Sentença de Julgado de Paz
Processo: 224/2023-JPCBR
Relator: CRISTINA EUSÉBIO
Descritores: VALIDADE DA RESOLUÇÃO DO CONTRATO E DO INCUMPRIMENTO CONTRATUAL NO QUE À FALTA DE PAGAMENTO DAS RENDAS
Data da sentença: 07/23/2024
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 224/2023-JPCBR
SENTENÇA


RELATÓRIO:
HERANÇA INDIVISA ABERTA POR ÓBITO DE [PES-1] E [PES-2] representada por [PES-3] E [PES-4], devidamente identificada a fls. 1 propôs a presente ação declarativa de condenação, contra [ORG-1] LDA, melhor identificada a fls. 1, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de 15.000,00€ (Quinze mil euros), relativa ao valor da rendas vencidas dos meses de Novembro de 2022 até Novembro de 2023.
Mais requer seja declarada a resolução do contrato de arrendamento e consequente entrega do locado.
Para tanto, alegou os factos constantes do Requerimento Inicial de fls. 1 a 3, que se dá por reproduzido. Regularmente citada a Demandada para contestar, no prazo, querendo, esta nada disse.
Tendo a Demandante aceite o recurso à Mediação para resolução do litígio, foi agendado o dia 5 de fevereiro de 2024 para a realização da sessão de Pré-Mediação, a qual não se realizou por falta da Demandada. Remarcada a mediação, esta realizou-se em 22 de fevereiro de 2024 sem que as partes lograssem chegar a acordo.
Foi designado o dia 18 de junho de 2024 para a realização da Audiência de Julgamento.
Aberta a Audiência e estando apenas presentes os representantes da Demandante, foi esta suspensa, ficando os autos a aguardar o decurso do prazo para a justificação de falta, por parte dos Demandada, nos termos dos n.ºs 2, 3 e 4 do Art.º 58.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, designando-se, desde logo, a presente data para a sua continuação. A Demandada, requereu a justificação da falta alegando motivos profissionais, o que foi indeferido.
A fls. 76 dos autos, a demandada suscitou duas exceções, que cumpre apreciar preliminarmente.
De qualquer modo, uma vez que a justificação de falta imotivada equivale à falta de justificação à Audiência de Julgamento, se profere sentença com efeito cominatório.
Por despacho lavrado na ata, a demandante foi instada a aperfeiçoar o requerimento inicial, no sentido de esclarecer quais as rendas vencidas e não pagas que peticiona, mormente em face do requerimento de fls. 24 - art.º 2º.

Pela demandada foi dito que se encontravam vencidas à data da propositura da ação e não pagas, as rendas dos meses de fevereiro de 2023 até novembro de 2023, o que perfaz a quantia de 15.000,00€ conforme referido no referido requerimento.
Igualmente declarou que o locado já se encontra na sua posse, tendo a demandada feito a entrega das chaves em 15 de janeiro de 2024, pelo que desistiu dos pedidos sob as alíneas e) f) g) e h).
Admitida a correção e desistência, os autos haverão de prosseguir cabendo a este tribunal decidir da validade da resolução do contrato e do incumprimento contratual no que à falta de pagamento das rendas diz respeito.

Valor da ação: 15.000,00€ (quinze mil euros).
Da exceção de ilegitimidade da herança

O pressuposto processual de legitimidade deve ser apreciado oficiosamente, pelo que independentemente da alegação da demandada, cumpre decidir.
Consta dos autos que por óbito de [PES-5] e [PES-6], lhe sucederam seus filhos [PES-7] e [PES-8] (fls. 98 e 99).

Constata-se que, foi em nome da referida herança que foi celebrado o contrato em causa nos presentes autos e também foi em nome da herança que deu entrada a presente ação que declare o incumprimento do referido contrato, representada por todos os herdeiros.
A herança jacente – herança aberta, mas ainda não aceite nem declarada vaga para o Estado – é coisa diversa da herança que, não obstante permanecer ainda em situação de indivisão (por não ter sido efetuada a partilha), já foi aceite pelos sucessíveis que foram chamados à titularidade das relações jurídicas que dela fazem parte (através da habilitação de herdeiros) sendo que só a primeira detém personalidade judiciária.

De facto, a herança ilíquida e indivisa já aceite pelos sucessíveis não tem personalidade judiciária.
Atendendo à filosofia subjacente à Lei nº 78/2001 de 13 de julho com a redação da Lei n.º 54/2013 de 31 de Julho (LJP) e ao Código de Processo Civil que visa, sempre que possível, a prevalência do fundo sobre a forma, bem como a sanação das irregularidades processuais e dos obstáculos ao normal prosseguimento da instância, tendo em vista o máximo aproveitamento dos atos processuais – não se justificará a absolvição da instância por falta de legitimidade, na medida em que intervieram nos presentes autos os herdeiros da referida herança, em nome dos interesses desta.

