Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 67/2023-JPCBR |
Relator: | CRISTINA EUSÉBIO |
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO |
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Data da sentença: | 05/16/2024 |
Julgado de Paz de : | COIMBRA |
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Decisão Texto Integral: | Proc. N.º 67/2023-JPCBR SENTENÇA RELATÓRIO: [PES-1], demandante devidamente identificado nos presentes autos propôs a presente ação declarativa de condenação contra [PES-2], igualmente devidamente identificado no presente processo, pedindo a reparação da viatura que adquiriu ao demandado ou em alternativa a resolução de contrato de compra e venda de veículo e em consequência a restituição do preço no valor de 7500,00. Para tanto, alegou os factos constantes do seu Requerimento Inicial de fls. 1 a 3 que se dá por reproduzido. Juntou 6 documentos (fls. 4 a 7) que igualmente se dão por reproduzidos. O demandante, em face da alteração de circunstância desistiu do pedido alternativo e pretende ser ressarcido do montante da reparação que custeou, no valor de 2987,03€. O demandado não se opôs à alteração do pedido, contestando, no entanto, o valor da reparação que em seu entendimento, extravasaram o âmbito dos defeitos inicialmente apontados à viatura. Regularmente citado, o demandado apresentou contestação, impugnando os factos alegados pelo demandante, invocando que, a provar-se os defeitos da viatura, estes não eram pré-existentes ao contrato, pois pese embora o carro fosse usado se encontrava em boas condições de utilização e com as revisões feitas na marca e em dia. Afastada a fase da mediação pelo demandante, agendou-se a audiência de discussão e julgamento, que se realizou com cumprimento das formalidades legais conforme da respetiva ata resulta. O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do território e do valor - que se fixa em 7500,00€ (sete mil e quinhentos euros) – artºs 297º nº1 e 306º nº2, ambos do C. P. C. Não existem nulidades que invalidem todo o processado. As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas. Não existem exceções que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito da causa. As questões a decidir por este tribunal circunscrevem-se à caracterização do contrato celebrado entre Demandante e Demandado; às obrigações e direitos daí decorrentes e às consequências do incumprimento dessas obrigações, nomeadamente a de reparação de defeitos. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos: 1 - O Demandante viu um anúncio de um veículo usado para venda no site da Stand Virtual, de matrícula [-QG- 1] marca [ORG-1], propriedade do demandado com o valor de 8000,00€. 2. – Em 28 de setembro de 2022, o demandante deslocou-se à cidade do [...] para ver o veículo e nesse mesmo dia adquiriu-o pelo valor de 7.500,00€ após negociação com o demandado. 3 – Na data referida em 2 o demandado recebeu os documentos da viatura, declaração de venda e entrou na posse da mesma, pagando o preço. 4 – O demandante trouxe a viatura para a cidade de Coimbra, onde reside e circulou com esta cerca de 1 mês. 5 – Em novembro de 2022, a viatura começou a não pegar e aparentava ter havido fuga de óleo; 6 – Em 25 de novembro de 2022, o demandante enviou à demandada carta registada reportando que foi identificada uma fuga de óleo no motor e a necessidade “de reparo total do motor” e solicitando a correção da avaria ou devolução da quantia paga pela viatura, “desfazendo o negócio”, rececionada pelo demandado em 28 de novembro de 2022. Cfr. doc. Fls. 4 e 5 7 – O demandado não deu resposta à carta referida em 7. 8 – O demandante solicitou orçamento para reparação do veículo à oficina [ORG-2], que custeou no valor de 284,01€; cfr. doc fls. 6 9 – Da avaliação da referida oficina resultou que “viatura necessita de substituir componentes do circuito de injeção, bomba de alta pressão, injetores, bomba auxiliar, ficha da bomba de combustível, sensor diferencial, filtro de combustível, tubo de retorno, tubos de pressão e tampa das válvulas” cfr. doc. Fls. 6 10 – A oficina emitiu em 16 de dezembro de 2022, orçamento de reparações no valor de 7.582,67€ -cfr. doc. Fls.7. 11 – O demandante mandou reparar a viatura, optando por outra oficina e tipo de reparação, após se aconselhar com outros profissionais de mecânica. 12 – Em 22 de fevereiro de 2023, a oficina [ORG-3] emitiu fatura relativa a motor usado para a viatura no valor de 1845,00€. Cfr. doc. Fls. 52. 13 – Em 2 de março de 2023 a oficina [ORG-4] Lda procedeu à instalação do motor adquirido pelo demandante, colocou um kit de embraiagem, óleo, filtro do habitáculo, filtro de ar, filtro de combustível, tubo, anticongelante, alinhou a direção e colocou gasóleo, pelo valor de 1.142,03€ que o demandante pagou. Cfr. doc fls. 53 e 54. Factos não provados: - A quilometragem que o veículo apresentava no momento da venda. - A viatura tinha todas as revisões periódicas efetuadas por oficinas oficiais da marca ou oficinas credenciadas - Que o demandante tenha feito um uso imprudente da viatura. MOTIVAÇÃO Para a declaração dos factos como provados, o tribunal teve em consideração as declarações das partes conjugadas com os documentos apresentados. A testemunha apresentada pelo demandado apenas referiu que conhecia o carro, tendo circulado nele e que desconhecia qualquer problema ou avaria no veículo e que o demandado era cuidadoso com os carros. Assim, Os factos sob os n.