Sentença de Julgado de Paz
Processo: 09/2018-JPCSC
Relator: SÓNIA ISABEL DOS SANTOS PINHEIRO
Descritores: AÇÃO DE CONDENAÇÃO
Data da sentença: 01/17/2019
Julgado de Paz de : CASCAIS
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

I. Identificação das partes
Demandante: A., NIF ……, residente na Rua ……., São Domingos de Rana.
Demandada: D., S.A., NIPC ……. com sede na Avª ……………Lisboa.

II. Objecto do litígio
O litígio reconduz-se ao pedido de condenação da Demandada no pagamento da quantia de €10.000,00 (dez mil euros), correspondente ao valor seguro pelo furto do veículo e indemnização pelo não uso de veículo de substituição, e ainda nas despesas judiciais que se vierem a contabilizar, aqui incluídas taxas de justiça e honorários de advogado (al. h) do n.º 1 do art.º 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho (doravante LJP).
Para tanto, a Demandante alegou, em síntese, que autorizou o marido a conduzir a viatura segurada pela Demandada com a Apólice nº …., com a matrícula 00-00-XJ, marca …, modelo ……;
No passado dia 24.07.2017 apurou-se que a viatura, que se encontrava estacionada num largo próximo à morada da Demandante há dois dias fora furtada por desconhecidos; Tal facto foi comunicado à PSP, conforme consta do Auto com o NUIPC 000 Posteriormente foi reportada à Demandada o sinistro, cujo reporte consta na Ocorrência nº 000, Sinistro nº 000, e cujo gestor é E.; Acontece que, em carta datada de 27.09.2017, e recepcionada em 16.10.2017, a Demandante foi notificada da responsabilidade da Demandada Seguradora, onde se diz que “… não é da nossa responsabilidade a regularização dos prejuízos reclamados….”, uma vez que “…o sinistro em questão não reveste carácter súbito e fortuito…”; Não se compreende como o furto de uma viatura não reveste carácter súbito e fortuito; Nem se compreende qual seja o critério de definição daquilo que seja um sinistro que revista carácter súbito e fortuito, e daquilo que seja o furto de um automóvel por desconhecidos tomado pela Demandada Seguradora; Foi feita reclamação dirigida ao Serviço de Gestão de Reclamações do Segurador da Seguradora D., S.A., tendo esta respondido por carta datada de 23.11.2017 que “… concluímos que não se encontram reunidos os pressupostos que nos permitam assumir a responsabilidade. Nesta conformidade, reiteramos a posição ora transmitida”; Inconformada foi realizada reclamação para o Centro de Informação, Mediação, Provedoria e Arbitragem de Seguros (CIMPAS), à qual foi atribuído o nº de processo ….. no passado dia 06.12.2017, tendo este respondido em carta datada de 13.12.2107 que “… cumpre informar que, muito embora os diversos contactos mantidos com a Companhia de Seguros reclamada, obtivemos da mesma a recusa de resolução deste tipo de sinistros por via deste Centro”, sendo que “o processo de Arbitragem levado a cabo neste Tribunal corresponde a uma meio voluntário de Resolução de Litígios, ao qual a Seguradora Reclamada não aderiu”, portanto “…não poderemos estabelecer qualquer diligência sobre a (…) situação da autora, seremos forçados a proceder ao encerramento do presente processo”; A Demandante permanece inconformada, uma vez que a Apólice de Seguro celebrada com a Demandada prevê claramente a cobertura por furto e roubo, sendo o capital segurado de €5.500,00; Nunca tendo, igualmente, usufruído de viatura de substituição conforme a Apólice prevê; Entende que deve a Demandada Seguradora proceder à regularização dos prejuízos reclamados e indemnização pelos prejuízos causados, num valor total de €10.000,00, e ainda ser condenada no pagamento de todas as despesas judiciais que se vierem a contabilizar, aqui incluídas taxas de justiça e honorários advocaticios. Junta 3 documentos e procuração forense.