Em bom rigor, existe apenas uma mera incorreção no requerimento inicial quando se identificou a parte, devendo ter-se escrito de modo invertido, ou seja, os herdeiros em representação da herança ao invés de herança representada pelos herdeiros.
A herança indivisa corresponde ao conjunto dos herdeiros dos de cujus que estão efetivamente na ação, como comprovaram.
Assim, a demandante é parte legítima nos presentes autos por se encontrarem nos autos os representantes do património autónomo que constitui a herança, titular do direito que se pretende exercer, improcedendo a exceção invocada.
Da ilegitimidade ativa por nulidade do contrato
O contrato sub judice de fls. 8 a 10 intitulado “Acordo de revogação do contrato de locação de estabelecimento comercial e celebração de novo contrato de locação de estabelecimento” foi celebrado por três partes.
A primeira outorgante é a sociedade comercial que explorava o estabelecimento e foi representada por [PES-9] com procuração para o efeito (cfr. doc fls. 106 e 107).
A segunda outorgante é a sociedade demandada, que passou a explorar o mesmo estabelecimento, em face da revogação do contrato com a primeira outorgante, representada pela sócia gerente [PES-10]. (cfr. doc fls. 27 e 28).
A terceira outorgante é a aqui demandante, representada pelos herdeiros [PES-11] e [PES-8].
O contrato encontra-se assinado com as assinaturas reconhecidas por advogado no ato. (fls 11 e 12).
Não se vislumbra qualquer nulidade nas assinaturas do contrato, nem qualquer ilegitimidade dele decorrente, no que à presente ação diz respeito.
Improcede, igualmente a este título, a exceção invocada.
Estando reunidos os pressupostos da estabilidade da instância, cumpre apreciar e decidir:

FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE FACTO
A prova produzida resulta do efeito cominatório decorrente do artigo 58.º, n.º 2 da LJP, que regula os efeitos das faltas, aí se referindo “Quando o demandado, tendo sido pessoal e regularmente citado, não comparecer, não apresentar contestação escrita, nem justificar a falta no prazo de três dias consideram-se confessados os factos articulados pelo autor.”

Teve-se ainda em consideração o teor dos documentos juntos aos autos pela Demandante e os esclarecimentos prestados.
O n.º 3 do artigo 567.º do Código Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 63.º da LJP, refere “Se a resolução da causa revestir manifesta simplicidade a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado”, que é o que vamos fazer.
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FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE DIREITO
A relação material controvertida circunscreve-se às relações decorrentes da celebração de um contrato misto de arrendamento e exploração de estabelecimento comercial entre as partes e ao incumprimento por parte da Demandada da sua obrigação de pagar a contrapartida pela exploração do dito estabelecimento no valor mensal de 1500,00€, pelo período de 1 de julho de 2022 até 30 de junho de 2027, prorrogável por períodos de 3 anos.
Mais resulta dos autos que a Demandada deixou de pagar o valor convencionado desde o mês de fevereiro de 2023 até novembro de 2023.
Resulta provado que a Demandada incumpriu a sua principal obrigação de pagar, pontual e mensalmente, o montante acordado, verificando-se sucessivos atrasos até deixar de cumprir totalmente.
Em setembro de 2023, a demandante remeteu à demandada, notificação judicial avulsa comunicando-lhe a resolução com justa causa do contrato de arrendamento e exploração de estabelecimento comercial, que esta recebeu em 6 de novembro de 2023.
Na referida notificação, a demandante estabeleceu o prazo de 10 dias para entrega do locado, o que apenas ocorreu em 15 de janeiro de 2024.
A resolução pode operar por comunicação ou por reconhecimento judicial.
Assim, o senhorio tem o direito de resolver o contrato de arrendamento, com base no incumprimento da outra parte, nomeadamente a falta de pagamento das rendas, que é devido.
Dúvidas não restam, assim que a resolução contratual se operou por via da notificação judicial avulsa, sendo válida.

DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos invocados, julgando a presente ação parcialmente procedente, porque provada, reconheço como válida a resolução do contrato de locação e decido condenar a Demandada a pagar à Demandante a quantia de 15.000,00€ € (quinze mil euros), relativa às rendas em atraso de fevereiro a novembro de 2023.

CUSTAS
Custas a cargo da demandada, nos termos e para os efeitos do art. 3º da Portaria n.º 342/2019 de 1 de Outubro devendo ser pagas, no prazo de 3 (três) dias úteis a contar da notificação desta sentença –ainda que o prazo de validade do DUC seja mais alargado , sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efetivo cumprimento dessa obrigação.
A falta de pagamento das custas acarreta a sua cobrança por processo de execução fiscal.

Registe e notifique, juntando o respetivo DUC


Coimbra, 23 de julho de 2024


A Juíza de Paz


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(Cristina Eusébio)