Sentença de Julgado de Paz
Processo: 185/2024-JPSTB
Relator: CARLOS FERREIRA
Descritores: COLISÃO DE DIREITOS ENTRE CONDÓMINOS RELATIVAMENTE À OCUPAÇÃO DE ZONAS COMUNS DO EDIFÍCIO
Data da sentença: 11/14/2024
Julgado de Paz de : SETÚBAL
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 185/2024-JPSTB

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Resumo da decisão:

- Declara a parte demandada totalmente absolvida do pedido.

- A parte demandante tem custas a pagar na quantia de €70,00 (setenta euros), no prazo de 3 dias úteis.

- Indefere o pedido de condenação da parte Demandante nas custas de parte, incluindo os honorários da Ilustre Mandatária dos 1.º e 2.º Demandados.


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Sentença


Parte Demandante: ---

1) [PES-1], contribuinte fiscal número [NIF-1], e ---

2) [PES-2], contribuinte fiscal número [NIF-2], ambos residentes na [...], n.º 1, 2.º Dt. º, 2900 [...]. ---

3) [ORG-1], Lda. sociedade comercial com o número único de matrícula e pessoa coletiva [NIPC-1], com sede na [...], n.º 30, 2910 [...]. ----

Mandatário: Dr. [PES-3], Advogado, com escritório na [...], n.º 17, c/v Dt. º, [Cód. Postal-1] [...]. ----

Parte Demandada: ----

1) [PES-4], contribuinte fiscal número [NIF-3], e ---

2) [PES-5], contribuinte fiscal número [NIF-4], ambos com morada na [...], n.º 30, [...]. ---

Mandatária: Dr.ª [PES-13], Advogada, com escritório na [...], n.º 148, [...], 4.º N, [Cód. Postal-2] [...].

3) Condomínio do [ORG-4], em [...], entidade equiparada a pessoa coletiva com o NIPC [NIPC-2]. ---

Representantes Legais: [PES-6], e [PES-7], ambas residentes na [...], n.º 30, 7.º E, e 8.º D, [Cód. Postal-3] [...], respetivamente, e [...], Administração de Condomínios, Lda, NIPC [NIPC-3], legalmente representado por [PES-8], com domicílio profissional em [...], [...] 18- [...]. ---


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Matéria: Direitos e deveres de condóminos, al. c), do n.º 1, do art.º 9.º, da Lei dos Julgados de Paz (versão atualizada da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho). ---

Objeto do litígio: Colisão de direitos entre condóminos relativamente à ocupação de zonas comuns do edifício. ---


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Relatório: ---

A parte Demandante instaurou a presente ação, nos termos do requerimento inicial constante de fls. 8 a 24, que aqui se declara integralmente reproduzido, peticionando a condenação da parte Demandada a cessar a ocupação das partes comuns com uma esplanada e pagar a quantia global de €1.000,00, aos 1.º e 2.º Demandantes, a título de danos não patrimoniais, acrescida de €100,00, por cada dia após a sentença, de ocupação das partes comuns com a esplanada.---

Para tanto, alegaram em síntese que, os 1.º e 2.º Demandantes são donos, das frações “A” e “C”, do edifício descrito nos autos. ---

A 3.ª Demandante é arrendatária, desenvolvendo a sua atividade comercial de Escola de Condução nas referidas frações. ---

Os 1.º e 2.º Demandados são donos da fração designada pela letra “B”, do mesmo edifício, no qual exploraram um estabelecimento de cafetaria. ---

Desde abril de 2024, os referidos Demandados ocupam uma zona comum do edifício com uma esplanada, com mesas e cadeiras, sem a devida autorização dos condóminos e sem licença camarária. ---

Esta situação provoca sensação de insegurança, impede a passagem para a Escola de Condução e afasta os clientes da 3.ª Demandante, causando forte prejuízo para o seu negócio. ---

O 3.º Demandado, tem por incumbência regular o uso das partes comuns do edifício, mas tem ignorado todos os pedidos efetuados pelos Demandantes para fazer cessar esta situação. ---

Concluiu pela procedência da ação, juntou documentos e procuração forense. ----

Regularmente citados, os 1.º e 2.º Demandados apresentaram contestação de fls. 80 a 84. ----

