Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 107/2024-JPSTB |
Relator: | CARLOS FERREIRA |
Descritores: | INDEMNIZAÇÃO POR ACIDENTE DE VIAÇÃO BASEADA EM FACTO ILÍCITO. |
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Data da sentença: | 12/30/2024 |
Julgado de Paz de : | SETÚBAL |
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 107/2024-JPSTB * Resumo da decisão: - Absolve o Demandante do pedido de condenação por litigância de má-fé. - Condena a parte demandada a pagar à parte demandante a quantia de €1.623,00. - Condena ainda a Demandada a anular o agravamento do prémio de seguro decorrente do sinistro, e ao correspondente estorno de valores do agravamento, bem como, a emitir um certificado de tarifação em nome do Demandante sem imputação de responsabilidade pelo acidente descrito nos autos. - Absolve a Demandada do restante peticionado. - A parte demandada tem custas a pagar na quantia de €70,00 no prazo de 3 dias úteis. *** Sentença Parte Demandante: --- [PES-1], contribuinte fiscal número [NIF-1], residente na [...], n.º 1, [Cód. Postal-1] [...]. --- Mandatários: [PES-4], Advogado, com escritório na [...], n.º 35, 6.º D, [Cód. Postal-2] [...]. --- Parte Demandada: ---- [ORG-1], S.A., sociedade comercial com o número único de matrícula e pessoa coletiva [NIPC-1], com sede na [...], n.º 242, [Cód. Postal-3] [...]. - Mandatário: Dr. [PES-2], Advogado, com escritório na [...], n.º 30, 5.º F, [Cód. Postal-4] [...]. --- * Matéria: ações que respeitem a responsabilidade civil contratual e extracontratual, al. h), do n.º 1, do art.º 9.º, da Lei dos Julgados de Paz (versão atualizada da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho). --- Objeto do litígio: Indemnização por acidente de viação, baseada em facto ilícito. --- * Relatório: --- A parte Demandante instaurou a presente ação, nos termos do requerimento inicial constante de fls. 4 a 8 verso, que aqui se declara integralmente reproduzido e integrado pela alteração constante em ata (de fls. 77 a 82), peticionando a condenação da parte Demandada a pagar-lhe a quantia de €1.599,00, acrescida de IVA, referente à reparação do veículo, bem como, o montante de €5.000,00 a título de danos pela privação do uso e desvalorização do veículo em consequência do sinistro, a imputação de 100% da responsabilidade do acidente descrito nos autos ao condutor do veículo seguro na Demandada, o desagravamento da apólice de seguro, e a emissão de certificado de tarifação livre de sinistros em nome do Demandante.--- Para tanto, alegou em síntese que, é proprietário do veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula [- - 1]. --- No dia 13-09-2021, pelas 13:35 horas ocorreu um acidente no entroncamento formado pela interceção da [...], com a [...], em frente ao portão n.º 26. --- Foram intervenientes no referido acidente o veículo do Demandante e o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula [- - 2]. --- O acidente ocorreu por culpa exclusiva do condutor [- - 2]. --- Do acidente resultaram danos no veículo do Demandante, que necessitam de reparação por oficina e a imobilização do automóvel, com a consequente privação do uso. --- A Demandada é a seguradora de ambos os veículos, e atribuiu a culpa do acidente por igual a ambos os condutores. Concluiu pela procedência da ação, juntou documentos e procuração forense. ---- Regularmente citada, a parte demandada apresentou contestação de fls. 32 a 38, que aqui se declara integralmente reproduzida, defendendo-se por impugnação e deduzindo pedido de condenação do Demandante em multa e indemnização por litigância de má-fé, “a fixar com recurso a critérios de equidade, nunca inferior ao valor de 5.000,00€.” (sic). ---- Por impugnação, a parte Demandada alegou, em síntese que, na reclamação apresentada pelo Demandante o mesmo afirmou que o veículo [- - 2] virava à esquerda, em contradição com o declarado na participação amigável, em que foi assinalada uma cruz, no local em que indica “Virava à direita”. Os danos do veículo [- - 1] nunca foram peritados. --- Concluiu pela improcedência da ação, juntou procuração forense e documentos. --- * A parte demandada manifestou-se no sentido de rejeitar a mediação. --- * Aberta a audiência e estando todos presentes, foram ouvidas as partes nos termos do disposto no art.º 57.