Sentença de Julgado de Paz
Processo: 221/2018-JPBBR
Relator: LUÍSA FERREIRA SARAIVA
Descritores: DIREITO E DEVERES DE CONDÓMINOS. FALTA DE PODER DE REPRESENTAÇÃO DA ADMINISTRADORA DO CONDOMÍNIO
Data da sentença: 03/28/2019
Julgado de Paz de : OESTE
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
Proc.º 221/2018-JPBBR

IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES:
Demandante: A., Quinta XX, Óbidos, com NIPC 000, com representante legal YY – Unipessoal, Lda, com sede na Rua XX, em Caldas da Rainha.

Demandada: B., com NIPC 000, com última sede conhecida na Av. XX, Cidade de São Tomé e Principe.
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OBJECTO DO LITÍGIO:
O Demandante intentou contra o Demandado a presente acção enquadrável na alínea c) do nº 1, do artº 9º, da Lei 78/2001 de 13 de Julho, peticionando a condenação deste no pagamento da quantia de € 1486,08, correspondente às quotas de condomínio dos meses desde maio de 2017 até agosto de 2018, assim como as extraordinárias. Mais peticiona a condenação do Demandado no pagamento dos juros legais e custas, nos termos plasmados no requerimento inicial, de fls. 3 e 4, que se dá por reproduzido.
Juntou com o Requerimento Inicial, os documentos de fls. 5 a 22, que se dão igualmente por reproduzidos.
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Frustrada a citação do Demandado, procedeu-se à nomeação de Defensor Oficioso para sua representação, em 31 de janeiro de 2019 (fls 59) nos termos do n.º 2 do art.º 38.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho.
Determinou-se então o seguimento do regime processual civil referente aos ausentes, citando-se o Defensor Oficioso nomeado em representação do Demandado, uma vez que não há Ministério Público junto dos Julgados de Paz.
Este apresentou contestação, nos termos plasmados a fls. 62 a 65, na qual apresentou defesa por impugnação, alegando resumidamente que não resulta comprovada a alegada dívida; que a acta junta apenas refere a existência de valores em dívida nada esclarecendo quanto aos métodos e critérios utilizados para alcançar tais valores. Não se conclui quais os condóminos presentes na assembleia de condóminos pois a Ata não está assinada nem se verifica o quórum legalmente exigido o que impede uma deliberação válida.
Deu-se início à Audiência de Julgamento sem possibilidade de dar cumprimento ao art.º 26, n.º1 da LJP, uma vez que a Demandada esteve somente representada pelo Defensor Oficioso nomeado, que não dispõe de poderes para confessar, nem transigir. Passou-se de imediato à notificação da Demandada dos documentos juntos pelo Demandante, de fls. 76 a 87, como resulta da respectiva acta de fls.94 e 95.
Não foram apresentadas testemunhas.
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O Julgado de Paz é competente em razão do objecto, da matéria, do território e do valor que se fixa em € 1.486,08 nos termos dos art.ºs 297º nº1 e 306º nº 2, ambos do C.P.Civil. O Julgado de Paz é competente em razão do valor.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.

DOS FACTOS PROVADOS:
Da prova carreada para os autos, resultaram provados os seguintes factos:
1 - A Demandada é proprietária da fracção autónoma designada pela letra “L”, afecta ao regime de propriedade horizontal e descrita na Conservatória do Registo Predial de ZZ sob o nº 00/1995000.
2 – A Demandada adquiriu a fracção a C. em 31-05-2017.
3 – Em assembleia de condóminos reuniu em 31 de janeiro de 2018, na qual os condóminos presentes e representados não constituíam quórum, foi “reeleita a administração A. Unipessoal, Lda – franquiada para D. aprovado que havia dívidas de condóminos e fixada a quota mensal em € 45,00:

DOS FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos, com interesse para a decisão da causa, dada a inexistência ou insuficiência de prova nesse sentido.

