --
27.º- Contudo, o referido cabo elétrico, integrante da rede de distribuição, já tem vários anos sem ter sido objeto de qualquer intervenção; --
28.º- A 2ª demandada, [ORG-7], S.A., dedica-se à atividade de seguradora, celebrando contratos de seguro; ---
29.º- A 1ª demandada, proprietária do veículo, tem a sua responsabilidade civil pela circulação do referido veículo, transferida para a 2ª demandada por força do contrato de seguro obrigatório automóvel com a Apólice n°- xxxxxxxxx.[Nº Identificador-2]; --
30.º- Tendo participado oportunamente o sinistro à sua Seguradora, a 2ª demandada mediante Declaração Amigável de Acidente Automóvel (DAAV); --
31.º- Que incumbiu a empresa de peritagem [ORG-8], Lda. da sua averiguação, tendo após a mesma apresentado o Relatório junto aos autos; ---
32.º- Sendo que o demandante reclamou das três demandadas o ressarcimento dos seus danos, tendo todas declinado a responsabilidade pelos mesmos; ---
33.º- Danos para cuja reparação o demandante apresenta um Orçamento global no valor de € 2 890,50 (dois mil oitocentos e noventa euros e cinquenta cêntimos), que não discrimina e que inclui o valor de retificação, mão de obra de extração e colocação do motor- cf- fls. 32 dos autos. ---
- Motivação dos factos provados: -----
A factualidade dada como provada resultou da conjugação dos factos aceites pelas demandadas, dos documentos juntos aos autos que não foram impugnados- nomeadamente o Relatório de perícia [ e a foto da pág. 8, a fls. 92 do processo físico], e dos que, tendo-o sido, foram corroborados por outra prova, das declarações do representante da 2ª demandada, e da prova testemunhal, tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 607º, nº 5 do Código de Processo Civil (CPC) e no artigo 396º do Código Civil. ------
A 2ª demandada prestou declarações, na pessoa do seu representante, [PES-4], gestor de contenciosos e reembolsos, que geriu este processo e que relatou como se processou, e foi o mesmo instruído, para concluir que não havia responsabilidade da Seguradora. ---
Quanto à prova testemunhal: --
- O demandante apresentou: --
1ª- [PES-5], filho do demandante, que foi quem estabeleceu os contactos com as demandadas, em nome do seu pai, pessoa de avançada idade, e dinamizou este processo, angariando, nomeadamente orçamento para a reparação dos danos, etc.; Foi relevante especialmente para a descrição dos contactos efetuados, referindo ainda que a diferença de altura das extremidades do cabo elétrico já eram antes visíveis a olho nu; -
2ª- [PES-6], construtor civil, que foi quem viu os danos e elaborou o orçamento dos autos; Não conseguiu especificar valores discriminados (que os teria em casa) e depôs que, relativamente ao motor de rega que pediu o orçamento para a retificação a um “senhor que arranja os motores”; Inquirido, referiu que o motor está no poço, “lá em baixo na água” e que ainda ninguém o viu. ---
3ª - [PES-7], que cultiva o campo, propriedade do demandante, há 36 anos, e depôs que agora não o pode fazer porque o motor não funciona, que teve muitos prejuízos; --
-A 1ª demandada apresentou [PES-2], o motorista da demandada que conduzia o veículo do sinistro no evento em causa nos autos, que reiterou o que já tinha dito ao Perito da Seguradora, 2ª demandada; --