Por impugnação, os contestantes alegaram, em síntese que, têm autorização para instalar a esplanada e que não decorre nenhum prejuízo do facto para os Demandantes. ---

Concluíram pela improcedência da ação, juntaram procuração forense e documentos, e requereram a condenação dos Demandantes nas custas de parte, incluindo o pagamento da quantia de €400,00 a título de honorários da sua Ilustre Mandatária. ---

O 3.º Demandado não contestou. ---


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A parte demandante manifestou-se no sentido de rejeitar a mediação. ---

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Aberta a audiência e estando todos presentes, foram ouvidas as partes nos termos do disposto no art.º 57.º, da Lei dos Julgados de Paz. ----

Não se logrou a conciliação, e assim sendo, decide-se o litígio por sentença, com os seguintes fundamentos (cf., art.º 60.º, n.º 1, al. c), da Lei dos Julgados de Paz). ---


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Fundamentação – Matéria de Facto: ---

Incumbe ao Demandante o ónus de provar os factos que constituem o direito invocado na presente ação (cf., n.º 1, do art.º 342.º, do Código Civil). ---

Por outro lado, cabe ao Demandado fazer prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo Demandante (cf., nº2, do artigo 342º, do Código Civil). ---

Com interesse para a resolução da causa, tendo em conta as várias soluções jurídicas plausíveis, ficou provado que: ---

1. Desde 07-05-1996, os 1.º e 2.º Demandantes têm registada em seu nome a aquisição das frações designadas pelas letras “A”, e “C”, do edifício constituído em propriedade horizontal, descrito na ficha [Nº Identificador-1] da 1.ª Conservatória do Registo Predial de [...], freguesia de [...] ([...]), sito na [...], n.º 30, em [...], fls. 27 a 36; ---

2. A fração “A”, destina-se a comércio, fls. 31; ---

3. A fração “B” destina-se a garagem, fls. 31; ---

4. A 3.ª Demandante exerce a sua atividade comercial de escola de condução nas duas frações acima identificadas; ---

5. Desde 18-07-2008, os 1.º e 2.º Demandados têm registada em seu nome a aquisição da fração designada pela letra “B”, do referido edifício, destinada a comércio, fls. 37; ---

6. Os 1.º e 2.º Demandados desenvolvem atividade comercial na fração identificada no número anterior, na qual exploram um estabelecimento de cafetaria; ---

7. A parede exterior da loja “B”, tem cerca de três metros de comprimento; ---

8. Ao longo da fachada principal do edifício, ao nível da entrada para as frações acima mencionadas e da zona habitacional do prédio, existe um logradouro que oferece um corredor de passagem coberto pelo edificado dos pisos superiores; ---

9. Todas as lojas têm saída direta para o referido logradouro; ---

10. Desde abril de 2024, os 1.º e 2.º Demandados ocupam parcialmente o logradouro do edifício, junto à entrada da referida fração “B”, com uma esplanada; ---

11. A referida esplanada compõe-se, normalmente, de duas mesas e quatro cadeiras, alinhadas paralelamente à parede exterior da fração “B”, fls. 94; e 149; ---

12. A referida esplanada ocupa cerca de metade da largura do corredor de passagem, na zona concordante com a parede exterior da fração “B”, fls. 94 e 149; ---

13. Por intermédio do seu Ilustre Mandatário e via carta registada, datada de 17-05-2024, os 1.º e 2.º Demandantes interpelaram o 3.º Demandado no sentido de reverter a utilização da esplanada pelos 1.º e 2.º Demandados, fs. 50 a 53; ---

14. Por intermédio do seu Ilustre Mandatário e via carta registada, datada de 17-05-2024, os 1.º e 2.º Demandantes interpelaram os 1.º e 2.º Demandados, no sentido de reverterem a utilização da esplanada, fls. 54 a 58; ---

15. Por intermédio do seu Ilustre Mandatário e via mensagem de correio eletrónico, datada de 27-05-2024, os 1.º e 2.º Demandantes interpelaram a [ORG-2], no sentido de reverter a utilização da esplanada pelos 1.º e 2.º Demandados, fs. 59 a 61. ---

