SENTENÇA
Processo n.º 499/2014-J.P.
RELATÓRIO:
A demandante, A, devidamente representada por mandatária, instaurou a ação declarativa de condenação contra a demandada, B, S.A., nos termos do art.º 9, n.º1 alínea H) da L.J.P.
Para tanto, alega em suma que, em abril/2014 foi abordada no seu consultório, sito no Funchal, por um operador que se identificou e lhe fez duas propostas comerciais da C, para o consultório e casa, conforme documentos que junta e se dá por reproduzido. No seguimento da apresentação acabou por aderir aos contratos, tendo em consideração que poderia proceder á portabilidade do n.º do consultório, e obter o cancelamento do serviço que lhe era prestado por outra operadora, D. Os técnicos da demandada efectuaram a instalação do equipamento em finais de maio/2014, mas atribuíram-lhe números provisórios, pois a portabilidade ainda não fora autorizada, o que demorou cerca de 20 dias em vez dos 3 dias que lhe referiram. O referido comercial sempre teve conhecimento dos factos pois ia-lhe transmitindo o seu descontentamento. O facto de estar com n.º provisório causou-lhe prejuízos, pois tratava-se do escritório onde trabalha e os clientes ficaram impossibilitados de a contactar, por este motivo aquele comercial disse-lhe para não pagar a fatura que seria emitida uma nota de crédito, para regularizada a situação, o que nunca sucedeu. No entanto, as facturas continuaram a chegar, perante esta situação apresentou varias reclamações por escrito e no livro de reclamações. Acrescenta que, os n.º móveis que estavam associados ao contrato, estavam limitados ao n.º de chamadas que podia fazer, o que a impedia de efetuar ligações para o estrangeiro, o que a levou a alterar o plafond junto do balcão da demandada. Nesse período de tempo, continuou a receber faturas da sua antiga operadora, acabando por verificar que tinha sido pedido a portabilidade dos números, mas não tinham cancelado o serviço, conforme lhe disseram, pelo que acabou por ser ela a faze-lo após 3 meses. E, continuou a receber faturas da demandada que estavam incorrectas, bem como os avisos de pagamento. Mesmo depois, das reclamações que fez, ninguém resolveu a situação. Entretanto, a demandada encerrou as linhas telefónicas, pelo que se dirigiu á loja onde foi informada que teria de pagar as faturas para reporem as linhas, por isso voltou a entrar em contacto com o comercial mas este não a atendia, acabando por pagar 433,04€. Após tudo isto, e tendo decorrido mais de 3 meses, acabou por cessar o contrato do consultório, o que se tornou efetivo a 17/09/2014, procedendo á entrega do equipamento. No seguimento, a demandada interpelou-a para proceder ao pagamento da penalidade de 1.455,19€ pelo cancelamento antecipado do contrato devido á fidelização de 2 anos. Nessa ocasião voltou a contactar com a chefe do comercial, que lhe disse que ia resolver a situação, mas até hoje nada foi feito. Por isso, dirigiu-se á E que não pode resolver a situação. O cancelamento do serviço teve como fundamento a facturação indevida, pelos serviços contratados. Quanto á reclamação, que fez no livro, obteve resposta a 11/11/2014, ou seja, cerca de 3 meses depois. Toda a situação descrita causou-lhe danos patrimoniais, por ter estado impedida de trabalhar, cobrando 100€/consulta, o que equivale a 5.000€, ao que acresce os danos não patrimoniais por problemas de saúde, em quantia não inferior a 5.000€, tudo acrescido dos juros, á taxa legal. Conclui pedindo que a demandada seja condenada no pagamento da indemnização de 10.000€, de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescido dos juros, á taxa legal e despesas inerentes á ação. Junta 19 documentos.