- A 2ª demandada apresentou [PES-8], que presta serviços para empresa [ORG-8], Lda., e que foi quem fez a Perícia dos autos e que prestou os esclarecimentos que lhe foram solicitados, mantendo o constante no Relatório dos autos; Depôs que viu um cabo provisório ligado, mas não verificou se o motor estava no poço e a funcionar e não se recorda se o Sr. [...] lhe disse;
- E a 3ª demandada: --
1ª- José [PES-9], engenheiro electrotécnico, seu trabalhador e responsável pela manutenção da rede desta área geográfica; Foi relevante para a descrição das inspecções realizadas pela 3ª demandada à rede elétrica. ---
Depôs que o local é abastecido por rede aérea e confirmou que o cabo elétrico em causa está lá desde que há contrato para aquele local, há já alguns anos, “é uma instalação antiga”; Foi relevante para a descrição do tempo de manutenções feito pela 3ª demandada, por prestadores de serviços, uma anual ao posto de transferência e sensivelmente de 3 em 3 anos vistorias mais completas, mas, no que se refere aos cabos, visuais, e feitas do solo; Que não tiveram qualquer alerta. Que não têm registos da altura do postalete dentro do prédio do demandante, mas do outro lado, que o poste vem de fabrico com 9 metros, 1 enterra-se no solo e a “linha nunca está na cabeça”, pelo que teria uns 8 metros; ---
2ª- [PES-3], eletricista da empresa [ORG-9], Lda., empresa que presta serviço para a demandada, e que estava de piquete, e foi quem no dia do sinistro compareceu no local para restabelecer a energia elétrica, que depôs que o motor ficou a funcionar, mas em instalação provisória do lado do demandante por causa da destruição da cabine. Depôs ainda que, quando chegou “o cliente não tinha energia na cabine e tive que fazer uma ligação provisória para ele regar as plantas, não saí sem o motor ficar a funcionar, para o senhor poder regar, depois não sei. ”; ---
Factos não provados e respetiva motivação: ----
As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos (cf. artigo 341º do Código Civil). --
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa, por prova em contrário ou falta ou insuficiente mobilidade probatória, nomeadamente: -

- A avaria no motor do demandante. De facto, a testemunha da 3ª demandada, o eletricista [PES-10] depôs que o deixou a funcionar e embora o trabalhador do terreno, a testemunha [PES-11], tenha dito que não funcionava não soube dizer porquê e a testemunha que efetuou o orçamentou, [PES-12], depôs que pediu a outro o orçamento para reparação do motor, mas que ninguém o tirou do poço para o analisar, ninguém o viu. ---
Assim, não logrou o demandante provar a avaria, desde quando, e, sobretudo, a existir, se se deveu ao incidente dos autos; --
- O valor discriminado da reparação dos danos. ---------

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO: -------
Fundando-se na responsabilidade civil extracontratual, o demandante visa com a presente ação ser indemnizado pelos danos resultantes do sinistro em causa nos autos, justificando a razão de ter demandado as três demandadas. --
Pelo que há que averiguar se da factualidade dada como provada resulta a verificação dos pressupostos desta responsabilidade civil geradores da obrigação de indemnizar relativamente a cada uma das demandadas e, se assim for, fixar o valor indemnizatório pelos danos patrimoniais sofridos pelo demandante. ---------------
Relativamente à 1ª demandada: ---
Ficou provado que o veículo que embateu no cabo elétrico é sua propriedade e que o condutor é seu trabalhador e o conduzia com conhecimento, sob as ordens e no interesse da proprietária. -
Estamos assim, relativamente a esta, numa relação de comissão, a que se refere o nº 1 do artigo 500º, e, no caso, 501º do Código Civil, em que, verificada a relação de dependência, e os demais requisitos legais, é possível responsabilizar a comitente/proprietária, pela atuação do condutor/comissário. ----
Contudo, esta transferiu a sua responsabilidade civil por danos causados pelo veículo em causa nos autos para a também aqui demandada, [ORG-7], S.A., pelo que, contendo-se o valor peticionado dentro do capital mínimo obrigatório do seguro obrigatório, a mesma é parte ilegítima nos presentes autos (cf. artigo 64.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de agosto). --

