Sentença de Julgado de Paz
Processo: 73/2022-JPCBR
Relator: CRISTINA EUSÉBIO
Descritores: INCUMPRIMENTO DE CONSTRATUAL
Data da sentença: 05/31/2024
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral: Proc. N.º 73/2022-JPBCR

SENTENÇA

RELATÓRIO

IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: A. [ORG-1], UNIPESSOAL LDA., com sede na [...], [...] 19 e 20 [...], em [...], NUIPC 509111262502507713
Demandado: [ORG-3], UNIPESSOAL LDA, com sede na [...], 9, [...], [...], NUIPC n.º [NIPC-1]

OBJETO DO LITíGIO
A Demandante intentou a presente ação declarativa pedindo a condenação da Demandada ao pagamento da quantia de 308,08€ relativamente ao fornecimento de materiais de construção, conforme resulta das faturas juntas.
Para tanto, alegou os factos constantes do requerimento inicial de fls. 1 e 2, cujo teor se dá por reproduzido e juntou 3 documentos.
Tendo-se frustrado a citação da Demandada por via postal, apesar das demais diligências efetuadas e informações adicionais sobre a mesma, não foi possível a entrega do expediente, razão pela qual foi nomeado Defensor Oficioso à ausente, que, citado em sua representação, apresentou contestação de fls. 53 e 54, alegando a incompetência territorial do Julgado de Paz de Coimbra e exceção perentória quanto à regularização do IVA. Na audiência de julgamento suscitou a nulidade da citação na pessoa de defensor oficioso, conforme resulta da ata de fls. 70 a 73.
Caberá ao tribunal, primeiramente apreciar da nulidade invocada, sendo certo que quanto á incompetência territorial foi proferido despacho na audiência de julgamento (cfr. fls 71), após exercício do contraditório pela demandante.
Quanto á questão suscitada, no que ao IVA diz respeito, a seguir se decidirá, porquanto não constitui questão prévia á apreciação do mérito da causa.

DA ARGUIÇÃO DA NULIDADE DA CITAÇÃO
Veio o Ilustre Patrono nomeado arguir a nulidade de citação, uma vez que entende que, nos Julgados de Paz, a parte demandada deve ser representada pelo Ministério Público, na medida em que se considerou ausente e a representação de ausentes se encontra fixada no art. 21º CPC ex vi art. 63º da LJP.

Cumpre apreciar,
Os procedimentos segundo os quais atuam os julgados de paz são, nos termos do nº 2 do art. 2º da L.J.P., concebidos e orientados por princípios de simplicidade, adequação, informalidade, oralidade e absoluta economia processual.

Os nºs 1 e 2 do art. 46º da L.J.P. elencam as formas de citação (por via postal e por funcionário, ambas pessoais), excluindo o nº 3 do mesmo artigo a citação edital.
No caso sub judice, verificaram-se várias tentativas de citação e realizaram-se todas a diligências possíveis para apurar o paradeiro de representante legal da demandada, resultando infrutíferas.
Nesta conformidade, foi requerida à Ordem dos Advogados a nomeação de patrono oficioso, tendo vindo a nomear o Ilustre Patrono Dr. [PES-1], aliás como sempre tem feito sempre que circunstancialismos semelhantes se verificam.
O patrono oficioso é, pois, em nosso entendimento o garante dos direitos do demandado, assegurando a legalidade da atuação do tribunal, e garantindo que não ocorra a indefesa, o que do ponto de vista do direito do contraditório fornece maior proteção do que na citação edital, por exemplo.
Sobre esta matéria leia-se J. O. Cardona Ferreira (Julgados de Paz – Organização, Competência e Funcionamento, [...] Editora, 2001, p. 64), que passaremos a citar e que plenamente acompanhamos: “Não há possibilidade de citação edital que constitui, geralmente, uma inutilidade motivadora de atrasos. Mas, se não puder haver citação pessoal, nem por funcionário? Sem citação, penso que se ofenderia, conscientemente, o sagrado direito de defesa, com violação do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa. Parece só haver uma solução: é a passagem ao alcance do art. 15º do Código de Processo Civil, mutatis mutandis e, porque não há Ministério Público junto dos Julgados de Paz, o Juiz de Paz designar, nessa extrema hipótese, defensor oficioso a citar”
Neste sentido, igualmente Joel Timóteo Ramos Pereira (Julgados de Paz, Organização, Trâmites e Formulários, Quid Juris, [...], 3ª Edição, p. 233), que defende que “se a citação por via postal ou por funcionário se frustrar, sendo inadmissível a citação edital, consideramos que deve ser seguido o regime processual civil referente aos ausentes, ou seja, o juiz de paz deverá ordenar o cumprimento do disposto no art. 15º do C.P.C. (…)”. Defende ainda este autor, que deve ser citado o Ministério Público, atento o nº 1 do art. 21º do C.P.C., mas acrescenta que “entendendo-se que deva ser nomeado defensor oficioso ao ausente”, deve ser solicitada pelo juiz de paz a nomeação do mesmo à Ordem dos Advogados, devendo aquele ser citado em representação do demandado.
Refere João Sevivas (Julgados de Paz e o Direito, Rei dos Livros, 2007, p. 199), que “nada dizendo a lei quadro dos julgados de paz aplica-se, subsidiariamente, o C.P.C., art. 63º da L.J.P. o que conduz a que a sua representação teria de ser feita sempre pelo MP ou então, fazer-se a outorga de patrocínio em mandatário, art. 20º do C.P.C.) (…).

