Sentença de Julgado de Paz
Processo: 280/2019 E APENSO 335/2019 – JPFNC
Relator: CELINA ALVENO
Descritores: INFILTRAÇÕES EM ÁREAS COMUNS – DIREITOS E DEVERES DE CONDÓMINOS
Data da sentença: 09/27/2024
Julgado de Paz de : FUNCHAL
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA

Processo n.º 280/2019 e apenso 335/2019 – JPFNC

I - IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandantes: [PES-1], NIF [NIF-1] e [PES-2], NIF [NIF-2], residentes em 321 [...], [...], [...] E 12 6 HT, também com domicílio conhecido no caminho do [...], n.º 16, [Cód. Postal-1] [...].
Demandado: Condomínio do [ORG-3], NIPC [NIPC-1], sito na [...], Edifício [ LOC- 1], 9325 [...].

II - RELATÓRIO
Os Demandantes instauraram as presentes ações declarativas de condenação, nos termos dos requerimentos iniciais constantes de cada um dos correspondentes processos, que aqui se consideram integralmente reproduzidos, na sequência de uma infiltração que ocorreu na sua fração, peticionando a condenação do Demandado em cada um dos processos, a reconhecer que:
A) No Processo n.º 280/2019-JPFNC
a. o entupimento da rede de esgoto comum do condomínio a jusante da fração C, aconteceu num ponto comum do edifício;
b. esse entupimento não foi provocado pela utilização da fração C pelos Demandantes;
c. esse entupimento provocou um derrame e infiltração de águas escuras, com detritos orgânicos (fezes, água e urina), conspurcando todo o apartamento com sujidade e bactérias, e a inundação completa da fração C;
d. o derrame interior da fração C provocou os danos melhor identificados nos artigos 24.º a 28.º do Requerimento Inicial;
e. A urgência na realização das obras de reparação dos danos verificados na fração C, pois os Demandantes estão impossibilitados de utilizar a fração C;
f. Ser condenado a pagar aos Demandantes a quantia de € 11.500,00 (já com IVA) e juros vincendos pelas reparações realizadas (conforme já desistência e redução do pedido ocorrida na sessão da audiência de julgamento de 18/03/2024); e,
B) No Processo n.º 335/2019-JPFNC, a reconhecer:
a) a perda total dos bens móveis (recheio) descrito no artigo 28.º do Requerimento Inicial, totalmente danificados, irreparáveis, impregnados de modo definitivo de bactérias;
b) A urgência na substituição do recheio;
c) Ser condenado a pagar aos Demandantes a quantia de € 6.992,78 + IVA, no total de € 8.397,00, acrescida dos juros vincendos, conforme orçamento apresentado.
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Citado para os termos de cada um dos processos, o Demandado apresentou a sua contestação em cada um deles começando por fazer um enquadramento das circunstâncias em que ocorreu o sinistro, objeto nos presentes autos, alegando que «o logradouro localizado no rés-do-chão do Edifício [ LOC- 1]» estava «a ser usado indevidamente» por um condómino (artigo A. A.1. 1 da contestação do Proc. 280/2019 e artigo B. A.1. 13 da contestação do Proc. 335/2019); que o condómino em questão «vedou, com um portão, o acesso ao logradouro do Edifício Vista Real onde está localizada a caixa de saneamento de esgoto que entupiu e deu origem à inundação da fração dos Demandantes» (artigo A. A.1. 3 da contestação do Proc. 280/2019 e artigo B. A.A. 15 da contestação do Proc. 335/2019); que nem o Demandado nem a sua administração tinham a chave do portão colocado por um condómino numa área comum, que lhes permitisse «o livre e imediato acesso ao espaço onde se encontra a caixa de saneamento de esgoto que entupiu e originou a inundação na fração dos Demandantes» (artigo A. A.1. 5 da contestação do Proc. 280/2019); que o condómino que ocupou a área comum nunca se disponibilizou para ceder passagem ao Demandado «para que esta procedesse ao desentupimento e limpeza» (artigo A. A.1 12 da contestação do Proc. 280/2019 e artigo B. A.A. 17 da contestação do Proc. 335/2019); «que o acesso através da fração dos Demandantes tem uma altura com cerca de 4 metros até à zona do logradouro onde se encontra a caixa de esgoto, o que representa um grande perigo, com a forte probabilidade de provocar um acidente para quem pretenda aceder ao logradouro através daquela fração» (artigo A. A.1. 14 da contestação do Proc. 280/2019 e artigo B. A.1. 