Sentença de Julgado de Paz
Processo: 251/2020–JPFNC
Relator: CELINA ALVENO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL – INDEMNIZAÇÃO POR DANOS DECORRENTES DE ACIDENTE DE VIAÇÃO.
Data da sentença: 05/23/2024
Julgado de Paz de : FUNCHAL
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

Processo n.º 251/2020 – JPFNC

I - IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandantes: [PES-1], NIF [NIF-1] e [PES-2], NIF [NIF-2], residentes na [...], Entrada 2 – Casa 2, [Cód. Postal-1] [...] e também [PES-3], NIF [NIF-3], residente no sítio do [...], [Cód. Postal-2] [...].
Demandadas: [ORG-1] S.A., NIPC [NIPC-1], com sede na [...], 242, [Cód. Postal-3] [...] e [ORG-2], S.A., NIPC [NIPC-2], com sede na [...], 32, [Cód. Postal-4] [...]. ------------------
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II - RELATÓRIO
Os Demandantes instauraram contra as Demandadas a presente ação declarativa enquadrada na alínea h) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001 de 13 de julho, na sua atual redação pedindo a condenação das Demandadas a pagar aos Demandantes [PES-1] e [PES-2], de forma solidária a quantia de € 2.095,65 (dois mil e noventa e cinco euros e sessenta e cinco cêntimos), IVA incluído, acrescida de juros de mora contados desde a citação, até integral pagamento, a título de danos materiais no veículo automóvel de que são proprietários, por responsabilidade civil decorrente de acidente de viação.
Juntaram: 16 documentos e procuração forense.

As Demandadas foram citadas (fls. 153 a fls. 154) e prescindiram da mediação (cfr fls. 41).
A Demandada [ORG-1] S.A. contestou por exceção (ilegitimidade passiva) e por impugnação e juntou 3 documentos, procuração forense e substabelecimento (cfr. fls. 255 a fls. 321).
A Demandada [ORG-2], S.A. contestou por impugnação e juntou 2 documentos, procuração forense e substabelecimento (cfr. fls. 34 a fls. 152).
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Efetuadas várias tentativas de conciliação, com o esforço necessário e na medida adequada, para explorar todas as possibilidades de acordo, nos termos do n.º 1 do art.º 26º da LJP, a mesma não se revelou possível.
Foram ouvidas as partes, nos termos do disposto no artigo 57.º da LJP, e realizada a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal, como resulta das atas de fls. 495 a fls. 497 e de fls. 513 a fls. 514, tendo sido ouvido o Demandante [PES-3] e o Demandante [PES-2] em declarações de parte, as testemunhas apresentadas pelas partes e alegações finais pelos Mandatários das partes.
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Da alegada exceção dilatória da ilegitimidade da Demandada [ORG-1]
Suscita a Demandada [ORG-1] S.A. a exceção de ilegitimidade.
A legitimidade processual (artigo 30.º do Código de Processo Civil, doravante CPC) é um pressuposto de cuja verificação depende o conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição da instância (artigo 278º, nº 1, al. d), do CPC, aplicável ex vi artigo 63º, da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na sua atual redação, doravante LJP).
Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor (n.º 3 do citado artigo 30.º).
O art.º 30.º, n.º 1, do CPC, consagra uma noção funcional de legitimidade, dispondo que «O autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer.»
Nos termos do n.º 2 do artigo 30.º CPC o interesse em contradizer exprime-se pelo prejuízo que da procedência da ação advenha.
Se a lei ou o negócio exigir a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, ou esta for necessária para que a decisão produza o seu efeito útil normal, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade.
A legitimidade processual depende da titularidade do interesse juridicamente relevante, isto é, da coincidência entre a relação jurídica controvertida e a relação processual em que aquela relação é afirmada.
