Sentença de Julgado de Paz | ||
Processo: | 24/2009-JP | |
Relator: | DIONÍSIO CAMPOS | |
Descritores: | DIREITO DO CONSUMIDOR - BEM USADO DEFEITUOSO - RESOLUÇÃO CONTRATUAL | |
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Data da sentença: | 04/29/2009 | |
Julgado de Paz de : | COIMBRA | |
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Decisão Texto Integral: | SENTENÇA 1. – Identificação das partes Demandante: A Demandado: B 2. – Objecto do diferendo A presente acção foi intentada com base em ‘incumprimento contratual’, tendo a Demandante (compradora) pedido a resolução do contrato de compra e venda do veículo ligeiro de passageiros celebrado com o vendedor Demandado, e a condenação deste a restituir o preço pago, no valor de € 4.000,00. Para tanto, a Demandante alegou em síntese que, em 16/02/2007, comprou ao Demandado, comerciante, o veículo ligeiro de passageiros de marca Opel, com a matrícula UB, no estado de usado, pelo preço de € 4.000,00; dois dias após a compra, o veículo começou a revelar problemas de mecânica; a Demandante denunciou prontamente todas as avarias ao Demandado, e o veículo foi reparado por sete vezes; aquando da sétima reparação, a Demandante solicitou ao Demandado a substituição do veículo, que lhe foi negada; o veículo avariou pela oitava vez no início de Novembro de 2008, encontrando-se imobilizado desde então na via pública; por carta registada com aviso de recepção, datada de 17/12/2008, a Demandante requereu a restituição do preço; o Demandado não devolveu à Demandante o preço que esta pagou. A Demandante aderiu à fase de mediação, tendo sido agendada sessão de pré-mediação, à qual o Demandado faltou e não justificou a sua falta. O Demandado, regularmente citado, não apresentou contestação escrita. Foi marcada audiência de julgamento, com a devida notificação de ambas as partes, a que o Demandado faltou e justificou a falta, pelo que a audiência foi remarcada, tendo-se verificado a falta reiterada do Demandado. Valor da acção: € 4.000,00 (quatro mil euros). 3. – FUNDAMENTAÇÃO 3.1. – Os Factos Provados e Motivação Constata-se dos autos que, regularmente citado, o Demandado não apresentou contestação dentro do prazo legal do art. 47.º da LJP, não compareceu na audiência de julgamento para que foi devidamente notificado, apesar de se ter considerado justificada a falta, pelo que foi remarcada a audiência de julgamento, a que ele voltou a faltar e não justificou, verificando-se assim a sua revelia (art. 58.º, n.º 2 da LJP). O Demandado teve oportunidade de se defender do alegado contra si pela Demandante no âmbito da presente acção, designadamente contestando-a, para o que foi citado, e comparecendo à audiência de julgamento, para o que foi notificado. Porém, por exclusiva e livre opção de sua vontade, preferiu nada fazer, mantendo-se alheio a este processo que, como muito bem sabe, contra si corre neste tribunal. Ora, em tal caso, atenta a cominação semi-plena do referido n.º 2 do art. 58.º, consideram-se confessados/admitidos e, em consequência, provados, os factos articulados pela Demandante. Consequentemente, com base e fundamento nos autos e nos documentos apresentados pela Demandante, que se tiveram em atenção e se dão por reproduzidos, consideram-se provados por confissão e relevantes para o exame e decisão da causa os seguintes factos articulados pela Demandante: 1) O Demandado é comerciante de veículos automóveis usados. (por documento) 2) A Demandante é proprietária do veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca Opel, com a matrícula UB. (por documento) 3) Em 16-02-2007, a Demandante adquiriu ao Demandado o veículo UB, no estado de usado, pelo valor de € 4.000,00. (por documento) 4) No acto da venda, o Demandado entregou à Demandante um documento de garantia do veículo UB pelo prazo de dois anos. (por documento) 5) Logo após a compra do UB, a Demandante detectou nele diversas anomalias de funcionamento que comunicou ao Demandado. (por admissão) 6) Nas primeiras semanas após a compra do veículo UB, na sequência do aviso do ponteiro da temperatura, que advertia a temperatura máxima, o Demandado mandou