Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 43/2017-JPCBR |
Relator: | MARGARIDA SIMPLÍCIO |
Descritores: | AÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM/ RETIFICAÇÃO DE ÁREA DE PRÉDIO RÚSTICO E DIVISÃO DO MESMO POR USUCAPIÃO. |
Data da sentença: | 11/30/2018 |
Julgado de Paz de : | COIMBRA |
Decisão Texto Integral: | SENTENÇA Processo n.º 43/2017-J.P. CBR RELATÓRIO: Os demandantes, FS., NIF …, e mulher OS., NIF. …, casados sob o regime de comunhão de adquiridos residentes na Rua …, em Souselas, representados por mandatário constituído. Requerimento Inicial: As partes são donos e legítimos proprietários, em comum e na proporção de 1/3 para cada, do prédio rústico, composto de Vinha e terra de cultura, no …, com a área de 8.476 metros quadrados, a confrontar do norte com MN., do sul com AD., do nascente com Caminho e do poente com estrada, inscrito na matriz rústica sob o artigo …, da …, o qual proveio do artigo rústico … da extinta freguesia de …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número …, freguesia de …. A terça parte indivisa do prédio veio à posse dos Demandantes cerca do ano de 1985, altura em que com o consentimento dos pais e sogros dos demandantes começaram a cuidar da vinha que nele ao tempo existia. No entanto apenas realizaram a escritura de dação em pagamento no ano de 2009, uma vez que os demandantes realizaram várias obras de conservação em prédios urbanos dos pais da demandante dado que a sua condição económica na altura não lhes permitia realizar as obras necessárias para o arrendamento de tais imóveis. Assim acharam por bem os pais da demandante entregarem-lhe o prédio em pagamento uma vez que estes já o cuidavam e usufruíam. Embora o mencionado prédio se encontre inscrito no serviço de Finanças e descrito na Conservatória do Registo Predial como se de um único prédio se tratasse, há mais de 20 anos que as partes dividiram e demarcaram o prédio em três parcelas distintas e autónomas. A parcela dos demandantes tem a seguinte descrição: prédio rústico composto de terra de semeadura, com a área de 2.108 metros quadrados, sito nas …, a confrontar do norte e nascente com MJ. e HJ., do sul com AD. e do poente com Estrada. Após a divisão material, começaram a cuidar e a tomar conta da sua parcela, convictos de serem os legítimos possuidores e únicos donos da mesma, bem como que cada uma das parcelas constituía um prédio autónomo. Com efeito, vêm os desde essa altura, usando e fruindo da sua parcela de terreno, semeando-a e amanhando-a com culturas agrícolas, cuidando-a e vigiando-a, pagando os respectivos impostos e dela retirando todos os proveitos e utilidades, pelo que, constitui cada parcela, um prédio uno e uma unidade económica distinta do prédio mãe, não sendo os Demandantes obrigados a permanecer em compropriedade. Tudo isto vêm fazendo por si, sem oposição de ninguém, de boa-fé, de modo público e pacífico, continuamente e à vista de toda a gente, na convicção de que exercem um direito próprio. Pelo que, assim sendo, como efetivamente o é, o prédio em questão encontra-se dividido em três parcelas distintas há mais de 20 anos, adquirindo os Demandantes a parcela de terreno identificada em 6º, deste articulado, através da Usucapião, que aqui expressamente invocam para todos os devidos e legais efeitos. A área correta do terreno é de 8.277 metros quadrados e não a de 8.070 metros quadrados como consta da certidão matricial bem como do Registo da Conservatória, devendo-se a mesma a mera divergência a erro de medição. Concluem pedindo que: A) se digne rectificar a área do prédio rústico, inscrito na matriz rústica sob o artigo …, da …, o qual proveio do artigo rústico … da extinta freguesia de …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número …, freguesia de …, de modo a constar a área de 8.277m2, por ser a correta; B) seja declarado a seu favor o direito de propriedade sobre a parcela acima identificada, a qual tem a seguinte descrição: prédio rústico composto de terra de semeadura, com a área de 2.108 metros quadrados, sito nas …, a confrontar do norte e nascente com MJ. e HJ., do sul com AD. e do poente com Estrada, com fundamento na Usucapião. Juntou 3 documentos.
