Sentença de Julgado de Paz
Processo: 115/2012-JP
Relator: FILOMENA MATOS
Descritores: INCUMPRIMENTO CONTRATUAL
Data da sentença: 05/27/2013
Julgado de Paz de : VILA NOVA DE POIARES
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA


Processo n.º x
1-Identificação das partes
Demandante: N
Demandada: O
2-OBJECTO DO lITIGIO
A Demandante intentou a presente acção com base em incumprimento contratual, pedindo que a Demandada seja condenada:
a) a pagar-lhe a quantia de €1.254,02, pelas pedras por si adquiridas e não pagas;
b) e ainda juros legais comerciais vencidos desde a data do vencimento das facturas, até à entrada da ação no valor de € 245,87, e vincendos, até efectivo e integral pagamento;
Para tanto, alegou os factos constantes do requerimento inicial de fls. 1 a 2, cujo teor se dá por reproduzido, juntou 7 documentos e procuração forense.
A Demandada foi regularmente citada, e contestou conforme resulta de fls. 16 a 19, alegando a incompetência material do julgado de paz, a ilegitimidade da demandante e o pagamento da divida outros.
Verificam-se os pressupostos de regularidade e validade da instância, inexistindo questões prévias ou nulidades que obstem ao conhecimento do mérito da causa, além das que a seguir se apreciarão.

A audiência de julgamento realizou-se com observância das formalidades legais, conforme da ata que antecede se alcança.

3– FUNDAMENTAÇÃO
Factos Provados
1-A demandante é uma sociedade por quotas, que se dedica à transformação e comercialização de mármores, granitos e seus derivados.
2-No exercício da sua actividade, demandante e demandada contrataram o fornecimento das pedras discriminados nas facturas n.º R, S, T, U, V, respetivamente datadas de 12-12-2011, 28-02-2012, 09-03-2012, e 17-04-2012 no valor total de € 4.108,00, nas quantidades e medidas solicitadas pela segunda.
3-Faturas essas, que deveriam ser liquidadas pela demandada, respetivamente em 27-12-2011, 14-03-2012, 14-03-2012, 24-032012, 02-05-2012 e 15-05-2012, o que não sucedeu.
4-A demandada fez pagamentos por conta no valor de € 2.690,00, relativamente à primeira fatura.
Factos não provados
1-Não foi acordado entre demandante e demandada qualquer prazo, para proceder ao pagamento das faturas.
2-Atendendo às boas relações entre as partes acordaram que a demandada pagaria na medida das suas possibilidades financeiras.
Motivação
A convicção probatória do tribunal ficou a dever-se à prova produzida nos presentes autos, nomeadamente as declarações do representante legal da demandante, (sendo que a demandada, não compareceu nem a primeira, nem na segunda data designada para realização da audiência), documentos juntos de fls. 3 a 9 e depoimento da testemunha.
Os factos assentes em 1 e 2 consideram-se admitidos por acordo, nos termos do art. 490º, nº2 do C.P.C.
Os restante facto, enumerado sob o numero 3 e 4 resultou das faturas e conta corrente juntas e do teor do depoimento da testemunha inquirida, M.L.N., funcionária da demandante que prestou um depoimento isento e credível relativamente aos factos sobre os quais depôs, todos do seu conhecimento pessoal.
Confirmando que da fatura nº R, a demandada pagou o valor referido na contestação, razão pela qual, e relativamente à mesma só peticionaram a quantia de € 522,32.
Quanto aos factos considerados não provados, resultou da ausência de mobilização probatória, que permitisse que o tribunal aferir da veracidade dos mesmos, porquanto, nem a demandada, nem o seu mandatário compareceram nas audiências de julgamento agendadas.
4–O DIREITO
Da excepção da incompetência material do Julgado de Paz invocada.
Prescreve a alínea a), do nº 1, do artigo 9º, da Lei nº 78/2001, de 13 de Junho, que os Julgados de Paz são competentes para apreciar e decidir as acções destinadas a efectivar o cumprimento de obrigações, com excepção das que tenham por objecto prestação pecuniária e de que seja ou tenha sido credor originário uma pessoa colectiva.