º, da Lei dos Julgados de Paz. ---- O objetivo de justiça próxima e pacificadora, que caracteriza o processo em Julgado de Paz já poderia ter sido apropriadamente alcançado nos presentes autos em sede de Mediação, ou por via de conciliação. --- Os presentes autos são apenas mais um exemplo de como as relações sociais ainda estão condicionadas por um acentuado espírito de litigância, que determina à rejeição da resolução consensual e construtiva dos conflitos. --- Certamente que, uma solução obtida por acordo traria os ganhos resultantes de uma utilidade imediata e tangível para as partes, e poderia ser capaz de lhes transmitir maior grau de satisfação das suas necessidades concretas e amplitude de reconhecimento, do que eventualmente resultará de uma decisão impositiva, limitada por estritos critérios de prova produzida e da legalidade aplicável.--- Em audiência de julgamento foi feito o esforço necessário e na medida em que se mostrou adequado para explorar todas as possibilidades de acordo, nos termos do disposto no art.º 2.º, e n.º 1, do art.º 26.º, ambos da Lei dos Julgados de Paz, o que não logrou conseguir-se. ---- Frustrada a tentativa de conciliação, prosseguiu a realização da audiência de julgamento, em observância das normas de processo, como resulta documentado na respetiva ata. ---- Assim, respeitando a decisão das partes em não haver acordo, decide-se o litígio por sentença, com os seguintes fundamentos (cf., art.º 60.º, n.º 1, al. c), da Lei dos Julgados de Paz). --- * Fundamentação – Matéria de Facto: --- Incumbe ao Demandante o ónus de provar os factos que constituem o direito invocado na presente ação (cf., n.º 1, do art.º 342.º, do Código Civil). --- Por outro lado, cabe ao Demandado fazer prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo Demandante (cf., nº2, do artigo 342º, do Código Civil). --- Com interesse para a resolução da causa, tendo em conta as várias soluções jurídicas plausíveis, ficou provado que: --- 1. Desde 24-11-2014, o Demandante tem registado em seu nome o veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca [...], matrícula [- - 1], fls. 9; --- 2. O referido veículo foi matriculado em 22-06-1994, idem; --- 3. No dia 13-12-2021, pelas 13:35 horas, ocorreu um acidente de viação junto ao entroncamento formado pela interseção da [...], com a [...], fls. 16; --- 4. Foram intervenientes no referido acidente o veículo [- - 1], acima mencionado que era conduzido pelo Demandante, e o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula [- - 2]; 5. Os referidos veículos seguiam trajetórias em sentidos opostos; --- 6. O veículo [- - 2] entrou na [...], num momento em que o [- - 1] já estava a finalizar a travessia dessa mesma rua. --- 7. O veículo [- - 2] embateu com a sua frente esquerda, na frente esquerda do [- - 1], fls. 14 e 15; --- 8. O embate ocorreu frente ao portão com o número 26, da [...]; --- 9. O veículo conduzido pelo Demandante circulava posicionado junto à berma direita da via; --- 10. Na maior parte da referida rua, e em especial, no local do embate, a largura da faixa de rodagem é de cerca de 3 metros; --- 11. A largura da referida faixa de rodagem é insuficiente para a passagem cruzada dos dois veículos acima mencionados; --- 12. No local do acidente, a faixa de rodagem está ladeada de muros altos de alvenaria em pedra rústica, e vegetação, fls. 102 a 105; --- 13. À entrada do entroncamento para a [...], o condutor do veículo [- - 2] não tinha visibilidade suficiente para se aperceber da presença do veículo do Demandante que já circulava primeiro nessa mesma via; --- 14. Na declaração amigável assinada por ambos os condutores, no quadro 14, respeitante ao condutor do veículo [- - 2] consta o seguinte: “Quando entrava na perpendicular não consegui travar tendo embatido no carro.”, fls. 16; --- 15. Ambos os veículos estão seguros em companhias de seguros que integram o grupo económico da Demandada; --- 16. A Demandada considerou que a responsabilidade pelo acidente cabia a ambos os condutores, por igual, fls. 17: --- 17. Em consequência do acidente o veículo [- - 1], ficou com danos na pintura, para-choques guarda-lamas e pisca, frontal do lado direito, fls. 16 e 86; --- 18. Após o acidente veículo [- - 1] podia mover-se pelos seus próprios meios; --- 19. O Demandante utilizava o veículo [- - 1] em deslocações; - 20. Em data não concretamente apurada o Demandante procedeu a expensas suas à reparação do veículo [- - 1]; --- 21. O Demandante suportou o custo de €1.599,00 com a reparação do veículo, fls. 84 verso a 85 verso; --- * Factos não provados: --- Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes com interesse para a decisão da causa, nomeadamente, que: --- i. Na reclamação apresentada o Demandante afirmou que o condutor do veículo [- - 2] virava à esquerda – motivo: no documento de fls. 18 - Reclamação - o demandante declara repetida e expressamente que o condutor do veículo [- - 2] virava à direita, em concordância com a cruz assinalada no quadrado 12, da declaração amigável assinada por ambos os condutores. --- ii. Na carta datada de 26-12-2021, a Demandada solicitou ao Demandante a peritagem do [ - - 1] – motivo: no referido documento a Demandada sugere ao Demandante que dê autorização para a reparação do veículo, sem fazer qualquer referência à necessidade de peritagem dos danos, e depois de ter afirmado que já estava na posse de todos os elementos para tomar uma decisão definitiva sobre a regularização do sinistro, inclusive, desconsiderou o pedido de reconstituição do acidente feito pelo Demandante;---- iii. A Demandada nunca avaliou os danos sofridos pelo [- - 1] – motivo: incompatível com o documento de fls. 86, que consiste no relatório de peritagem com avaliação dos danos, datado de 22-12-2021; - iv. O veículo apenas foi reparado pelo Demandante em 22-10-2024 – motivo: os documentos juntos e a prova testemunhal não convenceram relativamente ao alegado momento da reparação, o qual é inconsistente com a factualidade no seu conjunto, conforme será analisado com maior detalhe na fundamentação de direito; --- v. Desde a data do acidente que o veículo [ - - 1] está parado e depositado na garagem do Demandante, a aguardar que a Demandada faca a sua reparação - motivo: o veículo ficou em condições de se mover pelos próprios meios, e foi utilizado pelo Demandante, designadamente, em deslocações à oficina de reparação, sendo a matéria objeto de maior detalhe na fundamentação de direito.--- vi. O veículo [- - 1] sofreu desvalorização comercial em virtude do referido acidente. Motivo: o veículo é antigo, e os danos não afetaram o motor ou o chassis, nem permaneceram visíveis após reparação, como resultou da observação efetuada em sede de inspeção ao local; --- vii. O Demandante ficou privado do seu veículo que é imprescindível para a sua vida quotidiana pessoal e profissional – motivo: o indicado supra em v. Apenas ficou provado que o Demandante utilizava o [- - 1] em deslocações, mas não se provou a respetiva utilização exclusiva, ou mesmo principal, e imprescindível. Com efeito, o Demandante referiu situações incompatíveis com a essencialidade do veículo nas suas deslocações, como o facto de querer oferecer o mesmo ao filho em data próxima do acidente, e o facto de o veículo estar parado há algum tempo, por avaria, em data próxima da inspeção ao local; --- viii. O acidente causou elevados transtornos e prejuízos a nível pessoal e profissional do Demandante – motivo: para além do indicado no número anterior, nenhum elemento de prova foi junto aos autos que permita aferir o alegado prejuízo. --- Motivação da Matéria de Facto: --- Os factos provados resultaram da conjugação da audição de partes, dos documentos constantes dos autos, e do depoimento testemunhal prestado em sede de audiência de julgamento, bem como, a inspeção ao local, tendo os vários elementos de prova sido apreciados de forma a compatibilizar toda a matéria de facto adquirida, tendo em conta os dados da experiência de senso comum e as características próprias a relação controvertida vivenciada pelas partes. --- Consideram-se provados por declarações do Demandante e análise conjunta da prova, tendo em conta os dados da experiência de senso comum, os factos respeitantes aos números, 6; 9; 11; e 13. Nos termos do n.º 2, do art.º 574.º, Código de Processo Civil, aplicável ex vi, art.º 63.º, da Lei dos Julgados de Paz, consideram-se admitidos por acordo os factos constantes nos números 5; 15; e 16. Pela prova documental consideram-se provados os factos suportados pelo teor dos documentos indicados de forma especificada, na enumeração do probatório supra. --- Foi ainda considerado o conteúdo informativo decorrente das imagens constantes das fotografias juntas aos autos, em especial as fotografias obtidas durante a inspeção ao local. -- As duas testemunhas apresentadas pelo Demandante ajudaram a formar convicção relativamente aos factos provados, mas não foram determinantes para a prova.