Sentença de Julgado de Paz
Processo: 214/2010-JP
Relator: DANIELA SANTOS COSTA
Descritores: USUCAPIÃO
Data da sentença: 03/31/2011
Julgado de Paz de : TAROUCA
Decisão Texto Integral:

SENTENÇA

IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: A
Demandados: 1 - B e 2 - C
A Demandante intentou contra os Demandados a presente acção declarativa, enquadrável na alínea e) do n.º 1 do Art. 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, pedindo que:
a) Se declare, por sentença, que a Demandante é a única dona e legitima proprietária dos prédios identificados no artigo 1° desta PI, nele se incluindo o muro, a faixa de terreno que os Demandados pretendem fazer seus.
b) Condenarem-se os demandados a reconhecerem o direito da demandante sobre os prédios identificados e sobre os mesmos absterem-se de praticar actos que diminuam o seu direito de propriedade.
c) Condenarem-se, ainda, o Demandado B a pagar à Demandante a quantia de €2.500,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.
Os Demandados apresentaram contestação, conforme plasmado a fls. 16 a 22, tendo impugnado os factos vertidos no requerimento inicial. Mais requereram que a Demandante fosse condenada a pagar uma indemnização de € 1.500,00 pelos danos não patrimoniais que a proposição da presente acção provocou na sua esfera jurídica, nomeadamente por se sentirem envergonhados e enxovalhados na sua honra e consideração.
FACTOS PROVADOS:
A. A Demandante é dona e legítima possuidora de dois prédios rústicos: A) Um prédio rústico sito no concelho de Tarouca, composto por cultura de vinha, pastagem, com oliveiras e sabugueiros, com a área de 1200 m2 que confronta do norte com D, sul com caminho, nascente com caminho e poente com E, inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo x e descrito na Conservatória do Registo Predial de Tarouca sob o n° x; B) Um prédio rústico sito no concelho de Tarouca, composto por pinhal, com a área de 1200 m2 que confronta do norte com F e outros, sul limite com x, nascente limite com x e poente com G, inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo x e descrito na Conservatória do Registo Predial de Tarouca sob o n° x;
B. Os referidos prédios vieram à posse da Demandante por os ter comprado a H e mulher, tios dos aqui demandados, ainda no estado de casada, no ano de ...;
C. Os Demandados são donos e legítimos proprietários de dois prédios rústicos: A) Um prédio rústico sito no concelho de Tarouca, composto por pastagem, com a área de 392 m2 que confronta do norte com A, sul com I e outros, nascente com J e outros e poente com caminho e limite com x, inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo x e omisso na Conservatória do Registo Predial de Tarouca, B)Um prédio rústico sito no concelho de Tarouca, com a área de 1870 m2, composto de pastagem, a confrontar a norte com A, sul com L, nascente com caminho e limite com x e poente com B, inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo x e omisso na Conservatória do Registo Predial de Tarouca;
D. Os referidos prédios no item anterior vieram à posse dos Demandados na sequência de partilha por óbito dos pais do Demandado marido, M e N;
E. O Demandado marido é confinante da Demandante, naquele referido lugar, mas o prédio deste que confina com o da Demandante é o inscrito na matriz sob o artigo x, do seu lado poente;
F. O Demandado marido desloca-se frequentemente aos seus prédios acima devidamente designados (item C) e, habitualmente, cultiva e recolhe os produtos agrícolas, designadamente baga, uvas, azeitonas, quem sacha, planta, pulveriza as árvores, as videiras, vareja as oliveiras, apanha a lenha e mato;
G. O Demandando marido arrancou umas pedras que integravam um pequeno muro com cerca de 30 a 40 cm de altura e cerca de 60 a 70 cm de largura, que suporta o seu terreno, o qual fica situado num plano superior;
H. O Demandado marido é dono e legítimo proprietário do muro indicado no item anterior.
FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa.
Os factos assentes resultaram da conjugação dos documentos constantes dos autos, a fls. 23 a 44, 60 a 63 e 67 a 68, e dos depoimentos testemunhais prestados em sede de audiência final.
O depoimento prestado pela testemunha O, mãe da Demandante e indicada por esta, de 68 anos, após ter sido advertida do direito de se recusar a depor – Art. 618º, n.º 1 a) do CPC, afirmou que cuida dos prédios rústicos da filha e que viu um castanheiro e um sabugueiro, ambos cortados, na propriedade da mesma, além de videiras destruídas, mas reconheceu que não viu o Demandado marido a cortar tais árvores ou a deitar herbicida nas videiras. O depoimento apenas foi considerado em relação a este aspecto, em tudo o restante não foi tido em linha de conta pelo Tribunal porquanto não conseguiu demonstrar imparcialidade e coerência no seu discurso.