16. A testemunha [PES-9], que à data estava investida nas funções de administrador do condomínio, recolheu assinaturas de vários condóminos favoráveis à colocação da esplanada no documento de fls. 91---

17. Os 1.º e 2.º Demandados apresentaram um pedido de licenciamento camarário para a abertura da referida esplanada, tendo o mesmo sido aceite, fls. 92 e 93; ---

18. Para além dos 1.º e 2.º Demandantes, nenhum outro condómino se manifestou contra o funcionamento da esplanada; ---

19. O pessoal ao serviço da 3.ª Demandante, e os alunos da escola de condução circulam frequentemente pelo referido logradouro do edifício, para atividades desenvolvidas na fração “A”, e atividades desenvolvidas na fração “C”; ---

20. A atividade laboral diária da escola de condução implica a circulação de cerca de 200 pessoas no referido logradouro; ---

21. O local é de livre acesso para qualquer pessoa; ---

22. Nenhum aluno da escola de condução transmitiu que queria desistir das aulas ou que não se sentia bem por causa da esplanada; ---

23. Há clientes da escola de condução que frequentam a esplanada; ---

24. À frente do logradouro há passeio na via pública com cerca de três metros de largura. ---


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Factos não provados: ---

Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes com interesse para a decisão da causa, nomeadamente, que: ---

i. Os 1.º e 2.º Demandados não obtiveram a devida autorização dos condóminos para a colocação da esplanada no local onde a mesma se encontra; ---

ii. Os 1.º e 2.º Demandados não obtiveram a devida licença camarária para a colocação da esplanada no local onde a mesma se encontra; ---

iii. A utilização da esplanada dos 1.º e 2.º Demandados provoca sensação de insegurança; --

iv. A utilização da esplanada prejudica a visibilidade e a acessibilidade ao estabelecimento da 3.ª Demandante: ---

v. A referida esplanada impede a passagem para a escola de condução da 3.ª Demandante; ---

vi. A esplanada afasta os clientes da 3.ª Demandante; ---

vii. A esplanada causa forte prejuízo para o negócio da 3.ª Demandante; ---

viii. A ocupação do local com mesas e cadeiras compromete a operação comercial e a frequência dos clientes da 3.ª Demandante. ---


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Motivação da Matéria de Facto: ---

Os factos provados resultaram da conjugação da audição de partes, dos documentos constantes dos autos, e do depoimento testemunhal prestado em sede de audiência de julgamento, tendo os vários elementos de prova sido apreciados de forma a compatibilizar toda a matéria de facto adquirida, tendo em conta os dados da experiência de senso comum e as características próprias a relação controvertida vivenciada pelas partes. ---

Nos termos do n.º 2, do art.º 574.º, Código de Processo Civil, aplicável ex vi, art.º 63.º, da Lei dos Julgados de Paz, consideram-se admitidos por acordo os factos constantes nos números 4; 6; 8; 10.

Pela prova documental consideram-se provados os factos suportados pelo teor dos documentos indicados de forma especificada, na enumeração do probatório supra, nomeadamente, a ata da assembleia dos condóminos, na qual consta a deliberação com a eleição do administrador; e a informação da conservatória do registo predial, na qual consta a inscrição das aquisições respeitantes às frações de ambas as partes. ---

Foi ainda considerado o conteúdo informativo decorrente das imagens constantes das fotografias juntas aos autos, relativamente às quais as testemunhas foram confrontadas durante os respetivos depoimentos. --

A testemunha [PES-10], declarou ser filha dos 1.º e 2.º Demandantes, instrutora e administrativa na 3.ª Demandante, demonstrou razão de ciência e depôs genericamente com isenção, mas demonstrou nítida antipatia relativamente aos 1.º e 2.º Demandados, revelando motivações pessoais contrárias à laboração da esplanada no local. Não obstante, do depoimento da referida testemunha resultou provada a matéria constante dos números 7; 16; 20; 22; e 23, da matéria provada. ---

Os depoimentos das testemunhas [PES-11] e [PES-9], foram considerados genericamente isentos e credíveis, demonstrando razão de ciência, e determinaram a convicção sobre o vertido nos números 16 (em concordância com a testemunha [PES-10]); e 18; ---

Os factos correspondentes aos números 9; 19; 21 e 24 resultam provados pela concordância dos depoimentos de todas as testemunhas. ---

