Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 1116/2012-JP |
Relator: | LUIS FILIPE GUERRA |
Descritores: | CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO - CONTRATO DE AGÊNCIA - CADUCIDADE |
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Data da sentença: | 04/15/2013 |
Julgado de Paz de : | PORTO |
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Decisão Texto Integral: | SENTENÇA I. RELATÓRIO: A, com os demais sinais nos autos, intentou a presente ação declarativa destinada a efetivar o cumprimento de obrigação contra B, melhor identificado a fls. 2, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 3.281,25 €. Para tanto, a demandante alegou os factos constantes do requerimento inicial de fls. 2 a 4, que aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo juntado ao mesmo nove documentos. Regularmente citado, o demandado apresentou a contestação de fls. 52 a 61, que aqui se dá por integralmente reproduzida, pugnando pela improcedência parcial da ação e confessando-se devedor da quantia de 1.875,00 €. Não se realizou a sessão de pré-mediação, dado que o demandado afastou expressamente essa possibilidade. Posto isso, atendendo à exceção de competência territorial deduzida pelo demandado, o Julgado de Paz do Agrupamento dos Concelhos de Santa Marta de Penaguião, Alijó, Murça, Peso da Régua, Sabrosa e Vila Real remeteu o processo para este Julgado de Paz do Porto. Foi, então, marcada e realizada a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal. Estão reunidos os pressupostos de regularidade da instância, designadamente: O Julgado de Paz é competente em razão do objeto, do valor, da matéria e do território (artigos 6º nº 1, 8º, 9º nº 1 a) e 12º nº 1 respetivamente, da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho). As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas. Não há outras exceções, nulidades ou quaisquer questões prévias de que cumpra conhecer, pelo que se fixa o valor da presente causa em 3.281,25 €. Assim, cabe apreciar e decidir: II. FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA: Discutida a causa, ficaram provados os seguintes factos: 1. A demandante tem por objeto social a mediação imobiliária, intermediando a venda, compra e arrendamento de imóveis. 2. No âmbito e exercício da sua atividade, a demandante foi contratada pelo demandado para intermediar a compra e venda de imóveis pertencentes a este, no âmbito da Campanha de Comissão de Mediação – Janeiro/Março de 2010. 3. Por cada venda agenciada pela demandante, o demandado pagar-lhe-ia uma comissão de 5% do valor da venda do imóvel. 4. Além disso, por cada cliente que, através da intervenção da demandante, celebrasse com o demandado um contrato de mútuo para aquisição de imóvel, a demandante recebia uma comissão de 1% do valor mutuado, até 31/12/2008, e, a partir desta data, uma comissão de 250,00 € por cada mútuo agenciado até ao valor de 500.000,00 €. 5. No ano de 2010, o demandado beneficiou dos serviços da demandante para a venda de um imóvel sito em Vila Real, inscrito na matriz sob o artigo nº xxx e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº xxxx. 6. A escritura de compra e venda respetiva foi celebrada em 21/05/2010, constando da mesma uma referência à intervenção da demandante como mediadora. 7. Essa venda foi tratada com a sucursal do demandado identificada como xxx. 8. O imóvel acima descrito foi vendido pelo preço de 37.500,00 €. 9. A demandante tinha direito a receber 5% do referido valor, no total de 1.875,00 €, o que só veio a acontecer após a propositura da presente ação. 10. Os compradores do mesmo imóvel obtiveram financiamento para a respetiva aquisição junto do demandado, por intermédio da demandante. 11. A demandante ficou credora do demandado pela quantia de 250,00 €. 12. No mesmo ano de 2010, a demandante angariou outros clientes de crédito à habitação para o demandado, concretamente C e D, tendo tratado este processo com a sucursal deste em Vila Real, denominada xxxx e sita na Avenida xxxxx., s/n, R/C. 13. O empréstimo concedido pelo demandado a estes clientes foi de 60.000,00 €. 14. A demandante tinha direito a receber a comissão de 250,00 € por este agenciamento. 15. Até ao presente, o demandado pagou apenas à demandante a quantia de 1.875,00 €, apesar das reclamações desta. 16. A demandante encontrava-se em processo de revalidação da sua licença e de alteração dos seus estatutos quando angariou os citados clientes para a demandante. 