Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 276/2007-JP |
Relator: | PAULA PORTUGAL |
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL - ACIDENTE DE VIAÇÃO |
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Data da sentença: | 12/21/2007 |
Julgado de Paz de : | VILA NOVA DE GAIA |
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Decisão Texto Integral: | Sentença I – Identificação Das Partes Demandante: A Demandada: B II – Objecto Do Litígio O Demandante veio propor contra a Demandada, a presente acção declarativa destinada a efectivar a responsabilidade civil emergente de acidente de viação, enquadrada na alínea h) do n.º 1 do Art.º 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, pedindo a condenação desta a pagar-lhe, a título de indemnização, a quantia de € 3.650,00 (três mil seiscentos e cinquenta euros), sendo € 2.500,00 pela reparação da viatura sinistrada, € 1.000,00 pela paralisação da mesma e € 150,00 a título de danos não patrimoniais. Alegou, para tanto, que no dia 13 de Setembro de 2006, pelas 16h 10m, ocorreu um acidente de viação na Rua do Pavilhão, em Gulpilhares, Vila Nova de Gaia, em que foram intervenientes os veículos ligeiros de passageiros com a matrícula LB, propriedade do Demandante e pelo mesmo conduzido à altura e AF, propriedade de C e conduzido por D, por conta, no interesse e sob as ordens do seu proprietário; que o referido acidente se traduziu no embate entre as viaturas indicadas, nas seguintes circunstâncias: o LB circulava na Rua da Bela, no sentido Oeste/Este, pretendendo ingressar na Rua do Pavilhão, seguindo o seu condutor de forma atenta e cuidada, com a diligência e perícia médias exigíveis a qualquer condutor, cumprindo as mais elementares regras estradais; ao chegar ao cruzamento formado pela Rua Nova da Bela, Rua da Bela, Rua João Ovarense e Rua do Pavilhão, o Demandante, apesar de ter prioridade, porque a Rua Nova da Bela e a Rua João Ovarense têm sinais de perda de prioridade para os veículos que nelas circulem e os veículos que circulam na Rua do Pavilhão se apresentarem pela sua esquerda, abrandou a sua marcha e verificou se podia atravessar o cruzamento em segurança; porque nada o impedia, iniciou a travessia do referido cruzamento, em direcção à Rua do Pavilhão; quando já se encontrava junto ao centro do cruzamento, com o seu veículo direccionado para a Rua do Pavilhão, surge o veículo AF, o qual seguia na Rua do Pavilhão, no sentido Este/Oeste, pretendendo mudar de direcção à esquerda para a Rua Nova da Bela e cuja condutora seguia de forma desatenta e negligente, em desrespeito das mais elementares regras estradais, pelo que ao chegar ao referido cruzamento não abrandou a sua marcha, de forma a verificar se podia efectuar a manobra pretendida em condições de segurança, ingressando no referido cruzamento sem ter em conta os demais utentes das vias, nomeadamente aqueles que tinham prioridade sobre o seu veículo, como era o caso do Demandante, cortando, com este comportamento, a linha de trânsito do LB, indo, consequentemente, embater com o canto direito da frente do seu veículo na frente direita do LB, sendo que, por força do embate, a traseira do LB rodopiou para a sua esquerda, acabando por se imobilizar na perpendicular; que o acidente se ficou a dever a culpa da condutora do AF que agiu de forma descuidada, desatenta e negligente, com imperícia, falta de cuidado e atenção, culpa essa que se presume pois conduzia aquele veículo por conta e no interesse do seu proprietário; que do acidente em apreço resultaram danos para o Demandante, desde logo, para proceder à reparação do LB foram necessárias as peças e a mão-de-obra descritas na peritagem efectuada pela Demandada, com o que o Demandante despendeu a quantia de € 2.500,00; que, em consequência do sinistro, o LB ficou impedido de circular, tendo inclusive sido retirado do local do acidente por um reboque, tendo a sua reparação ficado concluída apenas em 2.12.2006, oitenta dias após o sinistro, período durante o qual o Demandante se viu privado do seu único veículo, o que lhe causou graves prejuízos, uma vez que o LB é utilizado diariamente, por si, para se deslocar de casa para o trabalho bem como para transportar a mulher ao trabalho e os filhos, de 3 e 11 anos, ao infantário e à escola, respectivamente, sendo ainda utilizado nas deslocações