Consigna-se que, para apuramento da matéria de facto não foi considerado o teor dos articulados, da audição ou do depoimento das partes ou das testemunhas com matéria tida por irrelevante, conclusiva ou de direito. –

Os factos não provados resultam da ausência de elementos que permitam formar convicção positiva sobre os mesmos. ---

Em especial: ---

Sobre os factos não provados em i) e ii), ficou provada a existência de licenciamento camarário, e no que respeita à aprovação dos condóminos existe um abaixo-assinado, junto aos autos a fls. 91, promovido pela administradora que à data estava em funções. O facto de o abaixo-assinado se afigurar o instrumento jurídico “devido”, ou legalmente necessário e suficiente será apreciado em sede de fundamentação de direito; ---

Sobre o facto não provado em iii), para além de notória falta de empatia demonstrada nos autos entre a filha dos 1.º e 2.º Demandantes e os 1.º e 2.º Demandados, não foram relatados atos que concretizem sensação de insegurança. Pelo contrário, as testemunhas que habitam no edifício e nos prédios limítrofes caraterizaram o estabelecimento dos Demandados com serviço de proximidade, de ambiente familiar, que promove o convívio e o relacionamento social entre vizinhos; --

Sobre o facto não provado em iv), é patente nas fotografias dos autos que a escola de condução tem diversa sinalética colocada no exterior da fração (fls. 96 a 98). A estrutura da esplanada é exígua, e pelas imagens das fotografias convocadas na matéria provada a escola de condução aparece perfeitamente visível, sem qualquer elemento que perturbe a sua identificação. ---

Sobre o facto não provado em v), para além da esplanada ocupar apenas cerca de metade do corredor que serve de passagem pelo logradouro do edifício, estritamente na frente da loja “B”, num segmento com cerca de três metros de comprimento, à frente do edifício há um passeio bastante largo, com cerca de três metros de largura até à faixa de rodagem, que permite a movimentação de pessoas e objetos transportáveis por peões, sem constrangimentos relevantes;---

Sobre os factos não provados de vi) a viii), houve total ausência de factualidade que comprove as alegações constantes do requerimento inicial, também elas meramente conclusivas e genéricas, sem o mínimo de correspondência coim a prova produzida. Ficou notório que a colocação da esplanada corresponde a uma situação relativamente nova, de partilha do espaço daquele concreto segmento do logradouro entre o pessoal e alunos da escola de condução, e os clientes da esplanada, e que essa situação retirou a hegemonia de circulação a que estavam habituadas as pessoas responsáveis pela escola de condução, mas não mais do que isso. ---


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Fundamentação – Matéria de Direito: ---

O objeto da ação remete para a problemática da colisão de direitos, no âmbito dos direitos e deveres dos condóminos. ---

Com efeito, estamos perante uma colisão ou conflito de direitos sempre que o exercício de um direito por uma pessoa impossibilita ou cria restrições ao normal exercício de outro direito, pertencente a outra pessoa. ---

Assim é no caso dos autos, dado que, por um lado, os Demandantes pretendem ver reconhecido o direito de acesso desimpedido à escola de condução e, por outro lado, os 1.º e 2.º Demandados contrapõem o direito de instalar a sua esplanada no espaço exterior, contíguo ao estabelecimento de cafetaria que os mesmos exploram. ---

Os Demandantes alicerçam a causa com a alegação de duas linhas principais de narrativa: 1) a utilização indevida do espaço; 2) a existência de prejuízos para os Demandantes, decorrentes da afetação do local para esplanada. ---

As questões a decidir pelo tribunal são as seguintes: ---

- Se os 1.º e 2.º Demandados estão obrigados a cessar a atividade na esplanada do seu estabelecimento comercial de cafetaria, devendo ser sancionados numa quantia diária se persistirem na ocupação do espaço. ---

- Se o 3.º Demandado está obrigado a tomar medidas necessárias para garantir que as partes comuns não sejam ocupadas com a esplanada. ---

- Se os Demandados estão obrigados a indemnizar os 1.º e 2.º Demandantes por prejuízos não patrimoniais, na quantia peticionada. ---

