Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 286/2015-JP |
Relator: | FERNANDA CARRETAS |
Descritores: | CONDOMINIO - TITULARIDADE DE SÓTÃO - DANOS MORAIS |
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Data da sentença: | 10/28/2015 |
Julgado de Paz de : | SEIXAL |
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Decisão Texto Integral: | SENTENÇA ** RELATÓRIO:A, identificada a fls. 1 e 3, intentou, em 27 de Julho de 2015, a presente ação declarativa mista de simples apreciação e de condenação, contra B ADMINISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO DO PRÉDIO e C – SOCIEDADE DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA., melhor identificados a fls. 1, 2 e 3, pedindo que o tribunal se pronuncie sobre: 1) a propriedade do sótão que fica imediatamente por cima do terceiro andar esquerdo; 2) Qual é a entidade responsável pelas obras de reparação a realizar no telhado; 3) ressarcimento de prejuízos por danos nas benfeitorias do sótão do terceiro andar; e 4) requer, ainda, a condenação da requerida, no pagamento da indemnização por danos morais no montante nunca inferior a 1.500,00 € (Mil e quinhentos euros). Para tanto, alegou os factos constantes do Requerimento Inicial de fls. 1 a 13, que aqui se dá por reproduzido. Juntou 20 documentos (fls. 14 a 148 e 230 a 237) que, igualmente, se dão por reproduzidos. As Demandadas foram, pessoal e regularmente, citadas para contestarem, no prazo, querendo, não tendo apresentado contestação. A instâncias do tribunal juntaram aos autos cópia da Escritura de Constituição da propriedade horizontal (fls. 226 a 229). ** Cabe a este tribunal decidir a quem pertence a titularidade do direito de propriedade do sótão; quem é responsável pelas despesas ocasionadas com a reparação do telhado; se o condomínio, no qual se inclui a Demandante, na qualidade de condómina; deve indemnizar a Demandante pelas benfeitorias que levou a efeito no referido sótão e, ainda, se as Demandadas devem ser condenadas no pagamento da indemnização por danos não patrimoniais em quantia nunca inferior a 1.500,00 € (Mil e quinhentos euros).** Tendo a Demandante optado pelo recurso à Mediação para resolução do litígio, foi agendado o dia 14 de agosto de 2015 (fls. 150) a qual foi dada sem efeito por indisponibilidade dos representantes legais das Demandadas, tendo-se reagendado para o efeito o dia 25 de agosto de 2015. Na referida data foi realizada a sessão de Pré-Mediação, seguida de sessão de Mediação em que as partes não lograram alcançar o acordo, pelo que foi designado o dia 29 de Setembro de 2015 para a realização da Audiência de Julgamento e não antes, devido à ausência da signatária, em gozo de férias anuais, de 31 de agosto a 21 de setembro, e a indisponibilidade de agenda para data anterior. ** Aberta a Audiência, e estando presentes a Demandante – Sra. D. A – os representantes legais da primeira Demandada – Srs. D e E – e o representante legal da segunda Demandada – Sr. F – foram estes ouvidos, nos termos do disposto no n.º 1, do art.º 57.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013, de 13 de julho (LJP), tendo-se explorado todas as hipóteses de acordo, que não se revelou possível, pelo que se procedeu à realização da Audiência de Julgamento, com observância do formalismo legal, conforme da respetiva ata melhor se alcança. Designou-se, desde logo, o dia 19 do corrente para a continuação da Audiência de Julgamento, com prolação de sentença, devido à complexidade da matéria a decidir e à necessidade de ponderação da profusa alegação e prova produzida. A referida data viria a ser dada sem efeito, devido à acumulação de serviço, tendo-se designado, em sua substituição, a presente data. ** Estando reunidos os pressupostos da estabilidade da instância, cumpre apreciar e decidir: ** FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE FACTOA convicção probatória do tribunal, ficou a dever-se ao conjunto de prova produzida nos presentes autos, tendo sido tomadas em consideração a ausência de impugnação; as declarações das partes em audiência de julgamento, naquilo que lhes era desfavorável e os documentos juntos por ambas. Ponderaram-se, ainda, os depoimentos das testemunhas apresentadas por ambas as partes, as quais prestaram depoimento com isenção e conhecimento directo dos factos sobre os quais prestaram depoimento. Assim: 1.