Sentença de Julgado de Paz
Processo: 48/2024-JPCBR
Relator: CRISATINA EUSÉBIO
Descritores: PAGAMENTO DE INDEMNIZAÇÃO POR DANO CAUSADO NUM CABO DE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA
Data da sentença: 12/05/2024
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

PROC. N.º 48/2024-JPCBR

RELATÓRIO

IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES

Demandante: [ORG-1] S.A., com sede na [...], 43, [...]

Demandada: [ORG-2], Unipessoal Lda, com sede na [...] n.º 10, [...] em [...]

E

[PES-1], residente na [...] n.º 10, [...] em [...]

OBJECTO DO LITíGIO

A Demandante intentou a presente ação declarativa, em 21 de março de 2024, pedindo a condenação dos Demandados ao pagamento de indemnização por dano causado num cabo de fornecimento de energia elétrica, que computa em €538,14 que os demandados terão provocado na prossecução de trabalhos de corte e abate de árvores, em outubro de 2018

Para tanto, alegou os factos constantes do requerimento inicial de fls. 1 a 8, cujo teor se dá por reproduzido e juntou x documentos.

Regularmente citados, os demandados apresentaram contestação de fls. 24 a 28 que igualmente se dá aqui por reproduzida, alegando por exceção, a ilegitimidade do 2º demandado e a prescrição do direito que a demandante pretende exercer e por impugnação negando terem provocado qualquer dano na propriedade da demandante, na medida em que quando chegaram ao local, algumas árvores já se encontravam caídas arrastando os cabos elétricos que ficaram por baixo destas.

Juntou x documentos que aqui se dão por reproduzidos.

A demandante pronunciou-se sobre as exceções alegadas, exercendo o contraditório por requerimentos de fls. 44 a 46 e 60 a 61.

TRAMITAÇÃO E SANEAMENTO

Afastado o recurso à mediação para a composição do presente litígio, agendou-se a audiência de discussão e julgamento.

A audiência de julgamento realizou-se com observância das formalidades legais, conforme da ata que antecede se alcança. Foram juntos os documentos de fls 62 a 64.

O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do território e do valor - que se fixa em €538,14 – artºs 297º nº1 e 306º nº2, ambos do C. P. C.

A questão a decidir por este tribunal circunscreve-se à responsabilidade dos demandados pela ocorrência de danos na esfera jurídica da demandante.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO

DA PRESCRIÇÃO

A relação material controvertida enquadra-se na responsabilidade civil extracontratual, tal como definida nos artigos 483º e seguintes do Código Civil.

Nos termos do disposto no art. 498º n.º 1 do referido Código:” O direito de indemnização prescreve no prazo de 3 anos a contas da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete (…).

Esta regra comporta a exceção prevista no nº 3 do referido normativo que dispõe: ” Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável. “

A aplicação deste alargamento do prazo prescricional, segundo a jurisprudência maioritária, não está dependente de, previamente, ter corrido processo crime, e eventual condenação penal. A aplicação do referido prazo alargado de prescrição do direito de indemnização depende apenas da mera possibilidade da subsunção dos factos à previsão da norma penal.

Assim, para beneficiar deste prazo, a demandante terá de alegar e provar que a conduta dos demandados constitui, no caso concreto, determinado crime, cujo prazo de prescrição é superior aos 3 anos consignados no n.º 1 do preceito, enquanto pressuposto essencial para a improcedência da exceção alegada pelos demandados.

Assim, haveremos de nos deter sobre a matéria alegada no requerimento inicial e sobre a que se considera provada e não provada nos presentes autos, para podermos apreciar da exceção.

Dos artigos 8º a 27, 41º, 45º, 46º, 50º e 51º resulta a descrição da ocorrência e a qualificação da conduta dos demandados. Os factos alegados podem enquadrar a previsão legal do crime de dano.

Para ocorrer o crime de dano será necessário o preenchimento do tipo objetivo e subjetivo do crime. O tipo objetivo de ilícito consiste em “destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa alheia”.

O preenchimento subjetivo do tipo de crime de dano pressupõe o dolo, que pode aqui assumir qualquer das suas modalidades previstas no artigo 14.º do Código Penal (dolo direto, necessário ou eventual).

Estes elementos encontram-se alegados pela demandante.

Já no que diz respeito à prova produzida, a demandante não logrou provar a autoria dos factos que relata, na medida em que nenhuma testemunha os presenciou e o responsável pela elaboração da ficha de ocorrência a fls. 9 dos autos - [PES-2] -, não se recorda do evento concreto e não se recorda quem lhe terá dito que os demandados tinham danificado o cabo e em que circunstâncias ou como obteve a informação e identificação.

Por seu turno, os demandados trouxeram aos autos prova de que, por altura do furacão Leslie, que assolou com gravidade a zona centro do país, as árvores foram arrancadas com a força do vento, tendo a empresa demandada sido contratada, pela proprietária do terreno em causa, para retirar as referidas árvores.

A testemunha [PES-3] - conhecedor da zona e que por ser presidente da junta de freguesia, foi ao local logo após a tempestade para desimpedir a estrada - referiu que ao chegar ao local viu eucaliptos de grande porte “arrancados pela tempestade” e que estes tinham caído sobre o poste e “o cabo ficou preso num sobreiro e o resto no chão” (cit.). Esta declarações coincidem com as declarações da testemunha [PES-4], que trabalha para a demandada, que referiu que quando chegou ao local, viu árvores “bem grossas caídas no chão que tinham partido o poste de eletricidade. O cabo estava debaixo das árvores” sendo que a sua atuação se limitou a cortar a carregar as árvores caídas e a proceder ao corte das que subsistiam (mais finas) que não causaram qualquer dano no cabo, uma vez que este já se encontrava caído.

Os depoimentos referidos foram conjugados com os documentos de fls. 62 a 64.

Ora, não resultando provada a ligação do facto ao agente, quer na perspetiva de subsunção ao tipo legal de crime de dano (procedência da exceção de prescrição), quer na perspetiva da responsabilidade civil aquiliana (do mérito da causa), a presente ação haverá de improceder.

Assim, fica prejudicada a análise da restante prova e requisitos da responsabilidade civil.

DECISÃO

Em face do exposto e das disposições legais aplicáveis, julga-se a presente ação totalmente improcedente, por prescrição do direito que a demandante pretende ver reconhecido nos autos.

CUSTAS

Custas a cargo da demandante, que se declara parte vencida, nos termos e para os efeitos do art. 3º da Portaria n.º 342/2019 de 1 de Outubro devendo ser pagas, no prazo de 3 (três) dias úteis a contar da notificação desta sentença –ainda que o prazo de validade do DUC seja mais alargado - , sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efetivo cumprimento dessa obrigação.

A falta de pagamento das custas acarreta a sua cobrança por processo de execução fiscal.

Registe.

Após trânsito, arquive-se.

Coimbra, 5 de dezembro de 2024

A Juíza de Paz,

(Cristina Eusébio)