A demandada regularmente citada contesta. Alega em suma que apresentou um conjunto de factos de forma prolixa e difusa, tecendo comentários e conclusões, de forma ambígua, confusa e descontextualizada, a qual não obedece aos requisitos legais, contendo imprecisões e contradições, e como tal deve ser considerada como inepta, o que se alega. Á cautela impugna toda a factualidade alegada, esclarecendo que o referido comercial não é seu funcionário mas de outra empresa, que não pertence ao grupo B. Não se revê nas práticas comerciais descritas, pois não trata de denúncias contratuais junto de outros operadores, nem da portabilidade de números, desconhecendo que promessas lhe terão sido feitas. Sempre cumpriu com os termos do contrato, não existindo motivos para reclamações. No que respeita ao pedido de danos não existem motivos para a quantia indicada a título de danos patrimoniais, pois não se compreende o cálculo de número de horas que multiplicou por 100€. Quanto a danos não patrimoniais não alega factos que se possam enquadrar nessa qualidade, pois os transtornos não são indemnizáveis. Conclui pela procedência da exceção e improcedência da ação.
A demandante regularmente notificada responde á matéria da exceção. Alega que descreveu os factos que fundamentam o pedido que deduziu e junta documentos para os corroborar. Acrescentando que á medida que se ia apercebendo das irregularidades ia reclamando da situação, veja-se o teor das faturas que foram cobradas a mais como extras e das quais nunca recebeu qualquer nota de credito, além de lhe ser cobrado serviços que não solicitou o que lhe causou danos patrimoniais, pois além de advogada é também psicóloga. Estão reunidos os requisitos da responsabilidade contratual, o que reclama. Conclui alegando que a exceção deve improceder.
TRAMITAÇÃO:
Não se realizou sessão de pré-mediação por recusa da demandada.
O Tribunal é competente em razão do território, do valor e da matéria.
As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciária.
O processo está isento de nulidades que o invalidem na sua totalidade.
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO:
Foi iniciada dando cumprimento ao art.º 26, n.º1 da LJP, sem contudo obter consenso entre as partes. Seguiu-se para produção de prova com a junção de documentos pela demandante, e audição de testemunhas. Na 2ª sessão continuou-se a audição de testemunhas, declarações de parte, nos termos do art.º 466 do C.P.C., terminando com alegações finais, tudo conforme atas de fls. 98 a 100 e 137 a 137 a 140.
-FUNDAMENTAÇÃO-
I- FACTOS PROVADOS:
1)Que a demandante é profissional independente, na área da psicologia clinica e advogada.
2)Que possui escritório/consultório na rua x, freguesia de St.ª Maria Maior, concelho Funchal.
3)Que a demandante foi contactada no seu escritório pelo comercial F.
4)Que lhe apresentou duas propostas da operadora C, para o escritório e para casa, conforme documentos juntos cujo teor aqui dou por reproduzido.
5)Que a demandante aceitou as propostas apresentadas.
6)Que o operador comprometeu-se a efetuar a portabilidade dos números de telefone.
7)E, comprometeu-se a cancelar o contrato com a operadora D.
8)Que foram técnicos da demandada que instalaram o equipamento nas instalações da demandante, a 31/05/2014.
9)Que a demandada atribuiu-lhe números de telefone provisórios, no escritório e em casa.
10)E, que assim se manteve cerca de 20 dias.
11)Que os pacientes da demandante não podiam comunicar com ela.
12)Que o comercial teve conhecimento da situação.
13)Que ao receber a 1ª fatura deu conhecimento do facto ao comercial.
14)Que a proposta da casa incluía 200 minutos de chamadas mensais para o brasil, a qualquer hora.
15)Que perfazia a quantia mensal de 10€.
16)Que beneficiava nos primeiros 3 meses da mensalidade de 24,99€.
17)Que após a terceira mensalidade o pacote importaria a quantia mensal de 46,49€.
18)Que ocorreu erros na faturação.
19)Que não beneficiou da mensalidade menor nos primeiros 3 meses.