26 da contestação do Proc. 335/2019); mas que «apesar de tudo, quando o acesso ao logradouro através da fração dos Demandantes foi proporcionado pelos Demandantes» à administração do Condomínio Demandante, a administração efetuou «a limpeza e desentupimento da caixa de saneamento de esgoto que provou a inundação daquela fração» (artigo A. A.1. 15 da contestação do Processo n.º 280/2019 e artigo B. A.1. 27 da contestação do Proc. 335/2019); e isto porque a [ORG-1] não permitiu que a administração do condomínio «arrombasse a fechadura do portão para ter acesso ao logradouro onde a caixa de esgoto se localiza, para proceder ao seu desentupimento e limpeza» - uma área comum (artigo A. A.1. 16 da contestação do Proc. 280/2019 e artigo B. A.1. 28 da contestação do Proc. 335/2019); e que «na zona da porta de entrada da fração dos Demandantes, nunca foi detetado qualquer vestígio de inundação que tornasse justificável o pedido de acesso à caixa de esgoto através daquela fração» (artigo A. A.1. 17 da contestação do Processo n.º 280/2019 e artigo B. A.1. 30 da contestação do Proc. 335/2019). Na sua douta contestação o Demandado impugna que a administração não tenha atuado de forma diligente e zelosa, explicando que «nos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019 a manutenção preventiva às restantes caixas de saneamento do esgoto localizadas no Edifício [ LOC- 1] foi devidamente efetuada» (artigo A. A.1. 23 da contestação do Proc. 280/2019 e artigo B. A.2. 35 da contestação do Proc. 335/2019); sendo que a administração de condomínio «não conseguiu verificar e limpar a caixa de saneamento de esgoto que entupiu e originou a inundação da fração dos Demandantes, porque não tinha acesso à mesma» (artigo A. A.1. 24 da contestação do Proc. 280/2019 e artigo B. A.2 36 da contestação do Proc. 335/2019). O Demandado impugnou as quantias peticionadas a título de indemnização pelos Demandantes por considerar que os valores estavam inflacionados para as tarefas a executar /realizar, materiais a aplicar e mão-de-obra; defendeu-se alegando ainda falta de vigilância por parte dos Demandantes.
O Demandado defende-se ainda considerando que não poderá ser responsabilizado «civilmente pelos danos causados pela inundação ocorrida na fração dos Demandantes, proveniente do entupimento da caixa de saneamento de esgoto localizada no logradouro do Edifício Vista Real» (artigo B. B.2. 50 da contestação do Proc. 280/2019 e artigo C. B.2. 62 da contestação do Proc. 335/2019); que «o logradouro onde está localizada aquela caixa de esgoto constitui parte comum do prédio (artigo 1421.º, n.º 1, alínea d) do CC) e, como tal, a sua conservação é da responsabilidade» da administração do condomínio (artigo B. B.2. 51 da contestação do Proc. 280/2019 e artigo C. B.2. 63 da contestação do Proc. 335/2019); que a administração do Condomínio Demandado não efetuou a «manutenção da caixa de esgoto que esteve na origem da inundação da fração dos Demandantes porque sempre esteve impedida de o fazer por ação» de um outro condómino que tinha ocupado a área comum (artigo B. B.2. 53 da contestação do Proc. 280/2019 e artigo C. B.2. 65 da contestação do Proc. 335/2019).
O Demandado requereu prova pericial para apurar o valor dos custos das reparações da fração dos Demandantes, que apesar de deferida por despacho da Exma. Sra. Juíza de Paz a 10/07/2020, não se realizou porque o Demandado não efetuou o respetivo pagamento da taxa, conforme despacho da Exma. Sra. Juíza de Direito do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira de 07/02/2022.
O Demandado foi ainda notificado para juntar aos autos comprovativo da apólice de seguro do condomínio a que está vinculado ou comprovativos das apólices individuais que haja recolhido em sua substituição, por despacho da Exma. Sra. Juíza de Paz de 14/09/2020, e não o fez.
A apensação das ações foi ordenada por despacho da Exma. Sra. Juíza de Paz de 14/09/2020.
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As partes e Ilustres Mandatários foram notificados das várias sessões de audiência de julgamento (sete sessões).
Foram efetuadas várias tentativas de conciliação e suspensão dos autos com esse fim, com o esforço necessário e na medida adequada, para explorar todas as possibilidades de acordo, nos termos do n.º 1 do art.º 26º da LJP, contudo a mesma não se revelou possível.