inerentes ao dia a dia, como sejam idas ao médico, visitas a amigos e familiares e demais momentos de lazer; que, na falta do veículo, o Demandante passou a deslocar-se a pé e com recurso a transportes públicos; que, em consequência do sinistro, o Demandante foi forçado a perder várias horas de trabalho, deslocando-se à Demandada e à oficina reparadora, despendendo elevadas quantias em cartas e telefonemas intermináveis, tendo ainda sido obrigado a alterar a sua rotina diária; que todas estas situações acarretaram perdas de tempo, aborrecimentos e tensão nervosa, traduzindo-se numa agressão à sua saúde; que o proprietário do AF (referiu certamente por mero lapso LB) havia transferido a responsabilidade civil extracontratual por danos causados pelo seu veículo a terceiros para a Demandada, mediante contrato de seguro válido e eficaz à data do sinistro, titulado pela apólice n.º x . Juntou documentos. A Demandada, regularmente citada, apresentou Contestação, onde alega, em síntese, que no dia e hora do acidente, a condutora do veículo seguro na Demandada circulava na Rua do Pavilhão, Nascente/Poente, a uma velocidade não superior a 50 Km/h, encontrando-se o piso em paralelos escorregadio por causa da chuva; que em sentido contrário, na Rua da Bela, circulava o Demandante, a uma velocidade superior a 60 Km/h, manifestamente excessiva, atendendo às condições climatéricas e ao piso escorregadio; que ao se aproximar da intersecção com a Rua Nova da Bela e a Rua da Bela, a segurada da Demandada, porque pretendia flectir ligeiramente para a sua esquerda para circular na Rua Nova da Bela, abrandou a marcha, assinalou a sua manobra com o sinal de “pisca” do lado esquerdo e inclinou o veículo ligeiramente para a esquerda; ao avistar que não vinha qualquer veículo em sentido contrário, iniciou a sua marcha em direcção à Rua Nova da Bela, tendo, nesse mesmo momento, surgido o veículo do Demandante, totalmente desatento ao trânsito que se fazia sentir, o qual, deparando-se com o veículo da segurada da Demandada a efectuar a manobra supra descrita, accionou os travões da sua viatura, não conseguindo, no entanto, atendendo à velocidade que seguia e ao piso escorregadio, conseguido imobilizar o seu veículo, perdendo o controlo do mesmo e acabando por embater de forma violenta com a parte dianteira direita do seu veículo na parte frontal direita do veículo seguro na Demandada; que o embate ocorreu assim por culpa exclusiva do Demandante, o qual não adequou a velocidade do seu veículo às condições climatéricas e ao estado da via; que a quantia peticionada a título de danos pela paralisação do veículo é exagerada e o valor reclamado a título de danos não patrimoniais é manifestamente infundado. Juntou documentos. O Demandante recusou a fase da Mediação, pelo que se determinou a realização da Audiência de Julgamento. Questões a decidir: As questões essenciais decidendas consistem em saber: 1. Se se têm por verificados os pressupostos de responsabilidade civil que geram a obrigação de indemnizar por parte da Demandada. 2. Se os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo Demandante se computam em € 3.650,00. O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do território e do valor. O processo não enferma nulidades que o invalidem totalmente. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias. Não há outras excepções ou nulidades que obstam ao conhecimento do mérito da causa. Procedeu-se ao Julgamento com observância das legalidades formais como da acta se infere. Cumpre apreciar e decidir. III – Fundamentação Da prova carreada para os autos, resultaram provados os seguintes factos: A) No dia 13 de Setembro de 2006, pelas 16h 10m, ocorreu um acidente de viação na Rua do Pavilhão, em Gulpilhares, Vila Nova de Gaia, em que foram intervenientes os veículos ligeiros de passageiros com a matrícula LB, propriedade do Demandante e pelo mesmo conduzido à altura e AF, propriedade de C e conduzido por D; B) O veículo LB circulava na Rua da Bela, no sentido Oeste/Este, pretendendo ingressar na Rua do Pavilhão; C) O local do acidente configura um cruzamento de quatro vias: a Rua Nova da Bela, a Rua da Bela, a Rua João Ovarense e a Rua do Pavilhão, sendo que a Rua Nova da Bela e a Rua João Ovarense têm sinais de cedência de passagem para os veículos que nelas circulam; D) Quando o