O contrato de seguro subscrito pelo Demandante abrange danos causados a terceiros, a título de responsabilidade pelo risco, não cobre danos próprios, isto é, no veículo e no próprio condutor. No caso concreto pretende ser ressarcido pelos danos causados no veículo, pelo que não está coberto pela apólice pelo que se declara verificada a exceção de ilegitimidade da Demandada [ORG-1] S.A. a qual, em consequência, se absolve da instância, ao abrigo dos artigos 278.º, n.º 1, alínea d), 576.º, n.º 1 e 2, 577.º, al. e) e 578.º do CPC.
Prossegue a ação apenas contra a Demandada [ORG-2], S.A., NIPC [NIPC-2], com sede na [...], 32, [Cód. Postal-4] [...].
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O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objeto, do território e do valor. O processo é próprio e não enferma de nulidades que o invalidem. As restantes partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas. Não há mais exceções, nulidades ou questões prévias que cumpra conhecer.
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III- VALOR DA AÇÃO
Fixa-se em € 2.095,65 (dois mil e noventa e cinco euros e sessenta e cinco cêntimos), o valor da presente causa (artigos 296.º, 297.º n.º 2, 299.º, 300.º e 306.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 63.º da Lei 78/2001 de 13 de julho, com a redação da Lei n.º 54/2013 de 31 de julho).
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IV- OBJETO DO LITÍGIO
Responsabilidade civil – indemnização por danos decorrentes de acidente de viação.
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V- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Assim e com relevância para a decisão da causa, e de acordo com a prova documental e testemunhal carreada para os autos, resultaram os seguintes:
FACTOS PROVADOS:
1. Os Demandantes [PES-1] e [PES-2] são proprietários do veículo automóvel com a matrícula UP, marca [Marca-1] C3, doravante designado por “UP”.
2. A responsabilidade civil emergente da circulação do supra referenciado veículo está transferida através do contrato titulado pela apólice n.º xxxxxxxxx do ramo automóvel, para a [ORG-1] S.A.
3. A supra referenciada apólice não cobre danos próprios.
4. No dia 19 de outubro de 2020, pelas 13h40, na estrada Comandante Camacho de Freitas, no [...], junto ao [ORG-4] ocorreu um acidente no qual foram intervenientes o veículo “UP”, conduzido pelo Demandante [PES-3] e o veículo automóvel matrícula “VO”, de marca [Marca-2] (doravante designado por “VO”), propriedade e conduzido por [PES-4], segurada da Demandada [ORG-2], S.A., conforme apólice n.º xxxxxxxxxxxx.
5. O tempo estava claro e limpo.
6. O pavimento em asfalto encontrava-se seco e em bom estado.
7. Momentos antes do acidente, o veículo “UP”, circulava no sentido Este/Oeste da estrada Comandante Camacho de Freitas,
8. cujo condutor ao prosseguir a sua marcha, deparou-se com um veículo de recolha do lixo parado na berma da via de trânsito por onde seguia, pelo que realizou manobra de contorno ao referido veículo, tendo, para o efeito, ocupado a via de trânsito da esquerda, destinada à circulação de veículos em sentido contrário ao seu.
9. Acontece que, em sentido contrário ao seu, circulava o veículo “VO”, cuja condutora, provinda do parque de estacionamento do Centro de Formação Profissional da Madeira (situado do lado esquerdo da faixa de rodagem, atento ao sentido prosseguido pelo “UP”), mas já na via de sentido descendente da estrada Comandante Camacho de Freitas (sentido Oeste/Este), foi surpreendida pela presença do “UP” a invadir a sua via de trânsito.
10. O condutor do veículo “UP” ao invadir a via de trânsito contrária não tomou as devidas precauções.
11. A manobra que deu origem ao acidente dos autos foi a manobra do condutor do veículo “UP”.
12. O condutor do veículo “UP” é o responsável na produção do sinistro dos autos.
13. O condutor do veículo “UP”, após embater no veículo “VO” prosseguiu a marcha,
14. circulando durante aproximadamente 300 metros, momento em que deteve a marcha devido aos danos mecânicos decorrentes do embate.
15. Volvidos alguns minutos, o condutor do veículo “UP” voltou a pé ao local do embate.
16. No local do acidente a circulação de veículos faz-se em ambos os sentidos, com uma via para cada sentido, e embora não tenha linha contínua ou sinal de proibição de ultrapassagem tem sinalização horizontal do tipo A16a – Passagem para peões.
