Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 32/2011-JP |
Relator: | ANTÓNIO CARREIRO |
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL - ACIDENTE DE VIAÇÃO |
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Data da sentença: | 03/25/2011 |
Julgado de Paz de : | SETÚBAL |
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Decisão Texto Integral: | Sentença (N.º 1, do art.º 26.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho) Matéria: Responsabilidade civil contratual e extracontratual (Alínea h ), do n.º 1, do art.º 9.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho). Objecto do litígio: pedido de indemnização por danos resultantes de acidente de viação. Demandante: A Mandatária:B Demandada: C Mandatário: 1 - D e 2 - E Valor da acção: € 965,66 Do requerimento Inicial O demandante alega que, em 30 de Setembro de 2009, pelas 16 horas e 40 minutos, conduzia o seu veículo de matrícula LH, Marca Renault, que se encontrava a circular na Azinhaga dos Touros, em Setúbal, e pretendia virar à esquerda ao entrar na Avenida das Descobertas, para o que parou antes de aceder a esta. Iniciou a marcha e “de forma repentina e inopinada” surgiu o veículo de matrícula MS, de propriedade de F, conduzido por G, seguro na demandada, que provinha da Rua Cristóvão Colombo e pretendia atravessar a Avenida das Descobertas, mas não lhe cedeu passagem e embateu no seu veículo, quando este estava já imobilizado a fim de evitar o embate. Do acidente resultaram danos no LH na frente esquerda, avaliados pela demandada em 805,66 € e quatro dias de privação do uso para peritagem e reparação, que, à razão de 40,00 € diários, somam a quantia de 160,00 €. Sustenta que há culpa exclusiva do condutor do MS que conduzia por conta de outrem. Mais alega, conforme requerimento inicial de fls 3 a 13, que aqui se dá como reproduzido e juntou documentos. Pedido Requer a condenação da demandada no pagamento da quantia de 965,66 €. Da contestação A demandada contestou, em síntese, admitindo o contrato de seguro e a verificação do acidente naquela data, hora, local e intervenientes. Discorda da descrição do circunstancialismo, descrevendo a sua versão, designadamente referindo que o MS também se imobilizou à entrada do cruzamento e que seguiu em frente para a Azinhaga dos Touros e foi embatido, já parado, pelo LH, sublinhando que o embate se deu na frente esquerda do LH e na porta lateral esquerda do MS e ainda que aquele efectuou uma mudança de direcção. Mais alega, conforme contestação de fls 45 a 47, que aqui se dá como reproduzida, concluindo pela culpa exclusiva do condutor do LH e pela improcedência da acção e juntou documentos. Tramitação Foi marcada pré-mediação para o dia 14-02-2011, que não se realizou, por a demandada dela ter prescindido. A audiência de julgamento foi agendada para o dia 23-02-2011, que se realizou, conforme acta de fls 82. Foi marcada leitura de sentença para esta data. Factos provados Com base nas declarações das partes, testemunhas e documentos, dão-se como provados os seguintes factos: 1 – O demandante, em 30 de Setembro de 2009, pelas 16 horas e 40 minutos, conduzia o veículo de matrícula LH, Marca Renault, que se encontrava a circular na Azinhaga dos Touros, em Setúbal, e pretendia virar à esquerda ao entrar na Avenida das Descobertas, para o que parou antes de aceder a esta. 2 - Iniciou a marcha e surgiu o veículo de matrícula MS, de propriedade de F, conduzido por G, seguro na demandada, que provinha da Rua Cristóvão Colombo e pretendia atravessar a Avenida das Descobertas em linha recta para a Azinhaga dos Touros (donde o demandante provinha). 3 – Os veículos embateram um no outro, nas duas hemifaixas da Avenida das Descobertas do lado da Azinhaga dos Touros, a frente lateral esquerda do LH na frente lateral esquerda do MS, mas neste com incidência na porta do condutor. 4 – Ambos os veículos se imobilizaram à entrada da Avenida das Descobertas (havendo sinal de cedência de passagem também de ambos os lados à entrada desta), ambos se avistaram reciprocamente e prosseguiram (cada um na convicção de que o outro deveria ceder a passagem), tendo o demandante visto a manobra do MS ao chegar e entrar na Avenida das Descobertas e o condutor do MS a do demandante. 5 – O LH iniciou a mudança de direcção para a esquerda antes de atingir as hemifaixas do lado posterior à sua entrada na Avenida das Descobertas e nas quais pretendia circular, desviando-se para o lado esquerdo do eixo da sua linha de marcha (eixo da via Azinhaga dos Touros) que não é coincidente com o eixo da Rua Cristóvão Colombo que é mais à esquerda e invadiu a trajectória do MS. 6 - Do acidente foi lavrado auto, pela GNR, junto ao processo. 