Demandante se encontrava em circulação com o seu veículo direccionado para a Rua do Pavilhão, surge o veículo AF, o qual seguia na Rua do Pavilhão, no sentido Este/Oeste, pretendendo mudar de direcção à esquerda para a Rua Nova da Bela e cuja condutora iniciou a manobra, sem ter em conta o veículo do Demandante que sobre ela tinha prioridade, cortando a linha de trânsito do LB; E) O embate deu-se entre o canto direito da frente do veículo AF e a frente direita do LB; F) Por força do embate, a traseira do LB rodopiou para a sua esquerda, acabando por se imobilizar na perpendicular; G) Para proceder à reparação do LB foram necessárias as peças e a mão-de-obra descritas na peritagem efectuada pela Demandada; H) O custo da reparação do LB é de € 2.500,00, valor que o Demandante tem vindo a pagar fraccionadamente ao mecânico que a efectuou; I) Em consequência do sinistro, o LB ficou impedido de circular, sendo retirado do local do acidente por um reboque, tendo a sua reparação ficado concluída em 2.12.2006, oitenta dias após o sinistro; J) Durante esse período, o Demandante viu-se privado do seu único veículo; K) O LB é utilizado diariamente pelo Demandante para se deslocar de casa para o trabalho bem como para transportar a mulher ao trabalho e os filhos, de 3 e 11 anos, ao infantário e à escola, respectivamente, sendo ainda utilizado nas deslocações inerentes ao dia a dia, como sejam idas ao médico, visitas a amigos e familiares e demais momentos de lazer; L) Na falta do veículo, o Demandante passou a deslocar-se a pé e com recurso a transportes públicos; M) O proprietário do AF havia transferido a responsabilidade civil extracontratual por danos causados pelo seu veículo a terceiros para a Demandada, mediante contrato de seguro válido e eficaz à data do sinistro, titulado pela apólice n.º x; N) À data e hora do acidente o tempo estava chuvoso; O) No local da ocorrência o piso é de paralelos. Motivação dos factos provados: Os factos A), B), E) e G) foram aceites pela Demandada na sua Contestação. Ainda para o facto A) e para os factos C), F) e N), atendeu-se ao documento de fls. 12 a 15 e ainda para o primeiro ao de fls. 16. Também para os factos G), H), primeira parte, e M), consideraram-se os documentos de fls. 20 a 27, 89 e 90. Quanto à dinâmica do acidente, relevaram os dados constantes da participação de acidente de viação - fls. 12 a 15 - conjugados com o depoimento da testemunha E, soldado da G.N.R. que a elaborou, o qual prestou as suas declarações no local do acidente onde o Tribunal se deslocou para realizar a Audiência, tendo reconstituído as medições efectuadas aquando da ocorrência, sendo possível constatar que o embate ter-se-á dado na hemi faixa esquerda da Rua do Pavilhão, atento o sentido de trânsito do AF, tendo a testemunha declarado que, quem provém, como a condutora do AF, da Rua do Pavilhão para virar para a Rua Nova da Bela, o normal seria no eixo da faixa de rodagem virar à esquerda apesar de tal não ser fácil uma vez que o cruzamento é esquisito; que era um dia muito chuvoso e a aderência é pouca no paralelo. Considerou-se ainda a localização dos danos nas viaturas – frente direita de ambos – o que, aliado ao facto de que o embate se terá dado na hemi-faixa esquerda do AF, nos permite concluir com grande margem de certeza que a condutora do veículo AF terá cortado a linha de trânsito do LB ao efectuar a manobra de mudança de direcção para a esquerda sem lhe dar a devida prioridade. Ademais, a própria condutora do AF declarou que achava que apenas tinha que dar prioridade a quem viesse da Rua João Ovarense que se apresenta à sua direita atento o sentido de marcha em que seguia – pressuposto errado já que esta via apresenta sinalização de perda de prioridade – e que teve a sensação que o Demandante a conseguia passar pelo lado direito – quando em rigor era pela esquerda que ele devia passar se a condutora do AF tivesse aguardado, como lhe era exigível, antes de executar a manobra de mudança de direcção. Também a filha da condutora do AF que com aquela seguia na viatura à data da ocorrência, F, declarou que a mãe achou que o Demandante vinha longe e ainda tinha tempo de virar e que lhe deu a sensação que o Demandante acelerou a viatura ao aproximar-se (?) – não nos parece ser de acolher esta tese pois a ser assim só uma conduta suicida não comprovada