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Foram ouvidas as partes, nos termos do disposto no artigo 57.º da LJP, e realizada a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal, como resulta das atas, tendo as partes exposto as suas posições perante os factos objeto do litígio, tendo sido ouvido a Demandante, em declarações de parte, testemunhas e alegações finais pelos Ilustres Mandatários das partes.
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O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objeto, do território e do valor. O processo é próprio e não enferma de nulidades que o invalidem. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas. Não há exceções, nulidades ou questões prévias que cumpra conhecer.
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III- VALOR DA AÇÃO
Fixa-se em:
a) Proc. n.º 280/2019 - JPFNC em € 11.500,00 (onze mil e quinhentos euros); e,
b) Proc. n.º 335/2019 - JPFNC em € 8.397,00 (oito mil, trezentos e noventa e sete euros), nos termos dos artigos 296.º, 297.º n.º 2, 299.º, 300.º e 306.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 63.º da LJP
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IV- OBJETO DO LITÍGIO
Infiltrações em áreas comuns – direitos e deveres de condóminos
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V- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Assim e com relevância para a decisão da causa, e de acordo com a prova documental e testemunhal carreada para os autos, resultaram os seguintes:
FACTOS PROVADOS:
1. Os Demandantes são proprietários de uma fração identificada pela letra “C” do prédio constituído sob o regime da propriedade horizontal, denominado “[ LOC - 1]”, localizado à [...], Edifício [ LOC - 1] [...].
2. Os Demandantes residem na [...] e em 2018 usavam a supra referenciada fração como habitação secundária, para gozo de férias e visita a familiares.
3. O logradouro localizado no rés-do-chão do [ LOC - 1] foi ocupado indevidamente por um condómino, que vedou, com um portão o acesso ao logradouro do Edifício [ LOC- 1] onde está localizada a caixa de saneamento de esgoto que entupiu e deu origem a uma inundação na fração dos Demandantes. (vide artigo A. A.1. 1 da contestação do Proc. 280/2019 e artigo B. A.1. 13 da contestação do Proc. 335/2019; artigo A. A.1. 3 da contestação do Proc. 280/2019 e artigo B. A.A. 15 da contestação do Proc. 335/2019; artigo A. A.1. 5 da contestação do Proc. 280/2019; artigo A. A.1 12 da contestação do Proc. 280/2019 e artigo B. A.A. 17 da contestação do Proc. 335/2019).
4. O acesso através da fração dos Demandantes tem uma altura com cerca de 4 metros até à zona do logradouro onde se encontra a caixa de esgoto, o que representa um grande perigo, com a forte probabilidade de provocar um acidente para quem pretenda aceder ao logradouro através daquela fração. (vide artigo A. A.1. 14 da contestação do Proc. 280/2019 e artigo B. A.1. 26 da contestação do Proc. 335/2019).
5. Nos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019 a manutenção preventiva às restantes caixas de saneamento do esgoto localizadas no Edifício [ LOC - 1] foi efetuada, sendo que a administração de condomínio não conseguiu verificar e limpar a caixa de saneamento de esgoto que entupiu e originou a inundação da fração dos Demandantes, porque não tinha acesso à mesma. (vide artigo A. A.1. 23 da contestação do Proc. 280/2019 e artigo B. A.2. 35 da contestação do Proc. 335/2019 e artigo A. A.1. 24 da contestação do Proc. 280/2019 e artigo B. A.2 36 da contestação do Proc. 335/2019).
6. Em março de 2019 ocorreu uma inundação sucessiva para o interior da fração dos Demandantes, fazendo transbordar das bocas das duas sanitas, bidé e banheira dos dois quartos de banho, águas escuras, conspurcando a fração, espalhando-se por todo o pavimento da fração, quer sob o pavimento de madeira, rodapés e tacos dos corredores, quartos de dormir, sala, quer sob o pavimento cerâmico e rodapés da cozinha e casas de banho.
7. Os Demandantes quando tomaram conhecimento da inundação diligenciaram no sentido de proporcionar à administração do Condomínio Demandado o acesso ao logradouro através da sua fração, tendo a administração do Condomínio procedido à limpeza e desentupimento da caixa de saneamento de esgoto que provocou a inundação daquela fração, bem como à limpeza da própria fração a 22/03/2019 (artigo A. A.1. 15 da contestação do Processo n.º 280/2019 e artigo B. A.1. 27 da contestação do Proc. 335/2019).