Compulsados os autos, verificamos que a demandante é pessoa colectiva, titular originária de um crédito, (num processo fundado em quatro contratos de prestação de serviços, na modalidade de empreitada) cujo pagamento requer, pelo que o objecto do pedido, é uma prestação pecuniária.
Ora, sabendo-se que as pessoas colectivas podem ser parte, enquanto demandante ou demandada nos Julgados de Paz, (cfr. artigo 37º, da citada Lei, que prescreve “Nos processos instaurados nos Julgados de Paz podem ser partes pessoas singulares, com capacidade judiciária, ou colectivas, sem prejuízo do disposto na alínea a), do nº 1, do artº 9º.”), e verificando-se que a situação apresentada nos autos enquadra-se também, na alínea i), do n.º 1, do art. 9.º do mesmo diploma, por consubstanciar um incumprimento contratual, é nosso entendimento, que o enquadramento no âmbito da alínea a) prevalece sobre o enquadramento na referida alínea i), sempre que a acção vise exclusivamente o cumprimento de obrigação pecuniária de que o credor originário seja ou tenha sido pessoa colectiva.
Ou seja, entendemos que, no caso concreto, se está perante uma situação subsumível à alínea a), do nº 1, do artigo 9º, da Lei nº 78/2001.
Assim, resta-nos interpretar o sentido e alcance da excepção estabelecida na referida alínea a).
Ora, sabendo-se que o legislador não afastou, nem pretendeu afastar as pessoas colectivas, enquanto tal, da utilização dos Julgados de Paz e que as mesmas podem, como se disse, ser parte activa ou passiva nos processos que correm termos nos Julgados de Paz; sabendo-se que os casos concretos podem ser subsumíveis simultânea e cumulativamente em várias alíneas do nº 1 do referido artigo 9º ( v.g. a situação dos autos, nas alíneas a) e i) e no caso dos condomínios (equiparados a pessoa colectiva), quando se requer a condenação dos condóminos no pagamento de prestações pecuniárias, nas alíneas a) e c), se a excepção prevista na alínea a), do nº 1, do artigo 9º, se sobrepusesse a todas as alíneas do referido nº 1, seriam raros os casos em que uma pessoa colectiva poderia recorrer aos Julgados de Paz.
Haveria pois, uma redução exagerada das competências destes, não pretendida, nem pensada, pelo legislador, o qual, como sabemos, pretendeu, com esta excepção unicamente evitar a litigância de massa (cfr. acórdão do STJ de 27 de Maio de 2007) nos Julgados de Paz, impedindo o congestionamento destes tribunais, com estas acções, normalmente interpostas por grandes empresas, em grande quantidade e de baixo valor.
Assim, considerando o pensamento do legislador, e interpretando-o, entendemos que nos casos em que o demandante é uma pessoa colectiva, e peticiona o cumprimento de obrigação pecuniária, terá de, no caso concreto, de se analisar, se se está ou não, perante “litigância de massa” e, em caso negativo, decidir pela competência do Julgado de Paz.
Concluindo, a letra da alínea a) do nº 1, do artigo 9º, tem de ser interpretada restritivamente, harmonizada com o espírito do legislador, enquadrada com a unidade do sistema Jurídico.
Posto isto, sabendo-se que os critérios aferidores da litigância de massa são a repetição em grande escala de acções do mesmo tipo, interpostas por empresas grandes, litigantes habituais, de venda de bens e serviços (por exemplo seguradoras, operadoras de telecomunicações, sociedades de crédito ao consumo), tendo por objecto a cobrança de dívidas (normalmente de baixo valor) em regra resultantes de contrato de adesão (o contrato de adesão encontra-se habitualmente ligado à litigância de massa) e considerando-se que a demandante não se enquadra nestes critérios, sendo interposta por uma sociedade comercial por quotas, verdadeiramente uma micro empresa, onde o contacto entre os contraentes é humanizado, (como decorre das palavras da própria demandada que refere as boas relações existentes entre as partes) existindo toda a vantagem em ser resolvido no espírito de justa composição dos litígios, razão pelo qual, decidimos que o caso em apreço, não se encontra abrangido na excepção da alínea a), do nº 1, do artigo 9º, da Lei nº 78/2001, sendo o Julgado de Paz materialmente competente para conhecer do seu mérito, improcedendo a excepção deduzida.