- A responsabilidade pelas custas da ação. ---

Vejamos se assiste razão à parte demandante: ---

1 - Relativamente ao alegado uso indevido da parte comum do edifício. ---

Importa afirmar primeiramente que, a regularidade do procedimento de licenciamento administrativo da esplanada, designadamente pela [ORG-2], não está no âmbito dos presentes autos, nem o Julgado de Paz tem competência para apreciar a matéria. ---

Deste modo, abstemo-nos de pronuncia relativamente à instrução, formação da decisão, e produção de efeitos da licença camarária, quer no que respeita à exploração do estabelecimento de esplanada, quer à eventual ocupação da via pública. ---

Assim, nos presentes autos, a qualificação de uso indevido do local, apenas poderá ser apreciada na estrita vertente da propriedade horizontal, e na ponderação dos interesses em conflito. ---

O art.º 1430.º, n.º 1, do Código Civil dispõe que “A administração das partes comuns do edifício compete à assembleia dos condóminos e a um administrador.” ---

Por outro lado, incumbe ao administrador regular o uso das coisas comuns, nos termos da al. h), do n.º 1, do art.º 1436.º, do Código Civil. ---

Vem alegado no requerimento inicial que a esplanada corresponde a uma inovação, que não foi precedida das formalidades necessárias para a sua validade jurídica, designadamente, por falta de deliberação devidamente aprovada pela assembleia de condóminos. ---

Com todo o respeito por opinião diversa, adiantamos desde já que, in casu, a esplanada descrita nos autos não corresponde a uma verdadeira inovação. ---

Com efeito, a disciplina do art.º 1425.º, n.º 1 do Código Civil, e a exigência de uma maioria qualificada respeita estritamente a obras que constituam alterações de substância, forma ou finalidade na parte comum do edifício. ---

Como foi doutamente afirmado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, “O conceito jurídico de inovação no âmbito do regime da propriedade horizontal, em especial quanto à exigência de maioria qualificada de condóminos para a sua aprovação, prende-se essencialmente com as situações em que se verifique a modificação na substância ou na forma da coisa comum, ou ainda no seu destino ou afectação específica.” Acórdão do Proc. 1986/08.2TVLSB.L1-7, de 20-06-2017, disponível em http://www.gde.mj.pt.---

Todavia, a colocação da esplanada descrita na presente ação não implicou a realização de qualquer obra de alteração física do local, e também não há modificação da afetação do logradouro relativamente à sua utilização, dado que, o espaço continua a cumprir a sua função específica de local de passagem de peões, embora com uma dinâmica diferente, proporcionada pelas utilidades e contrariedades derivadas da referida esplanada. ---

Aliás, ficou provado que existe um abaixo assinado subscrito por um conjunto de condóminos que se manifestaram no sentido de concordar com o funcionamento da esplanada. ---

Deste modo, o administrador está vinculado a proceder de acordo com a vontade manifestada pelos condóminos, devendo regular a utilização da parte comum em conformidade. ---

Portanto, o condomínio atuou dentro dos poderes que a lei lhe confere para administrar e regular o uso das coisas comuns do edifício, atribuindo a faculdade (de natureza creditícia, precária, e não real) de os 1.º e 2.º Demandados utilizarem o local, nos termos da autorização concedida. ---

Deste modo, os 1.º e 2.º Demandados atuaram fazendo uso da liberdade constitucionalmente conferida à iniciativa privada, no quadro de expectativas legítimas e segundo o quadro de investimento de confiança que foi formado relativamente à possibilidade de utilizar o local. ---

Nestes termos, não há qualquer elemento que permita qualificar a utilização da esplanada pelos Demandados, como uso indevido das partes comuns do edifício, nem por sua vez, se vislumbra falha relevante ou nulidade de procedimentos do 3.º Demandado. ---

Na sequência do já afirmado, mesmo nos casos em que que há verdadeiramente uma inovação, a mesma é permitida pela lei, mediante aprovação por uma maioria qualificada, o que implica que pode existir oposição expressa dos restantes condóminos, sem que isso afete a regularidade do ato, cf., art.º 1425.º, n.º 1, do Código Civil. ---

Assim, a oposição dos 1.º e 2.º Demandantes enquanto condóminos, não é suficiente para impedir a instalação da esplanada no local. ---