8. Na zona da porta de entrada da fração dos Demandantes, nunca foi detetado qualquer vestígio de inundação que tornasse justificável o pedido de acesso à caixa de esgoto através daquela fração (artigo A. A.1. 17 da contestação do Processo n.º 280/2019 e artigo B. A.1. 30 da contestação do Proc. 335/2019).
9. A 03/07/2018 a administração do Condomínio Demandado solicitou a colaboração da [ORG-2], no sentido de disponibilizar o contacto do condómino que tinha ocupado uma área comum do prédio, vedando o acesso a uma caixa de esgoto com um portão, porque não tinham acesso ao esgoto que estava entupido e era necessário proceder à sua limpeza.
10. Pelo que, em março de 2019 a administração do Condomínio Demandado já tinha conhecimento de que existiam vestígios de entupimento do ramal de esgoto em questão porque em 2018 já se tinham verificado o entupimento do mesmo, tendo sido alertada pelos condóminos, designadamente pelos Demandantes e pelo condómino que ocupou a área comum com um portão.
11. Efetivamente o condómino que tudo indica ter ocupado a área comum com um portão, por carta de 30/07/2018 comunicou à administração do Condomínio Demandado a existência de inundação generalizada em todo o logradouro, provocada pelo entupimento dos esgotos, tornando o espaço insalubre devido ao mau cheiro dali proveniente.
12. Conforme fichas de serviço da administração do Condomínio Demandado, desde 2016 que apenas eram verificadas 4 caixas de esgoto, ficando 6 caixas de esgoto por verificar por se encontrarem numa área comum, mas vedada por um portão.
13. O Demandado reconhece que o logradouro onde está localizada a caixa de esgoto constitui parte comum do prédio e, como tal, a sua conservação é da responsabilidade da administração do condomínio, mas que a administração do Condomínio Demandado não efetuou a «manutenção da caixa de esgoto que esteve na origem da inundação da fração dos Demandantes porque sempre esteve impedida de o fazer por ação» de um outro condómino que tinha ocupado a área comum (artigo B. B.2. 51 da contestação do Proc. 280/2019 e artigo C. B.2. 63 da contestação do Proc. 335/2019; e artigo B. B.2. 53 da contestação do Proc. 280/2019 e artigo C. B.2. 65 da contestação do Proc. 335/2019).
14. Os Demandantes apresentaram um orçamento à administração do Condomínio Demandado no valor de € 12.127,00 + IVA, para efeitos de: proceder à remoção de todo o pavimento existente em tacos, incluindo rodapés; portas completas; guarda-fatos nos quartos n.ºs 2 e 3; remoção de loiças dos pavimentos, dos quartos de banho, da cozinha, da lavandaria e pintura das paredes da fração e um orçamento no valor de € 8.397,00 (com IVA) par efeitos de substituição de mobiliário e equipamentos.
15. O Demandado Condomínio não aceitou os orçamentos apresentados, pelo que os Demandantes se socorreram do seu irmão/cunhado, que tem experiência na construção civil, no sentido de realizar as obras necessárias, da forma mais económica possível, procedendo-se à reparação em vez da substituição sempre que possível.
16. Assim sendo, os Demandantes removeram o pavimento da fração e dos rodapés; repararam as portas em vez de substituí-las; repararam as portas dos guarda-fatos em vez de substituí-los; substituíram a banheira por uma base de duche, tendo procedido apenas à limpeza das sanitas e bidé; e, procederam à pintura da fração.
17. Apesar de ter conhecimento, pelo menos desde 2016 que as caixas de esgoto não estavam a ser verificadas e apesar de já em 2018 ocorrerem infiltrações, apenas na assembleia de condomínio de 27/06/2019 é que a administração do Condomínio Demandado informou os condóminos que iria instaurar um processo contra o condómino que tinha ocupado uma área comum, colocando um portão no acesso aos esgotos, impedindo assim o acesso aos mesmos, aquando de alguma intervenção necessária.
18. O custo total da obra, para efeitos de reparação dos danos, foi de € 11.300,00 já com material e IVA incluído.

Consideram-se reproduzidos os documentos de fls. 19 a fls. 89 do Proc. 280/2019 e de fls. 19 a fls. 86 do Proc. 335/2019; de fls. 106 a fls. 124 do Proc. 280/2019 e de fls. 118 a fls. 139 e de fls. 158 a fls. 179 do Proc. 335/2019; de fls. 252 a fls. 312, de fls. 316 a fls. 320, de fls. 348, de fls. 351 a fls. 352, de fls. 355 a fls. 356, de fls. 359 e de fls. 362 a fls. 364 do Processo n.º 280/2019, juntos aos autos pelos Demandantes e pelo Demandado.