17. O veículo “UP” ficou com danos no vértice anterior esquerdo e lateral anterior esquerda, guarda lamas dianteiro esquerdo, porta dianteira esquerda, danos na suspensão, com recuo da roda dianteira esquerda e o veículo “VO” ficou com danos na parte frontal central.
18. O condutor do veículo “UP” aquando do acidente conduzia sob o efeito do álcool, o que se veio a revelar no teste de despistagem de alcoolemia a que foi sujeito, o qual acusou uma TAS positiva de 1,74 g/l, sendo que após contraprova através de análise sanguínea fixou-se em 1,36 g/l.
19. A Demandada [ORG-1] S.A. comunicou ao Demandante [PES-2] que, de acordo com os elementos apurados em sede de averiguação de sinistro, a responsabilidade pela produção do mesmo era do condutor do veículo por esta garantido, tendo assim autorizado a [ORG-2], S.A a regularizar 100% dos danos causados ao veículo “VO”.
20. De acordo com um relatório de peritagem os danos no veículo “UP” ascendem a € 2.095,65.

Consideram-se reproduzidos os documentos de fls. 7 a fls. 27, de fls. 43 a fls. 151, de fls. 166 a fls. 187, de fls. 210 a fls. 254, de fls. 284 a fls. 319, de fls. 344 a fls. 348, de fls. 428 a fls. 432, de fls. 439 a fls. 440, de fls. 455 a fls. 457, de fls. 499 a fls. 507.
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Motivação da matéria fática:
O Tribunal formou a sua convicção com base no conjunto da prova produzida, cotejada com as regras da experiência, tendo considerado os elementos documentais juntos pelos Demandantes e pelas Demandadas, que aqui se dão por reproduzidos e integrados, conjugados com as declarações de parte do Demandante [PES-3] e do Demandante [PES-2] e com o depoimento sério e credível das testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento.
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Consideram-se provados por confissão resultante das declarações do Demandante [PES-3] os factos respeitantes aos factos com os números 7, 8, 13 e 15.
Consideram-se provados por confissão resultante das declarações do Demandante [PES-2] os factos respeitantes aos factos com os números 1, 2 e 19,
Nos termos do n.º 2, do art.º 574.º, do CPC, aplicável ex vi, art.º 63.º, da LJP, consideram-se admitidos por acordo os factos constantes nos números 4, 7, 8 e 16.
A restante matéria resulta provada pela análise crítica de todas as provas que foram dadas a conhecer em sede de audiência, o que foi ponderado de acordo com as regras da experiência e no âmbito da prova global produzida de modo a não existir contradições entre os documentos e a prova testemunhal.
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O depoimento da testemunha apresentada pelas Demandadas, [PES-4], na qualidade de condutora do veículo “VO”, envolvido no acidente em questão nos presentes autos, foi efetuado de forma idónea e credível, explicando em suma que estava a sair do seu local de trabalho na estrada Comandante Camacho de Freitas, que fica situado junto a uma curva quando o acidente ocorreu; que olhou para cima e para baixo, e quando teve a certeza que na sua via não tinha impedimentos iniciou a marcha no sentido descendente; que a sua via estava livre quando iniciou a marcha; que no sentido contrário ao seu – ascendente, estava um carro do lixo a circular em marcha lenta; que quando já se encontrava na sua via, já no sentido descendente foi surpreendida pela ultrapassagem de um carro ao carro do lixo, a grande velocidade, que não retomou a sua via e foi direito a si; que a testemunha circulava em marcha lenta; que parou de imediato o seu veículo aquando do embate mas que o condutor do outro veículo prosseguiu a marcha; que ligou para a sua companhia de seguros que a aconselhou a chamar a PSP; que um agente de seguros da [ORG-2], S.A. foi ter consigo ao local do acidente e que foi ele que tratou da documentação referente ao acidente; que o seu veículo foi reparado pela [ORG-2]; que tem seguro contra todos os riscos; que a PSP dirigiu-se ao local e só aí o condutor do veículo que lhe embateu apareceu; que a [ORG-6] não demorou muito tempo a chegar; que acha que os