ª - G, que, aos costumes, declarou conhecer a Demandante e os Demandados, por ser proprietária da fração autónoma correspondente ao terceiro andar direito do edifício há mais de quarenta anos. Esta testemunha foi muito esclarecedora sobre a forma como o uso do sótão foi cedido, às escondidas dos restantes condóminos, pelo construtor e bem assim sobre o propósito de tal utilização e problemas que lhe estão subjacentes, desde que a Demandante adquiriu a sua fração autónoma. 2.ª - H, que, aos costumes, declarou ser pai da Demandante e ter acompanhado a situação, em sua representação. A testemunha foi, igualmente, credível quanto à utilização do sótão, forma como esta se processou e bem assim quanto às razões que a motivaram. 3.ª - I, que, aos costumes, declarou conhecer ambas as partes por ser filho do construtor do prédio e proprietário de uma das lojas. Conquanto a testemunha pouco soubesse dos factos, em concreto, o seu depoimento foi credível. O tribunal não responde a artigos conclusivos ou com alegação de direito, nos termos legais. ** Com interesse para a decisão da causa ficaram provados os seguintes factos: 1. A Demandante é, desde 24 de Setembro de 2004, proprietária da fração autónoma, designada pela letra “H”, correspondente ao terceiro andar esquerdo, do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, sito na Rua J, Seixal (Doc. 1); 2. O acesso ao espaço existente entre a placa das frações correspondentes ao terceiro andar (últimos do prédio) faz-se por uma abertura no tecto da despensa de cada uma das frações autónomas; 3. Tal abertura havia sido autorizada pelo construtor com vista à verificação do estado do telhado, por um lado, e para que os proprietários do terceiro andar direito ali pudessem guardar a lenha que utilizavam na lareira; 4. Os restantes condóminos desconheciam a existência da abertura de acesso, uma vez que o construtor, ao autorizá-la, pedira segredo aos proprietários das frações autónomas correspondentes ao terceiro andar, direito e esquerdo; 5. O referido espaço estava em bruto, embora com instalação de corrente elétrica; 6. A Demandante remodelou a sua fração autónoma, tendo aproveitado para limpar o referido espaço; 7. O acesso ao telhado é feito por uma escada exterior, através da janela da cozinha da fração autónoma, correspondente ao terceiro esquerdo, agora propriedade da Demandante; 8. Em 2006, a Demandante expôs a situação do referido espaço, solicitando autorização para o utilizar na Assembleia de Condóminos, realizada em 19 de outubro de 2006; 9. Os condóminos presentes deram autorização para que os proprietários das frações correspondentes ao terceiro andar esquerdo e direito utilizassem aquele espaço, tendo como contrapartida suportarem os encargos com as obras de reparação do telhado e dos algerozes, sendo tais custos suportados por ambos (Doc. 3); 10. A situação complicou-se quando a Demandante, na qualidade de administradora do Condomínio, chamou a atenção dos restantes condóminos para o estado, a seu ver, de degradação da clarabóia e das telas de impermeabilização das platibandas; 11. Tendo solicitado orçamentos para a reparação das duas situações e agendado assembleia de Condóminos para discussão dos mesmos; 12. Os restantes condóminos entenderam que tais reparações deveriam ser suportadas pelos proprietários dos terceiros andares, uma vez que essa era a deliberação tomada pela Assembleia de Condóminos; 13. A Demandante não concordou por entender que a deliberação abrangia apenas os danos no telhado (telhas, barrotes, travessas e algerozes); 14. Foi decidido solicitar parecer jurídico, tendo a Demandante solicitado parecer à DECO, a expensas suas (Doc. 4); 15. Foi realizada a Assembleia de Condóminos, no dia 5 de Julho de 2010, e os condóminos não aceitaram o parecer, mantendo a sua posição e os proprietários dos terceiros andares mantiveram também a sua posição, tendo sido deliberado pedir novo parecer (Doc. 5); 16. Em Março de 2008, a Demandante levou a efeito obras no espaço supra referido, tendo feito a instalação elétrica; aplicado uma camada de impermeabilização no teto e no chão; aplicou teto falso e pavimento flutuante; pintou e arranjou o local, tendo igualmente colocado uma