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Motivação da matéria fática:
O Tribunal formou a sua convicção com base no conjunto da prova produzida, cotejada com as regras da experiência, tendo considerado os elementos documentais juntos pelos Demandantes e pelo Demandado, que aqui se dão por reproduzidos e integrados, complementados pelos esclarecimentos das partes que se tiveram em consideração ao abrigo do princípio da aquisição processual e nos depoimentos das testemunhas.
Considera-se provado por confissão resultante das alegações e declarações do Demandado, os factos respeitantes aos números 3, 5, 9, 10, 11, 12, 13 e 17.
Nos termos do n.º 2, do art.º 574.º, do CPC, aplicável ex vi, art.º 63.º, da LJP, consideram-se admitidos por acordo os factos constantes nos números 4, 7 e 8.
Considera-se provado, resultante das alegações e declarações da Demandante os factos respeitantes ao número 2, conjugado com a prova documental junta aos autos.
A restante matéria resulta provada pela análise crítica de todas as provas que foram dadas a conhecer em sede de audiência, o que foi ponderado de acordo com as regras da experiência e no âmbito da prova global produzida de modo a não existir contradições entre os documentos e a prova testemunhal.
Considerou o Tribunal o teor dos documentos juntos pelas partes de fls. 19 a fls. 33 do Proc. 280/2019 e de fls. 19 a fls. 86, para prova dos factos respeitantes ao número 1; de fls. 50 a fls. 86 do Proc. 280/2019, para prova dos factos respeitantes ao número 6; de fls. 108 do Proc. 280/2019, para prova dos factos respeitantes ao número 9; de fls. 115 a fls. 117 do Proc. 280/2019, para prova dos factos respeitantes aos números 10 e 11; de fls. 119 a fls. 124 do Proc. 280/2019, para prova dos factos respeitantes ao número 12; de fls. 87 a fls. 89 do Proc. 280/2019, para prova dos factos respeitantes ao número 14; de fls. 316 a fls. 320, para prova dos factos respeitantes ao número 16; e de fls. 34 a fls. 48 do Proc. 280/2019, para prova dos factos respeitantes ao número 17.
A convicção do Tribunal para a factualidade dada como provada foi adquirida através da análise crítica e ponderada, à luz das regras da lógica e das máximas da experiência de vida, do teor dos documentos juntos aos autos, e, ainda, das declarações das partes, e do depoimento prestado pelas testemunhas.
O depoimento da testemunha [PES-3], na qualidade de irmão/cunhado dos Demandantes e empresário da construção civil, que assumiu a reparação da fração afetada pelas infiltrações, foi efetuado de forma imparcial, isenta, idónea e credível, tendo explicado em suma que foi contactado em março de 2019, pela administração do condomínio do Edifício a fim de verificar a fração porque havia reclamações de cheiros e águas a sair pela porta; que ligou ao seu irmão, proprietário da fração, a comunicar a situação e dirigiu-se ao local; viu uma inundação no interior da fração dos Demandantes, fazendo transbordar das bocas das duas sanitas, bidé e banheira dos dois quartos de banho, águas escuras, sujando a fração, espalhando-se por todo o pavimento da fração, quer sob o pavimento de madeira, rodapés e tacos dos corredores, quartos de dormir, sala, quer sob o pavimento cerâmico e rodapés da cozinha e casas de banho; que viu a fração toda inundada, viu toalhitas, fraldas espalhadas pela fração; que o que estava na canalização do prédio saiu pelas bocas das sanitas, do bidé e da banheira; que a administração do Condomínio assumiu uma limpeza geral do apartamento, usando uma mangueira e limpou a fossa; que esteve numa assembleia de condomínio onde ficou com a impressão que o Condomínio ia acionar o seguro; que em nenhum momento a administração do Condomínio não assumiu a responsabilidade e que até deu luz verde para a remoção dos tacos, do pavimento, de forma a evitar a proliferação de bactérias; que começou por remover os tacos porque a administração do condomínio não tinha ninguém para o fazer; que os tacos tinham que ser removidos porque incharam, começaram a levantar e podia criar-se bicharada tendo em conta o que estava em causa; que contratou uma empresa para desinfetar a fração; que depois desta infiltração o irmão veio várias vezes à [...] mas ficava em hotéis e chegou mesmo a ficar em sua casa; que foi pedido um orçamento para a reparação dos danos; que o orçamento era