17. De acordo com o disposto na cláusula 9.2 do Protocolo de Crédito à Habitação celebrado entre as partes, “todas as comissões de intermediação deverão ser apresentadas para pagamento, no ano em que ocorrem, estabelecendo-se como limite máximo o último dia útil do mês de Março do ano seguinte”. 18. A demandante só apresentou a fatura referente às comissões aqui em causa em 24/11/2011. 19. No final do ano de 2008, o demandado procedeu à alteração da sua política de comissionamento no âmbito dos protocolos já estabelecidos com mediadores e outros angariadores de crédito imobiliário, incluindo a demandante. 20. Segundo as novas condições, a partir do ano de 2009, a remuneração por cada proposta contratada de crédito à habitação até ao montante de 500.000,00 € passou a ser do valor fixo de 250,00 €. 21. Através de carta registada com aviso de receção, datada de 04/12/2008 e recebida pela demandante, o demandado deu conhecimento a esta de que pretendia levar cabo as referidas alterações, tendo ainda informado que se a mesma não tivesse interesse na manutenção do protocolo nas novas condições, deveria dar conhecimento por escrito até 31/12/2008, sem o que seriam aplicáveis as novas condições no ano de 2009. 22. A demandante não comunicou ao demandado até ao final do ano de 2008, nem posteriormente, que não tinha interesse na manutenção do protocolo celebrado em 26/09/2005, com as novas condições. Os factos provados resultam da ponderação cuidada dos meios probatórios apresentados pelas partes, nomeadamente depoimento de parte do legal representante da demandante, em conformidade com a assentada lavrada na ata da audiência de julgamento, e depoimento da testemunha E empregado do demandado com responsabilidades nesta área de negócios, que confirmou a alteração das condições contratuais com os mediadores e a sua aceitação tácita pela demandante, bem como a apresentação extemporânea da fatura em causa por parte desta, e ainda documentos juntos aos autos, a que se junta o acordo das partes quanto aos factos n.os 1, 2 (exceto parte final), 3, 4 (exceto parte final), 5, 6, 7, 8, 9, 10, 12 e 13. Por último, o facto nº 15 é matéria superveniente reconhecida pelas partes no decurso da audiência de julgamento, nomeadamente durante a sua audição e na sequência da confissão de dívida do demandado plasmada na contestação. III. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA: Considerando o conteúdo da relação contratual estabelecida pelas partes mediante o protocolo de crédito à habitação de fls. 9 e 10, não há dúvida que as mesmas celebraram um contrato de agência ou de representação comercial “Agência é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta da outra a celebração de contratos, de modo autónomo e estável e mediante retribuição, podendo ser-lhe atribuída certa zona ou determinado círculo de clientes”., regulado pelo Decreto-Lei nº 178/86, de 3 de Julho, entretanto atualizado pelo Decreto-Lei nº 118/93, de 13 de Abril. “O agente tem direito a uma comissão pelos contratos que promoveu e, bem assim, pelos contratos concluídos com clientes por si angariados, desde que concluídos antes do termo da relação de agência” (cfr. artigo 16º, nº 1 do mesmo diploma legal). A retribuição do agente é calculada segundo a convenção das partes, quando a haja (cfr. artigo 16º, nº 1 da mesma lei). Neste caso, as partes regiam-se por um protocolo, cujas condições remuneratórias foram entretanto alteradas. Além disso, “o agente adquire o direito à comissão logo e na medida em que se verifique uma das seguintes circunstâncias: a) O principal haja cumprido o contrato ou devesse tê-lo cumprido por força do acordo concluído com o terceiro; ou b) O terceiro haja cumprido o contrato”, sendo a mesma devida até ao último dia do mês seguinte ao trimestre em que o direito tiver sido adquirido (cfr. artigo 18º, n.os 1 e 3 da citada lei). A este propósito, vale aqui também o disposto no artigo 18º do Decreto-Lei nº 211/2004, de 20 de Agosto, na parte respeitante à mediação imobiliária, mas já não à angariação de crédito à habitação, já que esta última atividade sai do âmbito deste diploma legal. Por outro lado, o agente tem ainda direito “a receber, periodicamente, uma relação dos contratos celebrados e das comissões devidas, o mais tardar até ao último dia do mês seguinte ao trimestre em que o direito à comissão tiver sido adquirido” (cfr. artigo 13º c) da mesma lei). No caso dos autos, a demandante já recebeu a comissão a que tinha direito respeitante à angariação de comprador para o imóvel do demandado, com o que se verifica nessa parte a inutilidade superveniente da lide, estando apenas em causa as comissões pelo agenciamento de clientes para o crédito à habitação