20)Que lhe cobraram sempre as chamadas para o brasil.
21)Que a demandada nunca emitiu qualquer nota de crédito.
22)Que recebeu a 31/07/2014 um aviso de pagamento.
23)Que no dia 8/08/2014 efetuou reclamação na loja da demandada.
24)Que a 19/08/2014 efetuou, por fax, outra reclamação.
25)Que a 18/08/2014 apresentou reclamação no livro de reclamações.
26)Que o comercial não cancelou o serviço com a antiga operadora.
27)Que lhe cortaram as linhas telefónicas por falta de pagamento.
28)Que procedeu ao pagamento das faturas para poder efetuar chamadas.
29)Que no dia 26/08/2014 pagou a quantia de 433,04€.
30)Que foi a demandante que procedeu ao cancelamento do serviço da operadora Nos.
31)O que fez por fax a 19/08/2014.
32)Que a demandante recebeu, neste período, faturas da operadora Nos.
33)Que a demandada nunca emitiu nota de crédito a favor da demandante.
34)Que a 29/08/2014 a demandante resolveu o contrato de prestação de serviços do escritório com a demandada.
35)O que fez ao balcão da demandada.
36)E, no dia 26/09/2014 entregou na loja o equipamento do serviço C.
37)Que a 4/09/2014 a demandada confirmou o cancelamento serviço, o qual se tornou efetivo a 17/09/2014.
38)Que a demandada solicitou o pagamento da penalidade na quantia de 1.343,99€
39)Alegando que havia um período de fidelização.
40)O que fez por escrito.
41)Que a demandada a 21/11/2014 contactou novamente a demandante para proceder ao pagamento da penalidade.
42)Que a demandante recebeu a resposta da E á reclamação que fez.
43)Que a E não possui competência para resolver o litígio.
44)Que, em média, a demandante cobra 100€ por consulta de psicologia.
45)Que o comercial é responsável pela angariação de clientes.
46)Que não é, nem foi, trabalhador da demandada.
MOTIVAÇÃO:
O Tribunal fundamentou a decisão na análise crítica de toda a documentação junta, cujo teor considero por reproduzido.
Os factos complementares de prova resultaram da documentação junta aos autos pela demandante, nomeadamente os factos com os n.º 14,15,16,17,19,20,22,23,24,25,31,34,35,42.
Foi, ainda, relevante, em relação á proposta contratual as declarações da testemunha comum, G. Explicou que a empresa dela é uma subagente da demandada, o comercial que identificou realizava no exterior a angariação de clientes seguindo as instruções que tinham em relação às campanhas comerciais da demandada. Teve conhecimento das várias reclamações da demandante, as quais foram na maioria efetuadas aquele comercial e, também, algumas a ela, pois era a superior dele. Nesse âmbito até tentaram resolver algumas. Confirmou a questão da portabilidade, reconhecendo que demorou algum tempo para obterem. Esclareceu que todas as reclamações que aquela fez, foram dadas a conhecer á demandada. Reconheceu que a empresa H fechou e passou a ser difícil contactar com eles, desconhecendo onde hoje se encontra o comercial que contactou com a demandante. Acrescentou que a demandada não lhes pede a proposta que apresentam ao cliente, apenas o documento final lhes é enviado. Afirmou ter contactos com o marido da demandante por causa da faturação para o brasil, que estavam incluídas no pacote de casa, daí existir erros de faturação, reconhecendo que a demandada deveria ter feito um crédito na conta da demandante.
A testemunha, I, é funcionária da demandante em parte time. Não obstante depôs com isenção e clareza. Explicando que estava presente quando o comercial surgiu no escritório da demandante. Posteriormente acompanhou-a em algumas reclamações, e relevou ainda na parte dos clientes dela não a conseguirem contactar, o que a deixou muito nervosa, explicando que nesses dias faltaram pessoas e não surgiram novos clientes, o que só se explica pela ausência de contactos. Esclareceu que o preço médio praticado pela demandante em psicologia é de 100€, e o maior movimento do escritório é nesta área, o que se reflectiu no mês de julho.