janela de Velux (com a dimensão de 50x70 cm) (Doc. 7); 17. Uma vez que o condómino do terceiro direito se queixava com problemas de infiltrações, existentes também no teto da marquise do terceiro esquerdo, decidiram ambos avançar com as obras de reparação das telas, suportando os encargos; 18. Como a situação não ficou inteiramente resolvida no que diz respeito ao terceiro andar direito, o seu proprietário realizou, a expensas suas, obras adicionais; 19. Por isso, o referido condómino, para efeitos de encontro de contas, decidiu suspender o pagamento da quota de condomínio, atitude que a Demandante, apesar de concordar, não tomou; 20. A situação manteve-se no impasse; 21. Em 19 de Janeiro de 2013, na sequência de ventos fortes, a clarabóia ficou bastante danificada, tendo-se partido diversas placas de vidro da mesma; 22. De imediato, o administrador encetou diligências no sentido de proceder à rápida reparação da clarabóia, reparação para a qual adiantou verba do Fundo Comum de Reserva; 23. Após a reparação da clarabóia, na Assembleia de Condóminos de 16 de Fevereiro de 2013, foi abordada a questão do pagamento da referida reparação pelos terceiros andares, mas., não tendo os condóminos chegado a qualquer conclusão, relegaram a discussão do assunto para futuras assembleias de condóminos (Doc. 8); 24. Na Assembleia de Condóminos, realizada no dia 28 de Fevereiro de 2013, foi deliberada a eleição dos administradores e a contratação da segunda Demandada para gerir o condomínio (Doc. 9); 25. Na Assembleia de Condóminos, realizada no dia 23 de Abril de 2013, foi deliberado revogar a deliberação constante da ata n.º 12 (que dava autorização para a utilização do espaço entre a placa dos terceiros andares e o telhado, contra o pagamento das obras do telhado) e que a responsabilidade por todas as obras com as partes comuns – incluindo aquele espaço – seriam da responsabilidade de todos os condóminos, nos termos da legislação em vigor (Doc. 10); 26. Mais foi deliberado que os condóminos dos terceiros andares, como contrapartida da utilização daquele espaço, “teriam um acréscimo de 75% (setenta e cinco por cento) do valor global da quota que for definida para cada orçamento anual, face aos restantes condóminos, quer o cálculo da quota seja feito por quota de valor único ou por permilagem.” (idem); 27. Em Setembro de 2013, com a chegada das chuvas, verificaram-se infiltrações no espaço supra referido e bem assim na cozinha do terceiro esquerdo e na parede do quarto, situação que foi comunicada por diversas vezes à segunda Demandada, empresa gestora do condomínio; 28. A fim de minimizar os danos a Demandante colocou alguidares e chapéus-de-chuva invertidos para aparar a água; 29. Em finais de Outubro de 2014 foi feita uma intervenção geral no telhado, com vista a eliminar as infiltrações; 30. No entanto, as infiltrações continuaram a verificar-se, facto que foi comunicado à segunda Demandada; 31. A Demandante tentou, por diversas vezes, que a situação fosse resolvida (Doc. 11); 32. Em Setembro de 2014, foi efetuada a reparação das rachas e fissuras na coroa do edifício, sem resultados evidentes, situação que foi também comunicada à segunda Demandada (Doc.12); 33. Nunca foi apresentado qualquer orçamento para reparação dos danos verificados na fração autónoma de que a Demandante é proprietária; 34. Em Janeiro de 2015 foi convocada uma Assembleia de Condóminos, em que não foi tomada qualquer deliberação, por falta de quórum; 35. A Demandante pediu a intervenção de um engenheiro civil que elaborou o relatório, junto aos autos como doc. 13 e que se dá por reproduzido; 36. A Demandante enviou o referido relatório à segunda Demandada, solicitando rápida intervenção na reparação das telhas partidas e identificadas no mesmo; 37. Apesar de não ter sido dada resposta à carta, pouco tempo depois, houve uma intervenção consistente na reparação das telhas partidas; 38. Foi decidido esperar que chovesse para testar se a reparação tinha ou não surtido efeito; 39. No final de Abril de 2015, foi realizada a Assembleia de Condóminos, na qual foi deliberada a substituição integral do telhado; 40. A situação de infiltrações na fração autónoma de que a Demandante é proprietária, ficou resolvida em 19 de Julho de 2015; 41. Não obstante ter havido unanimidade