Válida e regularmente citada, a Demandada apresentou contestação onde alegou, em síntese, que a Demandada através da sua marca …. celebrou um contrato de seguro do ramo automóvel com a Demandante respeitante à viatura ….., com a matrícula 00-00-XJ, titulado pela Apólice nº 000; Como resulta da página 3 desta Apólice, de entre outras coberturas, foi contratada a de “furto ou roubo”, com um capital de €5.500,00; Na sequência da celebração deste contrato, a Demandante participou um sinistro ocorrido em 25.07.2017; De acordo com a participação o marido da Demandante quando chegou ao parque público de estacionamento sito no entroncamento da Rua ………. com a Rua ….verificou que a viatura que aí deixara estacionada já não se encontrava no local; Tratando-se de um furto de uma viatura que nos últimos tempos tem tido ocorrências anómalas, a Demandada procedeu às necessárias averiguações para apurar as circunstâncias do sinistro participado; Para além das dificuldades levantadas em especial pelo marido da Demandante com vista a esclarecer os contornos do furto participado, de relevante foram apurados os seguintes factos: - no auto de ocorrência não foi indicado o local onde o veículo estava estacionado; só em 31.08.2017 foi solicitado procedimento judicial; - não existe data definida para o desaparecimento do veículo sendo que na participação efectuada está referido que o marido se deslocou ao local pelas 10 horas de 25 de Julho e no auto de ocorrência refere que foi entre as 18 horas de 24/07 e as 10 horas de 26/07; - já no auto de denúncia de 31/08/17 está referido 24/07/17, 18 horas; - neste caso já depois do conhecimento das diligências de averiguação da Demandada; o veículo esteve estacionado durante 15 dias sem que fosse removido do local, por exemplo junto da residência uma vez que ia ficar estacionado durante essa temporada; - sendo que no local apurou-se que existiam vários estacionamentos livres, nomeadamente nas traseiras do prédio; - trata-se de um veículo com 13 anos de idade, muito pouco apetecível para ser alvo de furto; - tem registos na marca de avarias graves a nível de motor; houve pouca colaboração da segurada, esta sempre na presença deste, e do marido que se mostraram pouco disponíveis para esclarecer os factos e fornecer os elementos pedidos pelos peritos; o marido da segurada acabou por prestar e enviar alguns documentos pedidos directamente para a mediadora, tendo até tirado fotos dos mesmos; - trata-se da mediadora de todos os contratos do casal, que acabou por fazer contratos de seguro do mesmo veículo mesmo depois dos anteriores terem sido anulados por falta de pagamento; - na primeira reunião tida com o perito foi declarado por escrito ao perito que não sabia se tinha os documentos e as chaves referentes ao veículo; - declarações estas feitas passado um mês sobre o alegado furto quando afirmou ser ele o condutor habitual da viatura; - enviou directamente para a mediação por carta registada o DUA e uma chave; - o veículo seguro tinha um registo de 140.619Kms quando foi alvo de reparação na “Auto …” em 11.09.2014, só que na IPO que disponibilizou válida à data de 03.05.2017 feita em 06.05.2016 tinha 8.700Kms, o que pode indiciar que tentaram vender a viatura; - em 17.05.2010 registava 103996kms; - alegadamente a segurada estava de férias no Brasil de 6.07 a 11.08; - em relação à avaria o marido justificou como tendo sido resultante do quadrante e que tinha reparado na “Auto ….”, só que na única folha que foi entregue ao perito pela oficina nada é referido; - na oficina o perito foi informado que não se fez qualquer tipo de reparação ou substituição do material aí indicado e que inclusive deixou de se reparar os veículos do marido da segurada e conforme se pode ver da folha disponibilizada só cobrou a mão-de-obra, uma vez que aquele levou o material; - verificou-se que nesta avaria houve lugar ao pagamento de reboque - € 30,00, pelo que será uma avaria diferente das indicadas por ambos e não registada na G., ou seja, é o 3º registo de avaria e onde não foram solicitados os serviços de assistência de viagem; - desde que o veículo está registado em nome da segurada, 2012, teve em 2013 avaria no motor, em 2014, 2 avarias, motor e turbo e terá tido outra avaria provavelmente mais gravosa uma vez que o veículo esteve parado pois não fez IPO em 03.05.2015, só o tendo feito em 11.01.2016; - como, aliás, deixou escapar a segurada que o veículo tinha dado “muita despesa e muita dor de cabeça com avarias”; - na morada ou nas redondezas o veículo não era conhecido e ninguém