poderia justificar que o condutor de um Ford Fiesta se lançasse propositadamente contra um Jipe. No que respeita aos danos, para além do relatório de peritagem – fls. 20 a 27 – considerou-se o depoimento das testemunhas infra descrito, por terem conhecimento directo das situações que relataram, o qual, não obstante as suas relações, profissionais e pessoais, respectivamente, com o Demandante, se revelou coerente e objectivo e como tal merecedor de credibilidade: G, chapeiro de profissão, declarou ter sido quem procedeu à reparação do veículo do Demandante, orçada em € 2.500,00, tendo este já pago a quantia de € 2.000,00, sendo sua intenção entregar-lhe o respectivo recibo de quitação logo que o pagamento estivesse concluído; que a viatura ficou sem poder circular, tendo permanecido na sua oficina até ao fim do ano (2006); que emprestou algumas vezes, cerca de duas semanas, ao Demandante, a sua carrinha para se deslocar e levar os filhos à escola; que o veículo ficou muito tempo à espera de ser reparado porque não havia ordens para reparar nem da seguradora nem do cliente, até que o Demandante lhe disse que o carro estava a fazer muita falta e lhe propôs pagar a reparação às prestações, ao que a testemunha acedeu. H, mulher do Demandante, declarou que o veículo deixou de circular com o acidente, tendo ficado reparado apenas em inícios de Dezembro; que o Demandante utilizava o veículo para tudo, para a levar e buscar ao emprego, levar os filhos à escola, ao médico, para ir trabalhar pois na altura trabalhava na construção civil longe de casa, tendo passado a deslocar-se a pé, em transportes públicos, havendo poucos na zona, tendo chegado a andar algumas vezes com a carrinha emprestada do mecânico; que não têm outra viatura; que o carro demorou muito tempo a ser reparado para ver se as seguradoras se entendiam. Quanto ao depoimento das testemunhas I e J, por ser demasiado vago, impreciso e pouco esclarecedor, não foi valorado. Também a inspecção ao local, que permitiu visualizar e apreender a realidade factual, conjugada com os demais elementos de prova, foi importante para se compreender a dinâmica do acidente em discussão, averiguando-se que o local da ocorrência configura um cruzamento entre a Rua da Bela, Rua Nova da Bela, Rua do Pavilhão e Rua João Ovarense, com um ponto de intersecção formando um largo bastante amplo, sendo que na Rua João Ovarense e na Rua Nova da Bela encontram-se implantados sinais de aproximação de estrada com prioridade e a Rua da Bela apresenta-se pela direita para quem, como a condutora do AF, provenha da Rua do Pavilhão e pretenda passar a circular na Rua Nova da Bela. Não ficou provado que: I. A condutora do veículo segurado na Demandada fazia-o, por conta, no interesse, e sob as ordens do seu proprietário; II. Em consequência do sinistro, o Demandante foi forçado a perder várias horas de trabalho, deslocando-se à Demandada e à oficina reparadora, despendendo elevadas quantias em cartas e telefonemas intermináveis; III. O Demandante circulava na Rua da Bela a uma velocidade superior a 60 Km/h, manifestamente excessiva, atendendo às condições climatéricas e ao piso escorregadio; IV. Ao se aproximar da intersecção com a Rua Nova da Bela e a Rua da Bela, a segurada da Demandada, porque pretendia flectir ligeiramente para a sua esquerda para circular na Rua Nova da Bela, abrandou a marcha, assinalou a sua manobra com o sinal de “pisca” do lado esquerdo e inclinou o veículo ligeiramente para a esquerda; V. Ao avistar que não vinha qualquer veículo em sentido contrário, iniciou a sua marcha em direcção à Rua Nova da Bela, tendo, nesse mesmo momento, surgido o veículo do Demandante, totalmente desatento ao trânsito que se fazia sentir. Motivação da matéria de facto não provada: Resultou da ausência de mobilização probatória credível, que permitisse ao Tribunal aferir da veracidade dos factos, após a análise dos documentos juntos e audição das testemunhas arroladas. IV - Do Direito Pela presente acção pretende o Demandante efectivar a responsabilidade civil emergente de acidente de viação, ocorrido em 13.09.2006, que teve como intervenientes o veículo ligeiro de passageiros, matrícula LB, sua propriedade e por si conduzido à altura, e o veículo AF, propriedade de C e conduzido por D, cuja responsabilidade civil emergente de acidente de viação se encontrava à data transferida para a ora Demandada através da apólice n.