2 - Sobre a existência de prejuízos para os Demandantes decorrentes da utilização do local para esplanada: ---

Estando a espanada instalada logradouro, isto é, numa parte comum do edifício, cabia aos Demandantes provar que a referida ocupação lhes causava prejuízo. ---

Note-se que, nos termos do n.º 7, do citado 1425.º, do Código Civil, havendo prejuízo para os 1.º e 2.º Demandantes, a inovação teria de ser revertida mesmo em presença de uma autorização formal da referida maioria qualificada dos condóminos para a instalação da esplanada. ---

Assim, a efetiva existência de prejuízo é um elemento essencial da pretensão que os Demandantes pretendem ver reconhecida, mas que os mesmos não lograram provar nos presentes autos, incumbindo-lhes o respetivo ónus (cf., art.º 5.º, n.º 1, do Código de Processo Civil). ---

Efetivamente, não foi alegado e muito menos provado um prejuízo concreto e quantificável para os Demandantes, que encontre causa adequada na factualidade descrita nos autos, tanto assim que nada foi peticionado a título de danos patrimoniais. ---

Portanto, retoma-se a ideia inicial da fundamentação, no sentido de afirmar que estamos perante uma situação de colisão de direitos. ---

Dispõe o Código Civil, no art.º 335.º, n.º 1, que “Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes.” ---

Estando em causa o exercício de atividades económicas nos dois estabelecimentos comerciais identificados nos autos, é forçoso concluir, que ambos os direitos em colisão são patrimoniais, e portanto, da mesma espécie. ---

Assim, não havendo elementos para declarar que a esplanada corresponde a uma ocupação indevida ou abusiva do local, nem tendo sido alegados e provados prejuízos para os Demandantes decorrentes da afetação do local para esplanada dos 1.º e 2.º Demandados, falece a pretensão dos Demandantes em fazer cessar imediatamente a referida utilização do espaço, uma vez que tal ocupação deve ser considerada tolerável pelos Demandantes.---

Aliás, mesmo que em determinado momento, ocasional e esporádico, a ocupação da esplanada apresente uma afluência tal que impossibilite a passagem no curto segmento de três metros do referido logradouro, é sempre possível fazer o trajeto pelo passeio contíguo, de forma a contornar e retomar a passagem pelo logradouro sendo forçoso concluir pela inexistência de impedimento à circulação de pessoal e alunos da escola de condução entre o polo de formação existente na fração “A”, e o polo de formação instalado na fração “C”.---

Sobre o pedido de indemnização dos 1.º e 2.º Demandantes pelos 1.º e 2.º Demandados, na quantia de €100,00 euros, por cada dia de ocupação da esplanada: ---

O referido pedido, configura uma sanção pecuniária compulsória, prevista nos termos do art.º 829.º-A, do Código Civil. ----

Todavia, este pedido está uma evidente relação de dependência face ao pedido principal de cessação imediata da atividade dos 1.º e 2.º Demandados na esplanada em causa nos autos. ---

Assim, independentemente de outras questões como a proporcionalidade da sanção, a improcedência do pedido principal implica a improcedência dos pedidos que se encontrem numa relação de dependência, como é o caso. ---

Nestes termos, deve improceder, também, o pedido formulado contra o 3.º Demandado, dado que não se justifica a sua condenação na imposição de medidas específicas para assegurar o regular uso das partes comuns do edifício. ---

Sobre o pedido de indemnização aos 1.º e 2.º Demandantes, no montante de €500,00, a cada, a título de danos não patrimoniais: ---

O art.º 496.º, do Código Civil, dispõe o seguinte: “1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.” ---

Da letra do citado preceito legal, resulta claro que o legislador quis restringir a tutela do direito aos danos que, pela sua gravidade não possam ser tolerados, impondo-se a respetiva compensação ao lesado. ---

Os 1.º e 2.º Demandantes estribam o referido pedido de indemnização por danos não patrimoniais na alegação abstrata de stress, ansiedade, e afetação da qualidade de vida. ---

Sem qualquer concretização, os Demandantes alegam, ainda, dano à reputação e prejuízo nas relações comerciais, com perda de confiança e de clientela. ---

No entanto, tais alegações são genéricas ou meras conjeturas, sem qualquer suporte factual e sem correspondência na prova produzida no julgamento. ---