tinha conhecimento do furto; - nos contactos havidos o marido da segurada sempre procurou que os mesmos se desenrolassem longe do prédio onde mora; - são possuidores de uma viatura ….. com a matrícula 00-GO-00; Por outro lado foi feita uma triagem aos veículos com contratos de seguro, todos em nome da Demandante. Verificou-se que : - o veículo com a matrícula PG-00-00, …, com contrato de seguro “H.” desde 07.08.2007 a 07.08.2009, anulado a pedido da segurada; - mesmo veículo seguro na “I.” com contrato desde 07.08.2009 a 06.8.2010, anulado por falta de pagamento; - o veículo agora alegadamente furtado, com a matrícula 00-00-XJ, com contrato na D. desde 13.02.2012 a 13.08.2015, anulado por falta de pagamento; - idem contrato desde 02.01.2015 a 02.04.2016, anulado por falta de pagamento; - o seguro desta viatura e que tem como suporte a apólice que é o doc. 1, iniciou-se em 24.05.2016, sendo comum a estes contratos o mesmo mediador; - são possuidores de uma viatura ……. com a matrícula 00-GO-00; O sinistro não ocorreu conforme participado por estarmos perante um incidente fictício; Sendo assim a Demandada não se encontra constituída na obrigação de indemnizar nos termos e para os efeitos do artº 505º do CC.; Quanto aos €10.000,00 peticionados, o capital dos danos de “furto e roubo” como resulta do contrato de seguro é de €5.500,00; Como estamos no âmbito da responsabilidade contratual, caso a Demandada fosse obrigada a indemnizar só o poderia ser pelo valor do capital contratado, sendo que relativamente ao veículo de substituição nunca tal foi pedido; É completamente descabido sem qualquer apoio fáctico ou jurisprudencial, o pedido de €10.000,0 só justificável em virtude de nos Julgados de Paz se pagar uma taxa única. Quanto aos honorários é do âmbito da procuradoria. Impugna, nos termos do artº 574º, nº 3 do C.P.C., tudo a que “a contrario” vem dito na p.i., nomeadamente nos artºs 1º a 13º e nos termos do artº 444º, nº 1 do CPC, a letra, a assinatura e, por maioria de razão, os docºs nºs 2 e 3 juntos com a p.i.. Conclui pedindo a sua absolvição do pedido. Junta 13 documentos e procuração forense.
A Demandada afastou a mediação, pelo que o processo seguiu para julgamento.
Foi agendada audiência de julgamento, que decorreu com obediência às formalidades legais como da Acta se infere.
A Demandada juntou a flªs 93 a 132 as Condições Gerais da Apólice de Seguro.
Fixo à acção o valor de €10.000,00 (dez mil euros) - cfr. artºs 306º nº 1, 297º nºs 1 e 2, 299º nº 1, todos do CPC, ex vi artº 63º da LJP.
O Tribunal é competente (artigo 7º da LJP).
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não se verificam excepções, nulidades ou incidentes processuais que impeçam o conhecimento do mérito da causa.
Cumpre apreciar e decidir.

III. Fundamentação fáctica
Com interesse para a decisão da causa, ficou provado que:
1. Aquando do referido no item 7 infra, a Demandante era proprietária do veículo automóvel, da marca …., com a matrícula 00-00-XJ;
2. A Demandada é uma Companhia de Seguros;
3. A Demandada através da sua marca …., no âmbito da sua actividade comercial, celebrou um contrato de seguro do ramo automóvel com a Demandante respeitante à viatura …….., com a matrícula 00-00-XJ, titulado pela Apólice nº 000, com início em 24.05.2016;
4. onde, para além de outras coberturas, foi contratada a cobertura de danos próprios, entre outros, actos/riscos de “furto ou roubo”, e acordado fixar o capital seguro, em caso de furto ou roubo desse veículo em €5.500,00;
5. Resulta das condições particulares da apólice, para além do mais, o seguinte:
Condição especial “furto ou roubo”
Cláusula 1ª – Definições, considera-se “FURTO OU ROUBO”: O desaparecimento, destruição ou deterioração do veículo por motivo de furto, roubo ou furto de uso (tentados ou consumados). (…)
Cláusula 4ª – Condições de Funcionamento da Cobertura – “1. Ocorrendo furto ou roubo, e querendo o Segurado usar dos direitos que a presente Condição Especial lhe confere, deverá apresentar assim que possível queixa às autoridades competentes e promover as diligências ao seu alcance conducentes à descoberta do veículo e dos autores do crime. 2. Ocorrendo furto ou roubo que dê origem ao desaparecimento do veículo, o Segurador obriga-se ao pagamento da indemnização devida, decorridos que sejam sessenta (60) dias sobre a data da participação da ocorrência à autoridade competente, se ao fim desse período não tiver sido encontrado.
Nas condições particulares da Apólice consta uma tabela de desvalorização, mês a mês, durante 10 anos, do veículo.