quanto à deliberação sobre a substituição integral do telhado, os condóminos não se entendem quanto ao montante proporcional que os proprietários dos terceiros andares devem efetuar no valor da referida obra (Docs. 17 e 18); 42. Efetivamente, na Assembleia de Condóminos, realizada no dia 23 de Abril de 2015, foi deliberada a criação de uma quota extraordinária, a dividir por todos os condóminos, estando as frações correspondentes aos terceiros andares sujeitas ao acréscimo de 75% do valor, previstos anteriormente em ata, igualmente nesta quota a definir (Doc. 17); 43. Os proprietários dos terceiros andares impugnaram a referida deliberação e, por isso, foi deliberado anular a referida deliberação, optando-se por não avançar já com a discussão dos orçamentos, uma vez que alguns condóminos informaram que não dispunham de condições para adiantarem as verbas necessárias (Doc. 18); 44. Igualmente deliberou a Assembleia de Condóminos, no seguimento da anulação da deliberação anterior, um aumento da quota de condomínio, para os restantes meses do orçamento de 2015, ficando aprovado o valor de 100,00 € (Cem euros) mensais para as restantes frações, com um agravamento de 75% do valor definido para os terceiros andares (idem); 45. Mais deliberaram os condóminos que o referido valor visa aumentar o Fundo Comum de Reserva do prédio para futuras intervenções (idem); 46. O proprietário da fração autónoma correspondente ao terceiro andar direito recusou-se a utilizar o espaço entre a placa da sua habitação e o telhado, após a última deliberação; 47. Há duas opções para a substituição do telhado, uma que contempla a substituição das vigas de madeira (barrotes) e outra que não a contempla; 48. Os condóminos inclinam-se para a solução mais cara, mas a Demandante não concorda, tendo alertado para o facto de a sua fração ficar totalmente exposta; 49. Durante dois invernos a Demandante e o seu filho habitaram na fração com humidade e fungos, bem como com o cheiro a bolor; 50. O título constitutivo da propriedade horizontal é omisso quanto à existência do espaço entre a placa dos terceiros andares e o telhado (Doc. Fls.226 a 229); 51. Da descrição da fração autónoma, propriedade da Demandante, e da Escritura Pública de Compra e venda da mesma, também não consta qualquer alusão a este espaço (Doc. Fls. 230 a 237). Não resultaram provados quaisquer outros factos, alegados pelas partes ou instrumentais, com interesse para a decisão da causa. ** FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE DIREITOA relação material controvertida radica nas difíceis relações existentes entre a Demandante e os restantes condóminos, as quais conduzem a abusos e impasses que não têm qualquer justificação, se tomarmos em consideração que cada um deve exercer os seus direitos na exacta medida destes e não abusar do direito que lhe assiste, à revelia daqueles que têm uma palavra a dizer porque são tão proprietários como a Demandante é. A Demandante traz a este tribunal quatro pedidos, dois dos quais radicam no “braço de ferro” que se criou entre a sua posição e a posição dos restantes condóminos, que não souberam resolver, não obstante terem pedido pareceres jurídicos e os restantes dois, a nosso ver, devido às circunstâncias que rodeiam a sua pretensão, se devia ter inibido de formular. Vejamos, então, cada um dos pedidos formulados pela Demandante: Quanto ao pedido de declaração sobre a propriedade do sótão que fica imediatamente por cima do terceiro andar esquerdo: O vão do telhado ou sótão é um espaço ou área a que é possível dar determinadas utilizações, normalmente de armazenamento. A doutrina e a jurisprudência dominantes, têm entendido que os sótãos ou vãos do telhado não integram a estrutura do edifício, nem são, pela função que desempenham, partes do mesmo relativamente às quais seja de exigir a afetação ao gozo de todos os condóminos, para caberem na previsão da al. b), do n.º 1, do art.º 1421.º, do Código Civil (CC), como coisa obrigatoriamente comum (cfr. Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 04-07-2013, proc.º n.