Sentença de Julgado de Paz
Processo: 127/2023–JPVFR
Relator: MARTA M. G. MESQUITA GUIMARÃES
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL_MORDEDURA DE CÃO_DANO ESTÉTICO
Data da sentença: 04/04/2024
Julgado de Paz de : SANTA MARIA DA FEIRA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

Proc. n.º 127/2023 – JPVFR

IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandantes: [PES-1], titular do cartão de cidadão n.º [Id. Civil-1], e [PES-2], titular do cartão de cidadão n.º [Id. Civil-2], ambos residentes na [...], n.º 502, [Cód. Postal-1] [...], por si e na qualidade de representantes legais da sua filha menor, [PES-3]

Demandado: [PES-4], NIF [NIF-1], residente na [...], n.º 118, [Cód. Postal-2] [...]
*
OBJECTO DO LITÍGIO
A Demandante propôs contra o Demandado a presente acção declarativa, enquadrável na alínea h) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001 de 13 de julho, formulando o seguinte pedido – que se passa a citar:
“Nestes termos, nos melhores de Direito e com o sempre mui douto suprimento de V.ª Ex.ª, deve a presente ação ser julgada procedente por provada e, em consequência, ser o Demandado:
a) Condenado a restituir à Demandante, pelos danos patrimoniais sofridos, a quantia de 9,26 € (nove euros e vinte e seis cêntimos) despendidos a título de despesas farmacêuticas;
b) Condenado a pagar à Demandante, na qualidade de representante legal da menor e Lesada Matilde, a quantia de, pelo menos, 10.000,00 € (dez mil euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais causados, acrescida de juros legais a contar da notificação do pedido até efetivo e integral pagamento.”
Para o efeito, alegou, em suma, que, no dia 07.02.2021, pelas 11.00h, enquanto caminhava, transportando a sua filha [PES-3]ao colo, à data com 1 ano de idade, e fazendo-se acompanhar do seu animal de companhia da raça “pinscher”, na [...], [...], concelho de [...], ao passar pelo n.º 125 dessa rua, local onde, à data, residia o Demandado, foi surpreendida por um canídeo de grande porte, de raça “pitbull”, pertença do Demandado, que, sem que nada o fizesse prever, saltou o muro da residência deste, tendo, de imediato, atacado e mordido, por diversas vezes, a menor, na zona da cabeça, provocando-lhe múltiplas feridas; apelou por socorro, tendo, nesse seguimento, comparecido o Demandado que atuou no sentido de parar o ataque à menor, pese embora com dificuldade; de seguida, o cão propriedade do Demandado atacou, ainda, o cão de raça “pinscher” pertença da Demandante; na sequência das lesões, a menor teve que ser transportada pelo INEM para o [ORG-1] (doravante CHEDV), onde foi intervencionada e, posteriormente, encaminhada para o Hospital de S. João; no seguimento das lesões, além das dores que sofreu, ficou com cicatrizes permanentes, uma delas visível a uma distância de intimidade e a outra visível a uma distância social, que tenta esconder; sempre que passa pelo local onde foi atacada, a menor relembra-se, recorrentemente, do episódio, temendo ser atacada novamente; actualmente, a menor tem medo de cães e apresenta receio e apreensão quando passeia o seu cão de raça “pinscher”; após o ataque, a menor demonstra nervosismo, angústia e ansiedade; suportou despesas farmacêuticas no valor de € 9,26; considera ser devido, a título de danos não patrimoniais, o valor de € 10.000,00 – cfr. fls. 1 e seguintes.
*

O Demandado apresentou contestação a fls. 33 e seguintes, tendo invocado a incompetência, em razão da matéria, do Julgado de Paz, impugnado parte da factualidade alegada pela Demandante, designadamente, negou que o seu cão fosse de grande porte e de raça “pitbull” e afirmou tratar-se de um cão de porte médio e raça indefinida; invocou que o cão encontra-se sempre preso a um cadeado e apenas é solto no pátio da casa 1 vez por semana, com vista à limpeza da “casota”; que nunca representou a possibilidade de o cão saltar o muro da vedação da casa onde residia para a via pública, sendo que foi a primeira vez que tal sucedeu; que o seu cão pretendeu morder o cão “pinscher” da Demandante, que estava no chão, e foi quando a Demandante, que trazia a menor ao colo, se baixou para apanhar o “pinscher” que o seu cão atingiu a cabeça da menor; após o ataque, dirigiu-se à casa da Demandante e disponibilizou-se para o que fosse necessário para socorrer a menor; o seu cão não conseguia alcançar a menor no colo da mãe se esta não se baixasse para socorrer o “pinscher”; nunca descuidou o seu dever de vigilância como proprietário do cão; subsidiariamente, alegou que o montante peticionado a título de danos não patrimoniais é manifestamente exagerado, pelo que o mesmo deverá ser, equitativamente, reduzido, tendo em atenção a sua mera culpa, as circunstâncias do caso e a sua situação económica. Concluiu, a final, pela procedência da excepção invocada, e, subsidiariamente, pela sua absolvição dos pedidos.
Após despacho de fls. 55, a Demandante requereu a intervenção principal provocada de [PES-2], pai da menor (cfr. requerimento de fls. 58/59).
Por despacho de fls. 62, e pelos motivos que daí constam e que ora se dão por integralmente reproduzidos, determinou-se a notificação, a [PES-2], do requerimento inicial apresentado, bem como dos documentos que o instruem, respectiva procuração forense e substabelecimento, para, no prazo aí previsto, ratificar, querendo, no todo ou em parte, o processado, suspendendo-se, entretanto, a instância.
Nesse seguimento, [PES-2] ratificou o processado (cfr. requerimento de fls. 71 a 73), pelo que, por despacho de fls. 76, considerou-se suprida a incapacidade judiciária da menor [PES-3] (cfr artigo 28.º do Código de Processo Civil, doravante CPC).
Por despacho de fls. 82/83, e pelos motivos que daí constam e que ora se dão por integralmente reproduzidos, julgou-se não verificada a invocada excepção em razão da matéria.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do legal formalismo, consoante resulta das respectivas actas (cfr. fls. 91 a 94).
*