6. A Demandante autorizou o seu companheiro a utilizar o veículo nas suas deslocações;
7. Em data que não foi possível apurar, ocorrida entre 24.07.2017 e 26.07.2017, o veículo marca …., modelo …, com a matrícula 00-00-XJ, que se encontrava estacionada num largo próximo à morada da Demandante, sita na Rua …, São Domingos de Rana, foi furtado por desconhecidos;
8. O companheiro da Demandante apercebeu-se dessa situação quando chegou ao local e verificou que a viatura que aí deixara estacionada já aí não se encontrava;
9. Tal facto foi participado à Policia de Segurança Pública, pelo companheiro da Demandante, que deu origem ao processo com o NUIPC 000, tendo em 31.08.2017 a Demandante solicitado, no âmbito desse processo-crime, procedimento criminal contra desconhecidos;
10. Posteriormente, foi reportado à Demandada o sinistro;
11. Que deu origem à ocorrência nº 000, sinistro nº 000, e cujo gestor é E.;
12. Por carta datada de 27.09.2017, e recepcionada em 16.10.2017, a Demandante foi notificada de que a Demandada Seguradora considerava não ser da sua responsabilidade a regularização dos prejuízos reclamados, por o sinistro em questão não revestir carácter súbito e fortuito;
13. Foi feita reclamação dirigida ao Serviço de Gestão de Reclamações do Segurador da Seguradora D., S.A., tendo esta respondido por carta datada de 23.11.2017 que “… concluímos que não se encontram reunidos os pressupostos que nos permitam assumir a responsabilidade. Nesta conformidade, reiteramos a posição ora transmitida”;
14. Inconformada foi realizada reclamação para o Centro de Informação, Mediação, Provedoria e Arbitragem de Seguros (CIMPAS), à qual foi atribuído o nº de processo ….. no dia 06.12.2017, tendo este respondido, em carta datada de 13.12.2017, que “… cumpre informar que, muito embora os diversos contactos mantidos com a Companhia de Seguros reclamada, obtivemos da mesma a recusa de resolução deste tipo de sinistros por via deste Centro”, sendo que “o processo de Arbitragem levado a cabo neste Tribunal corresponde a uma meio voluntário de Resolução de Litígios, ao qual a Seguradora Reclamada não aderiu”, portanto “…não poderemos estabelecer qualquer diligência sobre a (…) situação da autora, seremos forçados a proceder ao encerramento do presente processo”;
15. A Demandante não solicitou a atribuição de veículo de substituição;
16. O referido veículo automóvel não mais foi visto, pelo menos desde então;
17. Após ter-lhe sido participado o furto do referido veículo, a Demandada deu início às diligências atinentes ao apuramento do contexto da ocorrência;
18. À data do referido no item 7, o veículo tinha 13 anos de idade;
19. O companheiro da Demandante enviou directamente para a mediadora, por carta registada, o DUA e uma chave do veículo;
20. O veículo sofreu avaria no turbo e motor, tendo sido reparado na “Auto …”, em 11.09.2014, com pagamento de reboque no montante de €30,00, e cobrada mão-de-obra por “subs. bomba óleo, turbo, purmetador, limpeza interior no motor”;
21. Em 17.05.2010, aquando da sua inspecção técnica, o veículo registava 103.996kms percorridos;
22. Em 06.05.2016, aquando da sua inspecção técnica, o veículo registava 8.700kms percorridos;
23. Quando foi alvo de reparação na “Auto …”, em 11.09.2014, o veículo tinha um registo de 140.619Kms percorridos;
24. A Demandada é possuidora de uma viatura …. com a matrícula 00-GO-00;
25. A Demandada, enquanto tomadora de seguros, tem os seguintes registos: o veículo com a matrícula PG-00-00, …, com contrato de seguro “H.” desde 07.08.2007 a 07.08.2009, anulado a pedido da segurada; - mesmo veículo seguro na “I.” com contrato desde 07.08.2009 a 06.8.2010, anulado por falta de pagamento; - o veículo dos autos, com a matrícula 00-00-XJ, com contrato na D. desde 13.02.2012 a 13.08.2015, anulado por falta de pagamento; - idem contrato desde 02.01.2015 a 02.04.2016, anulado por falta de pagamento; - o seguro da viatura dos autos iniciou-se em 24.05.2016, sendo comum a estes contratos o mesmo mediador;
26. A mediadora, que é a do casal, fez contratos de seguro do mesmo veículo, mesmo depois dos anteriores terem sido anulados por falta de pagamento;
27. No escrito de fls. 22 o companheiro da Demandante declarou que “não sei se tenho os documentos originais e também se tenho as duas chaves”;
28. A Demandada esteve de férias no Brasil de 6.07.2017 a 11.08.2017;
29. À altura dos factos a Demandante vivia em união de facto com J., situação que se mantém;
30. A Demandada pagou, a título de taxa de justiça, o montante de € 35,00.
Com interesse para a apreciação da causa nada mais ficou provado, considerando-se não provados todos os factos alegados e que sejam de sentido contrário aos provados.