Quanto à representação dos restantes, nada também dizendo a L.J.P., aplicam-se, subsidiariamente, os artºs. 17º a 19º do C.P.C. em que não sendo possível citar pessoalmente o ausente ou o incerto incumbe ao MP a sua representação (…)”.
Havendo entendimentos doutrinais e jurisprudenciais divergentes quanto à representação dos ausentes nos Julgados de Paz, - nomeadamente se deverá intervir o Ministério Público ou Defensor Oficioso - , foi solicitado ao Ministério Publico que se pronunciasse sobre a questão ou bem assim assumisse a representação dos ausentes em diversos processos, em vários Julgados de Paz do país.
O Ilustres Procuradores, em todos os despachos declinaram a sua intervenção, entendendo que deve ser assegurada a representação do ausente por advogado nomeado oficiosamente, nos termos da Recomendação n.º 1/2015 da Procuradoria Geral da República.
Em consequência, e sem necessidade de maiores fundamentações, julgo improcedente a arguição da nulidade de citação, considerando-a válida, bem como todo o processado após a mesma.

FUNDAMENTAÇÃO MATÉRIA DE FACTO
Com interesse para a discussão da causa ficaram provados os seguintes factos:
1. A demandante é uma sociedade comercial que se dedica á comercialização de máquinas, ferramentas e outros equipamentos e materiais para a construção civil
2 – No âmbito da sua atividade a Demandante a demandante forneceu vários equipamentos á demandada, mantendo uma relação comercial (cfr. doc. Fls. 3)
3 – A demandante vendeu à demandada os materiais constantes das faturas n.º 2967 e 2966 datadas de 8.10.2021 e 7.10.2021 respetivamente.(cfr. doc. Fls. 3 e 4)
4 – As faturas identificadas em 2 perfazem o valor total de 308,08€
5 - A demandada não pagou o valor aposto nas faturas, na data de vencimento- 10.11.2021 - nem posteriormente.
A convicção probatória do tribunal ficou a dever-se ao conjunto de prova produzida nos presentes autos, tendo sido tomados em consideração os documentos de fls.3 a 6. Relevaram ainda as declarações do representante legal da demandante, que de forma clara e credível relatou ao tribunal que a demandada era cliente frequente da demandante tendo pago outras faturas pelo fornecimento de diversos materiais. Por tal motivo, a demandante permitiu o pagamento a 30 dias. A partir de finais do ano de 2021, deixou de contactar a demandante, de responder aos contactos que esta lhe foi fazendo, no sentido de regularizar o pagamento das faturas.

DO DIREITO
Estamos, assim, perante a figura jurídica do contrato de compra e venda mercantil, reguladas nos art. 463º e ss do Código Comercial, - porquanto sendo demandante e demandado comerciantes e tendo aquele adquirido os produtos no âmbito da sua atividade. A compra e venda realizada tem natureza subjetiva e objetivamente comercial.
Nos termos do disposto no art. º 3 do citado Código:” Se as questões sobre direitos e obrigações comerciais não puderem ser resolvidas, nem pelo texto da lei comercial, nem pelo seu espírito, nem pelos casos análogos nela prevenidos, serão decididas pelo direito civil.”
Assim, com recurso ás previsões do art. 874º e seguintes do Código Civil diremos que tal tipo de contrato tem como efeitos essenciais a transmissão da coisa, a obrigação de a entregar e a de pagar o preço respetivo.
No caso dos autos, a demandante vendeu os produtos identificados nas faturas à demandada, sem que esta, no prazo contratualmente estabelecido, houvesse cumprido a sua obrigação de pagar o preço convencionado.
Como referido, a demandante cumpriu a obrigação a que se vinculou não tendo obtido o correspetivo pagamento, que é devido.
No que diz respeito á exceção de dedução do imposto importa atender ao Artigo 78.º-A n.º 1 do CIVA que dispõe: “ Os sujeitos passivos podem deduzir o imposto respeitante a créditos considerados de cobrança duvidosa, evidenciados como tal na contabilidade, sem prejuízo do disposto no artigo 78.º-D, bem como o respeitante a créditos considerados incobráveis.” (sublinhado nosso). O vocábulo “podem” traduz uma possibilidade, mas não uma obrigação do sujeito passivo e nessa medida, nada impede a demandante de peticionar o pagamento do IVA na ação judicial tendente à cobrança do crédito.

DECISÃO
Em face do exposto e das disposições legais aplicáveis, julga-se a presente ação totalmente procedente por provada e, em consequência, condena-se a Demandada a pagar à Demandante a quantia em dívida de €308,08 (trezentos e oito euros e oito cêntimos).

Custas:
A cargo da Demandada, que se declara parte vencida. Contudo por se tratar de ausente, representado por defensor oficioso, há lugar a isenção de custas, mantendo a harmonia do sistema com o disposto na alínea l), do n.º 1, do artigo 4.º, do RCJ, por força do artigo 63.º, da LJP que, interpretado de forma abrangente, remete para todo o processamento jurisdicional civilística, e não apenas para o código de processo civil (cf. artigos 9º e 10º do Código Civil e Deliberação nº 5/2011, de 8 de fevereiro de 2011 do Conselho dos Julgados de Paz).

Registe.
Notifique o Ministério Público, nos termos e para os efeitos no disposto no nº3º, do art.º 60º da L. J.P, na redação da lei 54/2013, de 31 de julho.

Coimbra, 31 de maio de 2024


Cristina Eusébio

(Juíza de Paz que redigiu e reviu em computador – Art.º 138.º/5 do C.P.C.)