muito elevado e por isso o irmão pediu-lhe que fosse reparando a fração aos poucos porque não tinha dinheiro; que deitou massa nas paredes com produtos especiais por causa da humidade e pintou as paredes; que recuperou algumas portas e forras; que deitou isolamento no pavimento e foi colocado um vinil no pavimento, do mais barato porque não havia tacos. Confirmou os trabalhos de colocação do pavimento, rodapés, reparação das portas e forras. Esclareceu que mudaram a banheira porque os Demandantes não conseguiam imaginar-se deitar naquela banheira sabendo o que já lá tinha estado; que a administração do Condomínio fez uma proposta de pagamento de uma indemnização no valor de € 1.500,00 que não foi aceite pelo seu irmão porque é um valor muito longe de tudo o que foi gasto na reparação da fração; que o seu irmão ainda não lhe pagou tudo o que gastou na reparação da fração. Declarou que o trabalho de reparação dos danos consistiu exatamente em remover o pavimento da fração e dos rodapés; reparar as portas em vez de substituí-las; reparar as portas dos guarda-fatos em vez de substituí-los; substituir a banheira por uma base de duche, tendo procedido apenas à limpeza das sanitas e bidé, em vez de substituí-los; e, procedeu à pintura da fração. Esclareceu ainda que o custo total da obra foi de € 11.300,00 já com material e IVA incluído, sendo que lhe faltava receber cerca de € 1.200,00. Mais esclareceu que a administração do Condomínio já tinha conhecimento de que existiam vestígios de entupimento do ramal de esgoto em questão porque em 2018 já se tinha verificado o entupimento do mesmo, tendo sido alertada pelos condóminos, designadamente pelo próprio.
Apesar de ter alegado que o quarto dos miúdos foi para o lixo porque era de “aparite” e inchou todo também disse que no quarto principal apesar de também ser de “aparite” a mobília mantém-se, até porque o irmão não tem capacidade financeira para proceder a alterações.
No entanto, a fração encontra-se arrendada, não havendo indícios de qual o mobiliário existente antes da infiltração e de que o mobiliário ficou efetivamente destruído.
O depoimento da testemunha [PES-3] foi determinante para formar convicção sobre os factos 6, 10, 16 e 17.
À exceção do valor probatório do depoimento testemunhal acima mencionado, os restantes depoimentos não se revelaram determinantes, para prova de factos essenciais da causa, devendo afirmar-se que as testemunhas apresentadas pela parte Demandada tomaram uma posição de: têm conhecimento dos factos, mas «pimenta nos olhos dos outros é refresco»; revelando uma total falta de empatia pela situação vivida pelos vizinhos; achando até graça à desgraça alheia; mas basicamente não querendo é pagar nenhuma eventual quota extraordinária perante uma eventual condenação do Condomínio de que são condóminas. Estas testemunhas tomaram uma posição de desconhecimento da origem da infiltração na fração dos Demandantes, quando nas contestações, apresentadas pela administração de condomínio que vivenciou toda a situação, nunca houve quaisquer dúvidas sobre a origem. Assim sendo, os depoimentos das testemunhas do Demandado foram considerados como sendo de parte interessada e não isentos.
Pelo exposto, as testemunhas do Demandado prestaram depoimentos pouco convincentes e credíveis, que consequentemente, não foram tidos em consideração na formação da convicção do tribunal.

FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos, com interesse para a decisão da causa, dada a inexistência ou a insuficiência de prova nesse sentido.
Os factos não provados resultam, portanto da ausência de elementos que permitam formar convicção positiva sobre os mesmos.
Consigna-se que, para apuramento da matéria de facto não foi considerado o teor dos articulados com matéria tida por irrelevante, conclusiva ou de direito.

VI – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A questão a resolver é daquelas que, se houvesse maior espírito de compreensão e tolerância, teria sido resolvida pela via conciliatória. Aliás, dúvidas não temos que a conciliação teria sido o meio ideal e útil de se conseguir solucionar este litígio.
Resulta dos factos supra dados por provados que estamos perante um litígio entre condóminos e condomínio, decorrente de infiltrações com origem numa área comum, das quais resultou danos na fração dos Demandantes.