O Julgado de Paz é competente em razão da matéria (cfr. alínea h) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho), do território (cfr. artigo 12.º, n.º 2, da indicada Lei n.º 78/2001, de 13 de julho) e do valor, que se fixa em € 10.009,26 (cfr. artigos 296.º e seguintes do CPC).
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (cfr. aludido despacho de fls. 76) e são legítimas.
*

FACTOS PROVADOS COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO DA CAUSA
A. A 07.02.2021, pelas 11.00h, enquanto a Demandante caminhava, transportando a sua filha Matilde ao colo, naquela data com 1 ano de idade, e fazendo-se acompanhar pelo seu animal de companhia de raça “pinscher”, na [...], [...], concelho de [...], ao passar pelo n.º 125 dessa mesma rua, local onde, à data, residia o Demandado, foi surpreendida por um canídeo, pertença do Demandado, que saltou o muro da residência sita na aludida [...], n.º 125.
B. O cão pertença do Demandado atacou o cão “pinscher” pertença da Demandante, e a Demandante, ao querer afastar este do cão do Demandado, baixou-se para apanhar o seu cão “pinscher”, tendo, nesse seguimento, o canídeo do Demandado atingido a cabeça da menor que trazia ao colo.
C. O canídeo, pertença do Demandado mordeu, por diversas vezes, a menor [PES-3], na zona da cabeça, provocando-lhe múltiplas feridas.
D. A Demandante apelou por socorro.
E. Nesse seguimento e pouco tempo depois, apareceu o Demandado, que atuou no sentido de controlar o seu canídeo, pese embora com dificuldade, tendo, após uma primeira tentativa gorada, conseguido controlar o seu canídeo.
F. Na sequência das lesões sofridas durante o ataque, a menor [PES-3] teve necessidade de ser transportada por uma equipa do INEM para o CHEDV, onde foi intervencionada clinicamente e, posteriormente, encaminhada para o Hospital de S. João, no [...].
G. Dos registos clínicos do episódio de urgência [Nº Identificador-1], resulta que a menor [PES-3] apresentava:
- Na cabeça: “(…) feridas múltiplas. retro auricular esquerda extensa de aprxo 3 cms; com perda da epidermis; profunda e exposição; e feridas occipitais e cervicais, vestígios de sangramento, e edema local; sem evidência de sangramento ativo neste momento.
(…)
- Cara: “eritema na narina (a mãe refere queda durante
(…)”.
H. Esse mesmo relatório conclui, a título de diagnóstico, que tais lesões se devem a “mordedura de cão”.
I. A menor [PES-3], na sequência da avaliação dos serviços de urgência do CHEDV foi transferida para o [ORG-3], por forma a ser avaliada pelo serviço de cirurgia pediátrica.
J. Dos registos clínicos do episódio de urgência [Nº Identificador-2], do [ORG-2], resulta, em suma:
“(…)
Percurso triagem
Problema
Dermatologia – Mordedura não complicada
(…)
Enviada do hospital da [...] por mordedura de cão na região occipital e retro auricular esquerda por cão de vizinho.
(…)
Ao EO:
Múltiplas feridas corto contusas da região occipital e retro auricular esquerda (1 mais profunda e maiores dimensões retro auricular e occipital; 3 mais pequenas e dispersas).
(…)”.
K. Atenta a agressão supra descrita, a Demandante apresentou queixa-crime contra o Demandado, tendo esse processo corrido termos na 2.ª Secção do DIAP de [...] sob o n.º [Processo-1].
L. Após decurso do respectivo inquérito mencionado no precedente facto, foi proferido despacho de arquivamento, na medida em que não foram recolhidos indícios suficientes da verificação de qualquer crime.
M. No âmbito desse mesmo processo-crime, foi realizada, em 08.02.2021, perícia de avaliação do dano corporal em direito penal à menor [PES-3], tendo-se referido, no respectivo relatório, o seguinte:
“(…)
2. Lesões e/ou sequelas relacionáveis com o evento
A examinada apresenta as seguintes lesões:
- Crânio: escoriação com 1cm por 2cm na metade direita da região frontal. Lesão suturada com 4 pontos de sutura na região retro auricular esquerda. Duas escoriações com 1cm cada na região occipital. Lesão suturada com 2 pontos de sutura na região occipital. Escoriação com 2cm na região occipital.
- Face: escoriação com 2cm por 1cm no terço inferior da região nasal. Escoriação com 1cm por 1cm na região nasolabial.
- Pescoço: escoriação com 4cm por 1cm na região cervical posterior, com lesão inclusa suturada com 1 ponto de sutura.
(…)”.
N. No âmbito do mesmo processo-crime, foi realizada, em 23.02.2022, nova perícia de avaliação do dano corporal em direito penal à menor [PES-3], tendo-se referido, no respectivo relatório, o seguinte:
“(…)
A. Queixas
Nesta data, a mãe refere que a examinada não refere queixas aparentes relacionadas com o evento em estudo e que “está no seu normal” (sic)
(…)
B. Exame Objetivo
(…)
2. Lesões e/ou sequelas relacionáveis com o evento
A examinada apresenta as seguintes sequelas:
- Crânio: cicatriz com 3cm por 2cm, hipocrómica na região retro auricular
- Face: sem alterações
- Pescoço: cicatriz com 3cm, hipocrómica, na região cervical posterior
(…)
Conclusões
(…)
Do evento resultaram para a Examinada as consequências permanentes descritas, as quais, sob o ponto de vista médico-legal, de traduzem em cicatriz com 3cm por 2cm, hipocrómica na região retro auricular e cicatriz com 3cm, hipocrómica, na região cervical posterior, não sendo visíveis devido a se encontrarem tapadas com o cabelo, mas na eventualidade deste estar apanhado, a cicatriz da região retro auricular será visível a uma distância de intimidade e a da região cervical a uma distância social.”.
O. Foi, ainda, elaborado outro relatório, em 23.03.2022, por via do qual se informa que:
“Sendo o conceito de “desfiguração grave” relativo o perito não tem como responder taxativamente a tal questão.
No entanto e como já se encontra vertido no relatório as cicatrizes que apresenta não são visíveis aquando do uso do cabelo comprido, sendo que quando o cabelo se encontra apanhado, ou se for usado curto, a cicatriz na região retro auricular é visível a apenas uma distância de intimidade (cerca de 15cm), enquanto que a cicatriz que se encontra na região cervical posterior será visível a uma distância social (cerca de 2 metros).”.
P. Em consequência do ataque sofrido, a menor [PES-3] sofreu dores.
Q. A casa onde residia o Demandado, no indicado n.º 125 da [...], é vedada por um muro.
R. O cão pertença do Demandado nunca havia saltado o muro mencionado no precedente facto.
*