J é marido da demandante. Explicou o que se passou com o telefone de casa, e algumas das diligências que efectuaram para tentar resolver o assunto. Explicou, ainda, que os equipamentos foram colocados no escritório em data posterior á esperada, e nessa ocasião estava presente. Foi ele que entregou o equipamento do escritório na loja da demandada. Referiu-se às reclamações que fizeram junto da empresa onde o comercial trabalhava, e que aquele lhe dizia sempre que iam resolver as questões com a demandada, pelo que esperassem e não pagassem as faturas.
A testemunha, K, é irmã de uma cliente da demandante. Explicou que não conseguia marcar consultas e teve que ir ao escritório, estranhando estar vazio, o que não é normal. Referiu-se, também, ao problema de saúde da demandante, a qual estava num estado de nervos quando a viu, era notório que esta situação a incomodou física psicologicamente. O seu depoimento foi isento e claro.
A testemunha, L, é funcionária da demandada. Confirmou que a demandada negoceia com outras empresas a promoção de algumas campanhas comerciais e de angariação de clientes, não conhecendo as pessoas que as realizam. Quanto ao caso não teve contacto direto com o assunto, dai o seu depoimento ter sido irrelevante.
Por fim a demandante prestou depoimento de parte, nos termos do art.º 466 do C.C., relatando a sua versão dos factos, nomeadamente em relação às propostas comerciais, aos erros de faturação, as reclamações que fez e a quem, ao seu estado de saúde, que ficou abalado com a situação devido ao sistema nervoso, a diminuição de clientela.
Através do documento junto pela demandada em audiência, concluiu-se que nunca respondeu às reclamações da demandante, pois a única carta que apresentou, junta a fls. 112, foi enviada para outra residência, sita em Lisboa, que não corresponde á da demandante.
Quanto aos danos não patrimoniais alegados pela demandada, não foi feita prova que os problemas de saúde tivessem causa direta nos factos considerados provados (art.º 563 do C.C.), daí não terem sido considerados.
Não se provaram outros factos com interesse para a causa por ausência de prova.
II- DO DIREITO:
O caso dos autos refere-se á celebração, em simultâneo de 2 contratos de prestação de serviço, o que a doutrina designa por coligação de contratos.
De facto, os contratos têm em comum as mesmas partes contratuais, e o facto de terem sido celebrados na mesma ocasião de tempo e lugar. Não obstante mantém-se independentes e com a respetiva individualidade.
Questões: ineptidão do r.i., proposta contratual, a resolução do contrato, danos e indemnização.
Iniciando os autos pela questão processual, pois tem influencia nos autos.
Nos termos do art.º 186 do C.P.C. considera-se inepto o r.i. em 3 situações diferentes, quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou causa de pedir, quando contenha factos que estão em contradição com a causa de pedir, e quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
Pela análise do r.i. verifica-se que a demandante apresentou de forma individualizada um conjunto de factos e terminou efectuando um pedido de indemnização pelos danos, que alegadamente terá sofrido.
E, a demandada embora alegue a ineptidão desta peça processual, alegando que não se percebe, apresentou a respetiva contestação, alegando que não existe motivos legais para a procedência do pedido que lhe é dirigido, pois não há erros de facturação, tendo cumprido integralmente os termos do contrato.
Significa isto que compreendeu não só o pedido, como os motivos (causa de pedir) que levaram a demandante a faze-lo, por isso entende-se que o r.i. não é inepto pois foi devidamente entendido pela parte a quem é dirigido (art.º 186, n.º3 do C.P.C.).
