Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 128/2018-JPCRS |
Relator: | ELISA FLORES |
Descritores: | CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES |
Data da sentença: | 01/28/2019 |
Julgado de Paz de : | CARREGAL DO SAL |
Decisão Texto Integral: | SENTENÇA RELATÓRIO A, Lda., propôs contra B, a presente ação declarativa, enquadrada na alínea a) do nº 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 2 148,84 (dois mil cento e quarenta e oito euros e oitenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal comercial, sobre o valor de € 1 850,00 (mil oitocentos e cinquenta euros), desde a citação até efetivo e integral pagamento do débito. Para o efeito, alegou os factos constantes do requerimento inicial de fls. 4 a 8 e juntou 6 documentos, que aqui se dão por reproduzidos. O demandado impugnou os factos alegados pela demandante, referindo que não adjudicou nenhum trabalho à demandante e que nada lhe deve, tendo contratado com a empresa E, Lda., nos termos constantes da Contestação de fls. 39 a 41, e concluiu pela improcedência da ação e a condenação da demandante por litigância de má-fé em multa a favor do Julgado de Paz e em indemnização ao demandado em quantia não inferior a € 1500,00. Juntou um documento e, no decurso da ação, a pedido da demandante e por determinação do Tribunal, mais 4 documentos. A demandante, no exercício do contraditório, respondeu nos termos constantes de fls. 57 a 62, concluindo pela sua absolvição. Nesta resposta mantem os factos que alegou no requerimento inicial, e refere ainda, em síntese, que os serviços a que se reporta a fatura dos autos foram contratados a mando do demandado e que estranha que este alegue ter contratado com uma empresa encerrada vários anos antes da execução da obra. O litígio não foi submetido a mediação por recusa do demandado, por se encontrar no estrangeiro. Para a Audiência de Julgamento ambas as partes requereram a notificação de uma testemunha, o Engº F, ex-gerente da empresa E, Lda., já extinta, mas, não sendo possível a notificação de testemunhas nos Julgados de Paz, foi enviado convite ao mesmo para prestar depoimento esclarecendo os factos em causa nos autos, não tendo este comparecido nem justificado a ausência. Em Audiência de Julgamento a demandante prescindiu da sua testemunha e o demandado não apresentou prova testemunhal. Este, que residirá quase em permanência em França, faltou às duas sessões de Audiência de Julgamento, tendo a segunda sessão sido designada em uma data em que ele pudesse estar presente, o que não aconteceu. Ambas as partes outorgaram Procuração a mandatário judicial. Fixo o valor da ação em € 2 148,84 (dois mil cento e quarenta e oito euros e oitenta e quatro cêntimos). O artigo 60º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, na sua alínea c), prescreve que do conteúdo da sentença proferida pelo juiz de paz faça parte uma sucinta fundamentação. Assim: FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO: Consideram-se provados os seguintes factos: 1.º- A demandante é uma sociedade por quotas, cujo objeto é Construção – Atividades de Acabamento – Estucagem; 2.º- O demandado é emigrante, residente quase em permanência em França; 3.º- O demandado reconstruiu e ampliou uma sua moradia, no Lugar de FF, freguesia de SS, Concelho de VV; 4.º- Para tal, em 2015, contratou a execução da obra à empresa E, Lda., pessoa coletiva n.º XY, então já em fase de liquidação na sequência do encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa falida; 5.º- Em 18 de fevereiro de 2016 esta empresa subempreitou à demandante os trabalhos na referida moradia do demandado a que se refere o contrato de cessão de posição contratual constante dos autos a fls. 130 a 133; 6.º- E a demandante prestou serviços de gesso projetado nesta moradia do demandado e emitiu em seu nome a Fatura n.º 363, datada de 20/05/2016, na quantia de € 1 000,00 (mil euros), com vencimento a 30 dias; 7.º- E prestou ainda serviços de pladur no primeiro piso da mesma moradia, e emitiu em nome do demandado a Fatura n.