MATÉRIA: Ação de divisão de coisa comum, enquadrada no art.º 9, n.º1, alínea E) da L.J.P. OBJETO: Retificação de área de prédio rústico, e divisão do mesmo por usucapião. VALOR DA AÇÃO: 2.000€ (dois mil euros, art.º 305, n.º4 e 306, ambos do C.P.C.).
Os Demandados, Herança ilíquida e indivisa, aberta por óbito de AB., representada pelos herdeiros: MB, viúva, NIF. …, residente na Rua …, em …; e, JB., solteiro, maior, residente na Rua …; e ainda MJ., viúva, NIF. …, residente na Rua …, em …; HJ., NIF. …, casada com CM., sob o regime de comunhão de adquiridos e residente na …, em Lisboa. Todos estão regularmente citados, conforme registos de receção juntos de fls. 23 a 25 e de fls. 35 e 36, não tendo apresentado contestação.
TRAMITAÇÃO: Realizou sessão de mediação sem consenso das partes. As partes são legítimas e dispõem de capacidade judiciária. O processo está isento de nulidades que o invalidem na totalidade. O Tribunal é competente em razão da matéria, valor e território.
AUDIENCIA DE JULGAMENTO: Foi iniciada dando cumprimento ao disposto no art.º 26, n.º1 da L.J.P., sem obtenção de consenso das partes, seguindo-se para produção de prova, com declarações de parte, audição das testemunhas, e terminando com alegações finais, como se infere da ata de fls. 80 a 81.
-FUNDAMENTAÇÃO- I-DOS FACTOS PROVADOS: 1) As partes são donos e legítimos proprietários, em comum e na proporção de 1/3 para cada, do prédio rústico, composto de Vinha e terra de cultura, no sítio das …, com a área de 8.277 metros quadrados, a confrontar do norte com MN., do sul com AD., do nascente com Caminho e do poente com estrada, inscrito na matriz rústica sob o artigo …, da … 2) O referido prédio proveio do artigo rústico … da extinta freguesia de ... 3) O prédio referido em 1 está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número …, freguesia de …. 4) Cerca do ano de 1985 que os demandantes passaram a cuidar de 1/3 indiviso do prédio, no qual na época tinha uma vinha. 5) Apenas em 2009 foi realizada a escritura de dação em pagamento a favor dos demandantes. 6) O que sucedeu pois os demandantes realizaram obras de conservação nos prédios urbanos dos pais da demandante, pois a sua condição económica não lhes permitia realizar as obras necessárias para o arrendamento de tais imóveis 7) Os pais da demandante entregarem-lhes o prédio em pagamento uma vez que já o cuidavam e usufruíam. 8) Há mais de 20 anos que as partes dividiram e demarcaram o prédio referido em 1, em três parcelas distintas e autónomas. 9) Os demandantes ficaram com a parcela do prédio rústico composto de terra de semeadura, com a área de 2.108 metros quadrados, sito nas …, a confrontar do norte e nascente com MJ. e HJ., do sul com AD. e do poente com Estrada. 10) Os demandantes começaram a cuidar e a tomar conta da sua parcela. 11) Os demandantes estão convictos que são os legítimos possuidores e únicos donos da mesma. 12) Os demandantes estão convictos que cada uma das parcelas constituía um prédio autónomo. 13) Os demandantes vêm os desde essa altura, usando e fruindo da sua parcela de terreno. 14) Os demandantes vêm semeando e amanhando a parcela referida em 9, com culturas agrícolas. 15) Os demandantes vêm cuidando e vigiando a parcela referida em 9. 16) Os demandantes pagam os impostos da parcela referida em 9. 17) Os demandantes retiram os proveitos e utilidades que a parcela referida em 9 lhes proporciona. 18) O que vêm fazendo por si, sem oposição de ninguém. 19) Estando de boa-fé, de modo público e pacífico. 20) O que exercem continuamente e à vista de toda a gente, na convicção de que exercem um direito próprio.