agentes da [ORG-6] e o agente de seguros da [ORG-2], S.A. chegaram mais ao menos ao mesmo tempo; que quer os agentes da [ORG-6], quer o agente de seguros da [ORG-2], S.A. lhe perguntaram como tinha ocorrido o acidente e explicou; que nunca conversou com o condutor do veículo que lhe embateu; que nunca pediu nenhuns documentos ao condutor do veículo que lhe embateu; que os senhores do carro do lixo continuaram o seu trabalho, apesar do acidente; que ficou muito nervosa; que se gerou um grande aparato no local com alunos e colegas da escola onde trabalha a irem ver o que se tinha passado; que teve muito cuidado na manobra ao sair do seu local de trabalho, até porque trabalha ali há mais de vinte anos e tem ali uma curva. No que diz respeito à declaração amigável, a testemunha começou por dizer que não tinha preenchido nenhuma declaração, que não tinha assinado nenhuma declaração, que nem sequer tinha um formulário de declaração amigável no seu veículo, mas depois, ao longo da sua inquirição acabou por reconhecer que não se lembrava se tinha ou não assinado alguma coisa e quando confrontada com o documento de fls. 20 – o formulário da declaração amigável – reconheceu a sua letra na parte referente à identificação do veículo “VO” e a sua assinatura. No entanto, garantiu que a parte referente ao veículo “UP” não era a sua letra.
No que diz respeito à possibilidade de estarem ou não estacionadas viaturas junto ao local do acidente, esta testemunha começou por garantir que não e depois já não se lembrava bem.
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O depoimento da testemunha apresentada pela Demandada [ORG-2], S.A., [PES-6], na qualidade de perito averiguador, foi efetuado de forma idónea, credível e isenta, explicando em suma que elaborou o relatório de averiguação junto aos autos (confrontado com o documento n.º 2 da contestação da [ORG-2], S.A. confirmou ter elaborado o documento); que foi ao local do acidente posteriormente, recolheu os depoimentos dos dois condutores envolvidos no acidente, bem como do porteiro da escola, verificou o auto de ocorrência, as fotografias e que de acordo com o que apurou elaborou o relatório; que o condutor do veículo “VO” saia da escola de formação e estando já na sua via foi embatido na frente esquerda pela frente esquerda do veículo “UP” que alegadamente contornava um veículo pesado aquando do acidente; que o condutor do veículo “UP” não parou no local do acidente, tendo prosseguido a marcha cerca de 300 metros; a ideia que tem é que se tratava de um contorno porque o carro do lixo estava parado; que no local do acidente há uma passadeira; que o carro do lixo estaria abaixo da passadeira; que para contornar o carro do lixo o condutor do veículo “UP” teve que pisar o eixo da via; que ao contornar o carro do lixo o condutor do veículo “UP” embateu no veículo “VO; que o condutor do veículo “UP” acusou uma taxa de álcool no sangue de 1,70 e tal, por isso como é natural os seus reflexos estariam diminuídos, é de senso comum; que o normal seria o condutor do veículo “VO” olhar para cima, para a esquerda a fim de verificar se vinham carros, até porque tem ali uma curva e o perigo maior viria de cima; que havendo carros estacionados no sentido descendente, seria difícil a condutora do veículo “VO” ver o veículo “UP”; que a condutora do veículo “VO” saiu devagar do centro de formação porque não dá para sair rápido dali; que o contorno do carro do lixo pelo condutor do veículo “UP” foi antes da passadeira; que a condutora do veículo “VO” só se pode aperceber do veículo “UP” quando já se encontra na via a descer; que o carro do lixo estaria antes da passadeira tendo em conta a localização dos caixotes do lixo; que é proibido ultrapassagens antes, em cima ou depois das passadeiras mas que naquele local não há sinal contínuo; que quem entra na via não tem prioridade mas o embate já se deu na via e não a entrar na via; que a condutora do veículo “VO” já tinha acedido à via aquando do embate e tem a certeza disso porque a roda dianteira direita do veículo “VO” já estava na sua via de circulação.
