Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 249/2018-JPPRT |
Relator: | MARTA M. G. MESQUITA GUIMARÃES |
Descritores: | AÇÃO DE CONDENAÇÃO |
Data da sentença: | 01/16/2019 |
Julgado de Paz de : | PORTO |
Decisão Texto Integral: | OBJECTO DO LITÍGIO O Demandante veio propor contra a Demandada a presente acção declarativa, enquadrável nas alíneas h) e i) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001 de 13 de Julho, pedindo que a Demandada fosse condenada a pagar-lhe indemnização de € 3.660,00 à data de propositura da acção (08.05.2018), bem como os valores diários previstos, € 60,00, após tal data e até ao termo da baixa médica, bem como juros vencidos e vincendos, desde a propositura da acção até efectivo e integral pagamento. Alegou, em suma, que celebrou, em Fevereiro de 2018, contrato de seguro de vida com a Demandada, e que, em 09.03.2018, participou à Demandada um sinistro, tendo entregue uma declaração médica do seu médico assistente e uma baixa médica (12 dias) por parte da médica de família do Centro de Saúde; em 20.03.2018, voltou a apresentar à Demandada uma renovação da baixa médica (30 dias) por parte da médica de família; em 17.04.2018, recepcionou comunicação da Demandada a declinar o pagamento de indemnização, tendo respondido a tal comunicação nesse mesmo dia; em 19.04.2018, voltou a apresentar nova renovação da baixa médica (30 dias) por parte da médica de família; em 29.04.2018, solicitou resposta ao pedido previamente enviado em 17.04.2018, não tendo a Demandada respondido; conclui no sentido de que a Demandada está a incumprir o que lhe propôs e que está estipulado na apólice apresentada pela Demandada – cfr. fls. 2 a 93. * A Demandada apresentou contestação a fls. 100 a 143, excepcionando a incompetência material do Julgado de Paz e concluindo, a final, pela improcedência da acção. Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do legal formalismo, consoante resulta das respectivas actas (cfr. fls. 156 e 157 e fls. 162 e 163). * QUESTÃO PRÉVIA: DA INVOCADA INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA Alegou a Demandada que os Julgados de Paz são incompetentes, em razão da matéria, para conhecer da presente acção, por entender que o presente litígio se destina a efectivar o cumprimento de obrigação pecuniária respeitante a um contrato de adesão, considerando, assim, ser aplicável o disposto na parte final da alínea a), do n.º 1, do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho. Ora, não assiste razão à Demandada. Com efeito, a exclusão constante da indicada norma tem por finalidade evitar a denominada “litigância de massas”, isto é, evitar que sejam propostas, nos Julgados de Paz, acções, por parte das entidades/sociedades consideradas grandes litigantes e que visam efectivar obrigações de carácter pecuniário contra os particulares/outras entidades societárias que com elas celebraram contratos. No fundo, o que visa tal exclusão é obstar a que os Julgados de Paz se vejam confinados a apreciar e decidir acções que visam a cobrança coerciva de obrigações pecuniárias em que sejam credores grandes litigantes. Tal norma não pode, naturalmente, ser interpretada no sentido em que o é pela Demandada, sob pena de desconsiderar um dos propósitos visados pela resolução alternativa de litígios: a resolução, primordialmente pela via consensual, dos “pequenos conflitos” que opõem, designadamente, os consumidores e as grandes empresas. Em face do exposto, julga-se não verificada a invocada excepção de incompetência em razão da matéria. * O Julgado de Paz é competente em razão da matéria (cfr. alíneas h) e i) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho), do território (cfr. artigo 12.º, nº 1, da indicada Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho) e do valor, que se fixa em € 4.140,00 (cfr. artigos 300, n.º 1, e 306.º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, doravante CPC, aplicáveis ex vi artigo 63.º da mencionada Lei n.º78/2001, de 13 de Julho Na falta de indicação em contrário, os artigos do CPC referidos na presente sentença são aplicáveis ex vi artigo 63.