º 389, datada de 20/03/2017, no valor global de € 850,00 (oitocentos e cinquenta euros), com vencimento a 30 dias; 8.º- Faturas no valor total de € 1 850,00 (mil oitocentos e cinquenta euros), que até ao momento nem a empresa E, Lda., nem o seu representante legal, nem o demandado não pagou à demandante; 9.º- Nem outrem em seu nome; 10.º- O demandado nunca contratou diretamente com a demandante a execução de quaisquer trabalhos; 10.º- Mas que foram realizados de acordo com a sua vontade e instruções; 10.º- E garantiu o pagamento dos trabalhos, orçamentados e extra, que vieram a dar origem às faturas dos autos, através do seu primo conhecido por “G” que o representava na obra; 10.º- E que confirmou junto da demandante os dados de faturação do demandado, com a sua anuência; 11.º- Trabalhos que o demandado só realizou com essa garantia; 12.º- E de que o demandado não reclamou; 13.º- A demandante contactou telefonicamente, e por escrito, o demandado, no sentido de este pagar o referido valor, sob pena de recorrer às vias legais; 14.º- Mas o demandado não o fez. Motivação dos factos provados: Os factos assentes resultaram da conjugação das declarações do representante legal da demandante, C, e dos documentos dos autos que não foram impugnados, tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 607º, nº 5 do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente e com as necessárias adaptações aos Julgados de Paz, por força do disposto no artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo mesmo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho e no artigo 396º do Código Civil. O representante legal da demandante declarou que quando fez o contrato com a E, não sabia da sua insolvência. Só soube depois que emitiu em nome da E, a fatura do primeiro pagamento que lhe foi feito e a sua empresa de contabilidade o chamou a dizer que a fatura teria de ser anulada; Foi posteriormente faturada em nome de um familiar do demandado por indicação de um primo do demandado conhecido por G; Que a obra foi contratada inicialmente com o Eng. F e quem fiscalizava a obra diariamente era este primo do demandado, que já faleceu. Que quando entrou na obra nem conhecia o dono, que estava emigrado, só este primo; Que este o representava na obra, controlava e dava instruções, um pilar, deveria ficar mais largo ou não, etc., porque, dizia “o meu primo quer assim”. Após esta situação da referida fatura e do conhecimento da insolvência da empresa empreiteira, parou a obra; Que passados 2/3 meses o Sr. lhe veio pedir para terminar a obra, garantindo que o primo iria fazer contas com o Eng. F, porque lhe devia dinheiro e que descontaria dele e pagava; O Eng. F deu-lhe os elementos para faturar ao demandado, nomeadamente o número de contribuinte e foi confirmar junto do Sr. G, os dados e se devia fazê-lo tendo este respondido que sim, que a ordem vinha do primo e para continuar a obra que ele lhe ia pagar; E que, assim, só continuou a obra com garantia da parte do Sr. B, de que iria receber; Que neste espaço de tempo o Sr. G, faleceu e ficou sem contactos do demandado porque não sabia o número de telefone e a sua morada no estrangeiro; Logo que conseguiu obter o seu contacto telefónico ligou-lhe e ele respondeu que tinha contas ainda a acertar com o Eng. F e que quando viesse a Portugal acertaria as contas consigo também, o que nunca fez; Que os serviços a que se refere a fatura nº 363, de 20/05/2016 foram trabalhos extras – não estavam inicialmente orçamentados-, e foram pedidos pelo Eng. F e pelo referido primo do demandado que desenharam e deram as medidas; E que quem beneficia da casa, que está pronta é o demandado. E mais foram tidos em conta, nos termos das alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 5º do Código de Processo Civil (CPC), factos instrumentais e factos que complementam ou concretizam os que as partes alegaram e resultaram da instrução e discussão da causa, e relativamente aos quais todos tiveram a possibilidade de se pronunciar. FACTOS NÃO PROVADOS e respetiva motivação: Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa, por falta ou insuficiente mobilidade