Sentença de Julgado de Paz
Processo: 52/2023-JPCBR
Relator: CRISTINA EUSÉBIO
Descritores: RESOLUÇÃO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA COM RECURSO A CRÉDITO AO CONSUMO
Data da sentença: 02/16/2024
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral: Proc. N.º 52/2023-JPCBR

SENTENÇA

RELATÓRIO:

[PES-1] E [PES-2], demandantes devidamente identificados nos presentes autos propuseram a presente ação declarativa de condenação contra [PES-3] LDA, pessoa coletiva n.º [NIPC-1] com sede na [...] 111, [...] s7n em Coimbra, pedindo a resolução de contrato de compra e venda com recurso a crédito ao consumo e em consequência a quantia de 9549,64€ relativa a indemnização decorrente da resolução do contrato e 1800,00€ a título de danos não patrimoniais..
Para tanto, alegaram os factos constantes do seu Requerimento Inicial de fls. 1 a 9 que se dá por reproduzido.
Juntaram 8 documentos (fls. 10 a 32) que igualmente se dão por reproduzidos.
Regularmente citada, a demandada apresentou contestação, alegando que cabe à oficina onde mandou reparar a viatura, responder pelos eventuais prejuízos causados aos demandantes, porquanto contratou os serviços da oficina NR Sport para colocar um novo motor na viatura que terá garantia.
Afastada a fase da mediação pelos demandantes, agendou-se a audiência de discussão e julgamento, à qual a demandada não compareceu nem apresentou justificação da sua falta. Marcada nova data para a realização da audiência, a demandada voltou a faltar injustificadamente e foi produzida prova pela parte demandante, como decorre da ata junta aos autos.
O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do território e do valor - que se fixa em 11349,64€ (onze mil trezentos e quarenta e nove euros e sessenta e quatro cêntimos) – artºs 297º nº1 e 306º nº2, ambos do C. P. C.
Não existem nulidades que invalidem todo o processado.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas.
Não existem exceções que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito da causa
As questões a decidir por este tribunal circunscrevem-se à caracterização do contrato celebrado entre a Demandante e a Demandada; às obrigações e direitos daí decorrentes e às consequências do incumprimento dessas obrigações, nomeadamente a resolução do contrato.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
1 – No dia 20 de julho de 2021, os Demandantes adquiriram ao Demandado a viatura da marca [Marca-1], modelo [Modelo-1], com a matrícula [ - - 1], pelo valor de 5.750€, com recurso a um empréstimo junto da Credibom, a pagar em 84 meses, com uma TAN de 9,950% e TAEG de 11,8% e Imposto de Selo no montante de 165,42€, que resultará num valor total de 8.564,64€, a que corresponde uma prestação mensal de 101,96€, que paga desde o mês de agosto de 2021. – cfr. Doc. Fls. 10 a 13
2 - No dia 03.08.2021, quando os demandantes iam a caminho de casa, o motor da viatura referida avariou, impedindo-a de circular.
3. - O Demandante marido telefonou ao Demandado [PES-4], dando-lhe conhecimento da avaria, ao que o mesmo respondeu que deveria enviar a viatura para uma oficina de automóveis da sua confiança – [ORG-1], Lda., com sede na [...], N.º 208, [Cód. Postal-1] [...], para ser reparado pelo mecânico e dono da empresa, Senhor [PES-5].
4 - A viatura seguiu assim através do sistema de assistência em viagem da [ORG-2] LOGO, por reboque, para a oficina referida em 3 para reparação por conta da demandada.
5. A viatura foi entregue aos demandantes em meados do mês de outubro de 2021.
6 - No dia 30 de janeiro de 2022, a viatura avariou e parou na autoestrada A1, direção [...].
7 - Nesse momento, o Demandante marido envia SMS para o Demandado e para o mecânico, Sr. [PES-5], a dar conhecimento da nova avaria, que se crê ser novamente no motor, uma vez que o carro desligou e começou a sair fumo do motor. – Doc. N.º 3, página 2 de 7.
8.º
Quando o Demandante marido interpela o Demandado a dar conta de que não tinha forma de enviar reboque através da seguradora, uma vez que tinha excedido o número de solicitações de reboque admitido pela mesma, responde o Demandado que também não tinha forma de o ajudar. – Doc. N.º 3, página 2 de 7.
