Sentença de Julgado de Paz
Processo: 1273/2018 JPLSB
Relator: SOFIA CAMPOS COELHO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL – INDEMNIZAÇÃO POR DANOS – CANCELAMENTO DE VOO.
Data da sentença: 01/30/2019
Julgado de Paz de : LISBOA
Decisão Texto Integral:
Processo nº 1273/2018 JPLSB

Objeto: Responsabilidade civil contratual – indemnização por danos – cancelamento de voo. ---

Demandantes: A., B., C. e D.
Demandada: E.
Mandatária: Sr.ª Dr.ª F.

Relatório:
Os demandantes, devidamente identificados nos autos, intentaram contra a demandada, também devidamente identificada nos autos, a presente ação declarativa de condenação, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhes a quantia de € 1.000 (mil euros), acrescida das “despesas relativas a este requerimento. Para tanto, alegaram os factos constantes do requerimento inicial, a folhas 1 e 2 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, alegando, em síntese, que tinham reserva no voo da demandada número EZY000, com partida do …e destino Lisboa para as 21:10 horas do dia 12 de agosto de 2018; alegam que pelas 17:20 horas desse dia são informados que o voo havia sido cancelado e a única informação que a demandada lhes prestou foi de que só teriam voo de regresso dali a quatro dias, tendo os demandantes se visto obrigados a regressar “ao continente pelos nossos meios, e sem nenhum apoio” da demandada. Alegam que a demandada os indemnizou das despesas efetuadas, mas recusa o pagamento da indemnização prevista no Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho n.º 261/2004. Juntaram os documentos de fls. 3 a 8 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
***
Regularmente citada, a demandada não contestou.
***
Os demandantes aderiram à mediação, tendo sido marcada data para realização da sessão de pré mediação, à qual a demandada faltou, não tendo justificado a sua falta. Consequentemente, foi marcada data para realização da audiência de julgamento, tendo as partes sido devidamente notificadas. Nessa data a demandada voltou a faltar, não tendo justificado a sua falta. Foi marcada nova data para realização da audiência de julgamento, da qual as partes foram, mais uma vez, devidamente notificadas. A demandada reiterou a falta.
***
Foi, em 22 de janeiro de 2019, arguida a nulidade de citação, tendo sido proferido despacho no decorrer da audiência de julgamento realizada na presente data, onde se concluiu que não se verifica a alegada falta de citação, conforme resulta da ata a fls. 54 e seguintes, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
***
Nos termos do n.º 1 do art.º 306.º do Código de Processo Civil, fixa-se à causa o valor de € 1.000 (mil euros).
O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas.
Não existem nulidades ou exceções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
***
FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE FACTO
Com interesse para a decisão da causa, ficou provado que:
1 – Os demandantes compraram à demandada quatro bilhetes de transporte aérea do …. com destino a Lisboa, para as 20:40 horas do dia 12 de agosto de 2018, com chegada ao destino às 21:10 horas desse dia.
2 – Pelas 17:20 horas desse dia, a demandada informou os demandantes do cancelamento do voo, não indicando o motivo.
3 – Não conseguindo contactar telefonicamente a demandada, dirigiram-se ao aeroporto, onde chegaram pelas 18:30 horas, onde a demandada os informou que só tinha voo de substituição dali a quatro dias.
4 – A demandada não lhes prestou qualquer outra assistência.
5 – Durante o período em que estiveram no aeroporto vários voos da demandada, designadamente com destino a Lisboa, que aterraram e descolaram.
6 – Os demandantes regressaram a Lisboa sem o apoio da demandada.
7 – Só após muitas reclamações a demandada reembolsou os demandantes das despesas efectuadas.
8 – Recusando-se a pagar-lhes a indemnização prevista no Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho n.º 261/2004.
9 – Em 15 de outubro de 2018, o demandante A. remeteu à demandada a comunicação electrónica a fls. 7 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida, a solicitar o pagamento da indemnização prevista no Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho n.º 261/2004.
10 – Em data não apurada a demandada remeteu ao demandante A. a comunicação electrónica a fls. 8 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida, comunicando-lhe que não procederia ao pagamento da indemnização prevista no Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho n.º 261/2004 por o cancelamento do voo ter sido devido a condições climatéricas adversas.
Não ficou provado:
Não se provaram mais factos com interesse para a decisão da causa.
Motivação da matéria de facto:
Para fixação da matéria fáctica dada como provada concorreram a cominação legal prevista no n.º 2, do artigo 58.º, da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, com a redação que lhe foi atribuída pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho (“Quando o demandado, tendo sido pessoal e regularmente citado, não comparecer, não apresentar contestação escrita, nem justificar a falta no prazo de três dias, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor”) e o teor dos documentos juntos dos autos, que aqui se dão por reproduzidos.
***
FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE DIREITO
O caso em apreço é revelador do espírito de litigância que ainda impera nas relações sociais, avessas à conciliação como modo de resolução amigável dos conflitos. No caso era essa a via indicada para que a justiça fosse feita. Contudo, uma vez que as partes não perfilharam esse caminho há que apreciar a questão que nos é colocada sob o prisma da legalidade. Debruçando-nos, assim, nesse prisma, sobre o caso em juízo.
Vêm os demandantes peticionar a condenação da demandada no pagamento de indemnização no montante de € 1.000 (mil e duzentos euros) por cancelamento de um voo operado pela demandada.