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O depoimento da testemunha apresentada pela Demandada [ORG-1] S.A., [PES-7], na qualidade de gestora de sinistros, foi efetuado de forma idónea, credível e isenta, explicando em suma que o Demandante Francisco celebrou um contrato com a [ORG-1] S.A.,, um contrato automóvel de seguros de responsabilidade civil, por danos provocados a terceiros; que a apólice contratada não cobre danos próprios; que este acidente foi participado à companhia; que não se recorda quem enviou a participação; que o acidente ficou resolvido tendo em conta o IDS, um protocolo existente entre seguradoras por uma questão de celeridade dos processos; que a responsabilidade foi atribuída ao seu segurado; que a companhia assumiu a responsabilidade; que comunicaram a decisão ao segurado; que o segurado discordou da decisão; que comunicaram que o segurado deveria então reclamar junto da [ORG-2]; que este é o procedimento normal.
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O depoimento da testemunha, [PES-8], na qualidade de funcionário do centro de formação, que no dia do acidente se encontrava na portaria do edifício, foi efetuado de forma idónea, credível e isenta, explicando em suma que não viu o acidente mas ouviu um estrondo; que o carro da colega Esmeralda estava no local mas não viu outro carro; que não prestou auxílio porque viu a colega Esmeralda sair do veículo e que lhe parecia bem; que mais tarde viu chegar a [ORG-6]; que o carro da colega já estava no sentido descendente; que estavam estacionados carros no local; que não se lembra se aquando do acidente havia ou não um carro do lixo no local.
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O depoimento da testemunha [PES-4] foi determinante para formar convicção sobre os factos 4, 8, 9, 13 e 15.
O depoimento da testemunha [PES-6] foi determinante para formar convicção sobre os factos 4, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 16, 17 e 18.
O depoimento da testemunha, [PES-7] foi determinante para formar convicção sobre os factos 3 e 19.
O depoimento da testemunha [PES-8] foi determinante para formar convicção sobre parte dos factos 9 e factos 13.
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Considerou o Tribunal o teor dos documentos de fls. 7 a fls. 8 para prova dos factos 1; de fls. 166 a fls. 186, de fls. 210 a fls. 251 e de fls. 284 a fls. 316 para prova dos factos 2 e 3; de fls. 9 e de fls. 43 a fls. 99 para prova dos factos 4; de fls. 5 para prova dos factos 5; de fls. 100 a fls. 151 para prova dos factos 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16 e 17; de fls. 12 para prova dos factos 8; de fls. 12, 15, 17 e 18 para prova dos factos 9; de fls. 11, 14, 16 e de fls. 344 a fls. 348 para prova dos factos 16; de fls. 9, 10 e 13 para prova dos factos 17; de fls. 10 a fls. 11 e fls. 455 para prova dos factos 18; de fls. 187, 253 e 318 para prova dos factos 19 e de fls. 21 a fls. 23 para prova dos factos 20.
Em suma, a fixação da matéria dada como provada resultou da audição das partes, declarações de parte, dos factos admitidos e do teor dos documentos de fls. 5, de fls. 7 a fls. 9, de fls. 11 a fls. 12, de fls. 14 a fls. 18, de fls. 21 a fls. 23, de fls. 43 a fls. 151, de fls. 166 a fls. 187, de fls. 210 a fls. 251; de fls. 253, de fls. 284 a fls. 316, de fls. 318 e de fls. 344 a fls. 348 e fls. 455 juntos aos autos, além da prova testemunhal, o que devidamente conjugado com regras de experiência comum e critérios de razoabilidade, alicerçou a convicção do Tribunal.
A prova testemunhal foi considerada idónea, credível e isenta no seu conjunto.