ºs 1 a 4 e 6 foram considerados provados por acordo. O facto com o n.º 5 resultou das declarações do demandante e pelo normal acontecer, a constatação da fuga de óleo e dificuldades no arranque motivaram a ida à oficina. Os factos nºs 6 a 13 consideram-se provados pelos documentos identificados em cada item com as declarações de parte prestadas pelo demandante e demandado. O facto indicado com o n.º 11 resultou exclusivamente das declarações do demandante que perguntado justificou o motivo pelo qual optou pela substituição do motor ao invés de mandar reparar todo o sistema de injeção. Referiu que a opção da [ORG-2] ficaria muito cara, tendo sido aconselhado a substituir o motor por motor usado, que era a opção mais económica, por outros mecânicos. Quanto à matéria considerada não provada resulta da total ausência de produção de qualquer prova nesse sentido. FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE DIREITO Estamos perante um contrato de compra e venda de um automóvel usado celebrado entre dois particulares. Um dos efeitos do contrato de compra e venda consiste, como se sabe, na obrigação de entrega da coisa, mediante o pagamento do preço. E, devendo os contratos ser pontualmente cumpridos – art.406º, nº1, do C.C.– o cumprimento daquela obrigação só será perfeito se for entregue a coisa sem defeitos intrínsecos, estruturais e funcionais. Caso a coisa vendida padeça daqueles defeitos, estamos perante a venda de coisa defeituosa – art.913º do C.C. Na fixação do regime jurídico da compra e venda de coisas defeituosas deve ter-se em conta o regime geral da responsabilidade contratual – art. ºs 798º e ss do C.C, - o regime especial previsto no art.913º do C.C., ao remeter para o regime da compra e venda de bens onerados, e as particularidades previstas nos art. ºs 914º e segs daquele diploma legal. Quanto à culpa, presume-se a culpa do vendedor – art.799º, nº1, do C.C. Ora, no presente caso verificamos que a viatura automóvel avariou após cerca de um mês da sua aquisição, avaria que era impeditiva de circular. Atento o pouco tempo decorrido poderemos inferir que tal defeito era pré-existente ao contrato de compra e venda, ainda que oculto. Provada a entrega da coisa com defeito e não tendo sido ilidida a presunção de culpa do vendedor – uma vez que, encontrando-se a vender um carro usado com muitos quilómetros teria ao menos que assumir a probabilidade de que este viesse a manifestar defeitos que poderiam por em causa o fim a que se destinava - , podem ocorrer as seguintes consequências: reparação do defeito, substituição da coisa, redução do preço, resolução do contrato e indemnização. Para tanto, caberá ao comprador denunciar o defeito, o que o demandante fez nos termos da carta registada junta aos autos, em 28 de novembro de 2022. Atenta a falta de resposta atempada do demandado, o demandante, em março de 2023 mandou reparar o veículo a expensas suas, optando por substituir o motor ao invés de trocar todo o sistema de injeção, que ficaria muito mais oneroso. Nesta conformidade tem direito a ser ressarcido do valor da reparação, mas somente no que diz respeito aos defeitos do motor e injeção, oportunamente relatados ao demandado. Da mesma forma que o vendedor não pode ignorar a possibilidade de ocorrer uma avaria num carro com muito uso, também o comprador deverá assumir algum risco, decorrente de desgaste normal da viatura. Entende-se que a responsabilidade por incumprimento defeituoso não é excluída com respeito a coisas usadas, mas dever-se-á atender à deterioração motivada pelo uso ou pelo decurso do tempo, equilibrando as posições dos contraentes. Na fatura junta aos autos a fls. 53 encontram-se discriminados materiais e serviços que em nada se prendem com a substituição do motor, a não ser a mão de obra. Assim, a presente ação deverá proceder, na estrita medida da responsabilidade do demandado, que se cinge ao defeito verificado, louvando-se a iniciativa do demandante em ter optado pela solução menos dispendiosa, atendendo ao valor comercial do veículo. Assim, considera-se que para reparação do defeito, o demandante adquiriu um motor que foi colocado na viatura, ao invés de trocar todo o sistema de injeção e será esse o valor pelo qual o vendedor haverá de responder, nos termos da sua responsabilidade contratual. O motor teve o custo de 1500,00€ e a mão de obra foi de 455,26€ ao que acrescerá o IVA pago pelo demandante. Decisão Face ao exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente e em consequência condeno o demandado a pagar ao demandante a quantia de 2.404,96€ (dois mil quatrocentos e quatro euros e noventa e seis cêntimos). CUSTAS Custas a cargo do demandante e demandado na proporção do respetivo decaimento 66% e 34% respetivamente, nos termos e para os efeitos do art. 3º da Portaria n.º 342/2019 de 1 de Outubro, devendo ser pagas, no prazo de 3 (três) dias úteis a contar da notificação desta sentença –ainda que o prazo de validade do DUC seja mais alargado, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efetivo cumprimento dessa obrigação. A falta de pagamento das custas acarreta a sua cobrança por processo de execução fiscal. Emita-se DUC para o demandante no valor de 46,20€ e para o demandado no valor de 23,80€. Registe. Coimbra, 16 de maio de 2024 A Juíza de Paz _____________________ (Cristina Eusébio) |