FACTOS NÃO PROVADOS COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO DA CAUSA
1. O cão aludido nos factos provados é de grande porte, de raça “pitbull”.
2. Esse mesmo cão tinha, à data da agressão, identificação electrónica e era assistido por médico veterinário.
3. Esse mesmo cão, quando está na casa, encontra-se sempre preso a um cadeado, e apenas é solto no pátio da casa, 1 vez por semana, e na presença do Demandado, para proceder à limpeza da “casota”.
4. O muro aludido em Q tem cerca de 1,5metros.
5. O cão, de raça “pitbull”, ao alcançar a via pública, de imediato, atacou e mordeu a menor Matilde.
6. O Demandado, após ter apanhado e prendido o seu cão em casa, dirigiu-se à casa da Demandante, que era sua vizinha, e disponibilizou-se para o que fosse necessário para socorrer a menor.
7. Em consequência do ataque sofrido, a menor [PES-3], sempre que passa pelo local onde foi atacada (antiga residência do Demandado), relembra-se, recorrentemente, do episódio, temendo ser atacada novamente.
8. Até à data do ataque, a [PES-3] era activa e amiga de todos os animais, mas hoje tem medo de cães, especialmente os de grande porte, apresentando, inclusive, receio e apreensão quando passeia o seu cão de raça “pinscher”.
9. Denota-se, no comportamento da [PES-3], após o ataque que esta sofreu, nervosismo, angústia, ansiedade, uma certa inquietação e até medo ao cruzar-se com outros cães, principalmente os de grande porte.
10. A [PES-3] tenta, de todas as formas possíveis, esconder as cicatrizes, pois sabe que as mesmas são visíveis e isso causa-lhe desconforto e insegurança.
11. A Demandante suportou despesas farmacêuticas no valor de € 9,26.
12. A menor [PES-3] ficou psicologicamente afectada com o sucedido.
13. A menor [PES-3] nunca poderá esquecer o que aconteceu.
14. As cicatrizes têm um forte impacto negativo na autoestima, confiança e bem-estar da [PES-3].
*