O contrato celebrado entre as partes reconduz-se a um contrato de transporte aéreo, ao qual se aplica as normas sobre os negócios jurídicos em geral, constantes do Código Civil, sendo aplicável aos direitos dos passageiros, fundamentalmente, a disciplina constante do Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho n.º 261/2004 . Nos termos do artigo 406.º do Código Civil O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos por leie, no âmbito da responsabilidade contratual, provada a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso de uma obrigação contratual que “o devedor (...) torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”. (artigo 798º, do Código Civil), estabelecendo a lei uma presunção de culpa do devedor, sobre o qual recai o ónus da prova, isto é, o devedor terá de provar que “a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua” (artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil).
Por seu turno, prescreve o artigo 5.º, do Regulamento (CE) n.º 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia, de 11 de Fevereiro de 2004, (publicado em 17/02/2004 no Jornal Oficial da União Europeia) “1. Em caso de cancelamento de um voo, os passageiros em causa têm direito a: a) Receber da transportadora aérea operadora assistência nos termos do artigo 8.º; e b) Receber da transportadora aérea operadora assistência nos termos da alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 9.º, bem como, em caso de reencaminhamento quando a hora de partida razoavelmente prevista do novo voo for, pelo menos, o dia após a partida que estava programada para o voo cancelado, a assistência especificada nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 9.º; e c) Receber da transportadora aérea operadora indemnização nos termos do artigo 7.º, salvo se: i) tiverem sido informados do cancelamento pelo menos duas semanas antes da hora programada de partida, ou ii) tiverem sido informados do cancelamento entre duas semanas e sete dias antes da hora programada de partida e se lhes tiver sido oferecido reencaminhamento que lhes permitisse partir até duas horas antes da hora programada de partida e chegar ao destino final até quatro horas depois da hora programada de chegada, ou iii) tiverem sido informados do cancelamento menos de sete dias antes da hora programada de partida e se lhes tiver sido oferecido reencaminhamento que lhes permitisse partir até uma hora antes da hora programada de partida e chegar ao destino final até duas horas depois da hora programada de chegada.”
Daqui decorre que a demandada, enquanto transportadora aérea operadora, estava obrigada, nos termos do art.º 8.º da citada Diretiva, a proceder ao reencaminhamento dos passageiros ora demandantes na primeira oportunidade, o que sabemos não ter feito, ou a reembolsar os demandantes do preço total dos bilhetes no prazo de sete dias, reembolso que sabemos ter sido efetuado. Por outro lado, tem também a obrigação de assistir os passageiros nos termos do artigo 9.º do Regulamento (concedendo-lhes gratuitamente refeições e bebidas em proporção razoável com o tempo de espera; alojamento em hotel caso se torne necessária a estadia por uma ou mais noites, ou caso se torne necessária uma estadia adicional à prevista pelo passageiro; e transporte entre o aeroporto e o local de alojamento; duas chamadas telefónicas, telexes, mensagens via fax ou mensagens por correio eletrónico), o que não se verificou. E, por fim, nos termos da alínea c) do n.º 1 do citado artigo 5.º, os passageiros têm também o direito a receber uma indemnização nos termos do artigo 7.º, n.º 1, do citado Regulamento, no caso a prevista na alínea a) por o voo em questão ser inferior a 1.500 quilómetros, ou seja, cada passageiro tem direito a uma indemnização de € 250 (duzentos e cinquenta euros), no total de € 1.000 (mil euros).
Assim sendo, como é, assiste aos demandantes o direito a serem indemnizados com o fundamento no cancelamento do voo, ao abrigo do Regulamento acima mencionado, no presente caso, será de € 250 (duzentos e cinquenta euros) para cada um dos demandantes, no total € 1.000 (mil euros), nos termos do artigo 7.º, n.º 1, alínea a) do Regulamente atrás citado, dado que estamos perante um voo até 1.500 quilómetros.
***
DECISÃO
Em face do exposto, julgo a presente ação procedente, por provada e, consequentemente, condeno a demandada a pagar aos demandantes a quantia de € 1.000 (mil euros).
***
CUSTAS
Nos termos da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, declaro a demandada parte vencida, indo condenada no pagamento das custas processuais, que ascendem a € 70 (setenta euros), devendo proceder ao seu pagamento, no Julgado de Paz, no prazo de três dias úteis, a contar da data da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10 (dez euros) por cada dia de atraso. Cumpra-se o disposto no número 9 da mesma portaria, em relação aos demandantes.
Decorridos vinte dias sobre o termo do prazo acima concedido, sem que se mostre efetuado o pagamento, emita-se a respetiva certidão para efeitos de execução por falta de pagamento de custas, e remeta-se aos Serviços do Ministério Público junto do Juízo Local Cível do Tribunal da Comarca de Lisboa, pelo valor das custas em dívida, acrescidas da respetiva multa, com o limite previsto no n.º 10 da citada Portaria.
***
A presente sentença (processada em computador, revista e impressa pela signatária - artº 18º da LJP) foi proferida e notificada aos demandantes, nos termos do artigo 60º, da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, que ficaram cientes de tudo quanto antecede.
Remeta-se cópia à demandada e sua mandatária.
Registe.
Após trânsito, encontrando-se as custas processuais integralmente pagas, arquivem-se os autos.
Julgado de Paz de Lisboa, 30 de janeiro de 2019
A Juíza de Paz,

(Sofia Campos Coelho)