Sentença de Julgado de Paz
Processo: 551/2007-JP
Relator: MARIA MANUELA FREITAS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL – ACTIVIDADES PERIGOSAS
Data da sentença: 04/04/2008
Julgado de Paz de : VILA NOVA DE GAIA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
I – IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: A
Demandada: B
II – OBJECTO DO LITÍGIO
A Demandante veio propôr contra a Demandada a presente acção declarativa, enquadrada na alínea h) do nº 1 do art. 9º da Lei nº 78/2001 de 13 de Julho, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 1.344,96 (mil trezentos e quarenta e quatro euros e noventa e seis cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento e ainda, no pagamento das custas.
Alegou, para tanto e em síntese, que a sua actividade consiste na aquisição, transporte e distribuição de energia eléctrica e tem a concessão deste serviço público, em todo o país.
Para o exercício das actividades de transporte e distribuição a Demandante tem de instalar postes, linhas aéreas e/ou cabos subterrâneos e também, dedica-se à execução de obras públicas.
Sempre que as obras o requeiram, há necessidade de proceder a escavações ou à perfuração do solo na via pública.
Alega, ainda que na sequência de abertura de vala, na via pública, o trabalhador ao serviço da Demandada, sob a sua direcção e em seu proveito causou danos na rede eléctrica, propriedade da Demandante. Cerca das 18:55 horas do dia 9 de Setembro de 2004, quando o trabalhador procedia a trabalhos de arruamentos, com máquina retro escavadora, propriedade da Demandada e que a utilizava no seu interesse, no concelho de Vila Nova de Gaia. A pá da referida máquina pegou e fracturou um cabo da rede eléctrica subterrânea de média tensão (MT), que ali se encontrava instalado no subsolo, originando um curto-circuito.
Como consequência do referido acidente, a Demandante teve de proceder à reparação dos prejuízos sofridos, tendo suportado os custos de materiais relativos a seis terminais/união de compressão, seis caixas junção 15 KV e cabo LXHIOV, no valor de € 733,80 e de mão-de-obra no valor de € 611,16, no montante total de € 1.344,96.
Por último, alega que à data do acidente, a rede subterrânea de energia eléctrica da Demandante encontrava-se em perfeito estado de conservação e funcionamento.
Juntou documentos.
A Demandante recusou a fase da Mediação.
A Demandada, devidamente citada, contestou, excepcionando, alega que ocorre a incompetência do Julgado de Paz de Vila Nova de Gaia, uma vez que nenhuma das partes tem domicílio, nas áreas abrangidas por aquele, pelo que os autos deveriam ser remetidos para o Tribunal competente; por outro lado, alega que a concessão à Demandada de um prazo de dez dias para apresentação da contestação é manifestamente insuficiente para permitir uma análise cuidada de todos os elementos, ainda para mais quando tal prazo coincide com o período de gozo de férias das pessoas responsáveis pela organização da documentação referente à empreitada dos autos, pelo que conclui pela inconstitucionalidade do presente procedimento, por violação do princípio da igualdade, previsto no art. 13º da CRP.
Quanto aos factos, alega que executava a obra no concelho de Vila Nova de Gaia na qualidade de subempreiteira da C. Esta, forneceu à Demandada plantas de localização de todos os ramais, condutas e cablagens necessárias à execução da empreitada e foi com base nisto, que executou os trabalhos em causa, pelo que cumpriu todos os deveres a que estava obrigada no exercício das suas funções; jamais tomou conhecimento da ocorrência relatada no requerimento inicial; é uma empresa certificada e existe na Demandada um departamento de sinistros que tem a responsabilidade de averbar todas as ocorrências registadas nas suas obras; nenhum dos funcionários da Demandada comunicou a ocorrência em causa a esse departamento, pelo que impugna toda a factualidade alegada pela Demandante que vá em sentido oposto à informação existente no processo respeitante à obra dos autos; a administração da Demandada desconhece a factualidade vertida no requerimento inicial e tanto quanto sabe, o acidente nunca ocorreu.