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Nos termos do disposto no artigo 60.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, as sentenças proferidas nos Julgados de Paz devem conter “uma sucinta fundamentação”.
Isto posto, cumpre mencionar que ao pronunciar-se pela forma acabada de enunciar quanto à matéria de facto em causa nos autos, o Tribunal firmou a sua convicção na análise crítica e conjugada que dos meios de prova fez.
Assim, o facto A resultou provado por admissão, mesmo quanto ao facto de a Demandante ter sido “surpreendida” pelo canídeo, pois o Demandado admite, em sede de contestação, que o seu cão (de porte médio e raça indefinida) mordeu a menor [PES-3] – embora afirme que tal ocorreu porque a Demandante, mãe da menor, enquanto se encontrava com a menor ao colo, se baixou para apanhar o seu cão “pinscher” que se encontrava a ser atacado pelo seu cão.
Quanto ao facto B, cumpre desde logo fazer referência às declarações de parte prestadas pela Demandante, mãe da menor, que afirmou – contrariamente ao que havia alegado no requerimento inicial – que, quando o cão pertença do Demandado atacou a sua filha menor, esta caminhava, no chão, tal como o seu cão “pinscher”. Com efeito, apesar de ter alegado, no requerimento inicial, que caminhava com a sua filha menor ao colo (cfr. artigo 1.º do requerimento inicial), em declarações de parte já afirmou que a menor caminhava, e que, portanto, quer a menor, quer o seu cão “pinscher”, iam pelo chão. Acresce que, as suas declarações, quanto ao concreto circunstancialismo que rodeou o ataque em causa nos autos, mostraram-se contraditórias, pois, num primeiro momento, disse que o cão direcionou-se logo para a menor e que, quando apareceu o Demandado, é que o cão largou a menor, e, num segundo momento, já disse que o cão atacou primeiro a menor, depois o seu cão “pinscher” e só depois destes 2 ataques é que chegou o Demandado… Ora, a Demandante presenciou toda a agressão (quer à sua filha, quer ao seu cão “pinscher”), pelo que não se percebe como pode apresentar versões distintas, em vários aspectos… a Demandante referiu, ainda, que a menor nunca esteve ao seu colo, quando, na verdade, e conforme exposto, desde logo alegou, em sede de requerimento inicial, que caminhava com a menor ao colo quando se deu o ataque… (factualidade, esta, que foi alegada no requerimento inicial, e aceite pelo Demandado – cfr. artigo 7.º da contestação). Quanto ao Demandado, este afirmou, em sede de declarações de parte, que, embora não tivesse visto o seu cão a atingir a cabeça da menor, viu a Demandante a baixar-se para apanhar o “pinscher”, com vista a afastá-lo do seu canídeo. Já quanto às testemunhas apresentadas, a testemunha [PES-5] (esposa do Demandado) afirmou, num primeiro momento, que viu o cão propriedade do Demandado a atacar o cão “pinscher”, na medida em que se encontrava no pátio da casa a estender roupa, e depois já disse que viu o cão propriedade do Demandado a saltar o muro – quando o normal seria ter dito que viu o cão a saltar o muro e, posteriormente, que o viu a atacar o cão “pinscher”. Ora, na medida em que a casa tem um pátio de alguma extensão, o qual é vedado por um muro (cfr. imagens juntas em audiência de julgamento e que constam de fls. 89 e 90), não se compreende como é que, estando a testemunha a estender a roupa no pátio – sem que tivesse especificado em que concreto local do pátio se encontrava, isto é, se estava perto do muro ou não –, teve campo de visão para ver o cão a atacar o cão “pinscher”, que se encontrava no chão… após pedido de esclarecimento, a testemunha afirmou que só quando chegou perto do muro é que viu o cão propriedade do Demandado a atacar o cão “pinscher” e a menor ao colo da mãe… disse, ainda, que só posteriormente é que viu sangue atrás da orelha da menor e no nariz desta. Ora, atentas estas incongruências, o depoimento desta testemunha não mereceu credibilidade por parte do Tribunal. A testemunha [PES-6] (amigo do Demandado) não presenciou a ocorrência em causa. Já a testemunha [PES-7] (sogro do Demandado), embora tivesse dito que presenciou a agressão, o Tribunal não conferiu qualquer credibilidade ao seu depoimento, pelas seguintes razões: esta testemunha disse, em audiência de julgamento, que presenciou a ocorrência em apreço porque se encontrava, na rua em causa, dentro do seu carro, à espera que a sua filha – que também prestou depoimento na qualidade de testemunha, [PES-8], e que disse que se encontrava a estender a roupa no pátio – viesse buscar o pão que tinha para lhe entregar (?!). Ora, tal razão de ciência não se afigura, minimamente, verosímil, pois