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho.). As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas. * FACTOS PROVADOS COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO DA CAUSA A. O Demandante é engenheiro civil. B. Em 20.12.2017, o Demandante recebeu um contacto telefónico, por parte da mediadora C., da rede “ X”, tendo do mesmo resultado um potencial interesse para apresentação de simulação de proposta para uma apólice Multiriscos, no âmbito de um protocolo da Demandada com a Ordem dos Engenheiros. C. Em 07.02.2018, e no seguimento do contacto mencionado no precedente facto provado, o Demandante entregou documentos que lhe foram solicitados pela Demandada, de modo a ser efectivada a proposta de uma apólice do ramo Vida, no âmbito do indicado protocolo da Demandada com a Ordem dos Engenheiros, sendo o Demandante a pessoa segura, consubstanciados i. no preenchimento de um questionário médico pelo Demandante, datado de 07.02.2018, ii. no preenchimento de um questionário médico referente a “hipertensão arterial” pelo médico assistente do Demandante, datado de 05.02.2018 e, ainda, iii. na simulação da proposta de apólice do ramo Vida, igualmente datada de 07.02.2018. D. Do questionário médico preenchido pelo Demandante e aludido no precedente facto consta a seguinte pergunta: “4. Está sob algum tipo de tratamento médico para alguma doença grave ou crónica (incluindo alterações dos valores de Colesterol e Tensão Arterial)? Qual?”, tendo o Demandado respondido o seguinte: “Sim, tensão arterial.” E. Do questionário médico referente a “hipertensão arterial” preenchido pelo médico assistente do Demandante e aludido no facto provado C, consta que o Demandante efectua “terapêutica anti-hipertensiva”, com “V.”, “há 4 meses”, sendo uma terapêutica “sempre em curso”, constando, ainda, a seguinte conclusão: “HTA primária, sem lesões orgão – alvo e sem doença clínica associada”. F. Em 07.02.2018, o Demandante recepcionou as Condições Especiais – Protocolo com as Ordens Profissionais. G. De entre as Condições Especiais mencionadas no precedente facto provado, constam as seguintes: “Condição Especial 11 – TVI/Garantia complementar – Incapacidade total temporária para o trabalho Artigo 1.º - Definições Para efeitos da presente Condição Especial, considera-se: Doença – a alteração natural e involuntária do estado de saúde, não causada por acidente, reconhecida por autoridade médica competente por meio de atestado. (…) Incapacidade Total Temporária para o trabalho – a completa impossibilidade física ou mental, temporária e clinicamente comprovada de, em consequência de doença ou acidente, a Pessoa Segura exercer a profissão declarada ao segurador e efectivamente desempenhada à data do acidente ou do início da doença.” (…) Artigo 3.º - Exclusões 1. Considera-se excluída do âmbito da presente garantia, ficando o Segurador, nestes casos, desonerado de qualquer obrigação, a incapacidade total temporária da pessoa segura em consequência de: (…) 2. Para além das exclusões previstas no número anterior, considera-se também excluída do âmbito da presente garantia, ficando o segurador desonerado de qualquer obrigação, a incapacidade total temporária da pessoa segura em consequência de: (…) h) lesões não consolidadas, resultantes de acidente, bem como doenças ou enfermidades de carácter evolutivo, anteriores à data da subscrição da proposta, excepto se nenhum sintoma da doença se manifestar no decurso dos 2 anos seguintes à data do efeito do contrato.” H. Em 14.02.2018, o Demandante rececepciou carta da Demandada referente à apólice n.º 0TGA…/….., com “data efeito: 12.02.2018”, assim como recepcionou carta da Demandada referente às Condições Particulares da indicada apólice, a qual apresenta as seguintes garantias: garantia principal – morte; garantia complementar – morte por acidente; garantia adicional – efeito duplo; garantia adicional – invalidez total e definitiva; garantia complementar – invalidez total e definitiva por acidente; garantia complementar – exoneração de pagamento de prémios; garantia complementar – invalidez profissional; garantia complementar – incapacidade total temporária para o trabalho. I. No que respeita à garantia complementar – incapacidade total temporária para o trabalho, consta das Condições Particulares, o seguinte: “Em caso de incapacidade total temporária para o trabalho da pessoa segura, antes de 31 de dezembro do ano em que a pessoa segura atinja os 65 anos de idade, o segurador obriga-se a liquidar a indemnização diária correspondente a um por mil do capital seguro da garantia principal morte (n.º 1 do Art.º 2º). A indemnização será devida depois de decorrido o período de franquia absoluta de 30 dias e paga mensalmente, independentemente da duração do período de incapacidade (n.º 2 do Art.º 2.