substituir a válvula da temperatura por duas vezes, com o objectivo de que a ventoinha se accionasse mais rapidamente. (por admissão) 7) Após duas substituições da válvula, o ponteiro continuou a indicar a temperatura máxima. (por admissão) 8) O mecânico do Demandado informou a Demandante que o problema seria a nível eléctrico, e que devia ser reparado por um electricista. (por admissão) 9) Outro mecânico procedeu à terceira substituição da válvula da temperatura por uma em estado novo. (por admissão) 10) Em 10-07-2007, na viagem Fundão/Coimbra, o UB acendeu a luz (vermelha) da temperatura, vindo este a ficar imobilizado em Vila Velha de Ródão, devido a temperatura elevada. (por admissão) 11) A Demandante, denunciou de imediato, por telefone, o sucedido ao Demandado. (por admissão) 12) Na sequência da imobilização do veículo, a Demandante contactou a Assistência em Viagem, que enviou um reboque junto daquela. (por admissão) 13) O veículo da Demandante foi rebocado até à oficina do pronto-socorro. (por admissão) 14) O veículo esteve imobilizado mais de três semanas no parque de estacionamento do serviço de pronto-socorro. (por admissão) 15) O veículo foi transportado pelo reboque do pronto-socorro para a oficina de mecânica indicada pelo Demandado em Vagos. (por admissão) 16) Três meses após a entrada do veículo na oficina de mecânica, o mesmo não fora ainda reparado. (por admissão) 17) A oficina de mecânica procedeu à substituição do radiador do veículo. (por admissão) 18) Com a substituição do radiador, o trabalhar do motor soava diferente. (por admissão) 19) Alertada pelo trabalhar diferente do motor, a Demandante dirigiu-se pela sexta vez à oficina onde deixou o veículo para reparação. (por admissão) 20) Dois meses após a entrega do veículo à oficina, a Demandante foi informada que o turbo se encontrava queimado. (por admissão) 21) A Demandante paga uma prestação mensal de € 114,00 pelo crédito que contraiu junto do banco BPN para financiar a compra da viatura. (por admissão) 22) O Demandado recebeu directamente do BPN o preço correspondente à venda do veículo. 23) Por necessitar diariamente do veículo para as necessidades da sua vida, e encontrando-se privada do UB, a Demandante solicitou ao Demandado o empréstimo de um outro veículo, de forma a minimizar os inconvenientes da privação. (por admissão) 24) Em data não apurada, o Demandando emprestou à Demandante um veículo, que não se encontrava a coberto de um seguro de responsabilidade civil. (por admissão) 25) A Demandante contratou um seguro de responsabilidade civil para o veículo que lhe foi emprestado. (por admissão) 26) Após entrega do seu veículo UB, a Demandante voltou pela sétima vez à oficina por ouvir novamente um trabalhar estranho do motor. (por admissão) 27) Uns dias após a entrega do veículo à oficina para reparação, a Demandante foi informada que o turbo teria queimado de novo. (por admissão) 28) Continuando privada do veículo, a Demandante contratou novo seguro de responsabilidade civil para o veículo emprestado pelo Demandado. (por admissão) 29) A Demandante solicitou ao Demandado a substituição do veículo UB. (por admissão) 30) O Demandado recusou proceder à substituição do veículo da Demandante. (por admissão) 31) O veículo UB avariou pela oitava vez. (por admissão) 32) O veículo foi reparado várias vezes pelo Demandado. (por admissão) 33) Todos os defeitos e anomalias do veículo UB são do conhecimento do Demandado, porque denunciados pela Demandante, que exigiu a sua reparação. (por admissão) 34) Apesar das diversas reparações, o veículo UB continua a avariado. (por admissão) 35) O veículo encontra-se imobilizado na via pública desde o início de Novembro de 2008. (por admissão) 36) O veículo não oferece condições de segurança para circular na via pública. (por admissão) 37) A imobilização do veículo tem causado prejuízos e incómodos à Demandante e à sua mãe, condutora habitual do mesmo e que necessita dele diariamente para a sua vida. (por admissão) 38) Em 17-12-2008, na sequência da imobilização do veículo ocorrida em inícios de Novembro, a Demandante enviou ao Demandado uma carta, registada