Nomeadamente não ficou provado que:
a. No auto de ocorrência policial não foi indicado o local onde o veículo estava estacionado;
b. O veículo esteve estacionado durante 15 dias sem que fosse removido do local;
c. No local apurou-se que existiam vários estacionamentos livres, nomeadamente nas traseiras do prédio;
d. Tem registos na marca de avarias graves a nível de motor;
e. Houve pouca colaboração do companheiro da segurada e desta, para esclarecer os factos e fornecer os elementos pedidos pelos peritos;
f. Nos contactos havidos o companheiro da segurada sempre procurou que os mesmos se desenrolassem longe do prédio onde mora;
g. O referido nos itens 21, 22 e 23 pode indiciar que tentaram vender a viatura;
h. Em relação à avaria, o marido justificou como tendo sido resultante do quadrante e que tinha reparado na “Auto …”;
i. Na oficina “Auto …” o perito foi informado que não se fez qualquer tipo de reparação ou substituição do material aí indicado e que inclusive deixou de se reparar os veículos do marido da segurada, e só cobrou a mão-de-obra, uma vez que aquele levou o material;
j. A avaria reparada na “Auto …” é uma avaria diferente das indicadas por ambos e não registada na “G.”;
k. Constitui o 3º registo de avaria e onde não foram solicitados os serviços de assistência de viagem;
l. Desde que o veículo está registado em nome da segurada - 2012, teve em 2013 avaria no motor, em 2014, duas avarias, motor e turbo e terá tido outra avaria provavelmente mais gravosa uma vez que o veículo esteve parado, pois na fez IPO em 03.05.2015, só o tendo feito em 11.01.2016;
m. A Demandada deixou escapar que o veículo tinha dado “muita despesa e muita dor de cabeça com avarias”;
n. Na morada ou nas redondezas o veículo não era conhecido e ninguém tinha conhecimento do furto.

Motivação da matéria de facto provada e não provada:
Os factos provados resultaram do conjunto da prova produzida, cotejada com as regras da experiência, da posição das partes vertida nos articulados, dos elementos documentais juntos aos autos a seguir discriminados, que aqui se dão por reproduzidos e integrados, conjugados com as declarações das partes, e com o depoimento das testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento, como referido infra. Mais foram tidos em conta, nos termos das alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 5º do Código de Processo Civil, factos instrumentais e factos que complementam ou concretizam os que as partes alegaram e resultaram da instrução e discussão da causa.
Assim atendeu-se aos documentos de fls. 7 a 10, 47 a 50, e 94 a 132 (condições gerais e particulares da Apólice nº 000), para prova da matéria de facto descrita no item 2 a 5; de fls. 11 e 12, 51 e 52 (participação de sinistro) e de fls. 13 a 21, 53 e 54 (participação, auto de denúncia, declaração, notificação e auto de inquirição de testemunha) no âmbito do processo com o NUIPC …..para prova da matéria de facto descrita no item 9; de fls. 22 e 55 (questionário) para prova da matéria de facto descrita nos itens 7 e 8; de fls. 24 (resposta da Demandada), para prova da matéria de facto descrita no item 10 a 12; de fls. 25 a 27 (reclamação e resposta), para prova da matéria de facto descrita no item 13; de fls. 28 (resposta) para prova da matéria de facto descrita no item 14; fls. 56 a 57 verso (fotocópia de envelope, cópia de DUA e chave), para prova da matéria de facto descrita no item 19; de fls. 56 verso, para prova dos factos descritos no item 1 e 18; de fls. 58 e 58 verso e 60 (inspecção técnica periódica), para prova da matéria de facto descrita no item 21 e 22; de fls. 59 (folha de obra), para prova da matéria de facto descrita no item 20 e 23; de fls. 61, para prova da matéria de facto descrita no item 20; de fls. 62 a 66, para prova da matéria de facto descrita no item 25 e 26; de fls. 67, para prova da matéria de facto descrita no item 29.