--- Consigna-se que, para apuramento da matéria de facto não foi considerado o teor dos articulados, da audição das partes ou das testemunhas com matéria tida por irrelevante, conclusiva ou de direito. Os factos não provados resultam da ausência de elementos que permitam formar convicção positiva sobre os mesmos, nos termos mencionados na respetiva enunciação. --- ---*--- Fundamentação – Matéria de Direito: --- A matéria da causa remete-nos para o âmbito da responsabilidade civil por facto ilícito, com base em acidente de viação. --- As questões a decidir pelo tribunal são as seguintes: --- - Se a Demandada está obrigada a indemnizar o Demandante pelos montantes peticionados, em consequência dos alegados danos descritos nos autos. --- - A responsabilidade pelas custas da ação. --- Vejamos se assiste razão à Demandante: --- a) Dinâmica do acidente: --- Em 13-12-2021, o veículo [- - 2], proveniente da [...], entrou na [...], e por não ter conseguido travar, embateu com a sua frente esquerda, na frente esquerda do [- - 1] que, circulava em sentido oposto e a finalizar a travessia da mesma. -- Na inspeção ao local foi confirmado que, no local do embate a faixa de rodagem não tem a largura necessária e suficiente para a passagem cruzada, simultânea, dos dois veículos automóveis. --- Deste modo, falece a tese conjeturada pela Demandada, no sentido de afirmar liminarmente que numa mudança de direção à direita, as trajetórias de veículos que circulem em sentido oposto nunca se cruzam. --- Com efeito, muito embora se reconheça que a referida proposição é válida para a grande maioria das situações, importa ter presente que a mesma tem como pressuposto que a largura da faixa de rodagem é suficiente para permitir a passagem cruzada e simultânea dos veículos em sentido de marcha opostos, o que manifestamente não é o caso dos autos, conforme o Demandante alegou e logrou provar, e sempre pretendeu que a Demandada reconhecesse.---- b) Responsabilidade civil: --- Nos termos do art.º 483.º do Código Civil, "Aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.” --- Do referido preceito legal extrai-se que, a ilicitude do facto tem de resultar de uma conduta humana, violadora do direito de outrem ou de qualquer disposição legal que vise proteger interesses alheios. Por outro lado, para que haja culpa, é necessário que o agente possa ser censurado pela ação ou omissão por ele cometida, e por não ter agido de modo a evitar a ocorrência do evento danoso, podendo tê-lo feito. É também necessário que o dano resulte do facto, segundo uma relação de causa-efeito, adequada e não em virtude de uma sucessão de factos de ordem meramente naturalística. --- Assim, para que se possa declarar a existência da obrigação de indemnizar, resultante da responsabilidade civil por factos ilícitos, têm de estar verificados os seguintes pressupostos: i) a existência de um facto voluntário do agente; ii) a ilicitude desse facto; iii) que se verifique um nexo de imputação do facto à conduta culposa do lesante; iv) que da violação do direito subjetivo ou da lei derive um dano; e v) nexo de causalidade adequada entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pelo lesado, de modo a poder concluir-se que a natureza e extensão do dano resultam necessariamente daquele facto e não de outra causa, que lhe esteja na origem. Os referidos pressupostos da responsabilidade civil são cumulativos. --- Os elementos de facto que possibilitam a consubstanciação da responsabilidade civil por factos ilícitos têm de ser objetivamente adquiridos no âmbito do processo, de acordo com o critério de distribuição do ónus da prova, conforme decorre da regra geral contida no nº 1, do artigo 342º, do Código Civil, que dispõe o seguinte: “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.” --- Aqui chegados, cabe apurar se o acidente é, ou não, atribuível a culpa exclusiva ou concorrente, dos condutores intervenientes. --- O artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil consagra um critério legal de apreciação da culpa conforme à diligência de um homem normal, medianamente prudente e cuidadoso, em face do condicionalismo próprio do caso concreto. --- Em matéria de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, tem sido entendimento da jurisprudência corrente, atribuir-se a culpa na produção do acidente por presunção judicial (cfr. artigo 351º do Código Civil) ao condutor que violou regras que regulamentam a circulação rodoviária. --- A culpa assim presumida só resultará afastada se o condutor vier a provar que aquela contravenção se ficou a dever a