Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 216/2018-JPCBR |
Relator: | MARGARIDA SIMPLÍCIO |
Descritores: | AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CONTRATUAL/CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE MECÂNICA CUMPRIMENTO DEFEITUOSO INDEMNIZAÇÃO POR DANOS PATRIMONIAIS. |
Data da sentença: | 02/26/2019 |
Julgado de Paz de : | COIMBRA |
Decisão Texto Integral: | SENTENÇA Processo n.º 216/2018-J.P.CBR RELATÓRIO: O demandante, VP., NIF. …, residente na rua …, no concelho de Coimbra. Requerimento Inicial: Alega em suma que, a demandada é uma oficina de reparação, manutenção, pintura de veículos automóveis, camiões, tractores e motociclos e, oficina móvel. Em junho de 2018, em data não precisa, o demandante contratou os serviços da Demandada para substituir a correia auxiliar e o tensor da sua carrinha Z C, matrícula …, a qual “chiava”, tendo pago 60€, pelo serviço. O demandante, por diversas vezes, solicitou ao sócio gerente da sociedade, Sr. DA., a entrega do recibo, mas este escusou-se sempre, com a falta da pessoa responsável pelo escritório, ou seja, a sua mãe. O Demandante é feirante de profissão. Três dias após a substituição da correia, o Demandante voltou à oficina, pois a correia continuava a chiar. Aí deram um aperto para reparar a correia, mas o referido esticar da correia foi de tal modo forte e excessivo que, passado cerca de um mês, provocou a sua ruptura em pleno andamento, fazendo com que entrasse dentro da forra e partisse a correia de distribuição, danificando o motor. O Demandante teve que levar a sua carrinha, por meio do pronto-socorro, para sua casa, e da sua casa, foi levada pela demandada para a oficina desta. Na altura, o Sr. DA. reconheceu o erro, assumiu a responsabilidade pelo material barato colocado e informou-o que iria reparar a viatura. Contudo, passados 4 meses, a carrinha, ainda, se encontra na rua, em frente à oficina, sem sinais de qualquer intervenção. O Demandante, em virtude da sua profissão, já teve que comprar outra carrinha. A factualidade descrita consubstancia o direito de ver reparado o veículo, considerando que houve remuneração da Demandada, devendo esta, por sua conta e risco, assumir a obrigação de resultado. Não sendo por isso sensato, in casu, impor-lhe que se conforme com um bem mal reparado, e que em tão curto espaço de tempo avariou, sendo a imobilização resultante de tal avaria foi de tal ordem grave que forçou a aquisição de uma nova carrinha para a sua actividade profissional. Conclui pedindo que: deve a presente acção ser julgada procedente por provada e consequentemente ser a Demandada condenada a reparar a carrinha do Demandante no prazo de 15 dias após a decisão, caso esta lhe seja favorável. Juntou 1 documento. MATÉRIA: Ação de responsabilidade contratual, enquadrada no art.º 9, n.º1, alínea H) da L.J.P. OBJETO: Contrato de prestação de serviços de mecânica, cumprimento defeituoso, indemnização por danos patrimoniais. VALOR DA AÇÃO: 600€ (seiscentos euros, fixado nos termos dos art.º 305, n.º4 e 306, n.º1 do C.P.C.). A demandada, AA., Lda., NIPC. …, com sede na rua …, no concelho de Coimbra, representada por mandatário constituído. Contestação: Alega em suma que, aceita o vertido nos factos 1 e 3 do r.i., impugnado o restante. Na realidade substituiu a correia de distribuição em Abril/2018, passado algum tempo foi contactado pelo demandante por uma avaria no motor, solicitando-lhe que se deslocasse a sua casa, local onde estava o veículo imobilizado, i o sócio gerente acedeu, recorrendo para o efeito ao serviço de pronto socorro, para fazer o transporte da carrinha para a oficina. Entretanto, ficou a saber que aquele substituiu a correia do alternador, a qual não era a que fora por si instalada, facto que confirmou ao fazer o diagnóstico ao veículo, e por esse motivo não é responsável pela reparação do veículo. Conclui pela improcedência da ação e absolvição do pedido. TRAMITAÇÃO: Realizou sessão de mediação sem consenso das partes. As partes são legítimas e dispõem de capacidade judiciária. O processo está isento de nulidades que o invalidem na totalidade. O Tribunal é competente em razão da matéria, valor e território.