Em conjugação com tais documentos, para a consideração da matéria de facto provada, foram relevantes as declarações da Demandante e depoimento da testemunha J.. Assim, a Demandante confirmou o alegado no requerimento inicial, esclarecendo que na altura dos factos encontrava-se no Brasil, em gozo de férias. Que o carro dos autos era utilizado por si habitualmente, nas suas deslocações diárias. Como se encontrava de férias o mesmo ficou à disposição do seu companheiro, que o utilizava quando era necessário. Que o mesmo tinha Via Verde e que entregou os registos das passagens do veículo nas portagens à seguradora. Que quando chegou de férias foi “ratificar” a queixa apresentada pelo seu companheiro à PSP. Que até à data o carro não apareceu. Que não pediu carro de substituição. Que tinha uma chave do veículo uma vez que a outra que lhe foi entregue pelo vendedor estava danificada. Mais esclareceu que se sente “injustiçada” já que pagou o seguro, ficou sem o seu carro há mais de um ano, e a seguradora nunca assumiu as suas responsabilidades. A versão apresentada pela Demandante foi corroborada pelo depoimento da testemunha J., seu companheiro. Em síntese, referiu que o veículo quando foi furtado circulava, tinha inspecção e seguro. Que nunca mais apareceu. Que tinham mandado pintá-lo pouco tempo antes. Que foi solicitado pela seguradora a entrega dos registos da Via Verde, como efectivamente entregou, que continham registos diários das passagens em portagens. Que o veículo estava estacionado perto da sua residência, em local público e com boas condições, tendo sido alcatroado há dois anos. Que foi ele quem se apercebeu que o carro não se encontrava no local. Que foi à Esquadra apresentar queixa e depois levou o auto de ocorrência à mediadora. Na altura a Policia disse-lhe que não podia instaurar procedimento criminal porque não era o dono da viatura, tendo ficado avisado para comunicar tal facto à sua companheira. Quando a companheira chegou de férias do Brasil, foi à Esquadra fazer o “aditamento” à queixa. Que falou com o Perito, mas não “gostou” da sua abordagem, tendo este lhe dito que “não pagaria nada”, pelo que passou a tratar de tudo através da sua mediadora, nomeadamente quanto aos documentos solicitados. Que o carro em causa deve valer cerca de €6.000,00. Que era quem tratava das avarias do carro. Por seu turno, a testemunha K., referiu ter efectuado a averiguação do sinistro, a pedido da Demandada, e relatou as diligências que efectuou. Embora se reportasse ao relatório que redigiu na altura, onde concluiu “não confirmar o furto”, o mesmo não foi junto aos autos. De referir que declarou não ter tido conhecimento da “ratificação” da queixa pela Demandada e quanto à Via Verde mencionou não ter conhecimento dos registos, sendo que a testemunha da Demandada, Ricardo Augusto Paiva Pereira, referiu que os mesmos foram entregues já no final da averiguação. Relatou ainda como decorreram os contactos com o companheiro da Demandada, que acabou por tratar de tudo através da mediadora, nomeadamente quanto ao envio da chave e DUA do veículo. O depoimento da testemunha L., coordenador de investigação da Demandada, incidiu sobre o seu parecer quanto à ocorrência do furto. Referiu ter suportado a sua opinião nas diligências promovidas pelo perito averiguador, a testemunha K., e na sua experiência profissional na matéria. Quanto à Via Verde referiu ter recebido os registos, já depois do parecer do perito, evidenciando passagens recentes em portagens. Quanto à situação da alteração dos quilómetros entende que a diferença é tão grande (de cerca de 140mil para 8mil) que não faz sentido alterar dessa forma para venda e que tal se deve a outra explicação. Que o facto de terem outro carro suprimia as necessidades do carro furtado. Quanto à falta de pagamento de prémios de seguro evidenciava a existência de avarias que levavam à paragem do veículo. Referiu que à data dos factos tinha IPO e seguro válidos.
A versão que as testemunhas da Demandada trouxeram aos autos foi sobretudo suportada nos contactos havidos entre o Perito K. e o companheiro da Demandada, que tratou do assunto do furto. A posição do companheiro da Demandada foi de que não lhe agradou a postura do Perito, que lhe chegou a dizer que não iriam pagar-lhe nada, e que passou a tratar de tudo com a sua mediadora. Ora, perante estas versões contraditórias, com interesses divergentes, não presenciadas por outras pessoas que pudessem vir esclarecer como é que os contactos ocorreram, não se valoraram, nesta parte, os seus depoimentos.
Quanto aos factos dados como não provados resultam da ausência total de prova e de prova credível e bastante que atestasse a veracidade dos mesmos ou da prova em contrário.

IV. O Direito
Importa apurar se ocorreu o furto do veículo e se, em consequência, a Demandada deve ser condenada como pedido.
Por efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, enquanto o tomador do seguro se obriga a pagar o prémio correspondente – artº 1º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-Lei nº 72/2008, de 16.04.
Por outro lado, o sinistro corresponde à verificação, total ou parcial, do evento que desencadeia o accionamento da cobertura do risco prevista no contrato, devendo ser participado pelo tomador do seguro ou segurado à seguradora, nos oito dias imediatos àquele em que tenha conhecimento do sinistro – artºs 99º e 100º, nº 1 do mesmo D.L..