º 63/10.0TJLSB.L.I.SI, Relator Alves Velho, disponível em www.dgsi.pt). É dizer que o sótão, embora seja presuntivamente comum, não é de considerar parte imperativamente comum. Conforme é profusamente expendido no douto Acórdão da Relação do Porto - em que a Demandante ancora a sua pretensão de ver o sótão declarado como parte integrante da fração autónoma que adquiriu - e em tantos outros, que acompanhamos, não constando do título executivo que o sótão se encontra afetado ao uso exclusivo da fração autónoma, propriedade da Demandante e do terceiro direito, o mesmo terá de ser considerado presuntivamente comum, presunção que pode ser ilidida. Neste caso, o título constitutivo da propriedade horizontal não especifica – ou menciona sequer – o sótão como correspondente a qualquer fração autónoma e, por conseguinte, trata-se da situação concreta compreendida na presunção prevista na alínea e) do supramencionado normativo, presunção que pode ser afastada pela afetação material (Pires de Lima e Antunes Varela). Dispõe a referida alínea que se presumem comuns “em geral, as coisas que não sejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos.” Nos presentes autos resultou provado que o título constitutivo da propriedade horizontal é omisso quanto à afetação do sótão. Provou-se também que o construtor, depois de constituída a propriedade horizontal e vendidas as frações autónomas que compõem o edifício, autorizou os proprietários das frações autónomas correspondentes aos terceiros andares, a pedido destes, a fazer uma abertura de acesso ao sótão, em segredo e com o fim especifico de verificação do estado do telhado e, no caso do terceiro andar direito, para guardar a lenha que utilizava na sua lareira. Tal segredo permaneceu, por mais de vinte anos e só foi descoberto quando a Demandante pediu autorização para utilizar o sótão, na parte que fica imediatamente por cima da sua fração autónoma. Por conseguinte, parece-nos resultar claro que, apesar dos esforços de alegação da Demandante, nesse sentido, esta não logrou afastar a presunção legal de comunidade do sótão. Efetivamente, a descrição da forma como se encontrava o sótão quando, em 2004, a Demandante adquiriu a fração autónoma, seria suficiente para se considerar que a presunção não foi ilidida. Se tal não bastasse, as próprias testemunhas que a Demandante apresentou foram bastante claras na forma como, em segredo, os anteriores proprietários tiveram acesso ao sótão e com que finalidade. Ora acontece que, louvando-se num douto Acórdão da Relação do Porto, a Demandante queria - porque queria – retirar do que ali se diz uma conclusão que, face à prova produzida, dele não se pode retirar. Efetivamente, não resulta provado que tenha havido uma afetação material, à data da constituição da propriedade horizontal, muito antes pelo contrário. Tanto assim é que a Demandante teve de pedir autorização à Assembleia de Condóminos para o utilizar, após a aquisição da fração autónoma. Conclui-se, assim, que não foi ilidida a presunção de que o sótão é parte comum e, por conseguinte, é isso que se declara. No que concerne ao segundo pedido de declaração da “entidade responsável pelas obras a realizar no telhado”, cumpre dizer que esta é uma falsa questão em virtude de ter sido tomada uma deliberação pelos condóminos que anulou a deliberação de responsabilizar os condóminos dos terceiros andares pelas obras do telhado. Independentemente de tal facto, temos de nos ater à legislação vigente e ao princípio da liberdade contratual para encontrar aqui a resposta. Ora, dispõe o art.º 1424.º, n.º 1, do CC que “Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções.”. Por conseguinte, tendo em consideração que o telhado é parte comum (que não se confunde com o sótão, também ele parte comum) as despesas de manutenção do mesmo são da responsabilidade de todos os condóminos, na proporção do valor da sua fração. Todavia, foi concedida à Demandante pela Assembleia de Condóminos, autorização para a utilização da parte do sótão que fica imediatamente por cima da sua fração autónoma e, no âmbito da liberdade contratual, foi logo estabelecida a contrapartida por essa utilização de uma parte comum. Contrapartida que a Demandante aceitou pagar, qual seja a de suportar metade das despesas com a reparação do telhado (a outra metade seria suportada pelo proprietário do terceiro andar direito). O problema é que a, recém-nomeada, gestora do condomínio – que não a administração – entendeu que essa contrapartida