Sentença de Julgado de Paz
Processo: 81/2023-JPCBR
Relator: CRISTINA EUSÉBIO
Descritores: CONTRATO DE COMPRA E VENDA
Data da sentença: 08/05/2024
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral:
Proc. N.º 81/2023-JPCBR

SENTENÇA

RELATÓRIO:
[PES-1], demandante devidamente identificada nos presentes autos propôs a presente ação declarativa de condenação contra [PES-2], igualmente devidamente identificado no presente processo, pedindo a anulação por erro de contrato de compra e venda de veículo e em consequência a restituição do preço no valor de 2600€. Em alternativa pede a redução do preço do veículo no valor de 600,00€ e indemnização por danos patrimoniais no valor de 600,00€.
Para tanto, alegou os factos constantes do seu Requerimento Inicial de fls. 1 a 4 que se dá por reproduzido.
Juntou 9 documentos (fls. 5 a 13) que igualmente se dão por reproduzidos.
Regularmente citado, o demandado apresentou contestação, impugnando os factos alegados pelo demandante, nomeadamente o preço acordado e efetivamente recebido e alegando que, desconhecia até ao presente processo qualquer defeito que a viatura apresentasse por nunca lhe ter sido dado conhecimento.
Afastada a fase da mediação pelo demandado, agendou-se a audiência de discussão e julgamento, que se realizou com cumprimento das formalidades legais conforme da respetiva ata resulta.
A demandante, na referida audiência veio a desistir do pedido de resolução do contrato, porquanto nesta data já mandou reparar o veículo, tendo despendido nessa reparação a quantia de 1.878,62€, sendo este o valor que pretende ver ressarcida.
O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do território e do valor - que se fixa em 3200€ (três mil e duzentos euros) – artºs 297º nº1 e 306º nº2, ambos do C. P. C.
Não existem nulidades que invalidem todo o processado.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas.
Não existem exceções que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito da causa.
As questões a decidir por este tribunal circunscrevem-se à caracterização do contrato celebrado entre a Demandante e a Demandado; às obrigações e direitos daí decorrentes e às consequências do incumprimento dessas obrigações.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
1 – Em novembro de 2022, a Demandante tinha necessidade de adquirir um veículo automóvel para as suas deslocações diárias.
2. - Numa pesquisa efetuada em vários sites, a filha da demandante encontrou um anúncio no Stand Virtual, que publicitava uma viatura usada de marca [Marca-1] modelo [Modelo-1], com a matrícula [ - - 1], pelo que contactou o Demandado afim de obter mais informações;
3 – Na conversa telefónica havida entre a filha da demandante e o demandado, este reservou de imediato o carro e foi agendado o dia e a hora para poder ver o veículo.
4 – No dia 8 de dezembro de 2022, a filha da demandante e o seu companheiro foram ao encontro da esposa do demandado que lhe mostrou o carro e permitiu que o conduzissem.
5 – Assim, deslocaram-se a casa da demandante para que esta desse o seu aval à compra.
6 – Constatando, a filha da demandante a existência de uma luz acesa no painel informativo, telefonou ao demandado que lhe assegurou que iria ao mecânico tratar da situação antes de entregar a viatura.
7 – Por mensagem WhatsApp, pelas 12h26m o demandado informou que:” o mecânico colocou o nível de óleo dos travões correcto e deu uma volta diz que está tudo bem.”
8 – Demandante e demandado marcaram encontro no parque de estacionamento do [...] em Coimbra, no mesmo dia à tarde, para pagamento do preço e entrega da viatura e documentos.
9 - O preço foi pago por transferência Mbway (1500,00€) e em numerário em quantia não concretamente apurada, cifrando-se o total entre os 1900,00 e os 2600,00€.
10 – A demandante iniciou a utilização da viatura para as suas deslocações pessoais e para trabalhos como empregada doméstica;
11 – Na semana seguinte, a demandante apercebeu-se que o veículo apresentava uma luz sinalizadora de avaria no painel.
12 – A demandante levou o veículo à oficina tendo sido detetado problema de injeção que reparou.
13 – Dias mais tarde a demandante verificou que o carro não tinha potência nas subidas.
14 – A demandante voltou à oficina onde foi diagnosticado que existiam problemas graves no motor, verificando-se que tinha água dentro, o catalisador estava incandescente e entupido, levando a que a cabeça do motor estivesse queimada.
15 – No dia 3 de janeiro de 2023 a filha da demandante enviou para o telemóvel do demandado com o número [Telefone-1], uma mensagem de texto solicitando devolução do carro e do preço.
16 – A mensagem apresenta indicação de ter sido lida, na aplicação WhatsApp.
17- Em 20 de janeiro de 2023, a demandante através do seu mandatário remeteu carta registada com aviso de receção ao demandado, denunciando os defeitos e solicitando a sua reparação, substituição ou resolução do contrato de compra e venda, concedendo o prazo de 10 dias.
18 – A carta referida no item anterior, foi devolvida ao remetente com indicação de “não reclamado” nos serviços postais.
19 – A demandante mandou reparar a viatura tendo pago a quantia de 1878,62€ à oficina, que colocou um motor usado.
20 – Na presente data, o veículo encontra-se reparado e a ser utilizado pela demandante.

