Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 94/2022-JPCBR |
Relator: | CRISTINA EUSÉBIO |
Descritores: | DEVOLUÇÃO DE QUANTIA PAGA |
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Data da sentença: | 09/10/2024 |
Julgado de Paz de : | COIMBRA |
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Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 94/2022-JPCBR SENTENÇA IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES Demandantes: - [PES-1] E MARIDO [PES-2], NIF n.º [NIF-1] e [NIF-2], respetivamente, residentes na [...], n.º 310 cave esquerda em Coimbra. - [PES-3] E MARIDO [PES-4], NIF [NIF-3] e [NIF-4], respetivamente, residentes na [...], n.-° 310, R/C [...], Coimbra. - [PES-5] E MARIDO [PES-6], NIF n.ºs 239900266 e [NIF-5], respetivamente, residentes em [...], n.º 21, R/C Esq.°, posterior, [...] – [...]. E - [PES-7] E MARIDO [PES-8], NIF n.ºs [NIF-6] e [NIF-7], respetivamente, residentes na [...], n.º 100, [...], [...] Demandados: [PES-9], NIF [NIF-8], e marido [PES-10], residentes em [...], [...], [Cód. Postal-1] Coimbra. RELATÓRIO e TRAMITAÇÃO: Os demandantes, devidamente identificados nos autos, intentaram contra os demandados, também devidamente identificados nos autos, a presente ação declarativa de condenação, pedindo que estes sejam condenados a devolver-lhes a quantia total de 11.907,00€. Para tanto, alegaram os factos constantes do requerimento inicial, de folhas 1 a 5 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, alegando que em junho de 2020 adquiriram, à demandada mulher, uma viagem de cruzeiro às [...], com partida a 20 de junho de 2020 e regresso a 27 de junho de 2020, conforme programa que juntaram, pelo preço de 2.990,00€ por cada casal. Por força da pandemia Covid 19, a viagem foi adiada para junho de 2021. Na data designada, a viagem não se realizou porquanto a situação pandémica se mantinha. Os demandantes pretendem reaver o montante que tinham pago aos demandados. Regularmente citados os demandados, apenas o demandado marido apresentou a sua contestação de fls. 82 e ss., invocando a falta de prova da relação matrimonial entre os demandados, bem como do desenvolvimento da atividade comercial de agenciamento de viagens de turismo por parte da demandada. Tendo os demandantes afastado o recurso à mediação, foi marcada data para realização da audiência de julgamento, tendo as partes, e mandatários, sido devidamente notificadas. Foi realizada a audiência de julgamento, na presença dos demandantes e defensora oficiosa do demandado, tendo faltado os demandados. No prazo legal, os demandados justificaram a sua falta, pelo que na 2ª data agendada, a audiência se realizou com cumprimento das formalidades legais, conforme da respetiva ata melhor se alcança, na ausência dos demandados, que reiteraram a falta. *** Nos termos do n.º 1 do art.º 306.º do Código de Processo Civil, fixa-se à causa o valor de € 11907,00 (onze mil, novecentos e sete euros).O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território. As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas. Não existem nulidades ou exceções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa. ** Cabe a este tribunal qualificar o contrato celebrado entre as partes e decidir se, em face da não realização da viagem, os Demandantes têm direito à devolução da quantia paga.Cumpre apreciar e decidir: ** FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE FACTOCom interesse para a decisão da causa, ficaram provados os seguintes factos: 1 - A demandada mulher exerce, em nome individual, a atividade comercial de organização e venda de viagens organizadas. 2 - Após negociações com a demandada no exercício da respetiva atividade profissional, os demandantes contrataram-lhe o agenciamento de viagem organizada de cruzeiro às [...], com partida de Coimbra no dia 20 de Junho de 2020 que incluía viagem de autocarro de Coimbra a [...], viagem de avião de [...] a [...], várias excursões em cada destino em que o cruzeiro fazia as suas paragens, nomeadamente [...], [...], [...], [...], [...], [...]. 3 - O preço da referida viagem por cada casal, era de €2.990,00. 