circunstâncias anormais que determinaram tal facto, de modo a excluir a culpa, exigindo-se que a ação ou omissão do agente seja uma causa adequada ou provável do evento danoso ou ao seu desencadeamento. --- Na circulação rodoviária é dever geral dos condutores e utentes adotarem uma condução prudente. O facto lesivo do direito de propriedade sobre o veículo [- - 1], pertencente ao Demandante, está verificado por ter sido embatido pelo veículo [- - 2], seguro na Demandada. --- Ora, da prova apreciada na sua globalidade resulta por demais evidente que o condutor do [ - - 2] infringiu o dever geral de cuidado, que obriga os condutores a adotarem uma condução prudente, e não observou o dever de cedência de passagem imposto por lei, naquela circunstância, cf., art.º 11.º, n.º 2, e 33.º, n.º 1, al. b), ambos do Código da Estrada).--- Da dinâmica do acidente conclui-se que a culpa é imputável em exclusivo ao condutor do [- - 2], por ter entrado num acesso rodoviário à sua direita, com visibilidade reduzida devido a muros altos, sem se aperceber da existência do veículo do Demandante, que finalizava a travessia da via circulando em sentido oposto, sendo a faixa de rodagem muito estreita, e sem possibilidade de passagem cruzada e simultânea dos dois veículos.--- Resulta ainda da prova que foi o veículo [- - 2], que não conseguiu travar e embateu no [ - - 1], e não o contrário. ---- Isto é, o condutor do[ - - 2] entrou na [...] sem verificar se o podia fazer em condições de segurança, sem se aperceber antecipadamente da presença do veículo conduzido pelo Demandante que circulava primeiro na referida via, e sem ter conseguido travar e sem ceder a passagem ao veículo do Demandante que circulava primeiro na mesma via, podendo e devendo ter agido de modo a evitar o embate o que é proibido por lei, e constitui um ilícito rodoviário punível como contraordenação grave (nos termos dos artigos 11.º, n.º 2, 33.º, n.º 1, al. b), e 145.º, n.º 1, al. f) do Código da Estrada (versão atualizada do Decreto-Lei n.º 114/94, de 03 de maio).--- Também resulta da prova que, o acidente provocou danos no veículo [- - 1], relativamente aos quais está determinado o nexo de causalidade, nos termos do relatório de averiguação, junto aos autos. -- Assim, a Demandada responde perante o Demandante pelos danos causados ao [- - 1], por força do contrato de seguro titulado pela apólice da Logo, n.º [Nº Identificador-1], ao abrigo da qual estava transferida a responsabilidade civil imputável ao condutor do veículo [- - 2]. --- c) Obrigação de indemnizar: --- Tendo sido verificados os pressupostos e declarada a responsabilidade civil da Demandada, nos termos atrás expostos, importa agora valorar os danos que resultaram do acidente em causa nos autos, e calcular a indemnização devida pelo seu ressarcimento. --- Relativamente aos danos patrimoniais, os artigos 562.º a 564.º, e 566.º, todos do Código Civil, consagram como critério normativo de avaliação da indemnização, a denominada teoria da diferença, ou seja, a diferença patrimonial entre a situação existente devido à produção dos danos e a que existiria, se não se tivesse verificado o evento danoso. --- O referido regime legal estabelece que a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não repare integralmente os danos, ou seja excessivamente onerosa para o devedor e, não sendo possível averiguar o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados. --- - Danos causados no veículo [- - 1]: --- Ficou provado que, em resultado do acidente descrito nos autos, o veículo da propriedade do Demandante ficou com os danos descritos no número 17, da matéria provada. --- Também ficou provado que o Demandante suportou o custo da reparação do veículo no montante global de €1.599,00. — É certo que, a peritagem do veículo considerou o valor de €1.312,30. --- Todavia, a peritagem foi realizada em 22-12-2021, sendo facto notório que os preços da generalidade das peças, e os custos com a mão-de-obra das reparações no setor automóvel sofreu um aumento significativo. --- Assim, muito embora não tivesse ficado provada a data em que ocorreu a reparação do [ - - 1], admite-se que o valor do arranjo do veículo possa ter sido efetuado numa data bastante posterior à referida peritagem, com o consequente aumento dos preços, o que só pode ser imputado à Demandada por ter recusado a imputação da responsabilidade total do acidente ao condutor do [ - - 2].