Ora, desde logo, o tomador ou o beneficiário do seguro tem de provar a ocorrência do sinistro, nos termos gerais (v. Pedro Romano Martinez, in Direito dos Seguros, Lisboa, Principia, 2006, pág. 101). De facto, o artigo 342º, nº 1 do Cód. Civil faz recair a prova dos factos constitutivos do direito alegado sobre aquele que o invoca. Assim sendo, não basta denunciar a ocorrência de um furto às autoridades policiais e participar o mesmo à seguradora para se dar como assente que o mesmo ocorreu.
O que no caso dos autos se discute é justamente a ocorrência ou não do furto participado pela Demandante à Demandada.
Ora, quando as partes incluem num contrato de seguro a cobertura do risco do furto do bem segurado não podem deixar de saber, principalmente a seguradora, devido à actividade que exerce, que a prova inequívoca da verificação do furto é, senão impossível, pelo menos muito difícil, por se tratar de um acto de subtracção de um bem móvel alheio contra a vontade do seu dono ou possuidor (artº 203º, nº 1 do Cód. Penal). Por isso mesmo, o furto ocorre normalmente de forma a não ser detectado no momento da sua prática ou pelo menos sem que seja possível identificar o seu autor. Pois se o proprietário se desse conta da subtracção, por regra tentaria evitar a mesma, o que levaria a que a mesma não corresse ou então que envolvesse violência, com a configuração de outro tipo de crime: o roubo (artº 210º do Cód. Penal). Portanto o furto por si só implica a prática de uma conduta ilícita e de forma oculta. Se um contrato de seguro inclui o risco do furto, por cuja cobertura o tomador do seguro vai pagar, por tal facto, um prémio de montante superior ao que pagaria sem essa cobertura, então para que esse contrato tenha utilidade para o tomador de seguro e não seja apenas uma forma da seguradora cobrar mais dinheiro pelo seguro, não se pode exigir que se faça a prova com toda a certeza da ocorrência do furto, devendo ela fazer-se por meio de indícios, ou seja, retirar essa ocorrência a partir de outros factos, anteriores e posteriores ao desaparecimento do bem em causa, que permitam sustentar a conclusão de que o mesmo foi subtraído por terceiro (artº 349º do Cód. Civil).
O indício mais forte e exigido pela seguradora constitui a formalização da queixa junto das entidades policiais, com relato das circunstâncias concretas em que o mesmo ocorreu, que apontem para a sua verificação.
E tanto assim é que a cláusula 4ª das condições particulares referida no item 5º dos factos provados, prevê, como condição de funcionamento da cobertura de furto, por um lado que o segurado deva apresentar queixa logo que possível às autoridades competentes e promover as diligências ao seu alcance conducentes à descoberta do veículo e dos autores do crime, e, por outro lado, que a seguradora só se obrigue a pagar a indemnização decorridos que sejam 60 dias sobre a data dessa queixa e se no fim desse período o veículo não tiver sido encontrado.
Daqui resulta que passa a existir um lapso de tempo para a realização de procedimento/averiguação tanto por parte da polícia como por parte da seguradora, no sentido do apuramento da ocorrência ou não do furto participado.
É à seguradora que cabe a prova de circunstâncias capazes de afastar a prova da primeira aparência do furto feita por essa queixa.
Sendo que na dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova se resolve contra a parte a quem o facto aproveita (artº 414º do Código de Processo Civil).
Ora, no caso em apreço, ficou provado que foi efectuada participação criminal por parte da Demandada. A este respeito ficou o Tribunal esclarecido quanto ao facto de primeiramente o companheiro da Demandante ter-se deslocado à PSP onde participou o sucedido, tendo dado origem ao NUIPC 000653/17.0PFCSC e mais tarde, a Demandante, regressada de férias, por ser proprietária do veículo, ter ido à PSP ratificar essa participação, requerendo procedimento criminal. Nessa participação criminal, datada de 26.07.2016, apresentada por.., companheiro da Demandante e utilitário do veículo, indica-se como data da ocorrência: entre o dia 24.07.2017 – 18h e o dia 26.07.2017 – 10h; o local como sendo a Rua …., São Domingos de Rana; o bem furtado como sendo o veículo dos autos; e o modus operandi: desconhecido. Nessa mesma participação consta que “ficou o participante da necessidade de informar a proprietária da viatura que tem 6 (seis) meses para desejar procedimento criminal contra o autor(es) do ilícito criminal”. Posteriormente, em 31.08.2017, a Demandante, no âmbito do mesmo processo-crime, participou a ocorrência e declarou desejar procedimento criminal contra desconhecidos. Mais considerou-se como assente que foi o companheiro da Demandante que se apercebeu do desaparecimento do veículo, sendo quem, na altura, o estacionou no local em causa.