Factos não provados:
A) A demandante contactou, telefonicamente, o demandado relatando o problema da perda de potência, tendo-lhe este solicitado que o levasse ao seu mecânico para verificar, ficando de agendar data e hora para o efeito.
B) O demandado referiu à filha da demandante e ao seu mandatário, que não tinha vendido qualquer veículo e desconhecia o assunto.
C) O veículo foi rebocado para a oficina [ORG-1] Lda, em [...].
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MOTIVAÇÃO
Para a declaração dos factos como provados, o tribunal teve em consideração as declarações das partes conjugadas com os documentos apresentados, bem como os depoimentos prestados de forma isenta e explicativa das testemunhas. Não restaram dúvidas ao tribunal que o veículo apresentou avarias – que conduziram á intervenção de oficina como relatado pela testemunha [PES-3] - , no entanto, com especial relevância, não se provou que as mesmas tenham sido cabalmente denunciadas ao demandado. Verificou-se que a mensagem de texto do telemóvel da testemunha [PES-4] tinha sido lida, não se tendo apurado, em concreto, por quem e de que forma. Essa mesma mensagem, não referia qual o problema que o veículo apresentava, sugerindo, apenas a resolução do contrato.
De salientar ainda que, não se deu por provado o preço pelo qual foi adquirida a viatura pela demandante, uma vez que as partes apresentam diferentes versões, cabendo á demandante a prova cabal da entrega do valor em numerário, o que não aconteceu.
Quanto à matéria considerada não provada resulta da total ausência de produção de qualquer prova nesse sentido.

FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE DIREITO
A questão de fundo dos presentes autos consiste em saber se os factos apurados permitem, ou não, à Demandante, o direito à redução do preço e indemnização na medida do valor da reparação do veículo, como peticionado.
Com efeito, estamos perante um contrato de compra e venda de um automóvel usado celebrado entre dois particulares.
Um dos efeitos do contrato de compra e venda consiste, como se sabe, na obrigação de entrega da coisa, mediante o pagamento do preço.
E, devendo os contratos ser pontualmente cumpridos – art.406º, nº1, do C.C.– o cumprimento daquela obrigação só será perfeito se for entregue a coisa sem defeitos intrínsecos, estruturais e funcionais.
Caso a coisa vendida padeça daqueles defeitos, estamos perante a venda de coisa defeituosa – art.913º do C.C.
Na fixação do regime jurídico da compra e venda de coisas defeituosas deve ter-se em conta o regime geral da responsabilidade contratual – art.ºs 798º e sgs do C.C,- o regime especial previsto no art.913º do C.C., ao remeter para o regime da compra e venda de bens onerados, e as particularidades previstas nos art.ºs 914º e segs daquele diploma legal.
Quanto à culpa, presume-se a culpa do vendedor – art.799º, nº1, do C.C.
Ora, no presente caso verificamos que a viatura automóvel apresentou avarias passados pouco dias da a sua aquisição, ocorrendo a problema de injeção e posteriormente um problema critico do motor. Atento o pouco tempo decorrido entre o aparecimento dos problemas e a venda, poderemos inferir que tal defeito era pré-existente ao contrato de compra e venda, ainda que oculto.
Provada a entrega da coisa com defeito e não tendo sido ilidida a presunção de culpa do vendedor – uma vez que, encontrando-se a vender um carro usado com muitos quilómetros teria ao menos que assumir a probabilidade de que este viesse a manifestar defeitos que poderiam por em causa o fim a que se destinava - , podem ocorrer as seguintes consequências: reparação do defeito, substituição da coisa, redução do preço, resolução do contrato e indemnização.
Para tanto, caberá ao comprador denunciar o defeito, o que a demandante não fez quando apareceu o primeiro problema no veículo, mandando-o reparar. Apenas tentou contactar, por mensagem para o telemóvel do demandado quando surgiu o segundo problema, desta feita mais grave.
Ocorrida uma segunda avaria, pretende a demandante a redução do preço e indemnização por danos que não concretiza.
No entanto, o veículo já havia sido intervencionado por oficina, sem conhecimento ou intervenção do demandado.
Ora, não se tendo provado a denuncia efetiva da segunda avaria, não poderia o demandado tomar posição quanto á mesma, nem se poderá aferir se o defeito entretanto surgido era pré-existente ao contrato.
De recordar que, do facto de se enviar mensagens de texto - e até fotografias para um telemóvel - não se pode retirar a convicção de que as ditas mensagens cheguem ao seu destinatário.
Impunha-se que a demandante, na posse dos elementos identificativos do vendedor e a sua morada, tivesse procedido à interpelação do demandado assegurando-se que este ficaria ciente da situação, dando-lhe a possibilidade de a reparar. A demandante, através do seu mandatário enviou carta registada que foi devolvida, devendo, portanto, encetar outras diligências tendentes à efetiva denuncia dos defeitos da viatura.
Ora, tal não aconteceu.

Em caso de cumprimento defeituoso, são facultadas várias alternativas ao comprador, sendo que estas não podem ser exercidas em alternativa, antes estando entre si numa ordem lógica.
Por esse motivo, em primeiro lugar, o vendedor está obrigado à eliminação do defeito da coisa; depois, à sua substituição; frustrando-se estas pretensões, o comprador pode reclamar a redução do preço e, por fim, a extinção do contrato.
Como refere Pedro Romano Martinez, in Cumprimento Defeituoso, 1994, Coimbra, pág. 440, “no sistema jurídico português há uma espécie de sequência lógica: em primeiro lugar, o devedor está adstrito a eliminar os defeitos ou a substituir a prestação; frustrando-se estas pretensões, pode ser exigida a redução do preço ou a resolução do contrato.”.
Não se encontrando esgotadas as alternativas que a lei prevê, não pode a demandante fazer operar a redução do preço.
No que diz respeito a indemnização que a lei prevê, inclui os danos patrimoniais decorrentes do incumprimento e que sejam decorrentes desse mesmo incumprimento, para além do defeito da coisa vendida. (por exemplo a privação de uso).
A demandante não alegou ou provou factos que possa conduzir ao arbitramento de indemnização para além da reparação efetuada à viatura.
Por este motivo, a ação haverá de improceder.

Decisão
Face ao exposto, julgo a presente ação totalmente improcedente e em consequência absolvo o demandado do pedido.

CUSTAS
Custas a cargo da demandante, que se declara parte vencida, nos termos e para os efeitos do art. 3º da Portaria n.º 342/2019 de 1 de Outubro, devendo ser pagas, no prazo de 3 (três) dias úteis a contar da notificação desta sentença –ainda que o prazo de validade do DUC seja mais alargado, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efetivo cumprimento dessa obrigação.
A falta de pagamento das custas acarreta a sua cobrança por processo de execução fiscal.

Registe.

Coimbra, 5 de agosto de 2024

A Juíza de Paz


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(Cristina Eusébio)