º)”. J. Em 14.02.2018, foi apresentada e formalizada uma actualização do capital seguro, com entrega de nova simulação da apólice do ramo Vida. K. Em 24.02.2018, o Demandante recepcionou carta referente à Acta Adicional às Condições Particulares da apólice n.º 0TGA…./…., em face da actualização do capital seguro, constando como “Data de Efeito da Alteração: 20-02-2018”, com as mesmas garantias já mencionadas nos precedentes factos provados H e I. L. Em 09.03.2018, o Demandante apresentou no balcão da Demandada uma participação de sinistro, composta por uma declaração médica do seu médico assistente, datada de 09.03.2018, segundo a qual: “Declaro para os devidos efeitos que o Sr. A., de…anos de idade, tem um quadro clínico de hipertensão arterial de difícil controlo. Neste contexto, é aconselhável um período de “baixa”, caso a colega concorde, pois o stress profissional pode ser a causa da hipertensão arterial e responsável pela sua manutenção.”, e uma baixa médica de 12 dias por parte da médica de família do centro de saúde, igualmente datada de 09.03.2018, nos termos da qual se declara que o Demandante “se encontra em estado de doença incapacitante para a sua actividade profissional”, sendo tal doença “natural”, mais se mencionando como “motivo da consulta – stress profissional”. M. Em 20.03.2018, o Demandante apresentou no balcão da Demandada uma renovação da baixa médica de 30 dias por parte da médica de família do centro de saúde, datada de 20.03.2018, a qual é, no que se reporta aos motivos da baixa médica, à doença e ao motivo da consulta, idêntica à baixa mencionada no precedente facto provado. N. Em 17.04.2018, o Demandante recebeu uma comunicação da Demandada, datada de 12.04.2018, a declinar o pagamento da indemnização, tendo a mesma o seguinte teor: “Na sequência da informação recebida analisamos a cobertura de Invalidez Total Temporária e Exoneração de Pagamento de Prémios que nos termos das Condições Especiais da sua Apólice, estão garantidas de acordo com as definições das mesmas ao abrigo do n.º 2 alínea h) do Artigo 3.º - Exclusões da Condição Especial 11 e do n.º 2 alínea h) do Artigo 5.º da Condição Especial 13, respectivamente e que transcrevemos: “lesões não consolidadas, resultantes de acidente, bem como doenças ou enfermidades de carácter evolutivo, anteriores à data da subscrição da proposta, excepto se nenhum sintoma da doença se manifestar no decurso dos 2 anos seguintes à data do efeito do contrato.” Nestas circunstâncias e após apreciação efetuada pelo nosso Departamento Clínico à informação médica disponibilizada concluímos que tendo em conta a data início do contrato, 12 de fevereiro de 2018 e as declarações médicas constantes do Questionário Médico preenchido no ato de subscrição do Contrato em 07 de fevereiro de 2018, não há lugar ao pagamento da indemnização decorrente do accionamento das referidas coberturas ao abrigo das Condições aplicáveis. Esclarecemos ainda que a patologia declarada no ato de subscrição de Contrato, bem como todas as consequências dela decorrentes ficam excluídas deste Contrato de Seguro, uma vez que a mesma se manifestou no decurso dos 2 anos após data de início do Contrato de Seguro em causa.” O. Na mesma data mencionada no precedente facto provado, o Demandante respondeu à comunicação aí igualmente referida, afirmando “total discordância do seu teor, pois como se comprova na transcrição das condições especiais da apólice supracitada, a V/ justificação nada tem a ver com o quadro clínico atual!”. P. Em 19.04.2018, o Demandante apresentou no balcão da Demandada uma nova renovação da baixa médica de 30 dias por parte da médica de família do centro de saúde, a qual é, no que se reporta aos motivos da baixa médica, à doença e ao motivo da consulta, idêntica às baixas mencionadas nos factos provados L e M. Q. Em 29.04.2018, o Demandante solicitou à Demandada resposta à sua exposição de 17.04.2018, mencionada no facto provado O. * FACTOS NÃO PROVADOS COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO DA CAUSA Não se deram como não provados quaisquer factos com relevância para a decisão da causa. * FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Ao pronunciar-se pela forma acabada de enunciar quanto à matéria de facto em causa nos autos, o Tribunal firmou a sua convicção na análise crítica e conjugada que dos meios de prova fez. Assim, os factos A, D, E, F, G e I foram tomados em consideração à luz do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alíneas a) e b), do CPC, sendo certo que os factos