Quanto às restantes testemunhas indicadas pela Demandante, P, de 71 anos, Q, de 56 anos, R, de 67 anos e S, de 46 anos e irmão da Demandante, foram unânimes em referir que apenas viram as sobreditas árvores cortadas, além de outras não invocadas no petitório, além de videiras danificadas, mas que desconhecem o autor de tais condutas. Mais referiram que o muro, mencionado no Art. 29º do RI, tem por fim suportar as terras dos Demandados e, por causa disso, é da sua titularidade. A credibilidade e naturalidade com que testemunharam serviram para a formação da convicção do Tribunal quanto à factualidade em discussão.
No que concerne às testemunhas apresentadas pelos Demandados, T, de 70 anos, U, de 67 anos, V, de 74 anos e X, de 68 anos e pai da Demandada mulher, após ter sido advertido do direito de se recusar a depor – Art. 618º, n.º 1 a) do CPC, revelaram parcos conhecimentos do factualismo em análise, desconhecendo a autoria dos abates de árvores e da destruição de videiras, tendo chegado mesmo a referir que aquelas árvores pertencem a um terceiro, o pai da Demandada mulher.
No que tange à inspecção ao local, foi profícua na medida em que permitiu visualizar o muro e a faixa de terreno em debate.
Quanto aos factos não provados, eles resultaram da ausência de prova ou de prova convincente sobre os mesmos.
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
Questão prévia: do pedido de indemnização formulado pelos Demandados
Vieram os Demandados requerer, em sede de contestação, que a Demandante fosse condenada a pagar uma indemnização de € 1.500,00 pelos danos não patrimoniais que a propositura da presente acção provocou na sua esfera jurídica, nomeadamente por se sentirem envergonhados e enxovalhados na sua honra e consideração.
Cumpre apreciar e decidir:
Dispõe o n.º 1 do Art. 48º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, adiante designada de LJP, que “Não se admite a reconvenção, excepto quando o demandado se propõe obter a compensação ou tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida”. Assim sendo, a reconvenção só é possível, no âmbito dos Julgados de Paz, em dois casos: compensação ou efectivação do direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida. Por conseguinte, não é admissível a reconvenção deduzida.
Nos presentes autos, está em causa a apreciação do pedido de indemnização formulado pela Demandante, contra os Demandados, com o fim de estes serem responsabilizados pelos danos patrimoniais e morais advenientes da prática de uma série de actos que são lesivos do seu direito de propriedade. Segundo a sua versão, vertida no RI, o Demandado marido cortou um castanheiro e um sabugueiro; espontou e queimou, com herbicidas, rebentos de videiras, e tirou pedras de um pequeno muro, com o intuito de assegurar a constituição de um caminho por uma faixa de terreno que é da Demandante.
Importa, pois, determinar se o Demandado marido praticou tais actos e se, por conseguinte, fica o mesmo constituído na obrigação de ressarcir a Demandante pelos prejuízos sofridos.
Desde já, seja qual for a fonte de que provenha este dever de indemnizar -responsabilidade por factos ilícitos– Art.ºs 483.º e ss. do Código Civil (CC); responsabilidade pelo risco - Artº.s 499.º e ss.; responsabilidade por factos lícitos ou responsabilidade contratual - Art.ºs. 798.º e ss. - radica sempre num dano, isto é, “na supressão ou diminuição de uma situação vantajosa que era protegida pelo ordenamento jurídico” - cfr. Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, Vol. II, 1986 – reimpressão, AAFDL, pág. 283).
Por outro lado, sob a óptica da responsabilidade civil extracontratual, são requisitos cumulativos: um facto, que se pode traduzir numa acção ou numa omissão; a ilicitude, isto é, a violação de direitos subjectivos absolutos ou de normas que visem tutelar interesses privados; a culpa do agente que praticou o facto, ou seja, o juízo de censura ou reprovação que o Direito faz recair sobre o lesante porquanto agiu ilicitamente, quando podia e devia ter agido de outra forma e, por fim, um nexo de causalidade entre esse facto e o dano provocado, de acordo com a teoria da causalidade adequada.
É em relação ao primeiro pressuposto que urge, então, averiguar se ocorreu o facto, ou seja, se o Demandado marido praticou os actos atrás elencados.
Da matéria dada por provada, apenas ficou assente que o Demandado marido arrancou umas pedras que integravam um pequeno muro, que suporta o seu terreno, o qual fica situado num plano superior – vide item G.
No que toca ao segundo requisito, o da ilicitude do acto, importa apurar se a conduta do Demandado marido é violadora de algum direito absoluto, nomeadamente do direito de propriedade da Demandante.
Ora, a esse propósito, será fundamental analisar se o muro em causa é da titularidade exclusiva da Demandante ou dos Demandados, ou se, porventura, pertence a ambos em regime de comunhão.