º x . Perfila-se assim a presente acção, tal como é definida pela causa de pedir e pelo pedido, no domínio da responsabilidade civil extra contratual, cujos pressupostos se retiram do art.º 483º do Código Civil, a saber: o facto voluntário, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano. Acerca da culpa, refere Antunes Varela in “Direito das Obrigações”, 6ª edição, a págs. 531, no mesmo sentido que a generalidade da doutrina, que agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo e em que grau o podia e devia ter feito. Concretamente a negligência consistirá na violação de deveres de cuidado exigíveis atentas as circunstâncias concretas, qualquer omissão da diligência exigível. Trata-se de aferir do nexo psicológico entre o facto e vontade do lesante. Em princípio ou como regra, incumbe ao autor, como factos constitutivos do seu direito, a prova dos pressupostos da obrigação de indemnizar, nomeadamente da culpa – art.ºs 342º, n.º 1 e 487º, n.º 1, ambos do C.C. – só assim não sendo no caso de existir uma presunção legal de culpa, invertendo-se então tal regra – art.ºs 344º, n.º 1, 350º, n.º 1 e 487º, n.º 1, 2ª parte, do C.C. – cabendo à parte contrária elidir a referida presunção pela prova do contrário – art.º 350º, n.º 2 do C.C.. A este propósito, não obstante ter sido alegado pelo Demandante que a condutora do veículo segurado na Demandada, o fazia por conta e interesse do seu proprietário, seu marido, não foi por aquele provado tal facto, sendo certo que lhe cabia tal ónus para se poder prevalecer da presunção de culpa prevista no n.º 3 do art.º 503º do C. Civil, pelo que está assim arredada a sua aplicação. Importa pois analisar o concreto modo de produção do acidente para depois determinar se a Demandada é ou não responsável pela reparação dos danos dele decorrentes e, na hipótese afirmativa, computar o valor da indemnização correspondente. Alicerça o Demandante o seu pedido no facto de a condutora do veículo segurado (AF) ter executado a manobra de mudança de direcção para a esquerda sem atentar no veículo LB que sobre ela tinha prioridade, cortando-lhe a linha de trânsito, sendo como tal a única responsável pelo embate entre as duas viaturas. Importa recordar que, nos termos do art.º 35º, n.º 1 do Código da Estrada, o condutor só pode efectuar a manobra de mudança de direcção (além de outras) em local e por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito; e, nos termos do art.º 44º, o condutor que pretenda mudar de direcção para a esquerda, deve aproximar-se, com a necessária antecedência e o mais possível, do limite esquerdo da faixa de rodagem ou do eixo desta, consoante a via esteja afecta a um ou a ambos os sentidos de trânsito, e efectuar a manobra de modo a entrar na via que pretende tomar pelo lado destinado ao seu sentido de circulação. Como é óbvio, o cuidado imposto aos condutores não lhes impede a execução das manobras que pretendam, desde que não haja impedimento legal para o efeito. O que têm é de executar a manobra em local e por forma que, atendendo a todas as circunstâncias que no momento ocorram, seja de concluir que não resultará da realização da manobra perigo ou embaraço para o trânsito, como o impõe o art.º 3º, n.º 2, do C.E.. Ora, no caso em apreço, a localização dos danos nas viaturas – frente direita de ambas – e o local do embate – não obstante se tratar de um cruzamento com uma configuração pouco linear, foi possível apurar no local com a ajuda da força policial que procedeu à reconstituição das medições que constam da participação, que o embate ter-se-á dado na hemi faixa esquerda atento o sentido de trânsito em que seguia o veículo AF e portanto na mão de trânsito do veículo LB – permitem-nos concluir que a condutora do veículo segurado terá actuado com imprudência sem atentar na aproximação do veículo do Demandante, executando a manobra de mudança de direcção para a esquerda para passar a circular na Rua Nova da Bela convencida, como ela própria o declarou em sede de depoimento em Audiência de Julgamento, que aquele conseguiria passar pelo lado direito. Aliás, a própria condutora do AF revelou algum desconhecimento acerca das regras da prioridade, mais concretamente naquele local, ao referir, e não obstante por ali transitar com frequência, estar