nenhum sentido faz que a filha continuasse no pátio a estender a roupa enquanto o pai se encontrava à espera que viesse buscar o dito pão! Mais, a testemunha [PES-7] referiu que, embora tivesse presenciado a ocorrência, não prestou qualquer auxílio à menor… Por estas razões, este depoimento não mereceu qualquer credibilidade por parte do Tribunal. Assim, atento todo o exposto, e maxime, tomando em consideração a notória contradição existente entre o que foi alegado, pela Demandante, no requerimento inicial (caminhava com a menor ao colo quando se deu o ataque) e aquilo que a mesma afirmou nas suas declarações de parte (a menor caminhava pelo chão quando se deu o ataque), e o facto de não ter resultado provado – pelas razões que se deixarão expostas infra – que o cão pertença do Demandado era de grande porte (e de raça “pitbull”), o Tribunal firmou a convicção de que, seguindo a menor no colo da mãe (conforme, realce-se, foi desde logo alegado pela Demandante e aceite pelo Demandado, pelo que, este facto não está sujeito à livre apreciação da prova pelo Tribunal, à luz do disposto no artigo 607.º, n.º 5, segunda parte do CPC), a menor só poderia ter sido atacada pelo cão propriedade do Demandado se a Demandante, sua mãe, se tivesse baixado para apanhar o cão “pinscher”. Note-se que, a ter o cão agredido a menor, várias vezes, na cabeça (como, de resto, resultou provado), quando esta se encontrava no colo da mãe, e sem que esta se tivesse baixado, o cão teria que ter permanecido em cima do muro e assim chegado à cabeça da menor ou permanecido, durante algum tempo, agarrado à menor e, por conseguinte, também agarrado, por assim dizer, à Demandante, sendo certo que nada disto foi alegado: o que foi alegado foi que o cão pertença do Demandado, de grande porte e de raça “pitbull”, saltou o muro de vedação da residência do Demandado e, ao alcançar a via pública, de imediato atacou e mordeu a cabeça da menor, que se encontrava no colo da sua mãe. Não tendo resultado provado que o cão era de grande porte – assim como não resultou provado ser da raça “pitbull” –, não se vislumbra como é que, após ter saltado o muro, e se encontrar na via pública, o mesmo atacou, várias vezes, a menor, quando esta se encontrava no colo da sua mãe. Face ao que antecede, cremos que, de acordo com as regras da lógica e da experiência comum (cfr. artigos 349.º e 351.º do Código Civil, doravante CC), a menor foi atingida, várias vezes, na cabeça, pelo cão pertença do Demandado – que não resultou provado ser de grande porte, nem “pitbull” –, porque a Demandante, sua mãe, se baixou, com a menor ao colo, em socorro do seu cão “pinscher”.
O facto C resultou provado por via dos relatórios médicos juntos como documentos nºs 1 e 2 com o requerimento inicial, ambos datados de 07.02.2021, que confirmam as lesões.
Os factos D e E por via das declarações de parte prestadas pela Demandante, que disse que chamou por socorro, tendo, nesse seguimento, comparecido o Demandado; também o Demandado referiu, no seu depoimento de parte, que ouviu uma senhora a gritar e que, nessa sequência, acorreu para ver o que se passava, tendo visto a Demandante, com a menor ao colo, e um cão “pinscher” no chão, bem como o seu cão à volta da Demandante e do “pinscher” e que, desde logo tentou apanhar o seu cão, o que, numa primeira vez, não conseguiu, tendo conseguido numa segunda vez.
Os factos F, G, H, I e J resultaram provados por via de admissão, sendo que os factos G e H resultaram, ainda, provados por via do documento n.º 1 junto com o requerimento inicial, o facto I por via desse documento n.º 1 e ainda por via do documento n.º 2 junto com o requerimento inicial, e o facto J por via deste documento n.º 2.
Os factos K e L por via da certidão remetida pela 2.ª Secção do DIAP de Santa Maria da Feira (cfr. fls. 65 e seguintes).
Os factos M, N e O por via dos documentos nºs 3, 4 e 5 juntos com o requerimento inicial, respetivamente.
O facto P por via de presunção (cfr. citados artigos 349.º e 351.º do CC): com efeito, atentas as lesões sofridas, facilmente se conclui que as mesmas incutiram dores na menor.
O facto Q por via das imagens juntas em audiência de julgamento e constantes de fls. 89 e 90, por via das quais é possível visualizar a casa, seu pátio e respectivo muro de vedação.
O facto R por via das declarações de parte do Demandado, que disse que, durante os 3 anos em que residiu naquela casa, o seu cão nunca havia saltado o muro, e que nunca equacionou que o cão pudesse saltar o muro; disse, ainda, que o cão terá saltado o muro porque terá subido para cima de umas telhas que o Demandado havia colocado, em tempos, no pátio (tais telhas/coberturas parecem até ser visíveis nas aludidas imagens juntas a fls. 89 e 90).