No que diz respeito aos contratos de prestação de serviços em causa, são considerados como contratos de adesão, conclusão a que se chegou após a análise da documentação junta. De facto, são redigidos por meio de formulários pré-elaborados, dirigidos ao público em geral, contendo espaços em branco para serem preenchidos, com os dados de identificação do cliente, com a colocação de um x no serviço que subscreve, e também com espaços em branco para preencher com observações finais, se forem pertinentes, quer isto dizer que o cliente não tem forma de alterar em nada o teor (clausulas) da contratação apenas se limita a aderir ou não ao contrato que lhe é proposto. Assim, o contrato em causa está sujeito á regulamentação do D.L.446/85 de 25/10.
De acordo com a prova produzida apurou-se que a proposta contratual foi apresentada á demandada por um comercial, no escritório da demandante, e foi, ainda, apurado que não pertence aos quadros da demandada, não é seu funcionário. Não obstante, é inequívoco que os contratos produzem efeitos na esfera jurídica da demandada, pois é ela que instala os equipamentos, realiza os serviços contratados e efetua a cobrança dos mesmos.
Conforme a testemunha, M, relatou o comercial pertencia a uma empresa, a H, que é um subagente da demandada, algo que nem a própria demandada conseguiu por em causa, por este motivo é aplicável o D.L. 178/86 de 3/07, com as alterações do D.L. 118/93 de 13/04. Nos termos deste diploma (art.º5), aquele comercial representa comercialmente a demandada, atuando em nome e por conta da mesma, e foi no âmbito dessa função que lhe apresentou as propostas e acordos de adesão.
Ora nos termos do art.º 800, n.º1 do C.C. considera-se responsável pelos actos praticados, no exercício de funções, pelas pessoas que utiliza, tal como se tivesse sido ela própria a praticá-los.
Quer isto dizer que, embora a demandada não se reveja, como alega, nos serviços que foram proclamados pelo comercial que contactou com a demandante, é como se ela própria o tivesse feito, por isso deveria ter mais cuidado em relação às entidades com as quais contrata para desenvolver as suas campanhas comerciais, só assim é possível que as instruções que transmita sejam integralmente cumpridas, evitando que possa ser responsabilizada por algo com que não contava, nomeadamente por serviços que alega que não realiza.
Conforme já se referiu as propostas comerciais e respetivos contratos foram apresentadas á demandante no seu escritório, o que implica por força do art.º 13, n.º1 a aplicação do D.L. 143/2001 de 26/04 com as alterações subsequentes, já que o diploma que revogou este diploma (D.L. 24/2014 de 14/02) entrou em vigor em momento posterior ao da celebração dos contratos em causa.
Perante a legislação aplicável são, igualmente, caracterizados por contratos ao domicilio, na medida em que foram propostos e concluídos no local de trabalho do consumidor, sem que tenha havido previamente um pedido expresso do consumidor.
De facto, há divergências entre as propostas contratuais escrita, que o comercial apresentou á demandante e os contratos. Em relação ao contrato do escritório, o pacote não comportava mais uma linha para o fax. E, o contrato referente á casa de habitação, não inclui os 200 minutos/mês de chamadas para o brasil, para rede fixa, a qualquer hora ou dia, pela importância mensal de 10€, conforme lhe fora apresentado na proposta, fls. 22.
Tratam-se de propostas importantes as quais foram determinantes para a demandante aderir aos contratos que lhe foram propostos.
Mas, há ainda outras divergências, nomeadamente a portabilidade dos números de telefone que já usava e o cancelamento dos serviços do outro operador.
Conforme foi apurado era uma questão realmente importante para a demandante devido á profissão que exerce, advogada e psicóloga clinica, pois pretendia manter ativo os mesmos números de telefone que detinha, de modo que os clientes pudessem continuar a contacta-la e soubessem como fazer.
Em relação a esta questão verifica-se que não há qualquer referência na proposta que lhe foi apresentada mas de facto, resulta das declarações da testemunha, M, que fazia parte da proposta que o comercial transmitiu á demandante, considerando que ele não exorbitou o serviço, algo que ela própria acompanhou, enquanto chefe daquele, e tentou ajudar.