9.º
Os Demandantes tiveram que pagar 60€ para tirar o carro da Autoestrada, tendo ido para [...], o local mais próximo até chegar o outro reboque, uma vez que não tinha mais dinheiro para poder pagar a viagem completa de reboque desde a Autoestrada até [...]. De regresso a suas casas utilizaram a camioneta, tendo pago cada um 10€, num total de 30€.
10.º
No final de fevereiro de 2022, os Demandantes reuniram dinheiro suficiente para pagar o reboque, e foi naquele momento que a viatura seguiu novamente para a oficina indicada pelo Demandado, em [...], operação que custou aos Demandantes 120€. O reboque pertencia a uma empresa de [...] e não teve fatura, uma vez que nesse caso seria mais caro, porque teria que pagar mais 23% relativo ao I.V.A..
11.º
A 16 de março de 2022, o Demandante marido voltou a questionar o Demandado sobre a data em que a viatura seria reparada, uma vez que telefonava para a oficina, mais concretamente para o Sr. [PES-5], o mecânico, que já não atendia o telefone, face às insistências do Demandante marido. – Dc. N.º 3, página 2 de 7
12.º
Desde a data da segunda avaria que a viatura nunca mais foi restituída aos Demandantes, em virtude do defeito da mesma, que nunca foi reparado pelo Demandado, diretamente ou por intermédio da oficina por aquele indicada como a oficia a reparar a viatura e que teria que substituir o motor, segundo relatório de avaria do mecânico, e conforme fatura emitida a 13 de setembro de 2021, em nome de [ORG-3], Lda., empresa a quem a oficina [ORG-1], Lda., faturou, por indicação e conhecimento do Demandado. – Doc. N.º 4
13.º
Depois das insistências dos Demandantes, vem o Demandado imputar a responsabilidade pelo defeito da viatura, uma vez que já tinha
14.º
A partir desta data, os Demandantes nunca mais foram contactados quer pelo Demandado quer pela oficina/mecânico.
15.º
A 2 de dezembro de 2022, o Demandado marido remete carta registada com aviso de receção à oficina, reclamando o facto de a viatura ainda não ter sido reparada, e notificando-a para, até ao dia 31 de dezembro de 2022, a viatura ser reparada e entregue aos Demandantes – Doc. N.º 5
16.º
Esta reclamação foi recebida pelo Senhor [PES-5], dono da oficina e mecânico, a 5 de dezembro de 2022, à qual nunca respondeu. – Doc. N.º 6
17.º
Depois dessa data apenas trocou mensagens com o Demandado, e um email a 19 de fevereiro de 2022, uma vez que os mesmos bloquearam o seu número de telefone e nunca responderam aos emails. – Doc. N.º 7
18.º
Os Demandantes pagam 101,94€, de prestação mensal devida pelo empréstimo contraído junto da empresa [ORG-4], desde agosto de 2021, tendo utilizado a viatura sido utilizada cerca de 3 meses até ao momento presente, março de 2023.
19.º
Ou seja, os Demandantes pagaram 16 meses de prestação de empréstimo contraído para adquirir a viatura, a que respeita o montante de 1.631,04€
20.º
Valor que os Demandantes não teriam gasto se não tivessem adquirido a viatura.
21.º
E empréstimo que não teriam contraído caso também não adquirissem a viatura.
22.º
De acordo com as normas legais aplicáveis ao caso em concreto, os Demandantes têm direito a resolver o contrato, e ainda, a receber, a título de indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais, os montantes despendidos no âmbito do contrato celebrado e, concomitantemente do seu incumprimento.
23.º
Assim, cumpre fazer chegar aos autos a razão principal pela qual a viatura tanta falta faz aos Demandantes, que não têm dinheiro para comprar outra em sua substituição, face ao crédito contratualizado, o que aqui se faz:
24.º
A Demandante mulher tem uma condição de saúde muito grave, que começou em novembro de 2021, que a obriga a frequentar fisioterapia três vezes por semana, desde o início de 2022, até ao momento presente, bem como a ter consultas médicas regulares, às quais não consegue ir/deslocar-se de forma autónoma por si só.
25.º