Relativamente à 2ª demandada: ---
A obrigação de indemnizar pressupõe a reunião dos pressupostos cumulativos da responsabilidade civil previstos no nº 1 do artigo 483º do Código Civil - prática de um ato ilícito, a imputação do facto ao agente em termos de culpa, a ocorrência de danos e um nexo de causalidade entre o facto e os danos imputáveis ao mesmo (cf. ainda artigo 563º do C. Civ.). --
Com efeito, não são da responsabilidade do agente todos os danos emergentes do facto ilícito, mas apenas aqueles que causou, ou seja, que são consequência normal e adequada do facto em causa. ---
Que lhe seja imputável em termos de culpa, nomeadamente a título de negligência, por violação do dever objetivo de cuidado, ou seja, por não ter tomado as precauções, que seriam exigíveis a um condutor diligente, violando ainda o dever de prudência que lhe competia. -------------------
Na situação dos autos, em que se verifica uma relação de comissão a lei estabelece para o comissário uma presunção legal de culpa, ou seja, presume-se desde logo que é ele o responsável pelo acidente [subjetivamente, nos termos do nº 1 do artigo 483º do C. Civil.] de acordo com o disposto no nº3 do artigo 503º do C. Civil.: ------------
“Aquele que conduzir o veículo por conta de outrem responde pelos danos que causar, salvo se provar que não houve culpa da sua parte.” (itálico nosso) ----------
Verifica-se, assim, uma inversão do ónus da prova, cabendo-lhe ilidir a presunção demonstrando que não teve culpa no acidente.
Ora, resultou provado que o acidente se deveu a uma força maior estranha ao funcionamento do veículo, e que resultou da violação do dever de cuidado da 3ª demandada que mantinha um cabo elétrico que, numa das extremidades tinha uma altura bem inferior ao limite legal, há já vários anos, consubstanciando uma situação de perigo para os veículos pesados que circulassem mais à direita da via na rua em causa. --
De facto, o cabo aéreo da eletricidade, cuja manutenção e vigilância compete à 3ª demandada, não detinha, em toda a sua extensão, a altura mínima de 6 metros, como o exige o nº 1 do artigo 73º do Decreto-regulamentar nº 90/84, de 26 de dezembro.

E o acidente deu-se na parte mais baixa, mesmo junto ao prédio do demandante, e, resultou provado, que teria dentro do prédio uma altura de 3, 57 metros, sendo que o veículo, que circulava com a grua descida, media cerca de 4m, pelo que o embate era inevitável. --
Embate que foi, assim, causa adequada, direta e única da produção dos danos na cabine de rega do demandante supra identificados. ----
Esta demandada, por exercer a atividade de distribuição de eletricidade, em regime de concessão de serviço público, é interveniente no sistema elétrico, sendo responsável por assegurar a exploração e manutenção da rede de distribuição em condições de segurança, eficiência, regularidade, fiabilidade e qualidade se serviço, de acordo com os padrões estabelecidos no Regulamento da Qualidade de Serviços (cf. n°.s 1 e 3, alínea a) do artigo 5º, artigo 31° e n. 2, alíneas. a), b) e d) do artigo 35° do Decreto-Lei nº 29/2006 de 15 de fevereiro). ---
A responsabilidade extracontratual encontra-se prevista e regulada nos artigos 483º e segs do C. Civ., referindo o nº 1 do referido artigo 509º, que aquele que tiver a direção efetiva da instalação elétrica, e a usar no seu interesse, como é o caso da demandada, responde tanto pelo prejuízo que derive da condução ou entrega da eletricidade, como pelos danos resultantes da própria instalação elétrica, “…excepto se ao tempo do acidente esta estiver de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação.” -----
Ou seja, os danos resultantes da instalação da energia elétrica compreendem uma responsabilidade objetiva, só afastada se se comprovar que, à data do sinistro, a instalação estava de acordo com as regras técnicas em vigor e, em perfeito estado de conservação, ou os danos forem devidos a uma causa de força maior. --
Dispõe ainda o nº 2 do mesmo artigo 509º do C. Civil.: “Não obrigam a reparação os danos devidos a causa de força maior; considera-se de força maior toda a causa exterior independente do funcionamento e utilização da coisa”. ---
Força maior, que a demandada, entidade concessionária, alega, a intervenção de terceiro, e que o ónus da prova lhe competia, como facto extintivo da sua obrigação, nos termos do nº 2 do artigo 342º do C. Civil, mas que não logrou fazê-lo. ---
A intervenção de terceiro poderá efetivamente ser considerada força maior, nos termos do nº 1 do artigo 7º do Regulamento da Qualidade do Serviço, mas resultou provado que não foi essa a causa adequada do acidente. De facto, atentas as medidas ----