Questões a decidir:
As questões essenciais decidendas consistem em saber:
1- Se se têm por verificados os pressuposto de responsabilidade civil que gerem a obrigação de indemnizar por parte da Demandada.
2- Se os danos patrimoniais sofridos pela Demandante se computam em
€ 1.344,96.
A citação foi efectuada regularmente.
O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objecto, do território e do valor.
O processo não enferma de nulidades que o invalidem na totalidade.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há excepções para além da que infra se apreciará, nulidades ou quaisquer questões prévias que cumpra conhecer.
III – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Da prova carreada para os autos, resultaram provados os seguintes factos:
A) A Demandante dedica-se à aquisição, transporte e distribuição de energia eléctrica, serviço público que lhe está concessionado em todo o país;
B) Para o exercício das actividades de transporte e distribuição, a Demandante tem de instalar postes, linhas aéreas e/ou cabos subterrâneos, de baixa, de média ou alta tensão;
C) A Demandada executava uma obra no concelho de Vila Nova de Gaia, na qualidade de subempreiteira da C;
D) A C, forneceu à Demandada as plantas cadastrais;
E) No dia 9 de Setembro de 2004, cerca das 18:55 horas, no concelho de Vila Nova de Gaia, um trabalhador, operando ao serviço, mando e interesse da Demandada, procedia a trabalhos de arruamentos, com uma máquina retro escavadora, marca Volvo, da qual a Demandada é proprietária, quando a pá da citada máquina pegou e fracturou um cabo da rede eléctrica subterrânea de média tensão (MT), que se encontrava instalado no subsolo, originando um curto-circuito;
F) A Demandante procedeu à reparação dos prejuízos sofridos, tendo suportado os custos de materiais relativos a seis terminais/união de compressão, seis caixas junção 15 KV e cabo LXHIOV, no valor de € 733,80 e de mão-de-obra no valor de€ 611,16, no montante total de € 1.344,96;
G) A Demandante veio a reclamar da Demandado a indemnização pelo prejuízos sofridos em F);
H) À data do referido acidente, o mencionado cabo encontrava-se em perfeito estado de conservação e funcionamento e instalado de acordo com todas as regras técnicas e de segurança em vigor.
Não resultou provado que:
As plantas cadastrais fornecidas pela C à Demandada tivessem a identificação da Demandante.
Motivação dos factos provados:
Os factos alegados em A) e B) por serem do conhecimento geral e como tal factos notórios – cfr. art. 514º, nº 1 do C.P.C.
Para os demais factos atendeu-se ao teor dos documentos de fls. 9 a 11, articulados com o depoimento das testemunhas, que não obstante a sua relação de subordinação com a Demandante, prestaram um depoimento coerente, credível e seguro.
D, referiu ser electricista, funcionário da Demandante, tendo estado de serviço no dia 9 de Setembro de 2004, que foi chamado porque houve um disparo na linha, provocado por uma retro escavadora, que andava a escavar no terreno para o Metro, e rebentou um cabo de média tensão, que foi puxado pela referida máquina e o traçou, provocando o disparo na linha; foi quem elaborou a ficha de ocorrência e o cabo traçado era antigo, com mais de 25 anos e antigamente era sinalizado com lousa; quanto há um acidente a primeira coisa a fazer quando chega o piquete é isolar a zona, proceder ao restabelecimento da electricidade e eliminar o perigo.
E, tal como a testemunha anterior, declarou ser electricista, funcionário da A, tendo, à data dos factos, sido chamado ao acidente; referiu que foi uma retro escavadora que picou um cabo de média tensão; a primeira coisa é restabelecer, o mais rápido possível, a electricidade; o cabo estava sinalizado com lousa, por ser antigo e encontrava-se a uma profundidade de 1,10m; quer o cabo seja picado ou cortado, o custo da manutenção é o mesmo.