disponibilizado por este último. Ora, em face da factualidade provada, a demandante teria direito a receber a quantia total de 500,00 € a título de comissões por esta atividade de promoção de contratos de mútuo celebrados pelo demandado, nos termos do protocolo estabelecido entre as partes e em conformidade com as novas condições remuneratórias acordadas. Realce-se a este respeito que a demandante aceitou tacitamente a alteração das mesmas proposta pelo demandado, visto que não respondeu à comunicação que lhe foi endereçada nesse sentido, apesar da advertência nela contida (cfr. artigo 217º do Código Civil). De resto, a demandante, na pessoa do seu legal representante ouvido na audiência de julgamento, reconheceu essa aceitação. Contudo, o demandado, valendo-se da cláusula 9.2 do referido protocolo, veio escusar-se a pagar essas comissões com o argumento de que as mesmas haviam sido reclamadas extemporaneamente. Muito embora não o explicite, a argumentação do demandado parece apontar no sentido de ter ocorrido a caducidade do direito da demandante. A caducidade implica a “extinção de um direito, sem efeito retroativo, pela verificação de um facto a que a lei atribui esse efeito” (cfr. caducidade In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2013. Disponível na www: <URL: http://www.infopedia.pt/lingua-portuguesa/caducidade>). Ora, nos termos do artigo 330º, nº 1 do Código Civil, “são válidos os negócios pelos quais se criem casos especiais de caducidade, (…) contanto que não se trate de matéria subtraída à disponibilidade das partes ou de fraude às regras legais da prescrição”. Por seu turno, o crédito da demandante prescreveria ao fim de dois anos (cfr. artigo 317º do Código Civil). Não obstante, não nos parece que assista razão ao demandado. Com efeito, o protocolo estabelecido entre as partes, que configura um contrato de agência, como já se viu, não é explícito quanto à consequência do atraso do agente na reclamação do pagamento das suas comissões. Assim sendo, seria legítimo, em face dos artigos 236º e 237º do Código Civil, considerar-se que a consequência para a falta de apresentação atempada a pagamento das comissões devidas, era a mora do credor (cfr. artigo 813º e segs. do Código Civil). Nesse caso, a partir da mora, a dívida não venceria juros, o risco da impossibilidade superveniente da prestação correria por conta do credor e este poderia ter de indemnizar o devedor das maiores despesas que este fosse obrigado a fazer com o oferecimento infrutífero da prestação e a guarda e a conservação do respetivo objeto (cfr. artigos 814º a 816º do Código Civil), mas o crédito não se extinguiria. Ora, como se depreendeu do depoimento da testemunha Manuel Costa e resulta do seu clausulado, está aqui em causa um contrato de adesão, estabelecendo cláusulas contratuais gerais para todos os mediadores imobiliários com quem o demandado trabalhava. Desse modo, o demandado estava vinculado aos deveres de comunicação e informação previstos nos artigos 5º e 6º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, mormente atendendo à falta de clareza da referida cláusula 9.2 do respetivo protocolo. Além disso, o ónus da prova da comunicação adequada e efetiva cabia ao demandado, sem o que essa cláusula se deve ter por excluída. De resto, o demandado também não invoca explicitamente a exceção de caducidade, limitando-se a alegar que não foi observado o disposto na referida cláusula 9.2 pela demandante, pelo que as comissões não eram devidas. Porém, neste caso, a caducidade não é de conhecimento oficioso, carecendo de ser invocada expressamente (cfr. artigos 303º e 333º, nº 2 do Código Civil), sendo certo que isso não parece ter acontecido. Pelo exposto, a exceção deduzida pelo demandado não pode ser atendida, com o que tem o mesmo de pagar à demandante a quantia de 500,00 € referentes às comissões a esta devidas, sem prejuízo do imposto sobre o valor acrescentado, à taxa legal, sendo este devido. IV. DECISÃO: Nestes termos, julgo a presente ação parcialmente procedente e provada e, por via disso, condeno o demandado a pagar à demandante a quantia de 500,00 € (quinhentos euros), acrescida de imposto sobre o valor acrescentado, à taxa legal, sendo este devido, absolvendo-o do demais peticionado. Custas por demandante e demandado na proporção do respetivo decaimento, fixando as mesmas em 15% para a primeira e 85% para o segundo (cfr. artigos 446º, n.os 1 e 2 e 450º, n.os 3 e 4 do CPC e artigo 8º da Portaria nº 1456/2001, de 28 de Dezembro). Registe e notifique. Porto, 15 de Abril de 2013 O Juiz de Paz, (Luís Filipe Guerra) |