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Não deixa de ser surpreendente que o Demandante [PES-3], que acusou uma TAS positiva de 1,74 g/l, sendo que após contra prova através de análise sanguínea fixou-se em 1,36 g/l, que abandonou o local do acidente, regressando posteriormente a pé, alegue ter entregue o seu cartão de cidadão e carta de condução a uma “estranha”, “sem qualquer problema”, mas que não se lembre se foi ele ou se foi a “estranha” a entregar os documentos em questão à PSP, bem como não se lembra de outros pormenores do acidente mas lembra-se que não assinou nada.
Embora a testemunha [PES-6] tenha declarado que o Demandante José [PES-9], abandonou o local do acidente devido aos danos mecânicos decorrentes do embate no veículo “UP”, a justificação do Demandante é que ia acompanhado por uma senhora casada, que não queria ser vista consigo, e por isso parou mais à frente, para ela fugir.
Por outro lado, ainda mais curioso não deixa de ser, que o Demandante [PES-10], que não estava a conduzir o veículo, nem assistiu ao acidente, tenha a certeza absoluta que o Demandante José [PES-9] não assinou a declaração amigável. E a sua certeza é tão grande que até parece que estava no local a assistir a tudo, no momento do acidente.
De qualquer forma, e independentemente da existência ou não da declaração amigável, a dinâmica do acidente provada em sede de audiência de julgamento imputa a responsabilidade pelo acidente ao condutor do veículo “UP”.
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O depoimento da testemunha [PES-4], que vivenciou o acidente, foi coerente, merecendo credibilidade. No entanto, levantaram-se algumas questões referentes à declaração amigável, uma vez que começou por dizer que não tinha preenchido nenhuma declaração, que não tinha assinado nenhuma declaração, que nem sequer tinha um formulário de declaração amigável no seu veículo, mas depois, ao longo da sua inquirição acabou por reconhecer que não se lembrava se tinha ou não assinado alguma coisa e quando confrontada com o documento de fls. 20 – o formulário da declaração amigável – reconheceu a sua letra na parte referente à identificação do veículo “VO” e a sua assinatura. No entanto, garantiu que a parte referente ao veículo “UP” não era a sua letra.
No que diz respeito à possibilidade de estarem ou não estacionadas viaturas junto ao local do acidente, esta testemunha começou por garantir que não e depois já não se lembrava bem.
Estas incongruências não colocaram em causa a sua credibilidade até porque não contribuíram para a convicção referente aos factos provados ou não provados; porque se compreende que o acidente ocorreu há quase quatro anos; e, porque como a própria testemunha alegou ficou nervosa, ainda para mais quando se apercebeu que o condutor do veículo “UP” não parou no local, tendo prosseguido a marcha.
Contudo, também não deixa de ser interessante que esta testemunha tenha telefonado para a sua companhia de seguros e de imediato um “gestor de seguros” se tenha dirigido ao local, sendo que, ninguém soube identificar quem era essa pessoa.
No final de contas, o estranho neste acidente não é o acidente em si, mas as relações interpessoais que podiam explicar todas as surpresas e curiosidades do caso: um veículo registado em nome de “A”, com o seguro em nome de “B” e que é emprestado por “B” a “C”. “C” tem um acidente e abandona o local porque está acompanhado por “D” que por ser casada não quer ser vista com “C”. E enquanto isso um “E”, alegadamente gestor de seguros dirige-se para o local do acidente, chegando mais ao menos ao mesmo tempo que a PSP, mas ninguém sabe identificar quem é esse “E”.
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FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos, com interesse para a decisão da causa, dada a inexistência ou a insuficiência de prova nesse sentido.
Os factos não provados resultam, portanto da ausência de elementos que permitam formar convicção positiva sobre os mesmos.
Consigna-se que, para apuramento da matéria de facto não foi considerado o teor dos articulados com matéria tida por irrelevante, conclusiva ou de direito.
Refira-se ainda que este Tribunal, ao abrigo do prescrito no n.º 3, do art.º 466.º, do Código de Processo Civil, não considerou suficientes as declarações de parte prestadas pelos Demandantes para dar por provados os factos alegados que não considerámos provados.