MOTIVAÇÃO: O Tribunal sustenta a decisão com base na análise critica dos documentos junto aos autos, conjugado com as declarações de parte dos demandados, proferidas nos termos do art.º 57, n.º 1 da L.J.P. Na realidade os demandados admitiram que o prédio mãe proveio de uma herança de todos, mas que cada um deles passou apenas a usar e a fruir de uma determinada parcela que entre eles foi identificada e individualizada, o que fazem com a concordância dos demais interessados, há mais de 20 anos, mas sem procederem formalmente à separação das parcelas. Procederam ao respectivo levantamento topográfico do prédio mãe, documento junto aos autos a fls. 10, de forma a individualizarem as parcelas como unidades individuais e independentes, entre si. O facto com o n.º 5 resulta do documento 2, junto de fls. 8 a 9.
II - O DIREITO: Existe compropriedade quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa (art.º 1403 do C.C.). O direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei (art.º 1311 do C.C.). Nos termos do previsto no art.º 1287 do C.C., “a posse do direito de propriedade (…), mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação, o que se denomina por usucapião”. A usucapião mais não é do que a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, desde que se revista de determinadas características e durante certo período temporal – (art.º 1287 do C.C.). Por seu turno, a posse, nos termos do art.º 1251 do C.C. é o poder que se manifesta (exercício de poderes de facto) sobre uma coisa, em termos equivalentes ao direito de propriedade ou de outro direito real, traduzindo-se no corpus: elemento material, que mais não é do que a assunção de poderes de facto sobre a coisa e no "animu": o exercício de tais poderes de facto como titular do respetivo direito de propriedade ou de outro direito real. A usucapião traduz-se numa forma originária de aquisição do direito, ou seja, reconhece-se que o seu titular recebe o direito, independentemente do direito do anterior titular, pelo que para a mesma poder ser eficaz, é necessário avaliar se existem actos de posse e se os mesmos foram exercidos em moldes conducentes à aquisição do direito, isto é, com a intenção de corresponder ao direito real invocado, "in casu", ao direito de propriedade, durante um certo lapso de tempo e com determinadas características. No que tange às características da posse, de acordo com o disposto nos art.º 1258 a 1262, todos do C.C., pode a mesma ser titulada ou não titulada, de boa ou de má-fé, pacífica ou violenta, pública ou oculta, o que tem relevância para a quantificação do prazo reputado como suficiente, para que se verifique a usucapião – (art.º 1294 a 1296 todos do C.C). Para que se possa iniciar a contagem do prazo para a usucapião, é necessário que não ocorra uma situação de posse violenta ou de tomada ocultamente (art.º 1297 C.C), situações que a lei exclui como suscetíveis de serem usucapíveis. No entanto, para que a posse possa conduzir à usucapião, tem de revestir determinadas características (as descritas no art.º 1258 do C.C), em que se inclui a exigência de ser uma posse pacífica e que tem de ser complementada com a prática reiterada dos actos de posse, de acordo com o estatuído no art.º 1263, alínea a), do C.C. Para além de que, como referem P. de Lima e A. Varela, in Código Civil Anotado, Vol. III, 2.ª Edição Revista e Atualizada (Reimpressão), Coimbra Editora, 1987, a págs. 25 e 26, sem a prática reiterada e pública dos actos de posse, nos termos do artigo 1263.º, al. a), do CC, a posse não existe, nem se constitui, valendo esta alínea como um complemento ou uma confirmação do conceito de posse expresso no art.º 1251 do C. C. No caso concreto está provado que as partes são comproprietárias de um prédio rústico composto de Vinha e terra de cultura, no sítio das …, com a área de 8.277 metros, quadrados, a confrontar do norte com MN., do sul com AD., do nascente com Caminho e do poente com estrada, que se encontra inscrito na matriz rústica sob o artigo …, da ... Mais se provou que 1/3 desse prédio pertencia aos pais e sogros dos demandantes. Entretanto, os demandantes começaram a cuidar da vinha que na época nele existente, o que faziam com o consentimento daqueles. No ano de 2009 foi realizada escritura de dação em pagamento entre os demandantes e seus pais e sogros. Entretanto, as partes de comum acordo, tinham procedido entre si à individualização de três parcelas de terreno sobre o referido prédio rústico, compondo-se a das demandantes de prédio rústico composto de terra de semeadura, com a área de 2.108 metros quadrados, sito nas …, a confrontar do norte e nascente com MJ. e HJ., do sul com AD. e do poente com Estrada, a qual corresponde ao prédio a) referido no levantamento topográfico, junto a fls. 10. E, desde aí que vêm, cada uma deles, a semear e amanhar a referida parcela de terreno com culturas agrícolas, pagam o respectivo imposto, tratam e cuidam dessa parcela, o que fazem de forma contínua, pública e sem oposição de quem quer que seja. Os descritos actos materiais que os demandantes têm exercido sobre a coisa, correspondem ao corpus da posse equivalente ao direito de propriedade sobre a parcela de terreno. E, como também resulta provado, praticaram todos esses actos com a convicção de exercerem um direito sobre coisa sua e, portanto, com a convicção de serem os donos/proprietários do prédio rústico em causa.