A factualidade não provada resultou de ausência e/ou insuficiência de prova produzida no sentido da sua demonstração.
Concretizando:
Quanto ao facto 1, a Demandante, em declarações de parte, disse que “tinha a ideia de que o cão era um pitbull, com menos pêlo do que o cão das fotografias (juntas em audiência de julgamento e constantes de fls. 88) e com dentes mais perigosos”, porém, e não obstante ter presenciado o ataque em causa nos autos, não foi peremptória a afirmar que o cão que levou a cabo o ataque não era o das fotografias… pelo que, as suas declarações não foram assertivas no sentido de negar que o cão (que levou a cabo o ataque) não era o das fotografias juntas em audiência de julgamento; acresce que, por via dessas mesmas fotografias é possível visualizar-se um canídeo de raça indefinida e de porte médio, sendo que o Demandado disse, logo aquando do seu depoimento de parte, que o seu cão, que saltou o muro, era o das fotografias, apelidando-o de “rafeiro”. Em face do exposto, e tomando-se em consideração o disposto no artigo 414.º CPC, a factualidade em causa resultou não provada.
Relativamente ao facto 2, nas declarações de parte que prestou, o Demandado negou que, à data da ocorrência, o cão estivesse identificado e que fosse assistido por médico veterinário, o que se encontra conforme com os documentos que o mesmo juntou em sede de contestação, sob os nºs 2 e 3, e que são datados de 19.07.2021, portanto, de data posterior à ocorrência; note-se, ainda, que no relatório médico junto como documento n.º 1 com o requerimento inicial é mencionado, no item “Queixa”: “Mordedura de cão na região retro auricular esquerda. Cão sem vacinas.”.
Quanto ao facto 3, o Demandado, nas suas declarações de parte, referiu que o cão se encontrava dentro de um anexo (arrumos), sendo apenas solto para limpeza do anexo, a qual ocorria 3 a 4 vezes por semana e, uma vez solto, circulava pelo pátio da habitação (cfr. acta de fls. 91 e seguintes).
Relativamente ao facto 4, embora tenham sido juntas imagens do referido muro (cfr. fls. 89 e 90), não é possível, pela sua visualização, aferir a concreta altura do muro.
Quanto ao facto 5, atenta a factualidade que resultou provada e que consta de B e a factualidade não provada que consta de 1, a factualidade em causa só poderia resultar não provada.
No que se reporta ao facto 6, o Demandado, nas suas declarações de parte, mencionou que não se dirigiu a casa da Demandante, por não saber qual o número, embora tivesse afirmado que a sua esposa se dirigiu a casa dos Demandantes para ver se necessitavam de alguma coisa; disse, ainda, que logo após o sucedido, ele e a sua esposa, se disponibilizaram para ajudar no que fosse necessário (cfr. acta de fls. 91 e seguintes).
Relativamente aos factos 7, 8, 9, 10, 12, 13 e 14, a Demandante, mãe da menor, nas suas declarações de parte, desmentiu, de forma peremptória, toda esta factualidade: com efeito, a Demandante afirmou que i. a menor não costuma falar no sucedido e, ii. quando passa na antiga residência do Demandado, não demonstra ter receio de ser novamente atacada, iii. a menor não tem medo de cães, iv. nem tem medo quando passeia o seu cão de raça “pinscher”, v. não obstante este episódio, a menor continua a pretender interagir com cães, vi. a menor não tenta esconder as cicatrizes, vii. a menor não ficou afectada psicologicamente com o sucedido e viii. a menor não menciona este acontecimento, considerando, até, que a mesma já o esqueceu (cfr. acta de fls. 91 e seguintes). Assim, e atento o exposto, a factualidade em causa só poderia resultar não provada. Acresce que, e quanto à factualidade constante de 10 e de 14, há, ainda, que realçar que, de acordo com as regras da lógica, não faz sentido o alegado pela Demandante e que consta dessa mesma factualidade, desde logo atenta a tenra idade da menor: com efeito, atenta a sua idade, nenhuma compreensão tem, a menor, do impacto das cicatrizes (que resultaram provadas e que melhor se descrevem nos factos provados N e O), sendo manifestamente inverosímil que as cicatrizes lhe causem desconforto, insegurança, e que tenham um forte impacto negativo na sua autoestima.
Por fim, quanto ao facto 11, cremos que o documento n.º 6 junto com o requerimento inicial não é suficiente para provar que tais despesas foram consequência da ocorrência em causa nos autos: com efeito – e como alega o Demandado – não foi junto aos autos comprovativo da prescrição médica, à menor, da medicação aí mencionada.
*