probatória, nomeadamente que o demandado já tinha pago à empresa E os trabalhos executados pela demandante. De facto, os documentos juntos pelo demandado foram todos impugnados, por falsidade, nomeadamente o recibo 0089, de 14 de julho de 2017 da empresa E, Lda., junto a fls. 105 dos autos e uma Declaração alegadamente emitida em 15 de junho de 2018 por F, que se intitula “…sócio gerente da Firma E, Lda., contribuinte nº XY, …” com carimbo desta empresa, que desde 04/11/2014 se encontrava em liquidação, por encerramento do processo de insolvência, por insuficiência da massa insolvente e que encerrou a liquidação em 08/08/2018 no âmbito do regime especial de liquidação oficiosa (cf. fls.). Por outro lado, e neste contexto, junta ainda comprovativos de pagamentos feitos (cf. fls. 106 a 108) para a conta em nome daquele que alega seriam para pagar os trabalhos efetuados pela empresa já em liquidação. Ora, ou são falsos estes documentos ou a empresa laborou ilegalmente fora do contexto da insolvência e sem a autorização do Administrador da Insolvência, e auferiu rendimentos que sonegou à insolvência prejudicando os credores –a insolvência foi encerrada por insuficiência da massa-, ou, pelo menos o seu ex- sócio gerente continuou a receber quantias de créditos que pertenciam também àquela massa. Sendo que nenhuma prova foi feita do pagamento à demandante dos valores das faturas juntas aos autos e aqui peticionados, que correspondem a trabalhos que foram feitos com a sua garantia de pagamento, e de que não reclamou. De facto, as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos (cf. artigo 341º do C. Civ) e o demandado não o logrou fazer, por documentos, única prova que apresentou e que foram impugnados. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO: Dos factos assentes resulta que a demandante celebrou com a empresa E, Lda., um contrato de subempreitada, modalidade do contrato de prestação de serviços, prevista e regulada nos artigos 1213º do Código Civil (doravante simplesmente designado por C. Civ.), para execução de trabalhos na moradia do demandado. Através do contrato de subempreitada, um terceiro, o subempreiteiro, obriga-se para com o empreiteiro a realizar a obra a que este se encontra vinculado com o dono da obra (no caso o demandado), ou uma parte dela (cf. artigo 1213º, nº 1 do C. Civil). Neste contrato, ou subcontrato, como também costuma ser designado, o subempreiteiro é responsável apenas perante o empreiteiro que assume perante o subempreiteiro a qualidade de dono da obra, designadamente quanto aos termos do cumprimento do contrato. Trata-se de um contrato bilateral, oneroso e sinalagmático, devendo assim, ser, nos termos do artigo 406º do C. Civil, pontualmente cumprido, ou seja, as obrigações contratuais, recíprocas e interdependentes, devem ser cumpridas nos exatos termos em que são assumidas. O subempreiteiro tem a obrigação de executar a obra nos termos convencionados, e o empreiteiro, a obrigação de, caso a aceite e nada tendo sido convencionado em contrário, pagar o preço no ato da aceitação (cf. artigos 1207º, 1208º e 1211º, n.º 2 do C. Civil). E, assim, em situações de funcionamento normal da subempreitada o dono da obra não é o devedor do subempreiteiro, que só do empreiteiro deverá exigir o pagamento. Todavia, como resultou provado, atenta a paragem da obra pelo subempreiteiro por não ter garantias do seu pagamento pela empresa empreiteira, e para que o mesmo a completasse, o dono da obra obrigou-se através do seu primo, que o representava na obra (e a fiscalizava), a pagar os trabalhos que ainda se encontravam por executar e os que foram contratados posteriormente, por suas instruções. Trabalhos que correspondem às faturas dos autos, emitidas em seu nome por indicação do empreiteiro e confirmação do referido primo. Sendo que, posteriormente, via telefone com o subempreiteiro, o próprio demandado assumiu que iria fazer contas com o Eng. F e com ele quando viesse a Portugal, o que não fez. Nos termos do artigo 406º do C. Civ., o contrato deverá ser pontualmente cumprido por ambos os contraentes e