Por outro lado, parece não haver dúvidas relativamente ao facto de a posse ser pública e pacífica. Sendo uma posse pública porque sempre foi exercida, de forma continuada e ao longo dos anos, à vista do público em geral e de modo a poder ser conhecida pelos interessados (art.º 1262 do C.C.), nomeadamente os demandados. E é uma posse pacífica porque foi adquirida sem qualquer violência; nomeadamente, pela forma como adquiriram o prédio, negócio verbal, sem qualquer coação física ou moral, e sem qualquer outro tipo de violência (art.º 1261 do C.C.). Está em causa, portanto, uma posse que, sendo pública e pacífica, é suscetível de facultar ao possuidor a aquisição do direito por usucapião (art.º 1287 do C.C.). Quer isto dizer que há mais de 20 anos, anos que tratam daquela parcela do prédio rústico, convictos que o fazem por terem adquirido esse direito. Acresce que nada na lei permite negar ao possuidor de parcela inferior à unidade de cultura o direito potestativo de aquisição por usucapião, atenta a fórmula constante do art.º 1287.º do CC, não autorizando interpretação nesse sentido o disposto no art.º 1376 do C.C. Efetivamente, há que ter presente que a usucapião é uma forma de aquisição originária do direito de propriedade, tornando irrelevantes eventuais vícios, de natureza formal ou substancial precedentes, atinentes à alienação ou transferência da coisa para o seu novo titular. Assim o entende o Prof. A. Varela (vide nota 6. do comentário ao art.º 1379.º, no CC anotado), quando escreve “Se, através de um negócio jurídico nulo (v.g. por falta de forma) se realizar um fracionamento ou troca contrários ao disposto nos art.ºs 1376.º e 13768.º do C.C. se, na sequência disso, se constituírem as situações possessórias correspondentes, aqueles preceitos não obviam a que estas situações se consolidem por usucapião, logo que se verifiquem todos os requisitos legais nesse sentido”, in neste sentido AC. do STJ de 6/4/2017, processo 1578/11.9TBVNG.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt. Face ao exposto, terão de proceder totalmente os pedidos dos Demandantes. DECISÃO: Nos termos expostos julga-se procedente a presente ação, declarando-se que: o prédio rústico, inscrito na matriz rústica sob o artigo …, da …, o qual proveio do artigo rústico … da extinta freguesia de …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número …, freguesia de …, possui a área de 8.277m2; mais se declara que os demandantes são os donos e legítimos proprietários de um prédio rústico, composto de terra de semeadura, com a área de 2.108 metros quadrados, sito nas …, a confrontar do norte e nascente com MJ. e HJ., do sul com AD. e do poente com Estrada, o qual deverá ser desanexado do anterior, com fundamento em usucapião passando a ser um prédio distinto e autónomo. Mais se ordena ao cancelamento do registo das inscrições a favor dos Demandantes ali inscritas, nos termos dos artigos 8°, 13° e 85 n°l e) e n°2 do Código de Registo Predial. São da responsabilidade dos demandantes, devendo proceder ao pagamento da quantia de 35 (trinta e cinco euros) no prazo de 3 dias úteis, sob pena da aplicação da sobretaxa diária no valor de 10 (dez euros). Notificada e proferido nos termos do art.º 60, n.º2 da L.J.P. Coimbra, 30 novembro de 2018 A Juíza de Paz (redigido pela signatária, art.º 131, n.º5 do C.P.C.)
(Margarida Simplício) |