convencida de que quem teria prioridade seriam os condutores que se lhe apresentassem provindos da Rua João Ovarense, quando na realidade ali existe um sinal de cedência de passagem. Assim, a condutora do veículo segurado podia e devia ter agido de outro modo, aproximando-se da zona de intersecção das vias e aguardando o seu cruzamento com o LB para só depois efectuar a manobra que pretendia, ao invés de cortar, como fez, directamente para a Rua Nova da Bela quase como se esta fosse uma extensão da via de onde provinha, a Rua do Pavilhão – sendo certo que durante o tempo em que permanecemos no local em causa aquando da deslocação que aí foi feita em Audiência de Julgamento, pudemos constatar que a configuração das vias dá azo à prática generalizada de manobras menos correctas perpetradas pelos condutores que ali circulam, o que nem por isso as legitima. Por outro lado, para se considerar existente culpa do Demandante, teria de ter ficado assente uma conduta deste que se pudesse qualificar como censurável à luz do comportamento que se impõe ao homem comum, ao condutor dos preceitos estradais e que não tem, juridicamente, de prever condutas incumpridoras de outros condutores. A verdade é que, dos factos provados, não resulta que o Demandante circulasse a velocidade excessiva para o local, agindo de forma descuidada, desatenta e negligente, com imperícia, falta de cuidado e atenção e tenha com a sua conduta sido o causador do acidente em apreço, sendo certo que é jurisprudência fixada, desde há muito, que nenhum condutor pode ser censurado pelo facto de, inopinadamente, lhe surgir um obstáculo impeditivo da sua livre circulação e ainda que é de exigir aos condutores que cumpram estritamente as disposições legais reguladoras do trânsito, mas não se lhes pode exigir que devam prever que os outros condutores infrinjam essas mesmas disposições legais. Ademais, parece-nos manifestamente irrelevante o facto de se não ter apurado a velocidade a que o Demandante circulava, já que, perante a forma como se deu o acidente, surgindo-lhe inopinadamente o obstáculo constituído pelo veículo AF a ocupar a sua faixa de rodagem, tal velocidade em nada contribuiu para a verificação do sinistro e nunca seria causal da sua produção. Portanto, a condutora do veículo AF foi com a sua conduta causadora única e exclusiva do acidente que provocou, com a violação dos art.ºs 3º, 30º, 35º e 44º do C. E. Determinada a responsabilidade civil da Demandada nos termos atrás expostos, importa agora valorar os danos que resultaram do acidente dos autos e computar a indemnização devida pelo seu ressarcimento. Por imperativo legal – art.º 562º do C. C. – sempre que alguém esteja obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não fosse a lesão. Ao responsável incumbe reparar os danos – e em princípio todos os danos – que estejam em conexão causal com o facto gerador da responsabilidade – art.º 563º do C. C. Não sendo possível a reconstituição natural, ou mostrando-se esta excessivamente onerosa para o lesado, a indemnização é fixada em dinheiro – art.º 566º, nº 1, do C.C. Esta terá como medida a diferença entre a situação real em que o facto lesivo deixou o lesado e a situação hipotética em que ele se encontraria se não fosse a lesão – art.º 562º do C. C. Feita esta breve exposição quanto ao regime legal atinente, analisemos cada uma das categorias de danos invocados. Ficou provado que o veículo LB sofreu danos em consequência do acidente, cuja reparação ascendeu a € 2.500,00. Assim sendo, o Demandante sofreu a este título um dano patrimonial, que reveste a natureza de dano emergente, objecto da obrigação de indemnizar como expressamente refere o art.º 564º, n.º 1, do C. C.. Quanto ao dano de privação do uso da viatura decorrente da sua paralisação por um período de oitenta dias desde a data do sinistro à da conclusão da reparação, a qual não terá sido levada a cabo mais cedo porque o Demandante aguardava a tomada de posição da seguradora e não tinha capacidade financeira para a custear, pede este a condenação da Demandada no pagamento de uma indemnização no montante de € 1.000,00. Hoje em dia, ter automóvel, e nele ir para o trabalho, passear, deslocar-se para satisfazer quaisquer outras necessidades pessoais e/ou familiares, constitui um elemento socialmente relevante na definição de uma melhoria de