com aviso de recepção, em que solicitava a devolução do dinheiro pago. (por documento) 39) Em 18-12-2008, o Demandado assinou o aviso de recepção da referida carta (por documento) 40) O Demandado não devolveu à Demandante o preço de € 4.000,00. (por admissão) 3.2 – O Direito Da matéria de facto dada como provada resulta que, em 16-02-2007, a Demandante comprou ao Demandado, comerciante de automóveis usados, o veículo ligeiro de passageiros de marca Opel, com a matrícula UB, no estado de usado, pelo preço de € 4.000,00; logo nas primeiras semanas, o veículo começou a revelar avarias de funcionamento, tendo já sido reparado por sete vezes pelo Demandado ou por sua ordem e conta; todas as avarias foram prontamente denunciadas pela Demandante ao Demandado; aquando da sétima reparação, a Demandante solicitou ao Demandado a substituição do veículo, o que este recusou; o veículo avariou pela oitava vez em início de Novembro de 2008, encontrando-se imobilizado desde então; por carta registada com aviso de recepção, datada de 17-12-2008, e recebida pelo próprio Demandado em 18-12-2008, a Demandante requereu a (resolução contratual com) restituição do preço, não tendo aquele satisfeito a pretensão da Demandante. Estamos aqui perante uma compra e venda de um bem de consumo, disciplinada pela Lei n.º 24/96, de 31-07 (Lei de Defesa do Consumidor - LDC), alterada e complementada pelo DL 67/2003, de 8-04, este sobre certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, e que transpôs a Directiva 1999/44/CE, por sua vez alterado pelo DL n.º 84/2008, de 21 de Maio. Com efeito, a Demandante é considerada “consumidor”, porquanto lhe foi fornecido um bem, que não destinou a uso profissional, por pessoa que exerce com carácter profissional uma actividade económica que visa a obtenção de benefícios, como é o caso do Demandado (art. 2.º, n.º 1 da LDC). Os bens destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor (art. 4.º da LDC, na redacção do art. 13.º do DL 67/2003) De seu lado, o vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que estejam conformes com o contrato de compra e venda, presumindo-se que o não estão, designadamente, se não forem conformes com a descrição deles feita pelo vendedor, se não forem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo, ou se não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem (art. 2.º, n.os 1 e 2 do DL 67/2003). Para além disso, o vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue, presumindo-se, em princípio, existentes já nessa data as faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois anos a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea (art. 3.º, n.os 1 e 2 do DL 67/2003). E, em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato (art. 4.º n.º 1 do DL 67/2003). Aquando do contrato, o Demandado entregou à Demandante um documento de garantia de bom funcionamento do veículo, pelo prazo de dois anos a contar da entrega do bem, em consonância aliás com a lei (art. 5.º, n.os 1 e 2 do DL 67/2003), uma vez que o objecto do presente contrato de compra e venda é um bem móvel usado e as partes não procederam à redução convencional do prazo de garantia. Provou-se que as anomalias (avarias/defeitos) detectadas pela consumidora Demandante foram denunciadas ao vendedor dentro do prazo de dois meses, e proposta a acção dentro do prazo legalmente consignado, pelo que não resta senão concluir-se pela verificação também dos pressupostos temporais de que dependem os direitos do comprador (arts. 2.º a 5.º do DL 67/2003, /art. 5.º-A após alteração). Provou-se também que o vendedor assumiu a reparação do bem, que foi intervencionado por sete vezes e que tais reparações, não conseguiram eliminar a desconformidade do bem com o contrato, porquanto o veículo encontra-se imobilizado por avaria, desde inícios de Novembro de 2008. A Demandante sempre aceitou a reparação do veículo até que, no decurso da sétima reparação, solicitou ao Demandante a sua substituição. Porém, o Demandado recusou proceder à substituição do veículo UB, não atendendo às constantes avarias e gravidade destas, e continuando a insistir na sua reparação, que não se mostrou eficaz após sete reparações. Embora a lei não hierarquize os referidos quatro direitos conferidos ao consumidor (art. 4.