O DIREITO
Os presentes autos respeitam à responsabilidade civil extracontratual, a qual é regida pelo disposto nos artigos 483.º e seguintes do CC.
Com efeito, pretendem os Demandantes, na qualidade de representantes legais da sua filha menor, ser ressarcidos dos danos patrimoniais que alegam ter sofrido, assim como que a menor seja ressarcida dos danos não patrimoniais que sofreu – e que alegam ainda sofrer – atento o ataque perpetrado pelo cão pertença do Demandado.
Dispõe o artigo 483.º do CC que aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
Para que se conclua pela existência de responsabilidade civil por factos ilícitos é, então, necessário um comportamento humano dominável pela vontade; ilicitude, ou seja, a violação de direitos subjetivos absolutos ou normas que visem tutelar interesses privados; um nexo causal que una o facto ao lesante – a culpa (o juízo de censura ou reprovação que o Direito faz ao lesante por este ter agido ilicitamente, quando podia e devia ter agido de outra forma) – e outro que ligue o facto ao dano, de acordo com as regras normais de causalidade. A culpa pode revestir duas formas: o dolo e a negligência ou mera culpa. Nos termos do disposto no artigo 487.º, n.º 2, do CC, a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.
Em face do exposto, para que a obrigação de indemnizar por responsabilidade civil por factos ilícitos se verifique, é necessário o preenchimento cumulativo destes requisitos, previstos no indicado artigo 483.º do CC.
Sem prejuízo do previsto no citado artigo 483.º, casos há em que a nossa lei estabelece presunções de culpa, encontrando-se uma delas prevista no artigo 493.º, n.º 1, do CC: segundo esta norma, quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.
Para além do exposto, a nossa lei também prevê, no artigo 502.º do CC, que, independentemente de culpa, quem, no seu próprio interesse, utilizar quaisquer animais, responde pelos danos que eles causarem, desde que os danos resultem do perigo especial que envolve a sua utilização.
Encontra-se, aqui, prevista uma das (poucas) situações que a lei especifica como sendo de responsabilidade pelo risco ou responsabilidade sem culpa: com efeito, a responsabilidade por factos ilícitos, com base na culpa, é a regra (cfr. artigos 483.º e seguintes do CC), pois só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei (cfr. artigo 483.º, n.º 2, do CC).
Os Demandantes fazem alusão ao disposto nos citados artigos 493.º, n.º 1, e 502.º do CC, assim como ao disposto nos artigos 3.º, alínea b), subalínea i), e 12.º do Decreto-Lei n.º 315/2009, de 29 de outubro.
Ora, desde já se diga que, atenta a decisão de facto que se deixou exposta supra, o Decreto-Lei n.º 315/2009, de 29 de Outubro – que aprova o regime jurídico da criação, reprodução e detenção de animais perigosos e potencialmente perigosos, enquanto animais de companhia – não é aplicável no caso.
Na verdade, atenta a decisão de facto supra exposta – e, bem assim, a própria alegação levada a cabo pelos Demandantes –, não se pode concluir que o cão pertença do Demandado possa ser considerado como “animal perigoso” ou “animal potencialmente perigoso”, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 3.º, alíneas b) e c), do citado diploma legal, que definem esses mesmos conceitos.
Os Demandantes alegam que o cão pertença do Demandado é um animal perigoso à luz da subalínea i) da alínea b), do artigo 3.º, a qual define que são animais perigosos aqueles que tenham mordido, atacado ou ofendido o corpo ou a saúde de uma pessoa.
Ora, para que a legislação em causa pudesse ser aplicável no caso em apreço – desde logo o disposto no, também alegado pelos Demandantes, artigo 12.º do citado diploma legal –, o cão pertença do Demandado teria que, à data da ocorrência em causa, já ter mordido, atacado ou ofendido o corpo ou a saúde de uma pessoa – e nada disso foi alegado –, pois essa factualidade é que determinaria que o mesmo fosse considerado, por lei, e à data da ocorrência, como animal perigoso.
Acresce que, contrariamente ao alegado pelos Demandantes, não resultou provado que o cão pertença do Demandado fosse um cão (de grande porte e) de raça “pitbull”, pelo que o cão também não é considerado, para efeitos do disposto no aludido diploma legal, como animal potencialmente perigoso (cfr. artigo 3.º, alínea c), do citado Decreto-Lei n.º 315/2009, de 29 de Outubro, e Anexo à Portaria n.º 422/2004, de 24 de Abril, que prevê a lista de raças de cães e os cruzamentos de raças potencialmente perigosos).
Assim, o disposto em tal decreto-lei não é aplicável no caso.
Quanto ao disposto no artigo 493.º, n.º 1, do CC, não há dúvidas de que o Demandado, enquanto proprietário do cão em causa, tem o encargo da sua vigilância, pelo que, responde pelos danos que o animal causar, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.
E, relativamente ao preceituado no artigo 502.º do CC, o Demandado, na qualidade de proprietário do cão, utiliza-o no seu próprio interesse (mesmo que apenas recreativo), pelo que responde pelos danos que o cão causar, desde que tais danos resultem do perigo especial que envolve a sua utilização.
No caso, o cão pertença do Demandado mordeu, por diversas vezes, a menor Matilde, na zona da cabeça, provocando-lhe as feridas/lesões que melhor se deixaram elencadas na decisão da matéria de facto, as quais se traduzem, actualmente, em cicatrizes, também melhor descritas supra, para além de lhe ter infligido as inerentes dores associadas a tais feridas.