violava o disposto no supramencionado dispositivo e a referida deliberação foi revogada. E, foi tomada uma outra deliberação que responsabilizava os proprietários dos terceiros andares por mais 75% do valor global da quota que for definida para cada orçamento anual, face aos restantes condóminos, quer o cálculo da quota seja feito por quota de valor único ou por permilagem, deliberação que foi aceite pela Demandante que não a impugnou. Mas, o caso complicou-se quando os restantes condóminos quiseram que os proprietários dos terceiros andares pagassem mais setenta e cinco por cento da quota extraordinária para criação de um fundo para as obras de substituição do telhado e outras que se venham a mostrar necessárias. Face à oposição da Demandante quanto a esta interpretação da deliberação, foi esta anulada e deliberado que os condóminos dos terceiros andares pagariam mais setenta e cinco por cento que os outros condóminos para as obras. Os condóminos do terceiro andar direito, face a esta deliberação, prescindiram da utilização do sótão e o caso, quanto a si ficou resolvido. A Demandante, insiste em manter a utilização daquele espaço, mas entende que não deve pagar mais setenta e cinco por cento do valor que, proporcionalmente, cabe aos restantes condóminos na quota criada para o fundo de obras. Cabe aqui uma palavra para a forma pouco séria como a questão foi tratada pelos restantes condóminos. Efetivamente, a deliberação tomada – de aplicação de mais 75% por cento da quota – não abrange quotas extraordinárias, uma vez que se refere ao orçamento anual e as obras não fazem parte do orçamento anual, mas sim de orçamento extraordinário. Face à oposição dos condóminos dos terceiros andares, os restantes condóminos encontraram uma maneira “engenhosa” de ultrapassar o problema de acordo com o que queriam e, então, incluíram a quota extraordinária na quota ordinária, somando-as, para, assim, poderem cobrar mais setenta e cinco por cento aos condóminos dos terceiros andares. É postura que reprovamos porque, a nosso ver, não é séria. De facto, sendo certo que a administração das partes comuns é da competência da Assembleia de Condóminos e dos administradores, não é menos certo que por deliberações anteriores que viriam a revogar e a anular, ao sabor dos seus interesses, os condóminos se haviam vinculado a coisa bem diferente daquela que, agora, pretendem impor aos condóminos dos terceiros andares. Mas, na essência das coisas e excluindo eventuais comportamentos reprováveis de ambas as partes, ou seja as atitudes tomadas, certo é que os condóminos podem estabelecer a contrapartida que queiram – nos limites da boa-fé e do não abuso de direito – pela utilização das partes comuns, no caso, do sótão. De igual forma, tem a Demandante o direito de aceitar ou não a proposta que lhe é apresentada. Se a aceitar, terá de se conformar com as deliberações tomadas pelos restantes condóminos. Se a não aceitar, então, poderá prescindir da utilização do sótão, como fizeram os proprietários do terceiro direito e, assim, acabar com as divergências entre a sua vontade e a vontade dos restantes condóminos. É como se costuma dizer: para grandes males, grandes remédios! No que ao terceiro pedido relacionado com o ressarcimento dos danos ou prejuízos causados nas benfeitorias levadas a efeito no sótão, caso as obras aprovadas impliquem a substituição dos barrotes, conforme a Demandante explicou, devemos dizer que a Demandante está a querer “meter a foice em seara alheia” ao tentar condicionar a deliberação sobre a escolha do orçamento e das obras a levar a efeito. De facto, e conforme já verbal e pessoalmente explicado a ambas as partes, a competência para deliberar sobre tais obras e a sua dimensão, bem como quanto ao preço pertence à Assembleia de Condóminos. A opção do orçamento que prevê a substituição dos barrotes, pode ser perfeitamente justificada para evitar que, mais tarde, tenha de ser levada a efeito outra reparação ainda mais cara por falência dos barrotes. Se essa for a opção/deliberação da Assembleia de Condóminos, a Demandante tem de a aceitar por não se tratar de deliberação contrária à lei. Nos condomínios, como no País estamos submetidos às maiorias, desde que estas observem a legalidade. Naturalmente que, se essa for a opção da