do veículo, se o cabo elétrico respeitasse a altura legal este nunca lhe embateria, pelo que não está verificada, no caso dos autos, a exceção prevista no artigo 509, nº 2, do Civil. ---
E embora efectue inspecções periódicas, a situação existia há vários anos, era visível a olho nu, e a demandada não empregou todas as diligências necessárias para corrigir a situação e evitar o perigo, embora, uma vez ocorrido o sinistro, tenha atuado com a diligência exigível para estancar os prejuízos e repor a normalidade do fornecimento. -----
Ora, comprovando-se que o demandante sofreu danos patrimoniais derivados do arranque do cabo elétrico, sem se comprovar causa de força maior, a demandada responde objetivamente, nos termos do nº 1 do artigo 509º do C. Civil., pelos danos causados ao demandante, devidamente comprovados (cf. ainda artigos 562.º, 563º, 483º, e 499º e segs, todos do C. Civil). ------
Nestes termos, encontrando-se reunidos os pressupostos da responsabilidade civil, atento o sinistro ocorrido, os danos supramencionados e o nexo de causalidade adequada entre ambos, para os quais não contribuiu o lesado, considera-se esta demandada responsável pelo ressarcimento. --
E quem estiver obrigado a reparar/indemnizar um dano deve reconstituir a situação que existiria na esfera jurídica do lesado caso não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação. -
Tendo esta reparação, no caso apenas natureza indemnizatória, tem o demandante direito a receber a totalidade do valor dos danos, reconstituindo-se deste modo a situação à data do sinistro (cf. artigo 562º do C. Civil). ---------------
Todavia, ficou apurado que o demandante terá de reparar a cabine elétrica, e os trabalhos que são necessários para o efeito., mas não indicou o valor específico desta reparação. -------
Assim, embora o demandante tenha direito à reparação dos danos provados, no caso à indemnização em dinheiro, porque se provou a existência do direito e respetiva obrigação de pagamento da 3ª demandada, não foi possível determinar o quantum indemnizatório, a quantia exata. ----
Pelo que não é possível, aqui, determinar o objeto da condenação, que terá de ser determinado em posterior liquidação de sentença, nos termos do nº 2 do artigo 609º do Código de Processo Civil. -

Peticiona ainda o demandante que sobre a quantia indemnizatória recaiam juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento. ----
Efetivamente, e de acordo com o disposto nos artigos 804º e 806º do mesmo Código, verificando-se um retardamento da prestação, por causa imputável ao devedor constitui-se este em mora e, consequentemente, na obrigação de reparar os danos causados. -----
Tratando-se de obrigações pecuniárias, a indemnização corresponderá aos juros a contar do dia da constituição em mora.
Na situação dos autos, e atento o disposto no nº 3 do artigo 805º do C. Civil, o devedor fica constituído em mora desde a data de citação, que ocorreu em 19/01/2024 até efetivo e integral pagamento. ----
Decisão: ---
Em face do exposto, julgo a ação parcialmente procedente, e em consequência: ---
- Condeno a demandada [ORG-3] S.A., a pagar ao demandante a quantia que for determinada em liquidação de sentença, mas que nunca poderá ser superior à importância de € 2 890,50 (dois mil oitocentos e noventa euros e cinquenta cêntimos), para reparação da cabine elétrica do demandante e os trabalhos necessários para o efeito- constantes da factualidade assente-, com respetivos juros de mora desde a citação até integral pagamento; --
- Absolvo da instância a demandada [ORG-5], S.A.; ---
- Absolvo do pedido a demandada [ORG-7], S.A.; ---
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Não sendo a sucumbência determinada ou determinável na presente ação, não é possível determinar o decaimento do demandante e da demandada [ORG-10] S.A., para efeitos de custas, pelo que vão ambos condenados em custas, em partes iguais, no valor de €35,00 cada um (cf. artigo 527º do Código de Processo Civil e artigo 9º, nºs 1 e 3 do Código Civil). --
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O pagamento deverá ser efetuado no prazo de 3 dias úteis, a contar do conhecimento, sob pena de lhe acrescer uma penalidade de €10,00 por cada dia de atraso até à importância de €140,00 [cf. a alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º e n.º 4 do

artigo 3.º da Portaria n.º 342/2019, de 1 de outubro]. ------
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Emita-se os Documentos Únicos de Cobrança (DUC) e remeta-se ao demandante e à demandada E-REDES- DISTRIBUIÇÃO DE ELECTRICIDADE S.A..--
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Após o trânsito em julgado desta decisão e encontrando-se pagas as custas, arquivem-se os autos. -----------------------------
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Registe e notifique. ------------------------------------------


Santo Tirso, 28 de junho de 2024


A Juíza de Paz

(Elisa Flores)

Processado por computador (art.º 131º, nº 5 do C P C)