FUNDAMENTAÇÃO FACTICA:
Resultaram estes factos da análise dos documentos juntos aos autos.

O Direito
A relação material controvertida circunscreve-se às relações condominiais, mais concretamente ao incumprimento por parte da Demandada das suas obrigações de condómina, pela falta de pagamento da sua quota-parte na contribuição para as despesas comuns (vulgo, quota de condomínio), e outras despesas, no caso, despesas administrativas realizadas com a cobrança coerciva da dívida.
A posição de condómino confere direitos e obrigações, assentando na dicotomia existente entre o direito de usufruir das partes comuns do edifício e a obrigação de contribuir para as despesas comuns de manutenção e conservação. Quanto à obrigação de contribuir para as despesas comuns de manutenção e conservação do edifício e serviços de interesse comum, dispõe o art. 1424.º, do Código Civil (CC), que “salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções”. Temos assim que, a obrigação de contribuir para as despesas comuns de manutenção e conservação do edifício, na proporção da respetiva fração autónoma face ao capital investido no edifício, é uma obrigação que decorre expressamente da letra da lei, a qual assume natureza pecuniária, nos termos do citado art. 1424.º, do CC. Pelo que, o incumprimento da referida obrigação torna o devedor responsável pelos prejuízos que daí possam resultar para o condomínio, nos termos gerais das obrigações.
Por outro lado, a administração das partes comuns do edifício cabe à assembleia dos condóminos e a um administrador (cfr., art. 1430.º, do CC), cabendo a este, entre outras, a função de cobrar as receitas e exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas, conforme resulta das als. d) e e), do art. 1436.º, do Código Civil.
A lei (cfr. art.ºs 12º, al. e), do CPC e 1437, do C. Civil) atribui ao condomínio personalidade judiciária, concedendo ao administrador a função de representação processual do condomínio (tornando efectivo o exercício dos poderes processuais do mesmo, pois que atenta a falta de personalidade jurídica, falta-lhe a capacidade judiciária, que é suprida através da representação judiciária do administrador) limitada às acções que se inserem no âmbito dos seus poderes ou na execução das funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia (relativamente aos assuntos que exorbitam a sua competência e se inserem no âmbito próprio da assembleia de condóminos).
Assim, se um dos condóminos não paga as contribuições a que é obrigado para as despesas de fruição e conservação das partes comuns, o administrador poderá Demandá-lo, em representação do condomínio.
No entanto uma questão se coloca nos presentes autos que é a de saber quem é a A., Quinta XX, em Óbidos. O Demandante intenta a presente acção representado pela YY – Unipessoal, Lda na qualidade de Administradora do referido prédio.
Juntou o Demandante a acta n.º 25, na qual consta: “ foi “reeleita a administração A. Unipessoal, Lda – franquiada para D. para comprovar a sua qualidade de Administradora.
Verifica-se, por isso, que ao contrário do que resulta da epígrafe do artigo 1437º, do C. Civil, o preceito reporta-se à capacidade processual (e não à legitimidade) do condomínio, que se traduz na concretização do princípio contido no art.º 26º, do CPC. Na situação sob apreciação está em causa acção intentada (em agosto de 2018) pelo condomínio (representado pela Administradora – S, Lda.) contra terceiros (o anterior administrador), visando a prestação de contas por parte do mesmo.
Ora, a assembleia é, o órgão do condomínio através do qual a comunidade dos condóminos forma a sua vontade e administra as partes comuns do edifício. Dispõe o art.º 1432, n.º3, do C. Civil, que as deliberações são tomadas, salvo disposição especial, por maioria dos votos representativos do capital investido. O n.º4 do mesmo preceito estatui que se não comparecer o número de condóminos suficiente para se obter vencimento e na convocatória não tiver sido desde logo fixada outra data, considera-se convocada nova reunião para uma semana depois, na mesma hora e local, podendo neste caso a assembleia deliberar por maioria de votos dos condóminos presentes, desde que representem, pelo menos, um quarto do valor total do prédio. Independentemente das situações em que seja exigido quorum especial (uma vez que para aqui não assumem cabimento), resulta dos preceitos acima citados que, relativamente ao modo de funcionamento da assembleia de condóminos, a lei fixa um quorum mínimo subjacente à formação da própria deliberação (a deliberação forma-se com a votação, apenas intervindo os condóminos presentes e votantes cujo sentido é consignado e definido com os votos dos que votaram favoravelmente à sua aprovação).