F, declarou ser engenheiro electrotécnico e funcionário da A, é responsável pela área de Gaia/Porto; validou os custos dos materiais, foi traçado um cabo a óleo; a mão-de-obra é actualizada anualmente e os materiais mensalmente.
Motivação dos factos não provados:
Tal se deve à ausência de mobilização probatória que permitisse ao tribunal aferir da veracidade dos factos, após a análise dos documentos juntos e da inquirição de todas as testemunhas arroladas.
Aliás, as testemunhas arroladas pela Demandada afirmaram que a obra no concelho de Vila Nova de Gaia, foi executada a mando da C e com os dados fornecidos por ela e não souberam dizer se as plantas cadastrais teriam a identificação da A.
Por outro lado a Demandada não juntou aos autos nenhuma planta cadastral que provasse que tinha a identificação da Demandante.
IV – O DIREITO
A) Da excepção de incompetência razão do território
Devem ser propostas no Julgado de Paz com circunscrição sobre o local da ocorrência, as acções destinadas a efectivar a responsabilidade civil baseada em facto ilícito ou fundada no risco –art. 12º, nº 2 da Lei nº 78/2001, de 13/07. Aliás, como bem refere a Demandada. Contudo, estranha-se que depois refira, que nenhuma das partes tem domicílio em Vila Nova de Gaia.
In casu, o acidente ocorreu no concelho de Vila Nova de Gaia.
Nas comarcas em que estejam instalados Julgados de Paz, as acções que preencham os demais pressupostos de competência material e quanto ao valor, devem ser instauradas no Julgado de Paz concelhio, de agrupamento de concelhos, de freguesia ou de agrupamento de freguesias contíguas do mesmo concelho – arts. 10º e 4º da LJP.
Ora no caso vertente, a presente acção preenche os pressupostos de competência material e do valor e na Comarca de Vila Nova de Gaia está instalado um Julgado de Paz que abrange todo o concelho.
Assim, o Julgado de Paz de Vila Nova de Gaia é competente territorialmente para conhecer a presente acção.
B) Da Inconstitucionalidade do Presente Processo
Dispõe o nº 2 do art. 2º da Lei nº 78/2001 de 13 de Julho que o Julgado de Paz tem como princípios, entre outros, a simplicidade, celeridade, adequação e a absoluta economia processual, estando vocacionados para a pacificação social através de uma acção pedagógica e solucionadora dos diferendos entre as partes.
Assim, um dos princípios basilares dos procedimentos nos Julgados de Paz é a “absoluta economia processual”. Não se trata de um princípio inédito, pois já o Código de Processo Civil se preceitua no art. 137º, uma forma de economia processual, o princípio da limitação dos actos, segundo o qual não é lícito realizar no processo actos inúteis.
Uma das vantagens do recurso aos Julgados de Paz é, precisamente, a celeridade dos procedimentos e da decisão. Para o efeito determinam-se regras que permitam encurtar os prazos de tramitação processual, nomeadamente, o prazo para contestar que é 10 dias, insusceptível de prorrogação – art. 47º, n.os 1 e 2 da Lei nº 78/2001 de 13 de Julho.
A Demandada foi citada e contestou em devido tempo e antes do término do prazo para tal. O prazo de 10 dias não impediu a Demandada de apresentar a sua defesa.
Aliás,
Convém referir que os Julgados de Paz são, desde a revisão constitucional de 1997, e conforme resulta do nº 2 do art. 209º da Constituição da República Portuguesa, uma categoria de Tribunais.
A Lei nº 78/2001 de 13 de Julho, veio regular a competência, organização e funcionamento dos Julgados de Paz e sua tramitação processual e foi aprovada por unanimidade na Assembleia da República.
Assim, sempre se dirá que os Julgados de Paz representam uma nova forma de administração da Justiça que não só reforça a tutela efectiva dos direitos e garantias processuais das partes, como também contribuem para a almejada pacificação social.