O n.º 2 do Art. 1371º do CC estabelece uma presunção legal de que os muros existentes entre prédios rústicos são comuns, desde que não haja sinal em contrário. O número seguinte enumera taxativamente os sinais que afastam a comunhão entre muros: a) A existência de espigão em ladeira só para um lado; b) Haver no muro, só de um lado, cachorros de pedra salientes encravados em toda a largura dele; c) Não estar o prédio contíguo igualmente murado pelos outros lados.
No entanto, além dos atrás mencionados, poderão existir outros sinais reveladores de que o muro não é comum, que servirão, neste contexto, como meras presunções de facto.
No caso em concreto, o facto de se ter demonstrado que aquele muro suporta o terreno que é da titularidade do Demandado marido, faz presumir que o muro é igualmente seu.
Neste sentido, veja-se o Ac. da Relação do Porto, de 23-11-1995, Proc. n.º 9450303, disponível no site www.dgsi.pt., o qual vaticina que: “I - A presunção de que os muros são comuns só funciona relativamente a muros entre dois prédios rústicos, entre dois quintais ou entre dois pátios. II - A enumeração dos sinais que excluem essa presunção, feita no n.3 do artigo 1371 do Código Civil, é taxativa, na medida em que se estabelece aí uma presunção legal, podendo pois haver outros sinais de presunção da exclusão de comunhão do muro mas como simples presunção de facto.
III - Constituem tais presunções de facto ter sido o muro construído para vedar um prédio ou para suporte das suas terras ou ser um prédio vedado por um muro em toda a volta.”
Deste jeito, estabelecida tal presunção e não tendo sido a mesma afastada, mediante prova em contrário, não vislumbra o Tribunal qualquer ilicitude no comportamento do Demandado marido porquanto retirou pedras de um muro que é seu.
Relativamente a todos os outros comportamentos alegadamente violadores do direito de propriedade da Demandante, não foram carreados aos autos meios de prova credíveis, nomeadamente de pendor testemunhal, que sustentassem a tese da Requerente. Na verdade, não obstante todas as testemunhas terem visto os danos existentes nas suas árvores e videiras, nenhuma delas assegurou, em julgamento, quem fora o respectivo responsável na medida em que não assistiram à ocorrência dos eventos.
Dada tal ausência probatória, não está minimamente preenchido o primeiro dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual, isto é, o facto, motivo pelo qual não pode ser assacada qualquer responsabilidade aos Demandados.
Na verdade, segundo o estatuído no n.º 1 do Art. 342º do CC, é ao autor, aquele que invoca um direito, que incumbe provar os factos constitutivos desse mesmo direito alegado, sendo que “à parte contrária recai o dever de provar, por seu turno, os factos anormais que excluem ou impedem a eficácia dos elementos constitutivos” – cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª Edição, pág. 306.
Por fim, importa debruçarmo-nos sobre o pedido de declaração do direito de propriedade da Demandante sobre a faixa de terreno, melhor descrita no Art. 31º do RI.
Neste aspecto, a Demandante não provou, como lhe competia nos termos do Art. 342°, nº l do C.C, que exerceu a posse sobre essa a parcela atrás mencionada, por forma a adquiri-la com base na usucapião.
Com efeito, da instrução do processo não se vislumbrou, sequer, a alegação e a existência de qualquer elemento que pudesse indiciar uma relação de domínio de facto entre a Demandante e a parcela em questão, nomeadamente, que sobre a mesma tivessem sido exercidos actos materiais de posse, como agricultá-la ou limpá-la.
Não basta referir que o Demandado marido cortou videiras ou arrancou pedras de muro, de modo a assegurar a constituição de um caminho por uma faixa de terreno que é da Demandante.
Em resumo, não resultaram provados quaisquer elementos factuais que pudessem sustentar o reconhecimento da parcela identificada no Art. 31º do RI, como parte integrante do prédio da Demandante.
Não se tendo provado os actos de posse conducentes à usucapião referente à parcela de terreno situada nos limites entre dois prédios e atendendo à repartição do ónus de prova prevista no já citado Art. 342º, nº 1 do CC, terá de improceder o pedido da Demandante de reconhecimento da titularidade da faixa de terreno, bem como o da titularidade do muro, por ser sim do Demandado marido, decaindo, em consequência, o pedido indemnizatório formulado.
DECISÃO:
Pelo exposto e nos termos dos fundamentos de Direito invocados, julgo a acção parcialmente procedente e declaro ser a Demandante a única dona e legítima proprietária dos prédios identificados no item A dos Factos Provados, condenando os Demandados a reconhecerem o direito atrás mencionado. Relativamente ao demais peticionado, absolvo os Demandados.
Custas na proporção do decaimento que se fixam em 95% para a Demandante e 5% para os Demandados, em conformidade com os Artigos 8º e 9º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro.
Registe e notifique.
Tarouca, 31 de Março de 2011
A Juíza de Paz,
Daniela Santos Costa
Processado por computador Art.º 138º/5 do C.P.C.
VERSO EM BRANCO
Julgado de Paz de Tarouca