Na aplicação destas considerações à situação concreta dos autos, importa ter em conta que: na assembleia de condóminos realizada em 31 de Janeiro de 2018 foi deliberado reeleger A. Unipessoal, Lda – franquiada para D. para administração do condomínio, sendo que já supostamente já vinha exercendo funções anteriormente.
Importa analisar da legalidade da referida assembleia sob a perspectiva do quorum a ela subjacente. Do teor da acta junta aos autos (acta n.ºs 25 de fls. 20) verifica-se que nas respectivas “deliberações”, ainda que aprovadas pelos condóminos presentes, estes não constituíam o quorum (mínimo) legal a que alude o n.º3 do art.º 1432 do C. Civil, e que consubstancia o número (mínimo) exigido por lei para que a assembleia de condóminos se possa constituir como órgão e iniciar trabalhos nessa qualidade, como consta ainda da respectiva acta. Carecendo desse quorum mínimo legal (um quarto do valor total dom prédio, 250%0 do capital investido) a “assembleia” realizada não se encontrava legalmente constituída, determinando, por isso, a impossibilidade de nelas serem tomadas decisões com poderes deliberativos (enquanto manifestação da vontade do respectivo órgão).
Há uma impossibilidade de constituição da Assembleia de Condomínio por falta do quorum mínimo legalmente exigido para o efeito. Verifica-se pois que se está perante decisões (de um conjunto de condóminos) que não podem deixar de se considerar juridicamente inexistentes enquanto deliberações, pois que não resultam de uma assembleia de condóminos constituída e, nessa medida, não representam qualquer manifestação da vontade do órgão competente para tais efeitos.
Mesmo entendendo-se que a acta constitui um elemento apenas ad probationem, nem pelo recurso à prova testemunhal foi possível aferir com certeza, quem é a Administração de Condomínio, uma vez que não foi apresentada qualquer prova adicional (testemunhal). Não foi igualmente apresentada Acta, na qual conste deliberação regularmente tomada, respeitante à eleição prévia da administradora D. Nestes termos, verificando-se que na situação sob apreciação a irregularidade da representação do Demandante e a falta de deliberação da assembleia de condóminos não foram oportunamente sanadas, há que absolver a Demandada da instância (art.º 278, n.º1, alínea c), do CPC), mostrando-se prejudicado o conhecimento da questão da existência dívida de Demandada.

Decisão:
Pelo exposto, não tendo sido comprovada a regularidade da representação da A., Quinta XX, em Óbidos, o que constitui uma excepção dilatória, absolvo a Demandada da instância – artºs 576, n.º 2, 577º, 578º e alínea e) do artº 278º, todos do C.P.Civil.

Custas: a suportar pelo Demandante (art.º 8.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro).
O Demandante deverá efectuar o pagamento das custas da sua responsabilidade, no valor de € 35,00 (trinta e cinco euros), no prazo de três dias úteis a contar da notificação da presente decisão sob pena de incorrer numa penalização de €10 (dez euros) por cada dia de atraso, não podendo exceder € 140,00, nos termos do nº 10 da Portaria 1456/2001 de 28 de dezembro.
Registe, notifique.

Após trânsito, notifique a presente Sentença ao Ministério Público, nos termos do disposto no n.º 3, do art.º 60º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, com a alteração introduzida pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho.
Bombarral, Julgado de Paz do Oeste, 28 de março de 2019

A Juíza de Paz

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(Luísa Ferreira Saraiva)

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