Por seu turno, a Demandada adiantou na sua contestação uma série de razões que poderiam levar a concluir pela inexistência do furto e pela montagem de um cenário conducente ao recebimento ilegítimo por parte da Demandante da prestação indemnizatória. Contudo, entendemos que tais indícios não possuem força suficiente no sentido de permitir alicerçar a convicção de que o furto participado não ocorreu.
Desde logo no que se reporta ao facto do veículo da Demandada ter já 13 anos, referindo a Demandada que são pouco apetecíveis para serem furtados, quando a experiência comum demonstra que normalmente este tipo de viaturas são furtadas para a prática de outros ilícitos. Por outro lado, a ausência/confusão das datas relativas à ocorrência do furto, perfeitamente explicável já que efectivamente não se sabe em que data o veículo foi furtado - entre 24.07.2017 e 26.07.2017 -, o que certamente gera alguma confusão na indicação da data precisa em que tal ocorreu. Por outro lado, ao contrário do defendido pela Demandada, foi indicado na participação criminal o local onde o veículo se encontrava estacionado, próximo da residência da Demandante. Quanto à alegada dificuldade nas investigações provocadas pelo companheiro da Demandante, como supra se deixou referido, o próprio companheiro da Demandante mencionou no seu depoimento que não gostou da abordagem do perito averiguador e que a partir daí tratou de tudo através da sua mediadora. Ora, desconhecemos o modo como foram efectuados os contactos, e como foram as perguntas feitas, pelo que não podemos concluir, como a Demandada pretende. Por outro lado, também não vemos razão para suspeitar do procedimento, com intermediação da mediadora. Sendo certo que esta também é representante da Demandada, pois foi esta quem “fez o seguro” do veículo em causa. Quanto à situação da chave, não obstante ser um elemento muito importante do carro, o que é certo é que a Demandante explicou que apenas tinha uma, uma vez que a outra estava danificada, o que acontece facilmente com este tipo de chave – a chamada chave de cartão (v. flªs 57). Quanto à falta de pagamento do seguro do veículo, a mesma não implica necessariamente a existência de avarias graves, que obrigaram o carro a deixar de circular. Acresce ainda a ausência de prova de avarias recentes do veículo, sendo que em 11.09.2014, foi efectuada reparação considerável com substituição bomba óleo, turbo e limpeza do motor; a existência de seguro válido e inspecção periódica realizada aquando do furto, o que indicia que o veículo circulava. Assim sendo, tudo ponderado, é de considerar que a Demandante logrou provar a ocorrência do furto do seu veículo automóvel.
O valor a indemnizar foi acordado pelas partes quando celebraram o contrato de seguro, como decorre das condições particulares do seguro, onde se fixou o valor do veículo em novo de € 26.442,31 e o máximo de indemnização a pagar, em caso de furto ou roubo, de €5.500,00. Valor este que não foi colocado em crise pela Demandada. Aliás, dada a data do início do seguro dos autos (24.05.2016) não podia ser de outra forma.
Pelo que a Demandada vai condenada no pagamento de €5.500,00 à Demandante.
Quanto ao pedido de indemnização pela não utilização do veículo de substituição o mesmo não procede, já que a Demandante não pediu sequer a sua atribuição, como ela própria o admite no requerimento inicial.
Quanto ao pedido de honorários, o mesmo não decorre de qualquer fonte de obrigação contratual ou legal que o fundamente, sendo que nos Julgados de Paz tem lugar a aplicação de Portaria própria - a Portaria nº 1456/2001, de 28.12, a qual não prevê a condenação da parte vencida em procuradoria, pelo que tal pedido não pode proceder.
Quanto às custas processuais pronunciar-nos-emos na rubrica Custas infra.

V. Decisão
Nestes termos, julgo a presente acção parcialmente procedente e provada e, consequentemente, condeno a Demandada a pagar à Demandante a quantia de €5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros), absolvendo-a do demais peticionado.

Custas: a suportar pela Demandante e Demandada na proporção do seu decaimento, que se fixa em 45% e 55% respectivamente (cfr. artigos 527º, nºs 1 e 2 do C.P.C. artº 8º da Portaria n.º 1456/2001, de 28.12).

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Registe e envie cópia aos ausentes.
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Para constar se lavrou a presente ata, por meios informáticos, que, depois de revista e achada conforme, vai ser assinada.
Cascais, Julgado de Paz, 17 de Janeiro de 2019
A Técnica do Serviço de Atendimento A Juíza de Paz