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO: Foi iniciada dando cumprimento ao disposto no art.º 26, n.º1 da LJP, sem que as partes tenham chegado a consenso, seguindo-se para produção de prova com as declarações das partes, a junção de um requerimento e 3 documentos da demandada, depoimento das testemunhas e alegações finais, como infere da ata de fls. 75 a 80
-FUNDAMENTAÇÃO- I- DOS FACTOS ASSENTES (Por Acordo): A) A demandada é uma oficina de reparação, manutenção, pintura de veículos automóveis, camiões, tractores e motociclos e, oficina móvel. B) Em 2018, em data não precisa, o demandante contratou os serviços da demandada para substituir a correia auxiliar e o tensor da sua carrinha Z C, matrícula …, que “chiava”. II- DOS FACTOS PROVADOS: 1) Pelo serviço o demandante procedeu ao seu pagamento. 2) O demandante é feirante de profissão. 3) Após a substituição da correia, o Demandante voltou à oficina. 4) Pois a carrinha continuava a chiar. 5) A demandada deu um aperto para reparar a correia. 6) Tendo esticado a correia. 7) Cerca de 1 mês depois, quando circulava com a carrinha, 8) A correia partiu, entrando dentro da forra. 9) O que originou que a correia de distribuição partisse. 10) Tendo danificado o motor. 11) O Demandante levou a carrinha, por meio do pronto-socorro, para casa. 12) Posteriormente, a demandada levou-a para a oficina dela. 13) Onde permanece, sem reparação. 14) O demandante contactou a demandada por alegada avaria no motor. 15) O sócio gerente da demandada deslocou-se a casa do demandante, local onde o veículo se encontrava imobilizado 16) Tendo transportado o veículo para a oficina, para fazer o diagnóstico. 17) Verificou que tinham substituído a correia do alternador. 18) Não sendo aquela que, inicialmente lhe tinha instalado.
MOTIVAÇÃO: O Tribunal sustenta decisão com base na análise crítica da documentação junta, conjugando com a prova testemunhal, regras da experiência comum e regras de repartição do ónus da prova. A testemunha, JJ, é cunhado do demandante, e vai a casa dele diariamente. Alega que após o sucedido viu o veículo em casa do demandante, e admite ter tirado uns parafusos e a tampinha que protege o motor, para ver a correia. Auxiliando na prova dos factos n.º 2, 8, 9, 10. A testemunha, NP, é filho do demandante. Passou no fim-de-semana em casa do pai quando soube do sucedido, vendo o estado do veículo que aí se encontrava. Quanto aos factos nada presenciou, sendo um depoimento indireto, pois limitou-se a reproduzir o que o pai lhe disse, e também o tio. Auxiliando na prova dos factos n.º 2, 8, 9, 10. A testemunha, JS, foi o condutor do pronto-socorro que levou a viatura de casa do demandante para a oficina. O seu depoimento foi isento e limitou-se a este facto, motivo pelo qual foi relevado, auxiliando na prova dos factos n.º 15 e 16. A testemunha, BF, é o mecânico que fez a reparação inicial e que verificou posteriormente o estado do veículo. Esclareceu que o veículo em questão tem 3 correia distintas: do alternador, da distribuição e da bomba injectora, todas como funções distintas. O seu depoimento foi coerente, esclarecedor e isento, sendo relevado, auxiliando na prova dos factos com os n.º 3, 4, 5, 6, 8, 9, 10, 13, 17 e 18. O gerente da demandada efetuou declarações, nos termos do art.º 57, n.º1 da L.J.P., relatando a sua versão dos factos, esclarecendo o motivo porque se deslocou a casa do demandante, como levou o veículo para a oficina e o que verificaram depois de o abrirem. O seu depoimento foi relevado na conjugação com a restante prova realizada, auxiliando nos factos n.º 1, 3, 5, 6, 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 18. Quanto à data de realização do negócio inicial resulta dos documentos juntos em audiência, de fls. 70 a 72, conjugado com a admissão do legal representante da demandada. Quanto ao valor do pagamento inicial do serviço resulta do documento junto a fls. 70, o duplicado da fatura. Não se provaram outros factos, por ausência de prova credível.