A Demandante mulher, que não possui carta de condução, seria conduzida pelo Demandante marido, na viatura que ambos adquiriram para o efeito, uma vez que residem em [...], junto ao [...], tendo que se deslocar à [...], junto da [...], numa distância de cerca de 6km, que demora 10 minutos a percorrer de carro e que, face aos horários dos autocarros muito difícil se torna frequentar.
26.º
As sessões de fisioterapia têm início à 12h00m, tendo que apanhar o autocarro das 10h30/11h00, dependendo do facto de o autocarro se atrasar ou não. No final da fisioterapia, por volta das 13h00m, a Demandante mulher tem que apanhar o autocarro cerca da 13h20m, chegando a casa um pouco depois das 14h00m, tendo que despender 4h30m, no percurso de autocarro, despendendo apenas, em situações normais, cerca de 1h20m, o que se demonstra de uma violência física gravíssima, atendendo à condição de saúde da mesma.
27.º
Acresce que os Demandantes residem com a mãe da Demandante mulher - sogra do Demandante marido, que não tem mais família em [...] – que sofreu um acidente, tendo ficado internada entre novembro e dezembro de 2021, após o que ficou com a locomoção comprometida, não mais andando sozinha, ficando impossibilitada de subir/descer dos transportes públicos, e tendo imensa dificuldade também em entrar para um carro normal, que faz sempre com o apoio de uma terceira pessoa.
28.º
Para além de sofrer uma patologia oncológica grave, desde dezembro de 2022, tendo que se deslocar, desde essa data, diariamente, ao [ORG-5] para fazer tratamento de quimioterapia, o que compromete o sistema imunitário, já de si bastante debilitado, para além de constituir um risco elevado para a sua saúde, circular em transportes públicos.
29.º
Acordando diariamente às 5h00m, para estar no Hospital às 7h00m, para dar início aos tratamentos que duram entre 3h00 a 4h00, apanhando o autocarro de regresso a casa perto das 13h40, chegando a casa depois das 14h00, sempre na companhia da Demandante mulher, para que o Demandante marido possa trabalhar.
30.º
Isto porque os Demandantes se encontram privados da viatura que adquiriram em julho de 2021 e que, de lá para cá pagam, para além do passe que também passaram a pagar, no montante de 30€/mês e 15€/mês, num total de 45€ extra/mês. – Doc. N.º 8
31.º
Se a Demandante mulher e a sua mãe fossem conduzidas pelo Demandante marido demorariam apenas 20 minutos entre o percurso de ida e de volta, mais o tempo dos fisioterapia/tratamentos, aproveitando o período em que ainda não se encontra a trabalhar (7h00) e o seu intervalo para o almoço (12h00 às 14h00).
32.º
Em circunstâncias normais, o Demandante marido iria buscar deixar a sogra ao Hospital às 7h00, indo buscá-la e à sua esposa, às 13h00, depois de sair da fisioterapia, almoçando em casa, todos em seguida, o que não sucede.
33.º
Com graves prejuízos e danos para todos, como bem se consegue imaginar. Prejuízos e danos decorrentes da privação de uso da viatura, do risco para a saúde em circular em autocarro, no tempo despendido, esforço, frio, chuva a que os Demandantes se encontraram sujeitos desde que ficaram sem a viatura, da vergonha por andar sempre a telefonar e enviar mensagens e emails a pedir o que era seu de direito e a ouvir destratos e despautérios vários, sem poder responder, não apenas por educação, mas porque pensaram que ainda iriam demorar mais tempo a ver o problema resolvido, prejuízos decorrentes da orientação do Demandado em apresentar queixa no Tribunal Arbitral contra o mecânico que o próprio indicou e ao qual pagou, segundo mesmo afirma e não cumprindo o que seria a sua obrigação, deslocações em transporte público de e para a oficina, o stand, e Leiria. Transportar a botija do gás Galp de carrinho, porque a hora das entregas não é compatível com o horário de trabalho do trabalhador, comprando-a perto do seu local de trabalho e levando-a depois para casa ao fim do dia de trabalho. Transportar as compras do mês do supermercado para casa através do autocarro, de entre outros prejuízos, danos e embaraços.
34.º
Que não podem calcular-se em menos de 1.800€.

FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE DIREITO
Entre a Demandante e a Demandada foi celebrado um Contrato de Prestação de Serviços, regulado no Art.º 1154.º do Código Civil, o qual dispõe que: “Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra, certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.”
Ora resulta provado que a Demandante, por força do contrato celebrado, se comprometeu a prestar à 1ª Demandada, serviços de assistência técnica a impressoras e fotocopiadoras, fornecimento de peças e consumíveis necessários ao seu funcionamento conforme contratos juntos aos autos.
Mais resulta provado que a Demandante cumpriu a sua obrigação, tendo efetuado os trabalhos contratados e fornecido os referidos materiais, mas que a 1ª Demandada, contrariando e incumprindo o contrato celebrado, não pagou a faturas que lhe foram entregues desde 1 de agosto de 2022 até 20 de abril de 2023, situação que se mantém até à presente data, não obstante as diligências feitas pela Demandante nesse sentido.
Em 21 de abril de 2023, a demandante remeteu à 1ª demandada carta registada pela qual rescindiu o contrato celebrado por incumprimento, solicitando o pagamento das faturas em dívida. Os demandados não responderam à referida carta nem procederam a qualquer pagamento.
Encontra-se, em dívida pelos trabalhos realizados a quantia de 463,35€.
A título indemnizatório pela rescisão antecipada do contrato, foi a 1ª demandada notificada para pagar a quantia de 476,23€ baseada na renda fixa mensal estabelecida contratualmente, que por efeito cominatório haverá de proceder.
O segundo demandado assumiu, por si, o pagamento das quantias em dívida, perante a demandante.
Igualmente se consideram devidos os juros moratórios, nos termos do disposto nos art. 102º do Código Comercial e 804º do Código Civil ex vi art. 3º do Código Comercial, pois quando ocorre a falta de cumprimento de uma obrigação em dinheiro, o credor desse valor tem direito a receber uma indemnização, para compensar os prejuízos resultantes do atraso (mesmo que, na realidade, não tenha sofrido prejuízos) indemnização essa que é igual aos juros vencidos, calculados à taxa dos juros legais (artº. 559º do Código Civil), desde a constituição em mora até integral e efetivo pagamento.
Ora sendo certo que a obrigação do devedor tinha prazo certo e determinado para proceder aos pagamentos – data de vencimento das faturas -, constitui-se em mora desde aquele momento até que proceda ao pagamento integral da quantia em dívida.
Os juros vencidos até 18 de agosto de 2023 perfazem a quantia de 46,28€. – por aplicação do regime do Decreto-Lei n.º 62/2013 de 10 de maio e art. 102º n.º 5 do Código Comercial quanto à taxa de juros aplicável - 8% até 31/12/2022 e 10,50% desde 1 de janeiro de 2023.

Decisão:
Em face do exposto e das disposições legais aplicáveis, julga-se a presente ação procedente por provada e, em consequência, condenam-se os Demandados a pagar à Demandante a quantia em dívida de €985,86 (novecentos e oitenta e cinco euros e oitenta e seis cêntimos) correspondente ao capital em dívida e juros vencidos até à propositura da ação.
Mais se condena os demandados a pagar os juros moratórios á taxa legal aplicável a transações comerciais (102º n.º 5 Código Comercial), entretanto vencidos e vincendos até integral e efetivo pagamento.

CUSTAS
Custas a cargo dos demandados, nos termos e para os efeitos do art. 3º da Portaria n.º 342/2019 de 1 de Outubro devendo ser pagas, no prazo de 3 (três) dias úteis a contar da notificação desta sentença –ainda que o prazo de validade do DUC seja mais alargado , sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efetivo cumprimento dessa obrigação.
A falta de pagamento das custas acarreta a sua cobrança por processo de execução fiscal.

Registe e notifique, juntando o respetivo DUC

Após trânsito, arquive-se.

Coimbra, 16 de fevereiro de 2024

A Juíza de Paz

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(Cristina Eusébio)