A, D, E, F e I resultaram provados em face dos documentos juntos com o requerimento inicial, não impugnados pela Demandada, especificamente os questionários médicos, o e-mail enviado pela mediadora C. ao Demandante em 07.02.2018, constante de fls. 20 dos autos, e no qual a mesma informa que seguem em anexo “Condições Especiais – Protocolo com as Ordens Profissionais” e o documento intitulado “Seguro de Vida – Ordem dos Engenheiros/Condições Particulares”; já o facto G resultou provado por via dos documentos juntos com a contestação, especificamente, o documento intitulado “Temporário vida individual/condições especiais/protocolos”, não impugnado pelo Demandante. Os factos B, J e Q resultaram provados por via de admissão (cfr. artigo 574.º, nº 1 e 2 do CPC), sendo que o facto B foi, em parte (no se reporta ao protocolo da Demandada com a Ordem dos Engenheiros) tomado em consideração à luz do disposto no indicado artigo 5.º, n.º 2, alíneas a) e b) do CPC. Já os factos C, H, K, L, M, N, O e P resultaram provados por via de admissão (cfr. aludido artigo 574.º, nº 1 e 2 do CPC), conjugados com a documentação junta com o requerimento inicial, especificamente, questionários médicos, simulação da proposta de apólice do ramo Vida, documento intitulado “Seguro de Vida – Ordem dos Engenheiros/Condições Particulares”, documento intitulado “Seguro de Vida – Ordem dos Engenheiros/A sua Apólice”, documento intitulado “Seguro de Vida – Ordem dos Engenheiros/Acta Adicional às Condições Particulares”, participação de sinistro, acompanhada da declaração médica e baixa médica, ulteriores baixas médicas, carta da Demandada datada de 12.04.2018 e enviada ao Demandante, e-mail do Demandante de 17.04.2018 em resposta e novo e-mail do Demandante de 29.04.2018. Cumpre, ainda, mencionar que parte da factualidade em causa nestes pontos (especificamente, H, K, L, M, N, O e P) foi tomada em consideração à luz do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alíneas a) e b) do CPC. * O DIREITO Os presentes autos respeitam a um alegado incumprimento de um contrato de seguro, da parte da Demandada, na qualidade de seguradora, ao declinar o pagamento de indemnização contratualizada com o Demandante, na qualidade de tomador de seguro. Ora, da factualidade provada resulta que foi, efectivamente, celebrado entre as partes um contrato de seguro, cujo regime se encontra previsto no Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril (Regime Jurídico do Contrato de Seguro). Tal diploma legal não contém uma definição geral do contrato de seguro, porém, e seguindo de perto JOSÉ A. ENGRÁCIA ANTUNES In “O Contrato de Seguro na LCS de 2008”, Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa: O.A.. – ISSN 0870-8118 – A. 69, n.º 3 e 4 (Jul.–Dez. 2009), p. 815-858., pode considerar-se como contrato de seguro o contrato “pelo qual uma pessoa singular ou colectiva (tomador de seguro) transfere para uma empresa especialmente habilitada (segurador) um determinado risco económico próprio ou alheio, obrigando-se a primeira a pagar uma determinada contra-partida (prémio) e a última a efectuar uma determinada prestação pecuniária em caso de ocorrência do evento aleatório convencionado (sinistro).” No caso, foi celebrado um contrato de seguro do ramo vida, correspondente, na terminologia do regime jurídico do contrato de seguro, aos contratos de seguro de pessoas (cfr. artigos 175.º e seguintes), os quais compreendem a cobertura de riscos relativos à vida, à saúde e à integridade física de uma pessoa ou de um grupo de pessoas nele identificadas (cfr. artigo 175.º, n.º 1). Os contratos de seguros podem ter três grandes grupos de condições contratuais: a) as condições gerais, cláusulas contratuais padronizadas aplicáveis a todos os seguros de um determinado ramo ou modalidade, b) as condições especiais, que concretizam, delimitam ou completam as condições gerais relativamente a certa submodalidade ou tipo de contrato de seguro e, se as houver, c) as condições particulares, que respeitam, especificamente, a cada concreto contrato de seguro, nomeadamente adaptando-o às particulares características do risco coberto ou das pessoas ou coisas seguras. Ora, o Demandante delimitou a causa de pedir da presente acção (e, por conseguinte, o seu objecto) no alegado incumprimento, por parte da Demandante, do contrato de seguro “ramo Vida” que com ela celebrou, em Fevereiro de 2018, tendo por base a interpretação da cláusula constante da alínea h), do n.º 2, do artigo 3.