qualidade de vida. Há, por isso, prejuízos e danos, que, com razoabilidade e notoriamente, se têm de entender como indemnizáveis. O Direito destina-se às pessoas concretas, socialmente integradas, com deveres, mas também com direitos, a reparar, se violados. Aliás, a mera privação do uso de um veículo automóvel constitui um ilícito por impedir o proprietário de gozar de modo pleno e exclusivo os direitos de uso, fruição e disposição, nos termos do artigo 1305º, do Código Civil. No caso em apreço, apurou-se que a viatura era utilizada pelo Demandante para trabalhar, para o transporte dos filhos à escola e para acudir às suas necessidades de deslocação no dia a dia, sendo o único meio de transporte que possuía, vendo-se assim obrigado durante o tempo em que do mesmo esteve privado a recorrer a transportes públicos com horários nem sempre compatíveis com as suas necessidades, e a préstimos de terceiros, a quem ficou a dever os inerentes favores. Ora, este quadro de factos, por si só, independentemente da comprovação de outros factos que poderiam facilitar a quantificação mais precisa dos prejuízos, permite-nos afirmar que estamos em face de um dano autónomo, por isso mesmo indemnizável: o dano da privação do uso, afigurando-se-nos justo condenar a Demandada a pagar-lhe o montante peticionado, tendo em atenção o número de dias em que o Demandante esteve privado do seu automóvel e o preço médio do aluguer diário de um veículo de idêntica categoria. Quanto aos danos não patrimoniais… O dano não patrimonial, como é sabido, abrange os prejuízos que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização. A nossa lei, no art.º 496º do C. Civil, não determina quais os danos não patrimoniais que são compensáveis, limitando-se a fixar um critério geral que é o da gravidade desses danos. Essa gravidade há-de aferir-se por um padrão objectivo e não à luz de factores subjectivos. Já os simples incómodos ou as meras contrariedades não serão, em regra, suficientes para justificar uma indemnização. Como refere Capelo de Sousa, in “O Direito Geral de Personalidade”, pág. 555 e 556, tratam-se de “prejuízos insignificantes ou de diminuto significado, cuja compensação pecuniária não se justifica, que todos devem suportar num contexto de adequação social, cuja ressarcibilidade estimularia uma exagerada mania de processar e que, em parte, são pressupostos pela cada vez mais intensa e interactiva vida social hodierna”. Por conseguinte, ao aludir aos danos “(…) que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do Direito”, o legislador quis, num campo tão fluído como o das lesões não patrimoniais, reforçar a imperiosidade de se não aceitarem de ânimo leve, como compensáveis, prejuízos de pequeno relevo ou de anómala motivação. Face aos princípios enunciados e tendo em consideração os factos alegados – na certeza de que alguns desses factos consubstanciam antes danos patrimoniais que não foram provados, desde logo, as quantias despendidas em cartas e telefonemas - é nosso entendimento que tais danos “não assumem suficiente gravidade que devam merecer a tutela do direito”. Na verdade, seriam apenas idóneos a corporizar ou traduzir as chatices, arrelias, contrariedades ou incómodos sofridos pelo Demandante nas diversas diligências efectuadas tendentes a fazer valer a sua pretensão de reparação do veículo sinistrado. Pelo exposto, impõe-se desde já a improcedência da pretensão do Demandante neste particular. Às quantias assim apuradas acrescem os juros de mora, à taxa legal vigente, desde a citação até efectivo e integral pagamento – cfr. art.ºs 804º e 805º, n.º 1 do C. Civil. V – Decisão Face a quanto antecede, julgo parcialmente procedente a presente acção e, por consequência, condeno a Demandada B, a pagar ao Demandante A a quantia de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros), acrescida dos juros de mora, à taxa legal vigente, vencidos desde a data da citação até efectivo e integral pagamento. Custas na proporção do decaimento e reembolso nesses precisos termos. Cumpra-se o disposto nos Artigos 8º e 9º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro. Notifique. Registe. Vila Nova de Gaia, 21 de Dezembro de 2007 A Juiz de Paz (Paula Portugal) Processado por computador Art.º 138º/5 do C.P.C. Revisto pelo Signatário. VERSO EM BRANCO Julgado de Paz de Vila Nova de Gaia |