7- O proprietário do MS transferira a sua responsabilidade civil pela circulação do veículo, por seguro contra terceiros, titulado pela apólice n.º x, para a demandada. 8 – O veículo LH sofreu danos na frente lateral esquerda, no montante de 805,66 €, esteve imobilizado um dia para a peritagem e necessita de três dias de imobilização para ser reparado, estimando o demandante um prejuízo de 40,00 € diários por este facto. 9 – O demandante não reparou o veículo até esta data. 10 – O veículo LH encontra-se registado a favor de H. Factos não provados 1 - Não provado que o demandante fosse à data do acidente e seja o proprietário do LH. Fundamentação O demandante vem requerer a condenação da demandada no pagamento da quantia de 965,66 €, a título de indemnização por danos, resultantes de acidente de viação, ocorrido nos termos acima já descritos. Alegou no essencial o que já se resumiu acima e a demandada contestou como também já se resumiu acima. Produzida a prova deram-se como assentes os factos provados e não provados, constantes das rubricas com o mesmo nome. A convicção do tribunal assentou nas declarações das partes e testemunhas e nos documentos. Das testemunhas salienta-se o depoimento de I que viu o acidente e foi credível e imparcial, não tendo a outra testemunha relevância para a prova dos factos. A questão principal a decidir é a de saber quem foi o responsável pela produção do acidente, e caso a culpa seja do condutor do MS, fixar os danos resultantes do mesmo e o seu montante, a indemnizar pela demandada. Antes, porém, tem de analisar-se a ilegitimidade do demandante, uma vez que não se considera provado que o mesmo fosse e seja o proprietário do veículo LH. Ilegitimidade do demandante O demandante invoca que é proprietário do veículo LH. Este é o facto mais controverso da acção. O veículo LH encontra-se registado a favor de H, presumindo-se a titularidade do direito de propriedade a favor deste mas podendo esta presunção ser ilidida. O demandante, alegou ser o seu proprietário e juntou uma declaração de venda para registo de propriedade, apenas preenchida por H no campo vendedor, assinada por este sem data (modelo 2 da DGRN) e cópia do Bilhete de Identidade e Cartão de Contribuinte deste, bem como cópia do certificado de matrícula do veículo em nome de H. Alegou em audiência que já tinha adquirido o veículo há algum tempo e referiu que podia juntar a factura “se necessário”. Em esclarecimentos disse que tinha consciência que o “outro proprietário” poderia vir requerer o pagamento dos mesmos danos. Conduzia o veículo à data do acidente e referiu que ainda não o arranjou e não tem circulado com o mesmo. Na contestação não foi impugnada a propriedade do veículo. Juntou após a audiência uma cópia de factura da sociedade vendedora, tendo a demandada vindo a opor-se a tal junção por extemporânea. Como decorre do antecedente, o conjunto destes factos não foi suficiente para se dar como provada a titularidade do direito de propriedade do demandante sobre o veículo LH, por três ordens de razões. Em primeiro lugar, porquanto nos julgados de paz os efeitos da contestação não são coincidentes com os do Código de Processo Civil (CPC). Na verdade face ao disposto na Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho (Lei dos Julgados de Paz –LJP), designadamente no n.º 2, do artigo 58.º, a falta de contestação não implica só por si a confissão dos factos alegados, sendo necessário para tal que cumulativamente também haja falta à audiência de julgamento não justificada. Da interpretação desta norma resulta que quem não conteste mas compareça na audiência de julgamento poderá fazer a contraprova do alegado no requerimento inicial. Não poderá contudo invocar factos novos para sua defesa já que para os invocar terá necessariamente de invocá-los na contestação, para que não impeça a outra parte de preparar a sua defesa e ser, na audiência de julgamento, surpreendida com argumentos que não previa nem lhe era exigível que previsse. Isto posto, resulta que para a contestação nos julgados de paz não impera o ónus da impugnação especificada decorrente do artigo 490.º do CPC, que não é completamente compatível com o disposto na LJP, só sendo o CPC aplicável quando compatível (artigo 63.