E, por outro lado, a demandada na sua contestação, art.º 18, refere-se precisamente á portabilidade, alegando “ainda que se admita ter sido moroso foi concluído”, o que significa que, mesmo não constando expressamente do contrato foi de facto contratada, tinha conhecimento e foi realizada, pelo que não há motivos para que não se reveja naquela prática comercial.
Foi todo este “pacote”, este conjunto de itens que constituem a proposta contratual que fez com que a demandante se interessasse por estes negócios. A situação descrita configura claramente uma situação de responsabilidade pré contratual (art.º 227 do C.C.), pois decorreu nos preliminares e foram determinantes para a formação do contrato.
Assim, de acordo com este preceito legal quem negocie com outro para concluir contrato deve, tanto nos preliminares, como na formação, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar á outra parte. Conforme resulta do mesmo devem as partes, quer nos preliminares, como também na pendência do mesmo, i.e., no cumprimento do mesmo, pautar a respetiva conduta pelo princípio da boa-fé, a qual envolve um conjunto de deveres acessórios de conduta, nomeadamente de informação, esclarecimento, cooperação e lealdade, os quais se mostram pertinentes sobretudo por existir uma desigualdade entre os proponentes contratuais, profissional e consumidor.
Os pressupostos da responsabilidade pré contratual são precisamente os mesmos da responsabilidade contratual, o facto ilícito, a imputabilidade, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Assim, para que a referida pratica negocial, o atraso na portabilidade dos números de telefone que a demandante já possuía e a cessação do contrato de prestação de serviços com outra operadora, não possam ser imputados á demandada, compete-lhe fazer tal prova, o que deriva do art.º 799, n.º1 do C.C., bem como do teor do D.L. 82/2001 de 20/05 com as alterações do D.L. 82/2008 de 20/05, que impõe á demandada a obrigação, o dever geral de proceder com transparência negocial.
No caso concreto a demandada não efetuou essa prova, por outro lado, a testemunha M, reconheceu que foi um procedimento moroso, que implicou a deslocação do comercial ao escritório da demandante mais do que uma vez. Isto significa que desde a instalação do equipamento até obter a portabilidade, ocorreu um lapso de tempo (20 dias), e nesse espaço de tempo os clientes desconheciam como podiam contactar com a demandante, algo que foi relatado pela irmã de uma cliente dela e pela funcionária daquela, em parte time.
Resulta do senso comum, que um profissional liberal “vive dos seus clientes”, e na sociedade hodierna os meios de comunicação são fundamentais para aceder ao contacto com qualquer pessoa, se de repente os contactos públicos conhecidos se frustram, ficando demorado a sua activação é evidente que causa prejuízo, sobretudo quando nos referimos ao local diário de trabalho.
Foi este conjunto de situações que levaram a demandante a pedir o cancelamento do serviço da demandada, a qual aceitou, o que fez por escrito conforme consta a fls. 56.
De facto, a demandada não prova que a demandante não tivesse razão nas reclamações que lhe dirigiu, acresce o facto da subagente, a testemunha M, admitir que ela tinha razão na maioria das reclamações que fez, as quais não foram corrigidas. Posto isto, e tendo em consideração tudo o que já foi referido, considera-se que o serviço proclamado não correspondeu ás legitimas expetativas da demandante, o que corresponde ao cumprimento defeituoso do contrato.
Assim, considera-se como tal quando a prestação realizada pelo devedor não corresponde, pela falta de qualidades ou requisitos dela, ao objecto da obrigação a que ele estava adstrito» [Antunes Varela, Cumprimento Imperfeito do Contrato de Compra e Venda (a exceção do contrato não cumprido), Parecer publicado na Col. Jur., ano XII (1987), T. 4, pág. 30].