Assembleia de Condóminos, terá de ser assegurada a proteção e segurança da fração autónoma de que a Demandante é proprietária, proteção e segurança que são da responsabilidade também da Assembleia de Condóminos, ou seja, daqueles que votaram favoravelmente a deliberação sem cuidar de se assegurar que nenhum prejuízo ou dano é causado à Demandante. Mas, tal responsabilidade não abrangerá, obviamente, as benfeitorias que a Demandante levou a efeito no sótão, uma vez que as fez por sua iniciativa; por sua conta e risco. De facto, resultando provado que foi dada à Demandante autorização para utilizar o sótão, não resulta provado que a Demandante foi autorizada a fazer as obras que ali fez, ganhando um espaço útil que não está destinado a esse fim, ou seja uma nova divisão da sua fração autónoma. Por conseguinte, não terá a Demandante direito a qualquer indemnização a esse título. Finalmente no que respeita ao quarto pedido formulado de condenação das Demandadas no pagamento da indemnização, por danos morais, no montante de 1.500,00 € (mil e quinhentos euros), sempre se dirá que não foram alegados factos que preenchessem os requisitos da obrigação de indemnizar previstos no art.º 483.º, do Código Civil. Efetivamente, é compreensível que com toda a situação a Demandante tenha passado por alguns incómodos e desgaste, mas os factos alegados não se revestem daquela gravidade que os faça merecer, a nosso ver, a tutela do direito para atribuição de uma qualquer indemnização. Ao que acresce que a Demandante teve também alguma culpa na produção de tais incómodos e desgaste, pela forma, a nosso ver, errada como aborda as questões que a opõem aos restantes condóminos. É dizer que, no caso se aplica o velho ditado de “Não é o que se diz, mas a forma como se diz, que determina a reação dos outros”, porque a Demandante, tendo adquirido a sua fração autónoma muito depois de todos os restantes tem de fazer valer o seu entendimento das questões com argumentação séria, calma e pacífica, sem dar a ideia de que, agora que chegou ao prédio, tudo vai mudar. Manda o bom senso que, nestes casos, se abordem as questões do ponto de vista da colaboração e do contributo para a tomada da melhor e mais justa decisão, tendo em consideração o interesse coletivo e não o interesse individual. O mesmo se diga dos restantes condóminos que devem entender as informações que a Demandante lhes transmite como a colaboração e intercâmbio sempre necessários para a vivência em comum. Ninguém é dono da verdade e é da discussão (no bom sentido; cooperante) que nasce a luz. É o que o tribunal espera que aconteça com todos daqui para o futuro. Dizer, finalmente, que a segunda Demandada nunca deveria estar nestes autos como parte, uma vez que não assegura a administração do condomínio, mas apenas colabora na gestão do mesmo, pelo que, quanto muito, deveria ter sido indicada como representante legal do condomínio e nunca como parte Demandada. É que, ao propor-se uma ação contra alguém que nada tem que ver com o assunto, traz sempre desgaste, revolta e incompreensão, gerando prejuízos que podem ser facilmente evitados se for consultado um jurista para saber contra quem a ação deve afinal ser proposta. ** Nos termos e com os fundamentos invocados, julgando a presente acção totalmente improcedente, porque não provada, decido: DECISÃO 1. Declarar que o sótão situado por cima dos terceiros andares do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, sito na Rua J, em Corroios, é parte comum do edifício; 2. Declarar que as despesas com as reparações do telhado, como das restantes partes comuns, devem ser suportadas por todos os condóminos, em razão do valor das suas frações; 3. Declarar que a Demandante não tem o direito de ser ressarcida pelos eventuais danos causados nas benfeitorias que levou a efeito no sótão, pelas obras do telhado que vierem a ser aprovadas; 4. Absolver as Demandadas do pedido de condenação no pagamento da indemnização de 1.500,00 € (Mil e quinhentos euros) pelos danos não patrimoniais. ** As custas serão suportadas pela Demandante (Art.º 8.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro). ** Registe. ** Seixal, 28 de outubro de 2015(Juíza de Paz que redigiu e reviu em computador – Art.º 131.º/5 do C.P.C.) __________________ (Fernanda Carretas) |