Pelo exposto, a Demandada foi citada e contestou em devido tempo e antes do término do prazo para tal. Não foi negada à Demandada a apresentação de uma defesa cabal dos seus direitos e interesses e o seu acesso ao Direito, vai por conseguinte, improcedente o pedido.
Cumpre apreciar e decidir.
Da análise dos factos provados resulta terem-se por verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual consagrada no art. 483º do Código Civil: um facto ilícito, imputação do facto ao agente, danos e o nexo de causalidade entre os factos e os danos, que geram a obrigação de indemnizar por parte da Demandada.
Ora, em matéria de responsabilidade extracontratual é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão (art. 487º, nº 1, do Código Civil). Esta norma representa uma mera aplicação das regras gerais da repartição do ónus da prova consagradas no art. 324º do Código Civil, pelo que sendo a culpa do lesante um elemento constitutivo do direito de indemnização, a sua prova é, naturalmente, posta a cargo de quem invoca esse direito. Exceptuam-se desse princípio apenas os casos em que a lei estabelece uma presunção legal de culpa. Essa presunção tem como resultado, de acordo com o estatuído no nº 1 do art. 344º do Código Civil, a inversão do ónus da prova, que deixa, assim de competir ao lesado, para passar a recair sobre o autor do dano: é este quem terá de provar, para se eximir à responsabilidade, que não teve culpa na produção do facto danoso.
No que respeita em particular ao corte do cabo subterrâneo, conjugando a actividade em causa – funcionamento de retro escavadora - com os princípios que devem nortear a qualificação de uma actividade como perigosa ou não, nenhuma dúvida temos, na falta de elementos em contrário, em considerar, juridicamente a actividade atrás referida, quer especialmente, pela natureza do meio utilizado, mas também pela própria actividade em si, abertura de uma vala.
A Demandada tinha conhecimento de que, no subsolo, existiam equipamentos pertencentes a terceiros, como cabos eléctricos, o que aliás, confere com o saber do cidadão comum.
E, não obstante, a Demandada ter dito que as plantas cadastrais lhe foram remetidas pela C, não foi provado que tivessem a identificação da Demandante.
Tratando-se a Demandada de uma empresa que realiza obras que interferem com o subsolo das vias públicas, impendia sobre si um especial dever de diligência, zelando pela protecção dos cabos e desenvolvendo a sua actividade com cautelas que as circunstâncias impunham.
Ora, face à matéria de facto dada como provada, a Demandante procedeu à reparação dos prejuízos sofridos, tendo suportado os custos de materiais relativos a seis terminais/união de compressão, seis caixas junção 15 KV e cabo LXHIOV, no valor de € 733,80 e de mão-de-obra no valor de € 611,16, no montante total de € 1.344,96.
Assim, in casu, a Demandada não logrou afastar a presunção de culpa, pelo que não pode deixar de proceder a acção, incluindo os juros moratórios, contabilizados desde a citação até integral pagamento, nos termos dos artigos 804º, 805º,1 e 806º, n.os 1 e 2, todos do Código Civil.
V – DISPOSITIVO
Face ao que antecede, julgo procedente a presente acção, e, por consequência, condeno a Demandada a pagar à Demandante a quantia de € 1.344,96 (mil trezentos e quarenta e quatro euros e noventa e seis cêntimos), acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Declaro a Demandada como parte vencida, correndo as custas por sua conta com o correspondente reembolso à Demandante, em conformidade com os art. 8º e 9º da Portaria nº 1456/2001 de 28 de Dezembro.
Registe e notifique.
Vila Nova de Gaia, 4 de Abril de 2008
A Juíz de Paz
(Maria Manuela Freitas)
Processado por computador Art.º 138º/5 do C.P.C.
Revisto pelo Signatário. VERSO EM BRANCO.
Julgado de Paz de Vila Nova de Gaia