O art.º 799º do C.C., como diz A. Varela, coloca o cumprimento defeituoso da obrigação ao lado da falta de cumprimento, dentro da categoria geral da falta culposa de cumprimento a que genericamente se refere o art.º 798º do mesmo Código.
Quanto á tutela jurídica do consumidor, dispõe o art.º 4, n.º1 e 5 do D.L. 84/2008 de 21/05, que em caso de falta de conformidade tem direito a….redução do preço ou a resolução do contrato, podendo exercer qualquer um destes direitos, desde que tenha denunciado a situação de desconformidade no prazo de 2 meses a contar da data em que o verificou e instaure a ação no prazo de 2 anos (art.º5-A, n.º2 e3 do referido D.L. 84/2008).
Quanto a estes requisitos legais estão reunidos, na medida em que as testemunhas confirmam que a demandante, assim que recebeu a 1ª fatura apresentou de imediato reclamação, não só aos subagentes, como á própria demandada, sendo que os factos se passaram em 2014 e nesse mesmo ano a ação foi intentada.
Assim, e não tendo a demandada ilidido a presunção de culpa contida no nº 1 do art.º 799º do C. C., verifica-se o concurso de todos os pressupostos ou requisitos da sua responsabilidade contratual, e como se trata de contrato bilateral (sinalagmático), tal incumprimento da demandada, facultou à demandante (credora), independentemente de indemnização a que também tem direito, o direito de resolver e bem o contrato, como assim fez.
Em relação aos erros de facturação, a qual é um dos problemas alegados pela demandante. Pela análise das mesmas, nomeadamente os documentos juntos de fls. 29 a 33, referente á fatura emitida a 23/06/2014, verifica-se que tem 3 chamadas internacionais que foram efetuadas fora do horário definido no pacote C1, como tal foram taxadas normalmente. De facto isto não representa um erro de facturação pois não está incluído no pacote contratado, sendo um extra face ao mesmo.
O mesmo se passa quando efetua chamadas para outro operador de telefone, pois no pacote C1 apenas está incluído chamadas ilimitadas para a rede fixa, as outras são taxadas á parte.
Porém, verifica-se ter sido cobrado a instalação de novas linhas telefónicas, quando afinal a demandante manteve os mesmos números, isto representava a portabilidade, que até seria descontada na mensalidade do pacote, em vez de proceder ao pagamento de nova linha telefónica, conforme consta da fatura, pelo que neste aspeto pode dizer-se que ocorreu erro de faturação, ou uma cobrança indevida, a qual representa para a demandante um dano material, e que se contabiliza em 5€, conforme resulta do documento junto a fls. 15.
No que respeita á fatura emitida a 22/07/2014, documentos juntos de fls. 41 a 42, comporta várias chamadas internacionais que foram realizadas fora do horário incluído no pacote C1, o qual apenas permite fazer chamadas entre as 21hora e as 9horas, por isso todas as chamadas realizadas fora deste horário são taxadas á parte, como assim sucedeu.
Esta factura comporta, ainda, chamadas para outros operadores de telecomunicação e para serviços informativos nacionais, que também não se incluem no pacote subscrito pela demandante.
No entanto, na faturação da casa, documentos juntos em audiência, de fls. 103 a 109, a situação é diferente. Em primeiro lugar verifica-se que não foi tida em consideração a redução da mensalidade nos primeiros 3 meses de contrato, tendo sido sempre cobrada a mensalidade completa como se não existisse a redução.
Depois, pela análise das facturas não foi contemplado o plano de comunicações para o brasil, por isso as chamadas internacionais foram cobradas na íntegra como se tal plano não existisse.
E, cobraram, também, internet e televisão quando estes itens já se encontravam incluídos no pacote C ADSL Total 24, perante tais factos não se pode dizer que não existam erros de faturação, tendo-lhe sido cobrado quantias indevidamente, as quais representam um dano material que desde já se reconhece.
