Sentença de Julgado de Paz
Processo: 93/2023-JPCBR
Relator: CRISTINA EUSÉBIO
Descritores: INCUMPRIMENTO DE CONTRATO DE EMPREITADA
Data da sentença: 05/27/2024
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral: Proc.º n.º 93/2023-JPCBR

SENTENÇA

RELATÓRIO:
[PES-1], melhor identificado a fls. 1 propôs, contra [PES-2], igualmente devidamente identificado nos autos, a presente ação declarativa de condenação, pedindo que este fosse condenado a pagar-lhe a quantia de 3000€ (três mil euros) pelo prejuízo que lhe causou por força do incumprimento de contrato de empreitada celebrado entre ambos. Para tanto, alegou os factos constantes do seu Requerimento Inicial de fls. 1 a 6, que se dá por reproduzido, dizendo, em síntese que contratou com o demandado a realização de trabalhos de pintura da moradia que estava a construir e que, constatando defeitos na sua execução, instou o demandado a que os eliminasse tendo este manifestado que o faria, mas posteriormente negou. Mais requer que seja emitido recibo dos valores que pagou ao longo dos trabalhos. Juntou 7 documentos (fls.8 a 88) que, igualmente, se dão por reproduzidos. O demandante apresentou em tempo a sua contestação (fls. 94 a 100) que se dá por reproduzida, alegando, em suma, que se limitou a elaborar e remeter orçamento e indicar um pintor para a realização da obras, sem que tenha celebrado qualquer contrato de empreitada com o demandante. Mais refere que trabalha numa loja de tinta, não sendo a construção civil a sua atividade profissional. Nega ter recebido qualquer montante para além de 1000,00€ referentes às tintas utilizadas na obra. Mais refere que apenas por cortesia se deslocou à obra para verificar os alegados defeitos. Peticiona que o demandante seja condenado como litigante de má-fé. A fls. 109 dos autos, respondeu o demandante ao referido pedido e juntou 7 documentos (fls. 114 a 130).
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Cabe a este tribunal qualificar o contrato celebrado entre as partes e decidir se, nos termos contratuais, face ao alegado incumprimento do Demandado, a Demandante tem direito a indemnização e, na afirmativa, em que medida. ** As partes aderiram à fase de mediação cuja sessão se realizou sem que tenham logrado chegar a acordo. Agendada a audiência de julgamento, esta realizou-se com observância do formalismo legal, conforme da respetiva ata se alcança. Fixa-se o valor da causa em 3000,00€ (três mil euros). ** Estando reunidos os pressupostos da estabilidade da instância, cumpre apreciar e decidir:
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FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE FACTO
A convicção probatória do tribunal de acordo com a qual fixa os factos provados ou não provados, ficou a dever-se ao conjunto de prova produzida nos presentes autos, tendo sido tomados em consideração os documentos juntos aos autos, as declarações das partes e ainda e os depoimentos das testemunhas apresentadas.
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Assim,
Com interesse para a decisão da causa, ficaram provados os seguintes factos:
1. Em setembro de 2020, encontrando-se o demandante a construir uma moradia, necessitou de contratar serviços de pintura;
2. O demandante deslocou-se à loja de tintas [ORG-1], onde o demandado trabalha, tendo questionado se lhe podia indicar um pintor para executar os trabalhos.
3. O demandado disponibilizou-se para apresentar um orçamento para os trabalhos que o demandante necessitava de realizar.
4. Ainda em setembro de 2020, o demandado deslocou-se à obra para ver e avaliar os trabalhos pretendidos.
5. Em 8 de setembro de 2020, o demandado apresentou ao demandante o orçamento de fls. 9 onde consta a sua identificação, a descrição dos trabalhos e o preço de 2.800,00€; cfr. doc. Fls. 9 e 115
6. O demandante pagou ao demandado a quantia de 2300,00€, correspondente a parte do preço referido em 4 e 50,00€ por trabalho extra de barramento da lareira que solicitou Cfr. doc. Fls. 11
7. O demandado acompanhou a equipa de pintores, tendo também realizado alguns trabalhos aos sábados ou ao final do dia.
8. Verificadas irregularidades nas pinturas (escorrências e bolhas), fissuras e riscos para as quais o demandante alertou, em 11 de março de 2021, a equipa de pintores procederam a reparações e acabamentos.
9. Após os referidos trabalhos, o demandante voltou a reclamar perante o demandado e o pintor [PES-3], que esteve mais assiduamente na obra.
10. Em 17 de abril de 2021, o Sr. [PES-3] deslocou-se à obra para verificar os defeitos que o demandante assinalou com “post its”, tendo de imediato contactado o demandado, enviado fotos e perguntando o que deveria fazer, em face da quantidade de zonas assinaladas em toda a casa.
11. Por carta datada de 20 de abril de 2021 e recebida no dia seguinte, o demandante relatou as vicissitudes da obra e seus defeitos concedendo o prazo de mês para reparação sob pena de considerar o contrato definitivamente incumprido Cfr. doc. Fls. 13 a 16
12. Por email de 23 de abril de 2021, o demandado respondeu à carta referida em 11 relatando todos os trabalhos efetuados e insurgindo-se contra o alegado pelo demandante, no que aos defeitos e qualidade da tinta se refere lembrando que ainda se encontra em falta o pagamento do restante preço, cfr. doc.121 a 122.
13. Por carta datada de 30 de agosto de 2021, o demandante comunicou ao demandado a resolução do contrato solicitando a devolução do montante pago. cfr doc fls. 18.
14. Em data não concretamente apurada um técnico da marca [Marca-1] deslocou-se á obra para verificação das tintas tendo concluído que “as patologias verificadas na obra não podem ser imputadas aos produtos” cfr. doc. Fls. 130
15. O demandante pagou em 2 de setembro de 2021 pela prestação de serviços de pintura a quantia de 3000,00€ a [PES-4]. Cfr. doc. Fls. 24