4-A demandante [PES-3] e marido, o demandante [PES-4], na medida em que apresentaram os demais demandantes à demandada, beneficiaram de um desconto de € 53,00 oferecido pela demandada pelo que, apenas no caso daqueles demandantes, a viagem implicaria o pagamento do montante total de € 2.937,00. 5- O pagamento da quantia total foi feito de forma fracionada e através de entrega de quantias em dinheiro à demandada mulher, bem como transferências bancárias para conta titulada pelo demandado marido. 6 -A demandante [PES-3] e marido [PES-4] pagaram aos demandados, em 15 de Outubro de 2019, o montante de €1.500 (mil e quinhentos euros) e, em 3 de Março de 2020, o montante de €1.437,00 (mil, quatrocentos e oitenta e sete euros), através de duas transferências bancárias, respetivamente, assim perfazendo o total do preço pela sua viagem no montante de C 2.937,00. 7-A demandante [PES-1] e marido [PES-2], pagaram aos demandados, o preço pela sua viagem no já referido montante de 2.990,00 (dois mil, novecentos e noventa euros) 8 - A demandante [PES-5] e marido [PES-6] pagaram aos demandados, os montantes de €1.500 (mil e quinhentos euros) posteriormente de €1.490,00 (mil, quatrocentos e noventa euros), respetivamente, perfazendo o total do preço peia sua viagem no montante de € 2.990,00 (dois mil, novecentos e noventa euros). 9 - A demandante [PES-7] e marido [PES-8] pagaram aos demandados, os montantes de €1.500 (mil e quinhentos euros) em 30 de outubro de 2019 e posteriormente em 14 de fevereiro de 2020, o remanescente no total de €1.490,00 assim perfazendo o total do preço pela sua viagem no montante de € 2.990,00 (dois mil, novecentos e noventa euros). 10- Por força da pandemia da doença Covid-19, causada pelo vírus SARS-Cov-2, o cruzeiro foi cancelado. 11 – Em data não concretamente apurada a demandada emitiu declarações de quitação dos montantes pagos e declarou que, de acordo com o Decreto-Lei 17/2020 de 23 de abril, a viagem se encontrava adiada para 2021 e “caso não se efetue a viagem pela mesma situação Covid-19 deve ser pedido o reembolso do valor pago aos primeiros 14 dias de 2022 – que será até 14 de janeiro de 2022” 12 - No ano de 2021, a viagem não se realizou pelos mesmos motivos, uma vez que ainda durante esse ano se encontravam em vigor as restrições no âmbito da crise pandémica global. 13 - O reagendamento da viagem, não obstante os contactos e insistência por parte dos demandados, não foi realizado até ao dia 31 de dezembro de 2021. 14 - Em 5 de Janeiro de 2022, através de carta registada com aviso de receção, os demandantes interpelaram a demandada para efetuar o reembolso dos montantes pagos no valor total de €11.907,00, até ao dia 14 de janeiro de 2022. 15 – Os demandados não devolveram aos demandantes qualquer quantia. Factos não provados: A – Que a atividade que a demandada exerce se encontra registada no Registo Nacional das Agências de Viagens e Turismo (RNAVT); B) O regime de casamento dos demandados. MOTIVAÇÃO A matéria que se selecionou como provada deriva dos documentos apresentados pelos demandantes conjugados com as declarações que prestaram. Com especial relevo, o tribunal valorizou o facto de a demandada ter subscrito e entregue aos demandantes as declarações de fls. 8 a 12 nas quais deu quitação dos montantes pagos e declarou a aplicação ao contrato celebrado, do regime do Decreto-Lei n.º 17/2020 de 23 de abril que regulou o regime excecional para o setor do turismo na fase da pandemia. As referidas declarações correspondem à assunção de compromisso de reembolso, no caso de a viagem não ser realizada por força da situação pandémica. (confissão valorada nos termos do disposto no art. 352º e 358º n.º 2 do CC). Resultando provado que os demandantes não realizaram a viagem por tal motivo, dúvidas não restam que têm direito ao reembolso. Do documento de fls. 12 e 13 resulta que os demandantes solicitaram o referido reembolso concedendo à demandada o prazo que a própria havia estabelecido nas referidas declarações – 14 de janeiro de 2022. Resulta ainda da prova documental que os demandantes procederam ao pagamento do preço faseadamente, transferindo algumas tranches para a conta bancária titulada pelo demandado marido. Não resultou dos autos qualquer prova relativa ao registo da atividade da demandada no registo nacional de agências de viagem e turismo nem o regime de