Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 47/2007-JP |
Relator: | FILOMENA MATOS |
Descritores: | USUCAPIÃO |
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Data da sentença: | 01/24/2007 |
Julgado de Paz de : | VILA NOVA DE POIARES |
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Decisão Texto Integral: | SENTENÇA 1. - RELATÓRIO IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES Demandante: A, casada, residente no concelho de Vila Nova de Poiares, contribuinte fiscal n.° 000 000 000. Demandados: B, com sede em Vila Nova de Nova de Poiares. C, solteira, residente no concelho de Vila Nova de Poiares. D, casada, residente em Belas. OBJECTO DA ACÇÃO: Posse, usucapião e acessão (art. 9.°, n.° 1, alínea e) da UP). VALOR: € 654, 35 (seiscentos e cinquenta e quatro euros e trinta e cinco cêntimos). REQUERIMENTO INICIAL A Demandante veio intentar a presente acção com fundamento em "posse e usucapião", alegando para o efeito, em síntese, ser dona e legítima possuidora de um prédio urbano, composto de casa de habitação com dois pavimentos, com a superfície coberta de 97.50 m2, arrumo com a área de 27.50 m2 e logradouro com a área de 27 m2, sito no concelho de Vila Nova de Poiares, a confrontar do norte com E, do sul e poente com estrada e do nascente com F, inscrito na respectiva matriz sob o artigo XX, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Poiares sob o n°. YY/ZZ. Que o adquiriu a G e H, por escritura pública de compra e venda celebrada no Cartório Notarial de Vila Nova de Poiares, e estes por sua vez, adquiriram-no, por doação dos pais dele, I e mulher J. Na sequência de um levantamento topográfico do prédio a requerente constatou uma divergência entre a área real e a averbada na matriz e na conservatória, porquanto a área total é de 152 m2. Devido a alterações supervenientes decorrentes das sucessivas transmissões a que os prédios confinantes foram sujeitos, o prédio da demandante confronta, actualmente, a norte com B, do sul e poente com estrada e do nascente com D. O prédio identificado no artigo 1° e adquirido pela demandante, sempre teve a área global de 152 m2 e não 76 m2 como consta do registo, por erro de medição e omissão, e pertence exclusivamente à demandante. A demandante, por si e ante possuidores, vêm possuindo o prédio descrito no artigo 1° deste pedido, com a área global 152 m2 e com a configuração e delimitação constantes da planta topográfica vigiando-o, dele cuidando e pagando as respectivas contribuições, procedendo à sua conservação, o que sucede há mais de 20 anos, 30 ou 40 anos, há vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, sem interrupção, convencidos de que não lesam o direito de quem quer seja. Pedindo que, com fundamento na usucapião a demandante seja declarada dona e legítima possuidora de um prédio urbano, composto de casa de habitação com dois pavimentos, com a superfície coberta de 97.50 m2, arrumo com a área de 27.50 m2 e logradouro com a área de 27 m2, sito no concelho de Vila Nova de Poiares, a confrontar, actualmente, a norte com B, do sul e poente com estrada e do nascente com D, inscrito na respectiva matriz sob o artigo XX, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Poiares sob o n°. YY/ZZ. DOCUMENTOS APRESENTADOS: A Demandante juntou 5 documentos. TRAMITAÇÃO E SANEAMENTO Os demandados foram regularmente citados e não contestaram. A presente acção é declarativa e de simples apreciação, por se pretender unicamente a declaração de existência de um direito (cfr. art. 4.° n.° 2, a) do CPC). Dada a natureza da acção, não houve lugar a pré-mediação nem a mediação. No dia e hora marcados, procedeu-se a audiência de julgamento com observância das formalidades legais, conforme da acta que antecede se alcança. O Julgado de Paz é competente para julgar a presente causa (cfr. art. 9.°, n.° 1, e) e art. 11.°, n.° 1, ambos da LJP). O processo encontra-se isento de nulidades que o invalidem na totalidade. As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas. Não se verificam excepções dilatórias e peremptórias, nulidades ou incidentes processuais que impeçam o conhecimento do mérito da causa. 2. - FUNDAMENTAÇÃO 2.1.- OS FACTOS 2.1.1. Factos Provados: Com base e fundamento nos autos, julgam-se provados os seguintes factos, com interesse para o exame e decisão da causa: 1-A Demandante é dona e legítima possuidora de um prédio urbano, composto de casa de habitação com dois pavimentos, com a superfície coberta de 97.50 m2, arrumo com a área de 27.50 m2 e logradouro com a área de 27 m2, sito no concelho de Vila Nova de Poiares, actualmente a confrontar a norte com B, do sul e ponte com estrada e do nascente com D, inscrito na respectiva matriz sob o artigo XX, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Poiares sob o n°. YY/ZZ. 2-A demandante adquiriu o prédio, por escritura pública de compra e venda outorgada no Cartório Notarial de Vila Nova de Poiares, a G e mulher H. 3- Por sua vez, G e mulher H, adquiriram o prédio por doação dos pais deste, I e mulher J. 4- Após a realização de um levantamento topográfico do prédio, a demandante constatou uma divergência entre a área real e a averbada na matriz e na conservatória, porquanto a área correcta é de 152 m2. 5-O prédio identificado em um, sempre teve a área global de 152 m2, e encontra-se delimitado por muros, construções, pátio e habitação. 6-A demandante, por si e ante possuidores, vêm possuindo o prédio descrito, com a área global 152 m2 e com a configuração e delimitação constantes da planta topográfica junta. 