A questão a resolver resume-se, basicamente, à verificação da existência dos pressupostos da responsabilidade civil, geradores da obrigação de indemnizar, resultantes do disposto nos artigos 483.º e seguintes do Código Civil (doravante designado por CC), havendo obrigação de indemnizar perante o preenchimento dos pressupostos decorrentes do artigo 483.º, que são os seguintes: a prática de um ato ilícito, a existência de um nexo de causalidade entre este e determinado dano e a imputação do ato ao agente em termos de culpa, apreciada segundo a diligência de um “bom pai de família”, ou seja de acordo com a diligência e cuidado exigidos ao denominado homem médio (artigo 487.º, n.º 2, do CC). Dos factos supra dados por provados e não provados, não tem este tribunal quaisquer dúvidas, de que o caso em apreço se subsume à previsão do n.º 1, artigo 492.º do CC, norma que estabelece uma modalidade especial de responsabilidade extracontratual (ou delitual), fundada na culpa, porém, com inversão do ónus da prova. Ou seja, o legislador estabelece uma presunção de culpa sobre quem tem o dever de vigiar coisas ou tiver assumido a obrigação de vigiar coisas com especial aptidão para causar danos, como é o caso das canalizações, de água e não só. É consabido que as canalizações de água e os esgotos, constituem uma das causas mais frequentes de infiltrações e causa de danos, quer em frações autónomas quer em partes comuns, na propriedade horizontal.
Resulta dos factos supra dados por provados que os Demandantes sofreram danos na sua fração, causados por infiltração com origem em parte comum.
Assim a culpa do Demandado tem necessariamente de se presumir. O Demandado não logrou elidir, como lhe cabia, a presunção de culpa que sobre si recai, invocando e provando comportamentos adequados a evitar as infiltrações e os danos delas decorrentes, tanto mais que apesar de ter conhecimento, pelo menos desde 2016 que as caixas de esgoto não estavam a ser verificadas e apesar de já em 2018 ocorrerem infiltrações, apenas na assembleia de condomínio de 27/06/2019 é que a administração do Condomínio Demandado informou os condóminos que iria instaurar um processo contra o condómino que tinha ocupado uma área comum, colocando um portão no acesso aos esgotos, impedindo assim o acesso aos mesmos, aquando de alguma intervenção necessária (ou seja, apenas após as infiltrações que deram azo aos presentes processos).
A 03/07/2018 a administração do Condomínio Demandado solicitou a colaboração da [ORG-2], no sentido de disponibilizar o contacto do condómino que tinha ocupado uma área comum do prédio, vedando o acesso a uma caixa de esgoto com um portão, porque não tinham acesso ao esgoto que estava entupido e era necessário proceder à sua limpeza; em 2018 já se tinha verificado o entupimento do mesmo, tendo a administração do Condomínio sido alertada pelos condóminos, designadamente pelos Demandantes e pelo próprio condómino que ao que tudo indica ocupou a área comum com um portão. Efetivamente o condómino que ao que tudo indica ocupou a área comum com um portão, por carta de 30/07/2018 comunicou à administração do Condomínio Demandado a existência de inundação generalizada em todo o logradouro, provocada pelo entupimento dos esgotos, tornando o espaço insalubre devido ao mau cheiro dali proveniente.
Conforme fichas de serviço da administração do Condomínio Demandado, desde 2016 que apenas eram verificadas 4 caixas de esgoto, ficando 6 caixas de esgoto por verificar por se encontrarem numa área comum, mas vedada por um portão.
O Demandado reconhece que o logradouro onde está localizada a caixa de esgoto constitui parte comum do prédio e, como tal, a sua conservação é da responsabilidade da administração do condomínio, mas que a administração do Condomínio Demandado não efetuou a «manutenção da caixa de esgoto que esteve na origem da inundação da fração dos Demandantes porque sempre esteve impedida de o fazer por ação» de um outro condómino que tinha ocupado a área comum (artigo B. B.2. 51 da contestação do Proc. 280/2019 e artigo C. B.2. 63 da contestação do Proc. 335/2019; e artigo B. B.2. 53 da contestação do Proc. 280/2019 e artigo C. B.2. 65 da contestação do Proc. 335/2019).
A responsabilidade é do Demandado porque só após a instauração das presentes ações é que decidiu atuar perante quem ocupou uma área comum de forma abusiva.
Os danos sofridos pelos Demandantes ficaram provados – faltando apurar o respetivo quantum – pelo que não pode deixar de se considerar o Demandado responsável pela reparação dos prejuízos que causou aos Demandantes em conformidade com o estatuído nos artigos 562.º, 563.º e 566.º, nº 1 e 3, todos do CC.