casamento dos demandados. A postura dos demandados, no presente processo, pautou-se pela falta de colaboração quer com o tribunal quer com os respetivos mandatários/defensor oficioso, o que não se poderá deixar de sopesar na decisão a proferir. FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE DIREITO A relação material controvertida reconduz-se ao contrato celebrado entre os demandantes e a demandada mulher, que organizava/angariava clientes para viagens organizadas, sendo certo que os demandantes procederam ao pagamento da totalidade da viagem, sem que este se tenha realizado. As agências de viagens e turismo estão definidas no art.º 2º, nº1, al. b) do Decreto-Lei 17/2018, de 8 de Março como “as pessoas singulares ou coletivas que atuem como operador e desenvolvam as atividades referidas no n.º 1 do artigo seguinte”, ou seja, que desenvolvam, a título principal, as seguintes atividades próprias : “a) A organização e venda de viagens organizadas e a facilitação de serviços de viagem conexos, quando o facilitador receba pagamentos do viajante, respeitantes aos serviços prestados por terceiros; b) A representação de outras agências de viagens e turismo, nacionais ou estrangeiras, bem como a intermediação na venda dos respetivos produtos; c) A reserva de serviços em empreendimentos turísticos e em estabelecimentos de alojamento local; d) A venda de bilhetes e reserva de lugares em qualquer meio de transporte; e) A recepção, transferência e assistência a turistas”. Nos termos do art.º 4º, nº1 do mesmo diploma, apenas as pessoas inscritas no Registo Nacional das Agências de Viagens e Turismo (RNAVT) ou que operem nos termos do artigo 10.º podem, em regra, exercer em território nacional as atividades referidas. Não resultou dos autos se a demandada exerce ou não a atividade de agenciamento de viagens com o devido registo. Certo é que a própria, em declarações entregues aos demandantes, refere a aplicação do Decreto-Lei n.º 17/2020 de 23 de abril ao contrato celebrado, enquadrando-o como contrato de viagem organizada. O contrato de viagem organizada encontra-se legalmente previsto no Dec-Lei nº199/2012, de 24 de Agosto, que no seu art. 15º dispõe: “São viagens organizadas as viagens turísticas que, combinando previamente dois dos serviços seguintes, sejam vendidas ou propostas para a venda a um preço com tudo incluído, quando excedam vinte e quatro horas ou incluam uma dormida: a) Transporte b) Alojamento c) Serviços turísticos não subsidiários do transporte e do alojamento, nomeadamente os relacionados com eventos desportivos, religiosos e culturais, desde que representem uma parte significativa da viagem. Consideramos, pois que, independentemente de se encontrar formalizada ou não a atividade da demandada, estamos perante um contrato típico de viagem organizada, mediante o qual esta se comprometeu a proporcionar aos demandantes uma viagem, com transporte e estadia por uma semana, recebendo o respetivo preço. Do ponto de vista das obrigações assumidas contratualmente pelas partes, os demandantes cumpriram com a sua obrigação de pagamento do preço. No entanto, a viagem não se realizou por força das restrições de circulação causadas pela pandemia de Covid 19. Por parte da demandada mulher, foi assumido perante os demandantes, por declaração escrita que a viagem se reagendaria para o ano seguinte e se assim não acontecesse, obrigou-se a devolver os valores pagos até ao dia 14 de janeiro de 2022, desde que os demandantes assim o requeressem. Resulta provado nos autos que os demandantes exerceram a possibilidade que a própria demandada lhes assegurou, tendo-a instado á devolução dos valores, como se comprometera., nos termos das medida excecionais relativas ao setor do turismo no âmbito da pandemia ( Decreto- Lei n.º 17/2020 de 23 de abril). O que não veio a suceder até à presente data. Mas ainda que a referida legislação pudesse não se aplicar, o que não deixa de ser certo é que, existiu uma alteração superveniente das circunstâncias do contrato, que permitiu aos demandantes, resolvê-lo, nos termos do disposto no art. 437º do Código Civil (C.C.). A resolução do contrato é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio e tem como consequência imediata a restituição de tudo quanto tiver sido prestado (cfr. Art.