º da “Condição Especial 11 – Garantia Complementar – Incapacidade Total Temporária para o Trabalho”, pois, no entendimento do Demandante, tal cláusula não é aplicável no caso, ao contrário do entendimento da Demandada, com o qual fundamentou o não pagamento da indemnização após a participação do sinistro efectuada pelo Demandante. Note-se, assim, que não é alegado, pelo Demandante, qualquer incumprimento da Demandada com base em eventual violação de deveres de informação ou de esclarecimento (cfr., designadamente, artigo 23.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro), pois o Demandante não alega não ter sido informado ou esclarecido, designadamente, do teor de tal cláusula contratual (a que foi alegada pela Demandada como fundamento para o não pagamento da indemnização), por parte da Demandada: o que o Demandante alegou (como causa de pedir para a pretensão que deduziu nos presentes autos) foi que a Demandada tinha efectuado uma errada interpretação do disposto na indicada alínea h), do n.º 2, do artigo 3.º da “Condição Especial 11 – Garantia Complementar – Incapacidade Total Temporária para o Trabalho”. Destarte, a matéria controvertida nos presentes autos resume-se à correcta interpretação do disposto na invocada cláusula: se a interpretação dada pela Demandada ou se a interpretação dada pelo Demandante. Vejamos, então. Deu-se como provado o teor da aludida cláusula, que reza do seguinte modo: “Artigo 3.º - Exclusões 1. Considera-se excluída do âmbito da presente garantia, ficando o Segurador, nestes casos, desonerado de qualquer obrigação, a incapacidade total temporária da pessoa segura em consequência de: (…) 2. Para além das exclusões previstas no número anterior, considera-se também excluída do âmbito da presente garantia, ficando o segurador desonerado de qualquer obrigação, a incapacidade total temporária da pessoa segura em consequência de: (…) h) lesões não consolidadas, resultantes de acidente, bem como doenças ou enfermidades de carácter evolutivo, anteriores à data da subscrição da proposta, excepto se nenhum sintoma da doença se manifestar no decurso dos 2 anos seguintes à data do efeito do contrato.” Também se deu como provado que, antes da celebração do contrato de seguro, o Demandante preencheu um questionário médico, nos termos do qual, à pergunta “4. Está sob algum tipo de tratamento médico para alguma doença grave ou crónica (incluindo alterações dos valores de Colesterol e Tensão Arterial)? Qual?”, respondeu “Sim, tensão arterial.”; mais se deu como provado que do questionário médico referente a “hipertensão arterial” preenchido pelo médico assistente do Demandante, igualmente antes da celebração do contrato, consta que o Demandante efectua “terapêutica anti-hipertensiva”, com “V.”, “há 4 meses”, sendo, portanto, uma terapêutica “sempre em curso”, constando, ainda, a seguinte conclusão: “HTA primária, sem lesões orgão – alvo e sem doença clínica associada”. Deu-se, ainda, como provado que a Demandada declinou o pagamento da indemnização com base no disposto na aludida alínea h), do n.º 2, do artigo 3.º da “Condição Especial 11 – Garantia Complementar – Incapacidade Total Temporária para o Trabalho”, por considerar que “tendo em conta a data início do contrato, 12 de fevereiro de 2018 e as declarações médicas constantes do Questionário Médico preenchido no ato de subscrição do Contrato em 07 de fevereiro de 2018, não há lugar ao pagamento da indemnização decorrente do accionamento das referidas coberturas ao abrigo das Condições aplicáveis. Esclarecemos ainda que a patologia declarada no ato de subscrição de Contrato, bem como todas as consequências dela decorrentes ficam excluídas deste Contrato de Seguro, uma vez que a mesma se manifestou no decurso dos 2 anos após data de início do Contrato de Seguro em causa.” Finalmente, deu-se como provado que o Demandante respondeu à comunicação da Demandada por via da qual esta declina o pagamento da indemnização, afirmando “total discordância do seu teor, pois como se comprova na transcrição das condições especiais da apólice supracitada, a V/ justificação nada tem a ver com o quadro clínico atual!”