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VI – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Com a presente ação pretendem os Demandantes a condenação das Demandadas a pagar aos Demandantes [PES-1] e [PES-2], de forma solidária a quantia de € 2.095,65 (dois mil e noventa e cinco euros e sessenta e cinco cêntimos), IVA incluído, acrescida de juros de mora contados desde a citação, até integral pagamento, a título de danos materiais no veículo automóvel de que são proprietários, por responsabilidade civil decorrente de acidente de viação.
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A questão a resolver resume-se, basicamente, à verificação da existência dos pressupostos da responsabilidade civil, geradores da obrigação de indemnizar.
Prescreve o artigo 483.º, do Código Civil, que «Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação», ou seja, são elementos constitutivos da responsabilidade civil extracontratual: a existência de um facto voluntário; a ilicitude da conduta; a imputação subjetiva do facto ao agente e a existência de um dano; o nexo de causalidade entre o facto e o dano; só surgindo o dever de indemnizar quando, cumulativamente, se verifiquem tais requisitos.
O primeiro elemento pressupõe um facto voluntário violador de um dever geral de abstenção ou uma omissão que viola um dever jurídico de agir, isto é, um facto objetivamente controlável pela vontade (excluindo-se assim os casos de força maior ou por circunstâncias fortuitas). O segundo elemento (ilicitude) consiste na violação de direitos subjetivos (reais, de personalidade, familiares), de leis que protegem interesses alheios, particulares ou coletivos exprimindo a ilicitude fundamentalmente um juízo de reprovação e prevenção. O dano é a perda sofrida por alguém em consequência do facto, seja o dano real ou patrimonial. Finalmente, é necessário que o facto seja em abstrato ou em geral causa do dano (ou uma das causas), isto é, que este dano seja uma consequência normal ou típica daquele, tendo em conta as circunstâncias reconhecíveis por uma pessoa normal ou as efetivamente conhecidas do lesante. Prescreve o n.º 1 do artigo 342.º, do Código Civil, que «Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado», ou seja, regra geral compete ao Demandante a prova da verificação dos requisitos dos pressupostos da responsabilidade civil, e neste caso, provar que o acidente ocorreu nas circunstâncias alegadas no Requerimento Inicial: que a condutora do veículo automóvel “VO” não cedeu passagem ao condutor do veículo “UP” ao sair de um parque de estacionamento.
Porém, produzida a prova, a dinâmica do acidente que resultou provada foi que aquando do acidente a condutora do veículo “VO” já se encontrava na sua via, e que o condutor do veículo “UP” realizou uma manobra de contorno de um outro veículo, tendo, para o efeito, ocupado a via de trânsito da esquerda, destinada à circulação de veículos em sentido contrário ao seu, e ao invadir a via de trânsito contrária não tomou as devidas precauções, pelo que foi a sua manobra que deu origem ao acidente dos autos.
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Importa determinar, atenta a taxa de alcoolemia apresentada pelo condutor do veículo “UP” na altura do acidente se a mesma projeta algum relevo a nível de responsabilidade?
Não se trata aqui de estabelecer qualquer presunção de culpa contra o condutor que conduzia alcoolizado, apenas porque estava alcoolizado.
A jurisprudência maioritária tem entendido não dispensar a prova do nexo de causalidade entre o acidente e o estado de alcoolemia do condutor, uma vez que só existe responsabilidade civil se houver culpa do condutor, não podendo esta presumir-se.
Por outro lado, isto não significa que a taxa de alcoolemia do condutor do veículo “UP” na altura do acidente, seja irrelevante, designadamente em termos de agravamento de risco.
A este propósito dispõe o n.º 1 do artigo 81.º do Código da Estrada que é proibido conduzir sob o efeito do álcool, considerando o n.º 2 do mesmo dispositivo que conduz nessas condições o condutor que registar uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,5 gr/l. Face ao que antecede, e ao facto de o condutor do veículo “UP” apresentar uma taxa de álcool no sangue de 1,36 ou 1,74 gr./l, resulta claro que o mesmo estava legalmente proibido de conduzir, tendo violado claramente aquelas disposições, o que bem sabia. E nem adiantaria o mesmo vir dizer que estava em condições de o fazer (sendo que também nem isso fez).