Da ilegitimidade da demandante
Na contestação, a demandada por entender que pagou a divida reclamada alegou que, a demandante não tem por isso interesse em agir, razão pelo qual é parte ilegítima, requerendo a absolvição da instância.
Cumpre decidir.
Colocada está pois, a questão da legitimidade do demandante, pelo que importa começar por verificar os textos da lei para, em conformidade, decidir e se definir se estão no processo, "como Autor e como Réu as partes exactas" (Antunes Varela - S. e Nora- J. M. Bezerra, Manual de Processo Civil, 2ª edição, 1985, Coimbra Editora, pág. 129 - citando Henckel), ou seja, se "o autor e o réu são os sujeitos que podem discutir a procedência da acção" (Miguel Teixeira de Sousa, As partes, o objecto e a prova na acção declarativa, LEX, 1995, pág. 45).
Estamos no âmbito da legitimidade activa, e por isso dir-se-á que tem legitimidade como Autor a pessoa que, juridicamente, tem interesse directo em demandar, o qual se exprime pela utilidade derivada da procedência da acção: é o critério que a lei processual civil fornece, nos nºs 1 e 2, do art. 26º, do CPC.
Diz ainda o nº 3 que, a não ser que haja lei em contrário, serão titulares de interesse relevante para aferição de legitimidade, os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo Autor.
Assim, um Autor "só tem legitimidade, só é parte legítima, quando propondo a acção tem um benefício se a vir julgada procedente" e "um réu só tem legitimidade, só é parte legítima, quando sendo contra ele proposta uma acção tem um prejuízo se a vir julgada procedente" (Ferreira Pinto, ob. cit., pag. 126), tudo isto verificado em face do que é alegado pelo Autor (como referia, ainda antes da nova redacção do art. 26º, nº 3, CPC, Maria José Oliveira Capelo - Interesse Processual e Legitimidade Singular nas Acções de Filiação, Studia Iuridica, nº 15, Coimbra Editora, 1996, pág. 192 - no "nosso ordenamento jurídico -processual (...) este pressuposto processual tem de ser averiguado em face das afirmações concludentes do autor, atendendo-se à configuração subjectiva dada pelo autor à situação material controvertida").
No caso em apreço, pode dizer-se que a demandante interpõe a acção contra a demandada, por entender que é ela a responsável pelo valor em divida, em função dos contratos de empreitada celebrados entre as partes, e alegando da sua parte o cumprimento, facto esse, que a demandada na sua contestação, não nega (referindo unicamente que já pagou) sendo desta forma, que a demandante configura a relação material controvertida: se, de facto, a final, resultar provado que assim não é, então - aí sim - estaremos diante da questão da procedência do pedido ("A relação intersubjectiva, tal como o autor a configurou, não existe . A decisão é de mérito e não processual" - M. J. Oliveira Capelo, ob. cit. pág. 177) .
Em face do exposto, só pode concluir-se que as partes nestes autos são legítimas, sendo que, em concreto, a demandada, poderá vir a ser absolvida do pedido, caso resulte provada a versão por si apresentada.
Assim sendo, julga-se improcedente a excepção de ilegitimidade da demandante e, em consequência, consideram-se as partes legítimas.
Aqui chegados, e face à factualidade dada como assente resta enquadra-la juridicamente, assim, demandante e demandada celebraram cinco contratos de empreitada.
A empreitada é uma das modalidades do contrato de prestação de serviço, “sendo um contrato sinalagmático, oneroso, comutativo e consensual” in direito das obrigações, parte especial – contratos, de Pedro Romano Martinez.
Nos contratos em apreço, as partes celebraram entre si, um acordo no qual a Demandante (empreiteiro/fabricante de mármores e granitos) se obrigou a fornecer as pedras nas medidas e quantidades solicitadas pela demandada, mediante o pagamento do preço ajustado.
Dispõe o art. 1207.º do Cód. Civil (CC) que a ”empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga à outra a realizar certa obra, mediante um preço”, resultando desta definição três elementos: os sujeitos (empreiteiro e dono da obra), a realização de uma obra (resultado material), e o pagamento do preço (retribuição).