Com interesse para o desfecho da causa, há, ainda, que considerar o disposto no artigo 570.º do CC, segundo o qual, quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao Tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída; e, se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar.
De acordo com a nossa Jurisprudência , a culpa do lesado afasta não só a responsabilidade civil subjetiva (portanto, culposa) daquele que tem o encargo da vigilância do animal (à luz do disposto no artigo 493.º, n.º 1, do CC), como a responsabilidade civil objetiva (portanto, independentemente de culpa) daquele que utiliza o animal no seu próprio interesse (cfr. artigo 502.º do CC).
Ora, no caso, provou-se que o cão pertença do Demandado, após ter saltado o muro da residência, à data, do Demandado, atacou o cão “pinscher” pertença da Demandante e, esta, ao querer afastar este do cão do Demandado, baixou-se para apanhar o seu cão “pinscher”, tendo, nesse seguimento, o canídeo do Demandado atingido a cabeça da menor [PES-3], que trazia ao colo.
Atento o exposto, cumpre aferir se era exigível, à Demandante, mãe da menor, que tivesse atuado de forma diversa, e, caso o tivesse feito, se tal actuação diversa teria prevenido a ocorrência dos danos sofridos pela menor.
Note-se que, na presente acção, os Demandantes não pretendem qualquer indemnização pelos danos que terão sido infligidos pelo cão pertença do Demandado ao seu cão de raça “pinscher”: com efeito, a causa de pedir e o pedido centram-se nos danos infligidos pelo cão pertença do Demandado à menor [PES-3].
E, atenta a decisão de facto supra exposta, estes danos – infligidos à menor – teriam sido evitados se a Demandante, mãe da menor, não se tivesse baixado, com a menor ao colo, a fim de apanhar o seu cão “pinscher”, que se encontrava a ser atacado pelo cão pertença do Demandado. Com efeito, cremos que a Demandante, mãe da menor, não atuou da forma diligente e prudente que se impunha no caso, pois, “o homem médio” – “bonus pater familias” – colocado perante as concretas circunstâncias do caso (cfr. artigo 487.º, n.º 2, do CC), não se teria baixado, com a menor ao colo, a fim de separar o seu cão “pinscher” do cão pertença do Demandado, pois anteveria que tal conduta poderia determinar uma agressão do cão, pertença do Demandado, à menor. Note-se que, de acordo com a decisão da matéria de facto que resultou provada, é certo que o Demandado omitiu o dever de vigilância que se lhe impunha quanto ao seu cão, pois este saltou o muro da sua residência; porém, se a Demandante, mãe da menor, não se tivesse baixado para apanhar o seu cão “pinscher”, o cão pertença do Demandado – que não se provou que fosse de grande porte – não teria mordido a menor, na zona da cabeça.
Consideramos, assim, que foi um facto culposo da Demandante, mãe da menor, que concorreu para a produção dos danos, pelo que, e à luz do disposto no artigo 502.º do CC, maxime do seu n.º 2, não existe dever de indemnizar a cargo do Demandado.
Mesmo que assim não se entendesse e se considerasse que o Demandado era civilmente responsável, quer à luz do disposto no artigo 493.º, n.º 1, do CC, quer à luz do disposto no artigo 502.º do CC, sempre a indemnização a seu cargo, no que se reporta aos danos patrimoniais, não seria devida, atenta a decisão de facto que se deixou exposta (cfr. facto não provado 11), e, no que se reporta aos danos não patrimoniais, sempre teria que ser fixada, equitativamente, em montante muito inferior ao peticionado, nos termos do disposto no artigo 496.º, n.º 4, do CC, que preceitua que o montante da indemnização é fixado, equitativamente, pelo Tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º, isto é, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem. Com efeito, no caso, mesmo que se considerasse a existência de responsabilidade civil a cargo do Demandado, sempre a indemnização a título de danos não patrimoniais, traduzidos, no caso, nas dores sofridas pela menor e nas cicatrizes de que a mesma padece, apenas visíveis, uma, na região retro auricular, a distância de intimidade e a outra, na região cervical posterior, a distância social, mas em qualquer caso, sempre com o cabelo apanhado – pois tudo o demais alegado a esse título não resultou provado, conforme consta dos factos não provados 7 a 10 e 12 a 14 – teria que tomar em consideração, desde logo, o grau de culpa do Demandado, que, no caso, se traduz em negligência, que não cremos que seja grosseira (pois resultou provado que o cão pertença do Demandado nunca havia saltado do muro – cfr. facto provado R), sendo, ainda, certo que, após ter ouvido a Demandante, mãe da menor, a chamar por socorro, o Demandado logo acudiu, tentando controlar o seu cão (cfr. factos provados D e E), e a situação económica de ambas as partes, sendo que, quanto ao Demandado, é patente, nos autos, a sua situação de insuficiência económica, desde logo porque beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação de patrono (cfr. decisão de fls. 31/32), pelo que, a indemnização a atribuir seria, sempre, num montante muito inferior ao peticionado.
*

DECISÃO
Face a quanto antecede, julgo totalmente improcedente a presente acção e, em consequência, absolvo o Demandado dos pedidos contra ele formulados.
Custas a cargo dos Demandantes.
Registe e envie cópia da presente sentença aos faltosos.

Santa Maria da Feira, 4 de abril de 2024
A Juíza de Paz,

(Marta M. G. Mesquita Guimarães)


Julgado de Paz de Santa Maria da Feira

Processado por computador
(Artigo 18.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho).
Revisto pela signatária.


DEPÓSITO NA SECRETARIA:
Recebido por: ______________, em