Considerando que os Demandantes apenas lograram provar os danos no pavimento, rodapés, portas, substituição da banheira e necessidade de pintura da fração, importando referir que resultaram de infiltrações que se verificaram em março de 2019, importa quantificar, com recurso à equidade o montante dos danos indemnizáveis, nos termos e com fundamento no art.º 566º, do CC. Assim, tendo como referência o orçamento apresentado de fls. 87 a fls. 89 (Proc. 280/2019) e o valor indicado pela testemunha [PES-3], única testemunha com conhecimentos de construção que se pronunciou quanto à reparação e seu valor, que viu o estado da fração e que participou na sua reparação e afirmou que foi necessário cerca de € 11.300,00 para proceder à reparação da fração, da forma mais económica possível, considera-se adequado fixar o valor de € 11.300,00, pelo que os Demandantes têm direito a receber, a este título, uma indemnização de € 11.300,00.
No que concerne aos demais pedidos são os mesmos improcedentes por falta de alegação de factos que os consubstanciem e respetiva prova.

VII - DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos invocados, julgo as presentes ações parcialmente procedentes por provadas, e em consequência, condeno a Demandada a pagar o valor de € 11.300,00 (onze mil e trezentos euros) e respetivos juros vincendos, aos Demandantes, declarando-se que: se verificou o entupimento da rede de esgoto comum do condomínio a jusante da fração C, num ponto que é uma parte comum do edifício; esse entupimento não foi provocado pela utilização da fração C pelos Demandantes; esse entupimento provocou um derrame e infiltração de águas escuras, conspurcando toda a fração; o derrame no interior da fração provocou danos na fração. Absolvendo-se o Demandado do demais peticionado.

VIII – RESPONSABILIDADE POR CUSTAS
As custas serão suportadas pelos Demandantes e pelo Demandado, em razão do decaimento na proporção de 2% e 98% respetivamente (Proc. 280/2019) e 100% e 0% respetivamente (Proc. 335/2019) - Artigos 527.º, 607.º, n.º 6 do Código de Processo Civil - aplicáveis ex vi artigo 63.º da Lei 78/2001, de 13 de julho, na sua atual redação - e artigo 2.º da Portaria n.º 342/2019, de 1 de outubro.
Deveriam os Demandantes efetuar o pagamento de € 1,40 (um euro e quarenta cêntimos) e o Demandado efetuar o pagamento de € 68,60 (sessenta e oito euros e sessenta cêntimos) relativamente ao Proc. 280/2019.
Deveriam os Demandantes efetuar o pagamento de € 70,00 (setenta euros) relativamente ao Proc. 335/2019.
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Considerando que em 2019 as taxas eram pagas € 35,00 pelo Demandante com o Requerimento Inicial e € 35,00 pelo Demandado com a contestação, tendo os Demandantes pago € 35,00 com a apresentação de cada um dos Requerimentos Iniciais, mas os Demandados apenas pagaram € 35,00, com a apresentação da contestação referente ao Processo n.º 280/2019;
a) deverá ser restituído aos Demandantes a quantia de € 33,60 (trinta e três euros e sessenta cêntimos) relativamente ao Proc. 280/2019;
b) deverão os Demandantes efetuar o pagamento da quantia de € 35,00 (trinta e cinco euros), relativamente ao Proc. 335/2019;
c) deverá o Demandado efetuar o pagamento de € 33,60 (trinta e três euros e sessenta cêntimos) relativamente ao Processo n.º 280/2019.
(proceda-se ao acerto das contas, entre pagamento e restituição).
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Os pagamentos deverão ser efetuados num dos três dias úteis subsequentes ao conhecimento da presente decisão, incorrendo cada uma das partes numa sobretaxa de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no cumprimento dessa obrigação, até um máximo de € 140,00 (cfr. Portaria 342/2019, de 1 de outubro).
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O prazo legal para proceder ao pagamento das custas é o mencionado na presente decisão, isto é, três dias úteis, pelo que, o prazo que vai indicado no Documento Único de Cobrança (DUC) é um prazo de validade desse documento, que permite o pagamento das custas fora do prazo legal. Assim, o facto de o pagamento ser efetuado com atraso não isenta o responsável do pagamento da sobretaxa, nos termos aplicáveis.
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Transitada em julgado a presente decisão sem que se mostre efetuado o pagamento das custas, emita-se a respetiva certidão para efeitos de execução por falta de pagamento de custas, e remeta-se aos Serviços da Autoridade Tributária, pelo valor das custas em dívida, acrescidas da respetiva sobretaxa, com o limite máximo previsto no art.º 3.º da citada Portaria.
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Registe e notifique e após trânsito em julgado, arquive.

Funchal, 27 de setembro de 2024.

A Juíza de Paz

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Celina Alveno