o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado, devendo as partes regerem-se pelo princípio da boa-fé (cf. artigos 762º e 763º do mesmo Código). Ora, resulta da factualidade assente que a demandante cumpriu, efetuando os trabalhos em conformidade com o que lhe foi solicitado, e o demandado não efetuou o respetivo pagamento. Faltando culposamente ao cumprimento da obrigação o devedor torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor, incumbindo-lhe o ónus de provar que a falta de cumprimento não procede de culpa sua (cf. 798º e 799º do C. Civil), o que aqui não se verificou. E, de acordo com o disposto nos artigos 804º e 806º do mesmo Código, verificando-se um retardamento do pagamento do preço, por causa imputável ao devedor constitui-se este em mora e, consequentemente, na obrigação de reparar os danos causados ao credor, a ora demandante. Tratando-se de obrigações pecuniárias, a indemnização corresponderá aos juros a contar do dia da constituição em mora. Nos termos do artigo 805º, n.º 2, alínea a) do C. Civ., nomeadamente, se a obrigação tiver prazo certo, o devedor fica constituído em mora a partir dessa data, pelo que, no caso em apreço é o da data do vencimento das faturas. Nestes termos, desde a data do vencimento das faturas e até 10/09/2018 tem a demandante, efetivamente, direito a juros comerciais vencidos no valor de € 298,84 (duzentos e noventa e oito euros e oitenta e quatro cêntimos) e que integraram o valor peticionado: € 2 148,84. A este valor acrescem juros vincendos desde a citação, 28/09/2018, sobre a importância de € 1 850,00, até efetivo e integral pagamento. - Quanto ao pedido de condenação da demandante em litigância de má-fé: Trata-se de um instituto previsto no artigo 542º e seg.s do C.P.C. que tem subjacente a boa-fé que deverá sempre nortear a atividade das partes de modo a que estas, conscientemente, não formulem pedidos ou deduzam oposição, cuja falta de fundamento não deviam ignorar, não articulem factos contrários à verdade, ou omitam factos relevantes para a decisão da causa e/ou não requeiram diligências meramente dilatórias, tudo em violação do princípio de cooperação das partes e dos deveres que lhe são inerentes, e com o objetivo ilegal de impedir a descoberta da verdade e a ação da justiça. Ora, na situação dos autos, e conforme todo o exposto, a demandante logrou fazer prova dos factos alegados, pelo que julgo improcedente o pedido de condenação da demandante por litigância de má-fé. -Decisão: Em face do exposto, julgo a ação procedente, por provada, e em consequência, condeno o demandado B: - A pagar à demandante, A, Lda., a importância de € 2 148,84 (dois mil cento e quarenta e oito euros e oitenta e quatro cêntimos), acrescida de juros comerciais, à taxa legal, sobre a importância de € 1 850,00 (mil oitocentos e cinquenta euros), desde 28 de setembro de 2018 até efetivo e integral pagamento; - Nas custas totais dos presentes autos, declarando-o parte vencida, sendo que se encontra em dívida apenas a importância de €35,00 (trinta e cinco euros) que deve ser paga nos três dias úteis imediatamente subsequentes ao conhecimento da presente decisão, sob pena da aplicação e liquidação de uma sobretaxa de €10,00 por cada dia de atraso, até ao valor de €140,00 (cf. artigos 1.º, 8.º e 10.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de dezembro). Dê-se cumprimento ao disposto no artigo 9º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de dezembro. Extraia-se duas Certidões de todo este processo, incluindo a presente sentença, e remeta-se, como requerido e deferido em Audiência- cf. ata de fls. 154 a 158-, uma ao Ministério Público e outra à Autoridade Tributária para averiguação da eventual prática de falsificação de documentos e fraude fiscal e/ou outros ilícitos criminais e fiscais tendo como agentes os intervenientes no contrato de adjudicação de empreitada junto a fls. 109 a 129 dos autos: Engº F e o demandado. Após a remessa das certidões a ambas as entidades, notifique-se as partes da mesma. Registe e notifique. Carregal do Sal, 28 de janeiro de 2019 A Juíza de Paz, (Elisa Flores) |