Factos não provados:
A – Que o demandado se tenha limitado a vender as tintas ao demandante e a indicar-lhe um pintor para executar os trabalhos.
B – As fissuras devem-se a patologias pela idade do imóvel ou materiais usados na sua construção.
C) O demandado aplicou a tinta e primário sem que tivesse lixado e retificado as paredes e tetos, nos locais em que se encontravam cavidades e saliências.
D) Que a tinta aplicada pelo demandado nas wc e cozinha não foi a contratada.
E) Que o demandante, contra a opinião de vários profissionais, exigiu uma terceira demão antes da conclusão dos trabalhos de carpintaria.
F) Todas as reparações e retificações foram feitas antes da terceira demão de tinta e acompanhadas pelo demandante que usou uma lanterna de néon.
G) Perante as reclamações do demandante, tudo foi feito dentro do limite do razoável e humanamente possível, com inúmeras deslocações à obra.
H) Os defeitos da pintura resultaram da deficiente execução do trabalho prévio, pela escolha e natureza das massas, pela concentração e combinação de materiais e inobservância doo tempo de secagem.
I) Que a quantia paga pelo demandante a [PES-4] corresponda aos trabalhos de reparação dos defeitos da obra. J) Que o demandado não terminou a obra, faltando a pintura dos tetos e wcs e cozinha e retoques.

Não resultaram provados quaisquer outros factos, alegados pelas partes ou instrumentais, com interesse para a decisão.