º da LJP). Se quem não contesta pode fazer contraprova, não se dando os factos alegados como provados, também quem contesta não pode ficar sujeito ao ónus de impugnação especificada, o que se traduziria numa desvantagem para quem contestasse, o que não seria aceitável face à harmonia do sistema. No caso presente, a demandada não impugnou a propriedade do veículo LH na contestação mas fê-lo em audiência de julgamento e tal não pode ser tido como facto novo, estranho à acção até àquele momento, porquanto é o demandante que – e bem – refere a questão da propriedade no requerimento inicial, limitando-se a demandada a afirmar em audiência que ao que sabe – pelo registo de veículos - o demandante não é o proprietário do veículo e por isso, alegando que o é, deve prová-lo. Ou seja, a demandada não suscitou nenhuma questão nova, sendo-lhe lícito exigir a prova da propriedade ao demandante. Em segundo lugar, porquanto o demandante alegou a propriedade e em consequência cabia-lhe fazer a prova desse facto, tanto mais que junta cópia do certificado de matrícula onde figura outrem como proprietário. Preocupou-se até com a questão, uma vez que juntou os documentos já referidos. Porém, subestimou esta matéria, não tendo sequer junto, na audiência, a factura, que depois veio a juntar. Sobre a factura diga-se que, no rigor dos princípios, não deve ser admitida, como defende a demandada, na medida em que a questão não surgiu como facto novo na audiência de julgamento – se o tivesse sido seria admitida para não prejudicar o direito de defesa do demandante – mas antes decorre do próprio requerimento inicial do demandante. Mas se o fosse também a decisão seria a mesma, porquanto a factura é de uma empresa que vende este veículo, mas o veículo era propriedade da empresa ou a empresa vendeu um bem alheio? Não se sabe por não provado. O contrato de compra e venda de coisas móveis pode ser celebrado verbalmente (não há exigência de forma legal - artigo 219.º do Código Civil) o que torna a sua prova possível pelo depoimento testemunhal, tendo sido relativamente fácil ao demandante fazer essa prova mas este nem sequer preencheu a declaração de venda para efeitos de registo com o seu nome e lhe apôs uma data (claro que se iria sujeitar às sanções registais). Em terceiro lugar porquanto os elementos constantes do processo indiciam tão só a posse do veículo pelo demandante (mas só à data do acidente; a afirmação de que ainda o possui não passa de mera afirmação não comprovada) mas não que esta posse tenha os requisitos, designadamente de tempo, que não foi alegado nem na audiência (nem mesmo se verificaria a atender na data da factura junta) e de “animus possidendi” e aqui deixa-se a expressão latina por se tratar de conceito arreigado mas que significa a intenção de possuir como proprietário, necessários para declarar o direito pela usucapião que, aliás diga-se, deve ser invocada e também não se verificaria a avaliar pelos elementos de que se dispõe. O demandante poderia ter registado a viatura em seu nome e provar que o contrato de compra fora anterior pelos documentos e testemunhas ou no mínimo fazer a prova deste contrato do mesmo modo. É ainda de realçar que mesmo que a demandada não tivesse suscitado a questão da propriedade do veículo na audiência, sempre o demandante teria e devia ter preparado a sua prova já que esta é elemento essencial para se analisar a legitimidade do demandante, sendo esta de conhecimento oficioso obrigatório (isto é a prova da propriedade do veículo sempre teria de ser feita pelo demandante, independentemente da demandada a suscitar). Não estando feita a prova de que o demandante é o proprietário do veículo, não tem este legitimidade processual activa, nos termos do artigo 26.º do Código de Processo Civil, por não ter interesse directo em demandar, como aliás o próprio demandante manifestou saber quando revelou ter conhecimento de que “outro proprietário” poderia intentar a mesma acção. Não sendo o demandante parte legítima, improcede a acção, sendo a demandada absolvida da instância (artigos 493.º, n.º 1 e 2, 494.º, e), 495.º e 288.º, n.º 1, d), do CPC). Verificada esta excepção, fica prejudicada a análise da questão principal. Decisão Em face do que antecede, absolvo a demandada da instância. Custas Nos termos dos n.ºs 8.º e 10.º, da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, o demandante é declarado parte vencida para efeito de custas, pelo que deve efectuar o pagamento de 35,00€, relativos à segunda parcela de custas, no Julgado de Paz, no prazo de três dias úteis, a contar da data da notificação para o efeito, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de 10,00 € (dez euros) por cada dia de atraso. Cumpra-se o disposto no n.º 9.º da mesma Portaria em relação à demandada. Esta sentença foi proferida e notificada às partes presentes, nos termos do art.º 60.º, n.º 2, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, ficando as mesmas cientes de tudo quanto antecede. Envie-se cópia aos que faltaram e notificação para pagamento e reembolso de custas Julgado de Paz de Setúbal (Agrupamento de Concelhos), em 25-03-2011 O Juiz de Paz António Carreiro |