Da relação jurídica emergente de uma empreitada, derivam obrigações recíprocas e interdependentes: a obrigação de realizar uma obra tem, como contrapartida, o dever de pagar o preço.
Temos assim que, do lado do empreiteiro, a principal obrigação é a de obter um certo resultado material (art. 1207.º do CC), que se traduz na execução da obra nas condições convencionadas, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato (art. 1208.º do CC).
Enquanto, do lado do dono da obra, e em contrapartida, impende o dever principal de, caso aceite a obra, pagar o preço ajustado o que, na ausência de convenção ou uso em contrário, deve ser efetuado no ato daquela aceitação (art. 1211.º, n.º 2 do CC).
Vejamos então, se ambas as partes cumpriram o acordado.
Da matéria provada, conclui-se que da parte da Demandante, foi cumprida a sua obrigação contratual, pois alcançou o resultado material das empreitadas com o fornecimento das pedras encomendadas.
Contudo, da parte da demandada não foi realizada a prestação a que se vinculou, uma vez que não cumpriu a sua obrigação de pagamento integral do preço ajustado e faturado, com violação do disposto no art. 1211.º, n.º 2 do CC, e dos princípios da pontualidade e da boa-fé (arts. 406.º, n.º 1 e 762.º, n.º 1, ambos do Código Civil), não obstante, após a aceitação da obra, executada nas condições convencionadas e sem vícios ou defeitos (cfr. arts. 1208.º e 1218.º, ambos do C.C.).
Pelo exposto, resta-nos a condenação da demandada ao pagamento da divida reclamada, ou seja o valor de € 4.108,00.
Adicionalmente, a demandante pede o pagamento de juros vencidos e vincendos, ora, verificando-se um retardamento da prestação por causa imputável ao devedor, ora Demandado, constitui-se este em mora e, consequentemente, na obrigação de reparar os danos causados ao credor, ora Demandante – art. 804º do C. Civil.
Nos termos do art. 805º, n.º 1, do C. Civil, o devedor fica constituído em mora, depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.
Contudo, a alínea a), do nº 2 do mesmo preceito legal refere “Há mora do devedor independentemente de interpelação se a obrigação tiver prazo certo”, o que sucede no caso em apreço, pois as faturas têm datas de vencimento, ao contrário do alegado pela demandada.
Os juros moratórios legais ou sem determinação de taxa ou quantitativo, relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou colectivas, por atrasos no pagamento de transacções comerciais, como é o caso, são os fixados no art. 102.º do Cód. Comercial e Portaria n.º 597/2005, de 19-07, que remete para Avisos da DGT, a divulgação das taxas referentes aos semestres subsequentes.
Em conformidade e a título de juros vencidos, a demandada deve o valor de € 245,87 ao que acresce juros sobre o valor em divida, desde a data da entrada da acção (21.12.2012) e vincendos às taxas de juro legalmente aplicáveis até integral pagamento.
5-DECISÃO
Face ao que antecede, e de acordo com as disposições legais aplicáveis, julgo a presente acção procedente por provada e, em consequência condeno a Demandada a pagar à Demandante a quantia de 4.353,87 €, ao que acresce juros de mora vincendos, sobre o capital em divida até efectivo e integral pagamento, às taxas supletivas legais aplicáveis para os créditos de que sejam titulares empresas comerciais.
Custas:
Pela Demandada, que declaro parte vencida (n.º 8 da Port. n.º 1456/2001, de 28-12).
As custas devem ser pagas no Julgado de Paz no prazo de 3 (três) dias úteis a contar da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efectivo cumprimento dessa obrigação (n.º 10 da Port. n.º 1456/2001, de 28-12, alterado pela Port. n.º 209/2005, de 24-02).
Notifique, e a Demandada para o pagamento das custas.
Em relação à Demandante, cumpra o disposto no n.º 9 da Port. n.º 1456/2001.
Registe.
Vila Nova de Poiares, 27 de maio de 2013.
Revisto pela signatária. Verso em branco.

A Juíza de Paz,
(Filomena Matos)