Assim, mesmo considerando que, em tese, podem ser produzidos danos não patrimoniais completamente desligados da existência de prejuízos patrimoniais, de tal modo que possibilitem uma via indemnizatória autónoma e própria, importa afirmar que apenas ficou provado que a instalação e exploração da esplanada pelos Demandados, ocorre contra a vontade dos Demandantes. ---

Admite-se que essa situação provoque irritação, desconforto e sentimentos de contrariedade, mas sem atingir a gravidade suficiente e necessária para merecer a tutela do direito, até porque, conforme foi afirmado supra, no caso dos autos a utilização do local para a esplanada instalada deve ser considerada tolerável pelos Demandantes, devendo estes ceder na medida do necessário para a harmonização dos direitos em conflito.---

Assim, a ação deve improceder nesta parte do pedido. ---

Relativamente ao pedido de condenação da parte Demandante nas custas do processo e nas custas de parte, incluindo os honorários da Ilustre Mandatária dos 1.º e 2.º Demandados: ---

Sobre as custas do processo remete-se para a decisão infra. ---

Relativamente aos honorários da Ilustre Mandatária dos 1.º e 2.º Demandados, importa afirmar que os mesmos não fizeram prova de terem suportado qualquer encargo com o processo. No entanto, cumpre afirmar que, o valor das custas dos presentes autos está submetido ao regime resultante do disposto no n.º 1, do art.º 2.º, e art.º 3.º, ambos da Portaria 342/2019, de 1 de outubro, que regulamenta as custas nos Julgados de Paz. ---

Pelo que, não têm aplicação, designadamente, os artigos 25.º e 26.º, do Regulamento das Custas Processuais (na redação atualizada do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro), bem como, as normas do Código de Processo Civil que dispõem sobre as custas de parte, por incompatibilidade, nos termos do disposto no art.º 63.º, da Lei dos Julgados de Paz. ---

Deste modo, em Julgados de Paz não há lugar a custas de parte, devendo improceder o requerido por inadmissibilidade legal. ---


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Decisão: ---

Atribuo à causa o valor de €1.000,00, por corresponder ao montante indicado no requerimento inicial, cf., normas conjugadas dos artigos 306.º, n.º 1; 297.º, n.º 1; e 299.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi, art.º 63.º, da Lei dos Julgados de Paz. ---

Pelo exposto e com os fundamentos acima invocados: ---

Julgo a presente ação improcedente por não provada, e consequentemente absolvo a parte Demandada de todos os pedidos contra si formulados. ---

Custas: ---

Taxa de justiça no montante de €70,00 (setenta euros), a cargo da parte Demandante (cf., al. b), do n.º 1, do art.º 2.º, da Portaria n.º 342/2019, de 1 de outubro). ---

O pagamento deverá ser feito no prazo de três dias úteis, mediante liquidação da respetiva guia de pagamento (DUC), emitida pela secretaria do Julgado de Paz. ---

Extraia e notifique a guia de pagamento (DUC), para pagamento das custas, juntamente com a cópia da presente decisão. ---

Após os três dias úteis do prazo legal, aplica-se uma sobretaxa no montante de €10,00 (dez euros), por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação, até ao máximo de €140,00 (cento e quarenta euros). ---

O valor da sobretaxa aplicável acresce ao montante da taxa de justiça em dívida. ---

Após trânsito, verificando-se a falta de pagamento das custas, mesmo após o acréscimo da referida sobretaxa legal, conclua para emissão de certidão para efeitos de execução fiscal, a instaurar junto dos competentes serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), pelo valor das custas em dívida acrescidas da respetiva sobretaxa.


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Registe. ---

Notifique pessoalmente em sede de audiência de discussão e julgamento, nos termos do disposto no artigo 60.º, n.ºs 1 e 2, da Lei dos Julgados de Paz. ---

Envie cópia da mesma aos intervenientes processuais que, eventualmente, faltarem na data agendada para a prolação da sentença, cf., artigo 46.º, n.º 3, da Lei dos Julgados de Paz. ---


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Julgado de Paz de Setúbal, 14 de novembro de 2024

O Juiz de Paz

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Carlos Ferreira