º 433.º e 289.º, n.º 1, do Cód. Civil), Assim, dúvidas não restam que a demandada terá de restituir os montantes pagos. No que diz respeito ao demandado, diremos que resultou provado que a conta bancária para a qual os demandantes procederam as transferências, com vista ao pagamento do preço, era por este titulada. Pelo que, também o demandado fez seus os montantes recebidos, independentemente do regime de casamento que vigore entre o casal. Os demandados são casados conforme declararam nos autos (fls. 33, 117,118). Por outro lado, como vimos, o contrato foi celebrado no âmbito da atividade comercial da demandada, presumindo-se que o montante retido o seja em proveito comum do casal. Caberia, pois, ao demandado ilidir a referida presunção, o que não fez. Por estas circunstâncias haverão os demandados, solidariamente, restituir as quantias que receberam, bem assim como os juros de mora que se venceram desde o dia 14 de janeiro de 2022 (prazo de pagamento assumido pela demandada e concedido pelos demandantes na carta de resolução – data da constituição em mora) bem como aqueles que se vencerem até integral e efetivo pagamento. Em regra, a falta de pagamento de quantias a que o devedor esteja obrigado, dentro do prazo acordado, constitui o faltoso em mora e na obrigação de reparar os danos causados ao credor. O artº. 806º do Código Civil, dispõe que, nas obrigações pecuniárias, a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora. Assim, por força dos citados preceitos, verifica-se que, quando ocorre a falta de cumprimento de uma obrigação em dinheiro, o credor desse valor tem direito a receber uma indemnização, para compensar os prejuízos resultantes do atraso, indemnização essa que é igual aos juros vencidos, calculados à taxa dos juros legais (artº. 559º do Código Civil), desde a constituição em mora até integral e efetivo pagamento. Os demandantes peticionam ainda que os demandados sejam condenados a uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de reembolso. Ora, no art.º 829-A do C.C. estabelece duas espécies de sanção pecuniária compulsória: uma prevista no n.º 1, de natureza subsidiária, destinada a compelir o devedor à execução específica da generalidade das obrigações de prestação de facto infungível; outra prevista no n.º 4, tendente a incentivar e pressionar o devedor ao cumprimento célere de obrigações pecuniárias de quantia certa, decorrentes de fonte seja negocial seja extranegocial com determinação judicial, que tenham sido, em qualquer dos casos, objeto de sentença condenatória transitada em julgado. A Lei determina, ainda que são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano que acrescem aos juros legais, pelo que o pedido haverá de proceder nesta medida. DECISÃO Nos termos e com os fundamentos invocados, julgando a presente ação procedente e provada, decido condenar os Demandados a devolver aos Demandantes as seguintes quantias: - Aos demandantes [PES-3] e marido, o demandante [PES-4] - € 2.937,00. (dois mil, novecentos e trina e sete euros). - Aos demandantes [PES-1] e marido [PES-2] - 2.990,00 (dois mil, novecentos e noventa euros). - Aos demandantes [PES-5] e marido [PES-6] € 2.990,00 (dois mil, novecentos e noventa euros). - Aos demandantes [PES-7] e marido [PES-8] - € 2.990,00 (dois mil, novecentos e noventa euros), Às quantias referidas acrescem juros de mora vencidos desde 14 de janeiro de 2022, e vincendos até integral pagamento à taxa legal de 4% e ainda de juros compulsórios à taxa de 5% desde o trânsito da presente decisão até integral pagamento. Custas: As custas serão suportadas pelos demandados, que se declaram parte vencida, nos termos e para os efeitos do art. 3º da Portaria n.º 342/2019 de 1 de outubro devendo ser pagas, no prazo de 3 (três) dias úteis a contar da notificação desta sentença –ainda que o prazo de validade do DUC seja mais alargado, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efetivo cumprimento dessa obrigação. A falta de pagamento das custas acarreta a sua cobrança por processo de execução fiscal. Registe. Coimbra, 10 de setembro de 2024 A Juíza de Paz _______________________ (Juíza de Paz que redigiu e reviu em computador – Art.º 138.º/5 do C.P.C.) |