III- DO DIREITO: O caso dos autos é referente a um contrato de prestação de serviços de mecânica de um veículo. Questões: incumprimento defeituoso do serviço, valor da indemnização. Este negócio embora de natureza obrigacional, tem com interesse para a causa o facto de ter sido um negócio realizado entre um particular, o demandante, e uma sociedade comercial, a demandada. Por força do art.º 1-A, n.º2 do Dec. Lei 84/2008 de 21/05, é aplicável ao contrato de prestação de serviços, o regime legal dos direitos do consumidor, sem prejuízo das regras gerais do contrato em questão. Assim, resulta do art.º 4 da L. 24/96 de 31/07, conjugado com o Dec. Lei 67/2003 de 8/04 com as alterações do Dec. Lei 84/2008 de 21/05, que deve ser entregue ao consumidor bens que tenham qualidade, isto é, aptos a satisfazer o fim a que se destinam, ou adequados às suas legitimas expetativas. Nisto consiste o cumprimento da sua obrigação legal, enquanto prestadora do serviço contratado, ou seja, a conformidade contratual. No art.º 2, n.º4 do Dec. Lei 67/2003 Lei 67/2003 estabelece que a falta de conformidade resultante de má instalação do bem de consumo é equiparada a falta de conformidade do bem, quando a instalação faça parte do contrato…….. O art.º 3 do Dec. Lei 67/2003 de 08/04, institui a responsabilidade legal do prestador do serviço e presume que a falta de conformidade já existia no momento da entrega do bem, desde que se manifeste num prazo de 2 anos a contar desta, isto porque está em causa a execução de um serviço num bem móvel, veículo. Nos termos do n.º2 do art.º 3 Dec. Lei 67/2003 de 08/04, recai sobre o prestador do serviço o ónus da prova de que o objeto do negócio que celebraram, está conforme com o contrato, ou seja, que não possui qualquer defeito, ou seja, que realizou adequadamente o serviço que lhe foi solicitado. Resulta da prova que, o demandante levou o seu veículo da marca Z, modelo C, á oficina demandada, pois o mesmo estava a fazer muito barulho, chiava. Tal facto terá sucedido a 18 de Abril de 2018, o que foi apurado pela análise da ficha do veículo conjugado com a folha de obra do serviço realizado, de fls. 71 e 72. Mais se apurou que o demandante já conhecia as instalações e o serviço da demandada, pois já lhe fizera outros serviços, o que resultou das declarações das testemunhas NP e BF, e das declarações do gerente da demandada. Na sequência da queixa sobre o problema do veículo do cliente, a demandada fez o diagnóstico ao veículo, e seguidamente procedeu à substituição da correia do alternador e do rolamento. Pela realização deste serviço o demandante procedeu ao seu pagamento no valor solicitado de 31,57€. Posteriormente, em data não apurada, o demandante regressou à oficina pois o veículo continuava a fazer o mesmo barulho, chiava. Nessa ocasião a demandada deu um aperto, tendo esticado a correia. Em data não apurada, encontrando-se o demandante a conduzir o veículo, a correia partiu, ficando o veículo imobilizado. Entretanto, o demandante chamou um pronto-socorro, que levou o veículo para sua casa. Posteriormente, em data não apurada, o demandante contactou a demandada alegando novamente ter problemas com o veículo, que não podia circular, assim foi o gerente da demandada a casa daquele buscá-lo. Para o efeito, socorreu-se de um pronto-socorro, com o qual habitualmente trabalha, propriedade da testemunha JS. Por sua vez, este rebocou o veículo de casa do demandante para a oficina da demandada. Aí chegados, foram verificar o problema, encontrando o motor danificado, por a correia da distribuição ter partido. Perante a factualidade provada, o que está em causa é se o serviço que foi executado pela demandada foi ou não a causa adequada (art.