. Ora, da cláusula cuja interpretação é controvertida entre as partes consta, claramente, que se considera excluída do âmbito da garantia complementar denominada “incapacidade total temporária para o trabalho” – ficando, por conseguinte, o segurador desonerado de qualquer obrigação –, a incapacidade total temporária da pessoa segura em consequência de (ao que ao caso importa) doenças ou enfermidades de carácter evolutivo, anteriores à data da subscrição da proposta, excepto se nenhum sintoma da doença se manifestar no decurso dos 2 anos seguintes à data do efeito do contrato. Isto é: a incapacidade total temporária da pessoa segura em consequência de doenças ou enfermidades de carácter evolutivo, existentes à data da subscrição da proposta, é excluída do âmbito da garantia em causa, o que significa que, caso a pessoa segura fique incapacitada total e temporariamente para o trabalho por via de doença ou enfermidade de carácter evolutivo já existente à data da subscrição da proposta, o seguro não cobre tal incapacidade. A excepção a este regime é a que se encontra plasmada na parte final da indicada cláusula: excepto se nenhum sintoma da doença se manifestar no decurso dos 2 anos seguintes à data do efeito do contrato. Isto é: se no decurso de 2 anos após a data do efeito do contrato nenhum sintoma da doença, já existente à data da subscrição da proposta, se manifestar, e a pessoa segura venha (portanto, após esses 2 anos) a ficar incapacitada total e temporariamente para o trabalho por via dessa mesma doença, então aí, sim, o seguro já cobrirá essa incapacidade. Ora, é evidente, no caso, que a doença invocada pelo Demandante para usufruir da garantia complementar “incapacidade total temporária para o trabalho”, plasmada na declaração médica por si apresentada, é a hipertensão arterial, portanto, doença já existente à data da subscrição da proposta (07.02.2018), tal como o Demandante declarou no questionário médico que entregou à Demandada, assim como o seu médico assistente declarou no questionário que igualmente preencheu e que foi entregue à Demandada. Pelo que, a correcta interpretação do disposto na indicada cláusula só pode ser a interpretação que é feita pela Demandada. Na verdade, o Demandante apenas poderia usufruir da garantia complementar “incapacidade total temporária para o trabalho” em consequência da hipertensão arterial (portanto, doença já existente aquando da data da subscrição da proposta) após terem decorrido 2 anos sobre a data de efeito do contrato, sem que, durante esses 2 anos, se tivesse manifestado qualquer sintoma da doença. Sem prejuízo de todo o exposto, cumpre, ainda, mencionar o seguinte: conforme, igualmente, se deu como provado, no que respeita a esta garantia complementar, consta das Condições Particulares do contrato de seguro celebrado entre as partes que “Em caso de incapacidade total temporária para o trabalho da pessoa segura, antes de 31 de dezembro do ano em que a pessoa segura atinja os 65 anos de idade, o segurador obriga-se a liquidar a indemnização diária correspondente a um por mil do capital seguro da garantia principal morte (n.º 1 do Art.º 2º).”, sendo que “A indemnização será devida depois de decorrido o período de franquia absoluta de 30 dias e paga mensalmente, independentemente da duração do período de incapacidade (n.º 2 do Art.º 2.º)”. Portanto, mesmo que, porventura, a interpretação que o Demandante faz da cláusula constante da alínea h), do n.º 2, do artigo 3.º da “Condição Especial 11 – Garantia Complementar – Incapacidade Total Temporária para o Trabalho” estivesse correcta – e já se concluiu que não está –, sempre o Demandante não teria direito ao pagamento da indemnização que reclama atento o período de franquia absoluta de 30 dias: note-se que o presente contrato iniciou a sua vigência em 12.02.2018 e, logo no dia 09.03.2018 (portanto, menos de 30 dias), o Demandante se encontrava a participar um sinistro à Demandada, não respeitando, assim, o período de franquia absoluta de 30 dias. Em face de todo o exposto, não ocorreu o alegado incumprimento contratual por parte da Demandada, pelo que, a pretensão do Demandante terá que improceder. * DECISÃO Face a quanto antecede, julgo improcedente a presente acção e, em consequência, absolvo a Demandada dos pedidos contra ela formulados. Custas a suportar pelo Demandante, parte que se declara vencida – cfr. artigos 8.º e 9.º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro. Registe e remeta cópia da sentença, por correio postal registado, à Demandada, atenta a falta de comparência na presente data e hora (17.30h), agendadas para leitura de sentença. Porto, 16 de Janeiro de 2019 A Juíza de Paz, (Marta M. G. Mesquita Guimarães) Processado por computador (Artigo 18.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho). Revisto pela signatária. |