Sentença de Julgado de Paz
Processo: 955/2013-JP
Relator: JOÃO CHUMBINHO
Descritores: CONDOMÍNIO - LINHA ARQUITECTÓNICA DO EDIFÍCIO - INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DO VALOR
Data da sentença: 03/28/2014
Julgado de Paz de : LISBOA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

I - IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: A, em Lisboa;
Demandados: B, com domicílio profissional no C, x, x/x, x, x, Sul Angola.

II - OBJECTO DO LITÍGIO
A Demandante intentou contra os Demandados uma acção declarativa de condenação, enquadrada na alínea c), do n.º 1, do artigo 9.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, respeitante a direitos e deveres de condóminos, pedindo que este Tribunal condene os Demandados na obrigação de remoção dos aparelhos de ar condicionado no prazo de trinta dias e a repor a situação tal como estava antes da colocação dos aparelhos.
Alegou, para tanto e em síntese, que o Condomínio interpelou os Demandados enquanto proprietários do 9.º do prédio sito na Rua x, lote x, em Lisboa e estes nada fizeram.
Os Demandados regularmente citados, contestaram, alegando em síntese, que o Tribunal é incompetente em razão do valor e que os aparelhos não afectam a linha arquitectónica do edifício e a segurança das partes comuns.

Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do legal formalismo, como da acta se alcança.

Cumpre apreciar e decidir.

Da Incompetência em razão do valor
Os Demandados alegam que o Julgado de Paz de Lisboa não tem competência em razão do valor, no entanto, o valor do processo é de €: 7000,00 (fixado por acordo) e a acção deu entrada na vigência da lei n.º 54/2013, de 31 de Julho que alterou, entre outras disposições, o artigo 8.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, que fixou a alçada dos Julgados em €: 15.000,00 e, por consequência o Julgado de Paz é competente em razão do valor para julgar a presente acção.

Verificam-se os pressupostos processuais de regularidade e validade da instância, não existindo questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

III – FUNDAMENTAÇÃO
A prova produzida resulta dos documentos apresentados pelas partes que se encontram junto aos autos a fls. 10 a 117 e 166 e 167, bem como do depoimento das testemunhas e por confissão.
Nos termos do artigo 60.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, da sentença deve constar uma sucinta fundamentação.
Da prova produzida constatou-se que os Demandados são condóminos no condomínio que figura como Demandante nesta acção dado que são proprietários da fracção correspondente ao 9.º x do prédio do condomínio Demandante (provado por cordo) e que, sem comunicarem à assembleia de condóminos, colocaram dois aparelhos de ar condicionado nas fachadas do prédio Demandante que podem ser observados por qualquer pessoa que circule na via pública (provado pro confissão, cf. artigo 9.º da contestação e pelas fotografias que se encontram juntas ao processo como docs. a fls. 59 a 62 e 166 e167).
Resulta ainda provado que o condomínio deliberou em 27 de Fevereiro de 2012 e que administração do condomínio e os Demandados reuniram em 29 de Março de 2013, no sentido de os Demandados procederem à remoção dos aparelhos de ar condicionado (provado por doc. 7 junto com o Requerimento Inicial) e estes, apesar de interpelados para o efeito, nada fizeram.
Nos termos do artigo 1422.º, n.º 3, do Código Civil “As obras que modifiquem a linha arquitectónica do edifício podem se realizadas se para tal se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada pela maioria representativa de dois terços do valor total do prédio”, tendo resultado provado que não foi dada tal autorização prévia nem foi solicitada pelos Demandada e que os condóminos se opuseram à essa colocação dos aparelhos de ar condicionado.
Entende-se por linha arquitectónica “O conjunto de elementos que, integrados em unidade sistemática, conferem ao prédio a sua individualidade específica” (Acórdão do STJ de 20/07/1982, BMJ 319-301) e arranjo estético como o conjunto de características visuais que conferem unidade sistemática ao conjunto (Acórdão da relação do Porto de 31/05/1988. CJ, XIII, 3, 232).
Da análise das fotografias apresentadas constata-se que os aparelhos de ar condicionado foram colocados nas fachadas do edifício, onde não existem outros aparelhos semelhantes. No entanto, tendo presente as fachadas do referido prédio e o seu papel central e estrutural no edifício, entende-se que a colocação de dois aparelhos de ar condicionado, colidem com os elementos, as características e a individualidade específica do edifício, que não pode deixar de se entender que tal alteração danifica a linha arquitectónica do edifício.
Assim, a Demandada violou o artigo 1422.º, n.º 3, do Código Civil ao encerrar a varanda da sua fracção, pois com essa conduta modificou a linha arquitectónica do edifício e o seu arranjo estético, cuja sanção é a reconstituição natural nos termos do artigo 562.º, n.º 1, do Código Civil, que implica a reposição da situação das fachadas ao estado em que se encontravam anteriormente à colocação dos aparelhos de ar condicionado e em conformidade com o projecto original do edifício.
Ora, mesmo que se entendesse, por mera hipótese, que a colocação dos dois aparelhos de ar condicionado não colidiriam com a linha arquitectónica do edifício, não podia deixar de se concluir pela leitura das alíneas g) e h) do artigo 12.º do Regulamento do edifício e por maioria de razão, que os Demandados teriam de submeter a colocação dos aparelhos de ar condicionado à deliberação dos condóminos, dado que as fachadas não têm como fim principal a colocação de aparelhos de ar condicionado e que a colocação de qualquer objecto pelos condóminos nessas partes comuns exige a autorização prévia da assembleia de condóminos. No mesmo sentido, cita-se o artigo 49.º do regulamento Municipal de urbanização e Edificação de Lisboa, onde se proíbe a colocação de aparelhos de ar condicionado no exterior das fachadas dos edifícios, sem prejuízo da aplicação do artigo 1422.º, n.º 3, do Código Civil e das normas regulamentares do condomínio.
Apesar do condomínio Demandante ter alegado que a conduta dos Demandados podia afectar a segurança do edifício, tal não resultou provado, ónus que caberia ao Demandante, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.

IV- DECISÃO
Em face do exposto, considera-se improcedente a excepção de incompetência invocada pelos Demandados.
Os Demandados, B, são condenados na obrigação de remoção dos aparelhos de ar condicionado das fachadas do edifício e a colocar as fachadas do prédio do Condomínio Demandante na situação em que se encontrava antes da colocação dos aparelhos de ar condicionado, o que devem cumprir no prazo de 30 dias após o trânsito em Julgado da presente acção.

Custas de €: 35,00 a pagar pelos Demandados, B com a restituição de € 35,00 ao Condomínio Demandante, nos termos dos artigos 8.º e 9.º, da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro.
A Demandada deverá efectuar o pagamento das custas em dívida num dos três dias úteis subsequentes ao conhecimento da presente decisão, incorrendo numa sobretaxa de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efectivo cumprimento dessa obrigação, conforme disposto nos números 8.º e 10.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro.
Decorridos dez dias sobre o termo do prazo supra referido sem que se mostre efectuado o pagamento, será enviada certidão para execução por custas aos Serviços do Ministério Público junto dos Juízos Cíveis de Lisboa, pelo valor então em dívida, que será de € 135,00 (cento e trinta e cinco euros).
A data da leitura de sentença foi previamente agendada e lida na presença da Administração do Condomínio.
Registe e notifique. Arquive, após trânsito em julgado.

Julgado de Paz de Lisboa, 28 de Março de 2014
Processado por meios informáticos
Revisto pelo signatário. Verso em branco O Juiz de Paz
(João Chumbinho)