Atente-se no estudo efetuado por [PES-11], Gastrenterologista e Hepatologista, Assistente Hospitalar Graduado do Serviço de Gastrenterologia e Hepatologia do Hospital Santa Maria Professor Auxiliar da FCML, [ORG-7], já refletido na sentença da Juíza de Paz Dra. Marta Nogueira, no Processo n.º 1171/2008 do Julgado de Paz de Lisboa, intitulado, “Perspetiva médica sobre taxa de alcoolemia de 0,2 mg/ml”, do qual consta que «Investigações recentes têm demonstrado que, mesmo baixas concentrações de álcool no sangue, prejudicam as capacidades do condutor, aumentando o risco de acidentes. (…) Não podemos, pois, deixar de concluir que o risco causado pela circulação de um veículo conduzido por um condutor alcoolizado é substancialmente superior ao risco de circulação de um outro veículo, devido às consequências do álcool sobre as faculdades do condutor, designadamente rapidez de reflexos e capacidade de discernimento.»
Portanto, se a razão que fez o condutor do veículo “UP” conduzir fora da sua mão de trânsito, em contramão, na faixa de rodagem destinada ao trânsito em sentido contrário e onde circulava o veículo “VO”, foi o contorno do carro do lixo, a embriaguez ou uma atitude impensada ou destrutiva, isso é com a sua consciência ou inconsciência.
Dúvidas não há que o acidente teve como sua causa a inobservância, pelo condutor Demandante, do disposto no artigo 18.º, n.º 2 do Código da Estrada, que prescreve que «O condutor de um veículo em marcha deve manter distância lateral suficiente para evitar acidentes entre o seu veículo e os veículos que transitam na mesma faixa de rodagem, no mesmo sentido ou em sentido oposto», sendo-lhe, consequentemente, imputada a culpa efetiva do acidente, pelo que o direito dos Demandantes a serem indemnizados pelos danos que lhe advieram do acidente carece de fundamento.
Consequentemente fica prejudicada a análise do remanescente pedido formulado pelos Demandantes, porquanto a análise do mesmo dependia da procedência do pedido acima analisado (cfr. artigo 608.º do Código de Processo Civil).

VII - DECISÃO
Em face do exposto, julgo a presente ação improcedente, por não provada e, consequentemente, absolvo a Demandada [ORG-2], S.A., do pedido.

VIII – RESPONSABILIDADE POR CUSTAS
As custas serão suportadas pelos Demandantes (Artigos 527.º, 607.º, n.º 6 do Código de Processo Civil - aplicáveis ex vi artigo 63.º da Lei 78/2001, de 13 de julho, na sua atual redação - e artigo 2.º da Portaria n.º 342/2019, de 1 de outubro), devendo os Demandantes efetuar o pagamento de € 70,00 (setenta euros) num dos três dias úteis subsequentes ao conhecimento da presente decisão, incorrendo numa sobretaxa de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no cumprimento dessa obrigação, até um máximo de € 140,00 (cfr. Portaria 342/2019 de 1 de outubro).
O prazo legal para proceder ao pagamento das custas é o mencionado na presente decisão, isto é, três dias úteis, pelo que, o prazo que vai indicado no Documento Único de Cobrança (DUC) é um prazo de validade desse documento, que permite o pagamento das custas fora do prazo legal. Assim, o facto de o pagamento ser efetuado com atraso não isenta o responsável do pagamento da sobretaxa, nos termos aplicáveis.
Transitada em julgado a presente decisão sem que se mostre efetuado o pagamento das custas, emita-se a respetiva certidão para efeitos de execução por falta de pagamento de custas, e remeta-se aos Serviços da Autoridade Tributária, pelo valor das custas em dívida, acrescidas da respetiva sobretaxa, com o limite máximo previsto no art.º 3.º da citada Portaria.
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Registe e notifique e após trânsito em julgado, arquive.
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Funchal, 23 de maio de 2024.

A Juíza de Paz

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Celina Alveno