Por outro lado, a demandada não provou que tivesse reconhecido tais erros, e muito menos que tivesse emitido qualquer nota de credito a favor da demandante, pois se isso tivesse sucedido teria evitado esta ação.
Estes erros verificam-se nas faturas de julho/2014 de fls. 103 a 105, e agosto/2014 de fls. 106 a 109, e perfazem as quantias de 125,17€ e de 139,56€, ambas c/IVA incluído, nas quais a demandada vai condenada.
Para além disso, e no que diz respeito ao escritório, a demandante continuou a pagar os serviços da outra operadora, quando já não os estava a utilizar, e apenas porque não procederam ao cancelamento desse serviço, conforme lhe foi prometido. Tal representa um dano material que suportou injustamente na quantia de 119,24€, conforme documentos juntos a fls. 12 e 13, na qual vai a demandada condenada a satisfazê-los á demandante.
Quanto á perda de clientela, embora em geral, seja um dano não patrimonial, tem reflexos diretos no património. No caso concreto resulta que houve menos pessoas no consultório da demandante no mês de julho, contudo não foi feita a prova do nexo de causalidade (art.º 563 do C.C.) entre a diminuição do número de clientes e a demora na activação dos números de telefone do antigo operador para a demandada (portabilidade), isto porque a funcionaria daquela acabou por admitir que há muitos contactos que se fazem por email, o qual estaria a funcionar, pois tinham ligação á internet, por outro lado, quem já era cliente, sabia como a encontrar, o que foi o caso da testemunha K, que foi pessoalmente ao escritório fazer a marcação da consulta, assim se houve perda só se foi em relação a novos clientes, coisa que não logrou provar.
Quanto aos danos não patrimoniais, a demandante expressamente não explicita que danos sofreu, mas remete a questão para os relatórios médicos que apresenta, fls. 102 e 142 a 143.
Da prova realizada resulta que efetivamente a demandante estava muito incomodada e nervosa com toda a situação, no entanto os relatórios médicos apresentam outras patologias fisiológicas. Para além disso, a mesma declarou, no seu depoimento de parte, que ocorreu um problema com um familiar próximo, que não se encontra no território nacional, o que a deixou ainda mais inquieta e nervosa.
Nos termos do art.º 563 do C.C. que perfilha a teoria da causalidade adequada, na formulação negativa, para que um facto seja causa de um dano é necessário que, no plano naturalístico, seja condição sem a qual o dano não se teria verificado e depois que, em abstracto ou em geral seja causa do mesmo. No caso concreto estes factos poderiam ter concorrido para o estado de saúde da demandante, todavia não foram a causa do mesmo, existindo outras circunstâncias que, igualmente, “ajudaram” a influenciar o seu estado de saúde, sendo por isso inadequada face ao dano em apreço.
DECISÃO:
Nos termos expostos, julga-se a ação parcialmente procedente, e em consequência condena-se a demandada a proceder ao pagamento da quantia de 388,97€, de danos patrimoniais sofridos.
CUSTAS:
São da responsabilidade da demandante, na proporção do seu decaimento que se fixa em 70%, devendo efetuar o pagamento da quantia de 14€ (catorze euros) num dos 3 dias úteis subsequentes a receção da notificação da presente sentença, sob pena de incorrer na sobretaxa de 10€ (dez euros) por cada dia de atraso no efetivo cumprimento desta obrigação legal, (art.º 8 e 10 da Portaria n.º 1456/2001 de 28/12, com as alterações da Portaria n.º 209/2005 de 24/02).
Proceda-se ao reembolso da demandada, proporcional ao seu decaimento fixado em 30%.
Notificada nos termos do art.º 60, n.º2 da L.J.P.
Funchal, 11 de setembro de 2015
A Juíza de Paz
(redigido e revisto pela signatária, art.º131, n.º5 do C.P.C.)
(Margarida Simplício)