---- Isto é, embora se admita que a reparação possa ter sido efetuada em data anterior à emissão dos documentos constantes de fls. 86 e 86 verso, também se presume pela análise conjunta da prova e da sequência factual, que o Demandante só colocou o veículo em oficina para reparação em data muito posterior à do acidente, designadamente, por ter efetuado exaustivamente e sem sucesso, várias tentativas junto da Demandada para a reapreciação da decisão de imputação da responsabilidade de ambos os condutores em 50%.--- Assim, é de entender que a indemnização deve corresponder à expressão patrimonial da lesão efetivamente sofrida pelo Demandante, conforme consta nos documentos juntos aos autos de fls. 85 e 85 verso, com agravamento do valor inicialmente determinado em sede de peritagem e que a Demandada recusou. --- - Sobre o pedido de indemnização no montante de €5.000,00, pela desvalorização de veículo e privação do uso: --- Convém afirmar desde já que, quer pela antiguidade do veículo, quer pelo período de imobilização previsível para a respetiva reparação, o referido montante é manifestamente excessivo. --- Relativamente à desvalorização do veículo em virtude dos danos causados pelo acidente, importa ter presente que o [- - 1] foi matriculado em 22-06-1994. --- Assim, o referido veículo é antigo, e está em fim de vida útil. --- Deste modo, é forçoso concluir que o respetivo valor venal é reduzido. --- Aliás, pela prova feita nos autos conclui-se que não foram danificados componentes importantes do ponto de vista mecânico ou da estrutura (grosso modo, motor ou chassis). --- Certo é que o Demandante não concretizou a alegada desvalorização, tendo indicado um valor de forma abstrata, sem qualquer base factual ou elemento objetivo que permita aferir o valor venal do veículo antes de ter sofrido o acidente e qual a diferença desse valor após o acidente. --- Sendo inegável que, em tese, um acidente de viação pode causar diversos tipos de danos suscetíveis de desvalorizar o veículo lesado, salvo o devido respeito por opinião contrária, os danos causados ao [- - 1], em consequência do acidente descrito os autos não têm qualquer relevância no valor venal do veículo após reparação. Aliás, não foram evidenciados danos permanentes ou consistentes com a desvalorização comercial do veículo em sede de inspeção ao local, pelo que, a ação deve improceder nesta parte do pedido. --- No que respeita à privação de uso, ficou provado que o Demandante utilizava o veículo [- - 1], em deslocações (aliás, o veículo estava a ser utilizado no momento do acidente descrito dos autos, embora não decorra da prova que o veículo fosse o único ou o principal meio de transporte do Demandante). --- Mais, ficou provado que o referido veículo teria de ficar imobilizado pelo período de dois dias, por corresponder ao tempo necessário para a respetiva reparação, conforme consta do relatório de peritagem. --- Incumbia ao Demandante provar que o veículo ficou imobilizado em consequência do acidente, sem ter condições para se deslocar pelos seus próprios meios, o que não logrou nos presentes autos. --- Também incumbia ao Demandante a prova de restrições ao uso normal do veículo, designadamente, as que se pudessem relacionar com a eventual falta de condições para efetuar a inspeção periódica obrigatória, o que não logrou nos presentes autos. --- Com efeito, no decurso do julgamento o tribunal formou a convicção do facto exatamente oposto, ou seja, que o veículo estava em condições de se locomover pelos próprios meios. --- Pela sua antiguidade, é facto notório que à data dos factos o [- - 1] já estava abrangido por inspeções periódicas obrigatórias anuais, pelo que, incumbia ao Demandante alegar e provar que o veículo apresentava deficiências decorrentes do acidente que o impediam de circular na via pública, dado que, ao nível mecânico estava perfeitamente operacional. --- Assim, não tendo ficado provado qualquer prejuízo financeiro do Demandante, no caso dos autos, não se efetivou dano da privação do uso para além dos dois dias destinados à reparação do veículo. Apesar de algumas divergências em relação a outros aspetos, a jurisprudência maioritária considera que a privação do uso tem de corresponder a um dano efetivo e não abstrato. — Assim, in casu, a indemnização pela privação do uso fora dos dias necessários para a reparação só seria exigível caso tivesse havido efetiva imobilização do veículo, cuja prova incumbia ao Demandante, o que não logrou nos autos. — Ora, o simples uso constitui uma vantagem patrimonial suscetível de avaliação pecuniária. --- Ao abrigo do disposto no art.