MOTIVAÇÃO
Os factos provados sob os n.ºs 1 a 3 e 10 resultam das declarações de ambas as partes, considerando-se, assim, provados por acordo. O facto n.º 5 resulta de documento junto aos autos confirmado pelas partes. Os factos sob os n. os 6, 11 a 14 e 15 resultaram provados por apresentação de prova documental que não foi impugnada por qualquer das partes, conjugada com os depoimentos das partes. Os factos sob os n. os 4 e 7 a 9 resultaram provados pela conjugação das declarações do demandante com as da testemunha apresentada [PES-6] que atestou que o demandado se deslocou à obra sozinho para verificar os trabalhos necessários e pretendidos pelo demandante para orçamentar. Mais relatou que viu o demandado levar a equipa de pintores à obra e que ao final do dia e sábados, também ele executava trabalhos. O pintor mais assíduo na obra era [PES-3]. A referida testemunha relatou ao tribunal que, de facto existiam irregularidades na pintura, riscos e fissuras e que estes foram relatados ao demandado que se deslocou à obra “numa perspetiva de conciliação”. Afirma ter estado presente numa conversa em que o demandado prometeu que iria reparar a pintura. A testemunha [PES-7], que efetuou trabalhos de eletricidade na obra do demandante referiu ter estado presente no dia em que o o Sr. [PES-3] se deslocou á obra e viu os post its colocados por todo o lado. Ouviu o referido [PES-3] ao telefone com o demandado perguntando-lhe o que deveria fazer. Mais ouviu o Sr. [PES-3], dirigindo-se ao demandante, dizer que ia falar com o demandado e que era ele que teria de assumir e que lhe rira mandar fotografias da casa. Quer dos documentos, quer dos relatos das testemunhas, o tribunal apurou que, de facto, o demandado tomou a posição de empreiteiro nesta obra, ainda que possa não ser profissional da área, orçamentou a obra, recebeu parte do preço, reclamou o pagamento do restante, acompanhou a obra e nela trabalhou com os restantes pintores, forneceu as tintas etc. (atos materiais de execução do contrato). De salientar, ainda, que foi dada como provada a existência de defeitos atenta a alegação do demandante e sua denúncia por carta, a resposta remetida pelo demandado e a constatação de técnico especialista em tintas da [MARCA-1] que visitou a obra concluindo pela existência de “patologias”, para além dos depoimentos das testemunhas apresentadas. No que diz respeito aos factos não provados, estes resultam de falta de apresentação de prova que os corrobore, nomeadamente os itens com as letras A) a H). No que diz respeito ao facto ínsito na letra I) foi dado como não provado em face da impugnação do orçamento (que não se encontra assinado e não contém o preço) junto aos autos e a falta de outra prova que pudesse concretizar que o montante pago a [PES-4] (facto provado sob o n.º 15) correspondia aos trabalhos de reparação dos defeitos da pintura deixados pelo demandado e não outros. Por último, diga-se que a prova produzida se limitou aos defeitos que a obra apresentava, não se tendo produzido qualquer prova, - ou sequer tenha sido referido - que a mesma estivesse inacabada.

FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE DIREITO
A relação material controvertida circunscreve-se ao contrato celebrado entre as partes e às obrigações daí decorrentes. Perante os factos provados, não restou qualquer dúvida ao tribunal da identidade das partes contraentes, o aqui demandante – na qualidade de dono da obra - e o demandado – na qualidade de empreiteiro. Pelo que improcede a exceção de ilegitimidade abordada pelo demandado na sua contestação. O contrato celebrado entre a Demandante e o Demandado é uma modalidade do Contrato de Prestação de Serviços, na forma de Empreitada, previsto no Art.º 1207.º do Código Civil (CC), o qual dispõe que “Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço.”. Neste caso, as partes contrataram a execução de serviço de pinturas na moradia do demandante, tendo acordado os trabalhos a executar e o respetivo preço. Reportando-nos à obrigação principal do empreiteiro, esta consiste na realização de uma obra, (artigo 1208º C.C.) que deve ser executada em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.
Resulta provado nos autos a existência de cumprimento defeituoso da pintura levada a cabo, sem que se tenha apurado, em concreto o motivo pelo qual se verificaram os defeitos. Certo é que subsistiram imperfeições, (bolhas, riscos e fissuras nas paredes da moradia) que não foram reparadas pelo demandado, como lhe caberia. Uma vez que resultou dos autos que o demandado não se dedica a atividade comercial, não podemos concluir que se tenha tratado de empreitada no âmbito do direito do consumo que pressupõe a relação jurídica entre profissionais e consumidores. (art. 1º do Decreto-Lei 84/2001 de 18 de outubro). Aliás seria necessária também a alegação e prova da qualidade de consumidor, (elementos subjetivos da relação contratual). Posto isto, o contrato que agora analisamos rege-se pelas normas constantes dos art. 1207º e seguintes do Código Civil. Nos termos do disposto no art. 1222º do referido diploma legal, após denúncia atempada dos defeitos não sendo estes sido eliminados, podendo sê-lo, o dono pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina. Verificamos que o demandante, para além de denunciar os defeitos e da tentativa de resolução dos mesmos, enviou comunicação em que concede prazo ao demandado para agir, findo o qual declara pretender resolver o contrato. Posteriormente, comunicou a resolução do contrato, porquanto o demandado não procedeu, nem pretendia proceder, à reparação dos denunciados defeitos. A resolução opera por mero efeito da declaração unilateral à outra parte, considerando-se resolvido o contrato logo que a comunicação for recebida pelo destinatário. Assim, resolvido o contrato, o dono da obra fica exonerado da obrigação de pagar o preço e, se já o tinha pago, pode exigir a sua restituição por inteiro (art. 289º C.C.). Por outro lado, o artigo 1223º do Código Civil, determina que a resolução do contrato, não exclui o direito do dono da obra de ser indemnizado nos termos gerais. Havendo resolução do contrato por incumprimento, a indemnização tende a colocar o dono da obra na situação em que estaria se não tivesse celebrado o negócio, devendo ser calculada de acordo com as regras gerais da obrigação de indemnização (artºs. 562º e seguintes do mesmo diploma). É entendimento maioritário da doutrina e da jurisprudência, quanto aos contratos de execução instantânea, que o interessado que resolve o contrato tem apenas direito a ser indemnizado pelo interesse negativo ou de confiança, uma vez que o dá consequentemente sem efeito e na medida em que a resolução do contrato bilateral é equiparada, quanto aos seus efeitos, à declaração de nulidade e à anulação do negócio jurídico, nos termos do artigo 433° do Código Civil, retroagindo à data do contrato, de acordo com o artigo 289° n° 1 do Código Civil. Este interesse contratual negativo pode compreender tanto o dano emergente como o lucro cessante. O demandante não provou a existência de prejuízos suscetíveis de integração no interesse contratual negativo, pelo que nenhuma indemnização lhe pode ser arbitrada, dado que a indemnização pressupõe a verificação do dano e o nexo causal entre a celebração do contrato incumprido e o referido dano. O demandante tem, assim, apenas direito à restituição do preço que pagou ao demandado e que resulta dos autos ter o valor de 2300,00€. Bem assim como procederão os juros de mora peticionados desde a citação até integral e efetivo pagamento.

DECISÃO Em face do exposto e das disposições legais aplicáveis, julga-se a presente ação parcialmente procedente por provada e, em consequência, condena-se o Demandado a restituir ao Demandante a quantia em dívida de €2.300,00€ (dois mil e trezentos euros) acrescidos de juros de mora desde a citação até integral e efetivo pagamento.

CUSTAS
Custas a cargo de ambas as partes na proporção do respetivo decaimento – 23% para o demandante (16,10€) e 77% (53,90€) para o demandado, nos termos e para os efeitos do art. 3º da Portaria n.º 342/2019 de 1 de Outubro devendo ser pagas, no prazo de 3 (três) dias úteis a contar da notificação desta sentença –ainda que o prazo de validade do DUC seja mais alargado , sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efetivo cumprimento dessa obrigação. A falta de pagamento das custas acarreta a sua cobrança por processo de execução fiscal. Registe e notifique, juntando os respetivos DUC

Coimbra, 27 de maio de 2024

A Juíza de Paz
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(Cristina Eusébio)