9- Vigiando-o, dele cuidando e pagando as respectivas contribuições, procedendo á sua conservação, o que sucede há mais de 20 anos, há vista de toda a gente, sem oposição nem interrupção, convencidos de que não lesam o direito de quem quer seja. Fundamentação: Para a convicção formada conducente aos factos julgados provados concorreram especialmente os documentos apresentados, e os depoimentos das testemunhas, que demonstraram um conhecimento directo dos factos, em particular, o depoimento de W, pessoas de idade e residentes na localidade onde o prédio em apreço se localiza, conhecendo bem a situação possessória do mesmo. Revelaram-se igualmente importantes, as declarações do topógrafo, que procedeu às medições do prédio em causa no âmbito do levantamento topográfico que efectuou, e que confirmou a área do mesmo, bem com a sua delimitação dos prédios confinantes. Bem como a não oposição, dos demandados proprietários dos prédios confinantes, que seriam os principais prejudicados com o sucesso da presente acção. 2.1.2. Factos não provados: não se provaram os factos que não se consignaram. 2.2.-0 DIREITO Da prova produzida resultam preenchidos, a favor da Demandante, os pressupostos do instituto da usucapião, nos termos em que o Código Civil o disciplina. A posse da demandante foi adquirida, nos termos da alínea b), art.1263.°, do C.C. com base num negócio translativo formalmente válido, (escritura de compra e venda), pelo que é titulada de acordo com o estatuído no art.1259°, do C.0 . Por outro lado, a posse conducente à usucapião tem necessariamente duas características — ser pública e pacífica —, uma vez que os restantes caracteres — boa ou má fé, justo título, registo da mera posse — apenas influem na determinação do prazo para operar a usucapião. Ora, ficou provado que a posse do prédio em causa tem sido exercida por parte da Demandante e anteriores possuidores, de forma pacífica e pública, nos termos dos arts. 1261.° e 1262.°, ambos do Cód. Civil. Ficou também provado que, se trata de uma posse adquirida de boa fé, por ter sido ilidida a presunção do n°2, do art. 1260.° do Cód. Civil, uma vez que a Demandante, possuidora, "ignorava ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem". Relativamente ao tempo, a posse da Demandante sobre o prédio em causa, como provado ficou, dura onze anos, o que nos termos do disposto no art. 1294, alínea a) excede requisito temporal máximo para operar a usucapião de imóveis. O objecto material desta posse está há mais de vinte anos, completamente delimitado e identificado e com as confrontações definidas nos factos dados como provados, relativamente ao prédio. Nestes termos, encontra-se amplamente preenchido o requisito temporal máximo de vinte anos para operar o efeito útil da usucapião de acordo com o exigido pelo disposto no art. 1296.° do Cód. Civil. Por consequência e em conformidade, a Demandante é titular do poder jurídico que, nestas circunstâncias, o art. 1287.° lhe confere, com os efeitos previstos no art. 1288.°, ambos do Cód. Civil. A função do instituto da usucapião é não só atribuir o direito de propriedade ao possuidor, mas também consolidar, afirmar e determinar com rigor os limites materiais do objecto sobre o qual se praticam os actos materiais, reveladores do direito real de gozo em causa, ou seja, aquele que o animus possidendi revelar, nos termos do art. 1251.° do Cod Civil. Poder-se-á entender que o mecanismo da rectificação do registo seria suficiente para o efeito pretendido. Porém, não está o possuidor impedido de utilizar as acções de usucapião (acção de justificação judicial), na medida em que a regra quod abundat non nocet, aliada a outra que afirma que "quem pode o mais pode o menos", não pode prejudicar o titular de um direito que utiliza os meios que o sistema jurídico lhe proporciona para afirmar, com segurança, os seus direitos. Tanto mais que a área em causa excede o limite previsto no Código do Registo Predial. Quanto à desconformidade registal, é consabido que as presunções estabelecidas no art. 7.° do Código do Registo Predial são elidíveis, que não abrangem os elementos identificadores da descrição predial, como sejam as confrontações e a área dos prédios, colhidos nos documentos que servem de base ao acto registal e que o registo tem, por regra, natureza meramente declarativa. Este sistema permite ultrapassar eventuais erros, inexactidões e desconformidades, fazendo valer a verdade material e substantiva que a segurança do comércio jurídico exige, fim tido em vista pelo Registo Predial. A publicidade das situações jurídicas com natureza real, entendida como "susceptibilidade de conhecer", é um princípio fundamental do nosso sistema jurídico. Tanto assim é que, a publicidade emergente da posse, no contexto do instituto da usucapião, excede e sobrepõe-se à publicidade resultante do Registo Predial, na determinação e fixação jurídica e material do direito do possuidor. A causa da desconformidade entre as áreas constantes das descrições registais e a verdade material e factual é, em rigor, desconhecida. 3- DECISÃO Face ao que antecede e ás disposições legais aplicáveis, julgo a presente acção totalmente procedente por provada e, em consequência, declaro adquirido por usucapião, com os efeitos previstos no art. 1288.° do Código Civil, a favor da Demandante o direito de propriedade, nos termos em que a posse exercida o definiu e demonstrou, para todos os efeitos legais sobre: um prédio urbano, composto de casa de habitação com dois pavimentos, com a superfície coberta de 97.50 m2, arrumo com a área de 27.50 m2 e logradouro com a área de 27 m2, sito no concelho de Vila Nova de Poiares, inscrito na respectiva matriz sob o artigo xx, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Poiares sob o n°. yy/zz. CUSTAS Custas pela Demandante, nos termos do art. 449.°, n.°S 1 e 2, al. a) do CPC aplicável ex vi art. 63.° da UP. Esta sentença foi ditada na presença de todos os presentes, considerando-se dela pessoalmente notificados. Notifique os ausentes. Vila Nova de Poiares, 24 de Janeiro de 2007 A Juíza de Paz (Filomena Matos) |