º 566.º, n.º 3, do Código Civil, não sendo possível averiguar um valor exato correspondente ao dano, considero equitativo o montante global de €24,00 respeitante à privação do uso pelos dois dias necessários à reparação dos danos. --- Assim a ação deve ser declarada parcialmente procedente nesta parte do pedido. --- Sobre o pedido de condenação do Demandante na quantia de €5.000,00 por litigância de má-fé: --- Importa afirmar que, uma noção superlativa ou desfasada realidade, ou a falta de prova de factos alegados nos autos não equivale, por si só, ao uso reprovável do processo. --- Para determinar a litigância de má-fé, não releva o facto de a parte ter ou não razão (leia-se ganho de causa), ou o facto de conseguir (ou não) fazer prova dos factos que alegou; mas sim, um determinado comportamento processual censurável e reprovável. por atentar contra o respeito pelos Tribunais e prejudicar a ação da justiça, no sentido em que consubstancie o incumprimento doloso ou gravemente negligente dos deveres de cooperação e de boa-fé processual, a que as partes estão submetidas (cf., art.º 7º e 417.º, do Código de Processo Civil). --- Ora, o que se pode concluir sobre a conduta descrita nos artigos 30.º, e seguintes da douta contestação resume-se a considerar que o Demandante recorreu de forma lícita à instauração da presente ação, no sentido de discutir o mérito da causa, dado que, a alternativa seria conformar-se passivamente com uma situação que o mesmo percecionou de forma correspondente a um prejuízo no seu património.--- Assim, o pedido de condenação em litigância de má-fé deve improceder. --- ---*--- Decisão: --- Atribuo à causa o valor de €5.000,00, que corresponde ao montante indicado no requerimento inicial, cf., normas conjugadas dos artigos 306.º, n.º 1; 297.º, n.º 1; e 299.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi, art.º 63.º, da Lei dos Julgados de Paz. --- Pelo exposto e com os fundamentos acima invocados: --- Absolvo o Demandante do pedido de condenação em litigante de má-fé. --- Julgo a presente ação parcialmente procedente por parcialmente provada, e consequentemente, condeno a Demandada a pagar ao Demandante a quantia global de €1.623,00. --- Mais, condeno a Demandada a anular o eventual agravamento do prémio de seguro decorrente do sinistro, e ao correspondente estorno de valores do agravamento, bem como, a emitir um certificado de tarifação em nome do Demandante sem imputação de responsabilidade pelo acidente descrito nos autos, conforme peticionado. --- Mais decido absolver o Demandado do restante peticionado na presente ação. ---
Custas: --- Taxa de justiça no montante de €70,00 (setenta euros) a cargo da Demandada, por ter ficado vencida (relevando a improcedência do pedido de condenação do Demandante em litigância de má-fé, em valor correspondente ao decaimento), nos termos da primeira parte, da al. b), do n.º 1, do art.º 2.º, da Portaria n.º 342/2019, de 1 de outubro.--- O pagamento deverá ser feito no prazo de três dias úteis, mediante liquidação da respetiva guia de pagamento (DUC), emitido pela secretaria do Julgado de Paz. --- * Extraia e notifique a guia de pagamento (DUC), para pagamento das custas juntamente com cópia da presente decisão. --- Após os três dias úteis do prazo legal para o pagamento, aplica-se uma sobretaxa no montante de €10,00 (dez euros), por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação, até ao máximo de €140,00 (cento e quarenta euros). --- O valor da sobretaxa aplicável acresce ao montante da taxa de justiça em dívida. --- * Após trânsito, verificando-se a falta de pagamento das custas, mesmo após o acréscimo da referida sobretaxa legal, conclua para emissão de certidão para efeitos de execução fiscal, a instaurar junto dos competentes serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), pelo valor das custas em dívida acrescidas da respetiva sobretaxa. ---- * Registe. --- Notifique pessoalmente em sede de audiência de discussão e julgamento, nos termos do disposto no artigo 60.º, n.ºs 1 e 2, da Lei dos Julgados de Paz. --- Envie cópia da mesma aos intervenientes processuais que, eventualmente, faltarem na data agendada para a prolação da sentença, cf., artigo 46.º, n.º 3, da Lei dos Julgados de Paz. --- ---*--- Julgado de Paz de Setúbal, 30 de dezembro de 2024 O Juiz de Paz
_________________________ Carlos Ferreira |