º, n.º 1 do DL 67/2003), podendo este exercer qualquer deles, o certo é que, salvo impossibilidade, é com base no instituto do abuso do direito (art. 334.º do CC) que se deve aferir a legitimidade do exercício de qualquer desses direitos (art. 4.º, n.º 5 do DL 67/2003). Com efeito, “o consumidor tem o poder-dever de seguir primeiramente e preferencialmente a via da reposição da conformidade devida (pela reparação ou substituição da coisa) sempre que possível e proporcionada, em nome da conservação do negócio jurídico, tão importante numa economia de contratação em cadeia, e só subsidiariamente o caminho da redução do preço ou resolução do contrato.” (Calvão da Silva, Venda de Bens de Consumo, 3.ª ed., 2006, pp. 82-83). O exercício dos direitos conferidos ao comprador deve, assim, obedecer a uma lógica de adequação e proporcionalidade entre a natureza e gravidade do defeito e o modo de efectivação da obrigação do vendedor (cfr. Ac. RL de 13-05-2005: CJ, 2005, T.1, p. 69). Como se provou, as anomalias verificadas no veículo UB persistem, não tendo o Demandado conseguido a sua eliminação após sete reparações. Apenas no decorrer da sétima intervenção a Demandante solicitou a substituição do veículo por um outro, sem que o vendedor a atendesse. Assim, encontrando-se o veículo avariado pela oitava vez, patenteando a persistência das insuficiências/defeitos de funcionamento a nível mecânico e/ou eléctrico, é legítimo que a consumidora pretenda ver resolvido o contrato o que, face o histórico de sete intervenções falhadas, é razoável e conforme os princípios da proporcionalidade e da boa fé. Com efeito, o consumidor pode resolver o contrato, independentemente de culpa do vendedor, vale dizer, independentemente de a falta de conformidade ser ou não imputável ao alienante (vendedor final) (cfr. Calvão da Silva, ob.cit., pp. 85-86). Provou-se que a Demandante, por carta registada com aviso de recepção assinado pelo próprio Demandado em 18-12-2008 resolveu o contrato de compra e venda, com efeitos a partir de 28-12-2008. Ora, a resolução opera mediante declaração (unilateral) à outra parte, tendo efeito retroactivo (art. 436.º, n.º 1 e art. 434, n.º 1 do CC), devendo in casu ser restituído tudo o que tiver sido prestado (art. 289.º, n.º 1 do CC). Tem, pois, nos termos expostos, a Demandante direito a ver resolvido o contrato de compra e venda que, em 16-02-2007, celebrou com o Demandado e que teve por objecto o veículo ligeiro de passageiros de marca Opel, com a matrícula UB, pelo preço de € 4.000,00, e, consequentemente, deve o Demandado restituir à Demandante a quantia recebida de € 4.000,00 a título do preço, contra a entrega por esta a ele do referido veículo, actualmente na posse desta. 4. – Decisão Face ao que antecede e de acordo com as disposições legais aplicáveis, julgo a presente acção procedente por provada e, em consequência, declaro resolvido o contrato de compra e venda do veículo ligeiro de passageiros de marca Opel, com a matrícula UB, celebrado entre as partes em 16-02-2007, pelo preço de € 4.000,00 que a Demandante pagou ao Demandado, devendo este restituir àquela a quantia recebida de € 4.000,00 contra a entrega por parte da Demandante do veículo objecto do contrato. Custas: pelo Demandado, que declaro parte vencida, nos termos do n.º 8 da Portaria n.º 1456/2001, de 28-12. As custas no valor de € 35,00 devem ser pagas no Julgado de Paz, no prazo de 3 (três) dias úteis a contar da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efectivo cumprimento dessa obrigação (n.os 8 e 10 da Portaria n.º 1456/2001, de 28-12, alterada pela Port. n.º 209/2005, de 24-02). Em relação à Demandante, cumpra o n.º 9 da Portaria n.º 1456/2001, de 28-12. A presente sentença foi lida e notificada presencialmente à Demandante que compareceu e que declarou ficar ciente de todo o seu conteúdo. Registe e notifique. Coimbra, 29 de Abril de 2009. O Juiz de Paz, (Dionísio Campos)
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