º 563 do C.C.) dos danos ocorridos no motor da carrinha do demandante. A coreia que foi substituída pela demandada, a do alternador, é responsável por gerar a energia que fica armazenada na bateria do veículo. Geralmente esta é feita de borracha, o que faz ocasionar por vezes alguns ruídos, e com o passar do tempo ressaca, sofrendo pequenas rupturas que podem acabar por quebrá-la. O ideal é substituí-la de acordo com o tempo e quilómetros indicados pelo fabricante do veículo, quer isto dizer que deve seguir-se as instruções do fabricante do veículo, no que respeita às peças e seus componentes, de modo a que possa circular devidamente. Por sua vez, a correia de distribuição é a peça mais importante do motor, pois tem como finalidade a sincronização de todo o motor, nomeadamente dos pistões, válvulas e bomba de água. Este componente é, também, em geral, fabricado em borracha reforçada, trabalhando sob tensão constante, de forma a manter o alinhamento e a permitir circular o líquido de arrefecimento do motor. Esta corrente deve ser substituída sempre e segundo as recomendações do fabricante, o prazo para o fazer difere de veículo para veículo, de acordo com o número de quilómetros percorridos, de acordo com o modelo do veículo e com o tempo do motor. No entanto, as duas correias estão ligadas ao mesmo veio do motor, bastando que uma delas seja inadequada para ocorrer o desequilíbrio no motor do veículo, como explicou o mecânico, a testemunha BF. O facto de terem substituído a correia, e posteriormente terem apertado a correia, com o intuito de cessar com o chiar (barulho), não é a causa do motor ter danificado. Na realidade, foi colocada outra correia, a qual tem a referência n.º 1440 em vez da referência n.º 1445, a qual não é apropriada para aquele alternador, provocando maior tensão e por isso partiu. Para além disso, também não deviam ter retirado a tampinha, pois aquela impedia que a corrente, quando parta, se aloje na forra e danifique o motor, como assim sucedeu. Acresce dizer que a correia que foi colocada não era a adequada ao veículo em questão, e foi esta a causa adequada daquele dano (art.º 563 do C.C.). Posto isto, tendo em consideração o que foi referido, entendo que a demandada elidiu a presunção legal constante do art.º 2 do Dec. Lei n.º 67/2003 de 08/04, afastando sobre si qualquer responsabilidade pelo sucedido.
DECISÃO: Face ao exposto, considera-se a acção improcedente, por não provada, e em consequência absolve-se a demandada do pedido.
CUSTAS: São da responsabilidade do demandante, por ser considerada a parte vencida, pelo que deve proceder ao pagamento de 35€ (trinta e cinco euros) num dos três dias úteis após notificação da presente sentença, sob pena de lhe ser aplicado uma sobretaxa diária na quantia de 10€ (dez euros), nos termos do art. 8º e 10º da Portaria n.º1456/2001 de 28/12 com a redacção dada pela Portaria n.º209/2005 de 24/02.
Em relação á demandada cumpra-se o disposto no art.9º da referida Portaria.
Proferida e notificada nos termos do art.º 60, n.º2 da L.J.P. Coimbra, 26 de Fevereiro de 2019 A Juíza de Paz (redigido pela signatária, art.º 131, n.º5 do C.P.C.)
(Margarida Simplício) |