Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 672/2023-JPLSB |
Relator: | SOFIA CAMPOS COELHO |
Descritores: | INCUMPRIMENTO CONTRATUAL – CONTRATO DE EMPREITADA |
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Data da sentença: | 05/17/2024 |
Julgado de Paz de : | LISBOA |
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Decisão Texto Integral: | SENTENÇA Processo n.º 672/2023-JPLSB ---------------------------------------------------------- Objeto: Incumprimento contratual – contrato de empreitada –--------------- Demandantes: [PES. -1] (NIF 1) e [PES. -2] (NIF 2). ---------------------- Demandado: [PES. -3] (NIF 3) -------------------- RELATÓRIO: ------------------------------------------------------------- Os demandantes, devidamente identificados nos autos, intentaram contra o demandado, também devidamente identificado nos autos, a presente ação declarativa de condenação, pedindo que este seja condenado a pagar-lhes a quantia de € 15.000 (quinze mil euros). Para tanto, alegaram os factos constantes do requerimento inicial, de folhas 1 a 8 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, alegando, em síntese, que contrataram o demandado para executar uma obra de remodelação do interior e exterior de uma casa em Portalegre, para execução da qual o demandado apresentou um orçamento de € 20.000 (vinte mil euros) – valor posteriormente ajustado por acordo das pares para montante superior – e iniciou os respetivos trabalhos em 17 ou 18 de outubro de 2022, que deveriam ter terminado em final de dezembro desse ano. Alegam que o demandado não executou a obra no prazo acordado e que a abandonou em janeiro de 2023, não a tendo retomado apesar das várias diligências dos demandantes. Alegam que lhe pagaram a quantia de € 17.900 (dezassete mil e novecentos euros) e que os trabalhos executados ascendem a € 10.000 (dez mil euros), peticionando a condenação do demandado na restituição da quantia de € 7.900 (sete mil e novecentos euros), acrescida de indemnização no montante de € 7.100 (sete mil e cem euros) “pelos danos, constrangimentos e impactos causados”. Juntaram os documentos de fls. 9 a 122 dos autos, que aqui se dão por reproduzidos. ------------------ *** Regularmente citado, o demandado não apresentou contestação -----------*** Foi marcada data para realização audiência de julgamento, tendo as partes sido devidamente notificadas. Nessa data, o demandado faltou, não tendo justificado a sua falta. Foi marcada nova data para realização da audiência de julgamento, da qual as partes foram, mais uma vez, devidamente notificadas. O demandado reiterou a falta. --*** Nos termos do n.º 1 do art.º 306.º do Código de Processo Civil, fixa-se à causa o valor de € 15.000 (quinze mil euros). ---------------------------------------------------------------------------O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território. ---------------------------------------------- As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas. ---------------------------------------- Não existem nulidades ou exceções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa. -------------- *** FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE FACTO ---------------------------------Com interesse para a decisão da causa, ficou provado que: ------------- 1 – Em dia não apurado de outubro de 2022, demandantes e demandado celebraram um contrato de empreitada, pelo qual a demandado obrigava-se a executar os trabalhos de remodelação do interior e exterior de uma casa em Portalegre, devidamente discriminados no documento de fls. 27 a 31 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos. --------------- 2 – Os trabalhos foram inicialmente orçados em € 19.000 (dezanove mil euros), com alterações de preço posteriormente acordadas entre as partes – (cfr. Doc. de fls. 32 a 34 dos autos). ------------------------------------------ 3 – As partes acordaram que a obra seria executada até final de dezembro de 2022. ------------------------------------ 4 – O demandado iniciou a obra em 17 ou 18 de outubro de 2022. ------------- 5 – O demandado não executou os trabalhos acordados no prazo acordado. 6 – O demandado abandonou a obra em janeiro de 2023. -------------- 7 – Encontrando-se a obra no estado visível nas fotografias de fls. 52 a 89 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidas. ----------- 8 – O demandado não retomou os trabalhos, apesar dos vários pedidos e diligências dos demandantes. ------------------------- 9 – Os demandantes pagaram ao demandado a quantia total de € 17.900 (dezassete mil e novecentos euros). ------------------------------------------ 10 – Os trabalhos executados pelo demandado ascendem a € 10.000 (dez mil euros). -- 11 – A situação causou nervosismo aos demandantes, que ficaram desesperados por perderem o seu investimento e que perderam tempo. - Não ficou provado: ------------------------------------------------------------------ Não se provaram mais quaisquer factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa. --------------------------------------------- Motivação da matéria de facto: ----------------------------------------- Para fixação da matéria fáctica dada como provada concorreram a cominação legal prevista no n.º 2, do artigo 58.º, da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, com a redação que lhe foi atribuída pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho (“Quando o demandado, tendo sido pessoal e regularmente citado, não comparecer, não apresentar contestação escrita, nem justificar a falta no prazo de três dias, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor”), o teor dos documentos juntos dos autos, que aqui se dão por reproduzidos e o depoimento das testemunhas apresentadas pelos demandantes. ---------------------------- As testemunhas apresentadas pelos demandantes confirmaram a factualidade acima dada como provada, designadamente que quando os demandantes se aperceberam que o demandado tinha abandonado a obra ficaram desesperados e nervosos, porque tinham todas as suas economias ali aplicadas e não tinham já possibilidades económicas para contratar outro empreiteiro; que a questão financeira foi uma grande problema. Mais disseram que os demandantes ficaram ansiosos, nervosos, stressados, com insónias irritados, tristes e fechados e o demandante deprimido. ------- *** FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE DIREITO -----------------Dos factos dados como provados retira-se que entre demandantes e demandado foi celebrado uma modalidade do contrato de prestação de serviços, em concreto, um contrato de empreitada, definido como o “(…) o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço” (cfr. artigo 1207º, do Código Civil - doravante C.C.), por via do qual o demandado obrigou-se a executar os trabalhos de construção civil dados como provados, mediante o pagamento de um preço (cfr. artigos 1207º e 1211º do Código Civil). É obrigação do empreiteiro – aqui demandado – executar a obra em conformidade com o convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato (cfr. art.º 1.208º do Código Civil). Por outro lado, no âmbito da responsabilidade contratual, a lei estabelece uma presunção de culpa do devedor, sobre o qual recai o ónus da prova, isto é, o devedor terá de provar que “a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua” (artigo 799º, nº 1, do Código Civil), sendo responsável, nos termos do artigo 798.º do Código Civil, “(…) pelo prejuízo que causa ao credor”, e, no caso de incumprimento, o dono da obra tem o direito de resolver o contrato, exigindo a restituição do que prestou, nos termos do nº 2, do artigo 801º, do mesmo Código (“Tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro”). - Assim, tendo ficado provado que o demandado não executou a obra acordada e considerando que a paragem dos trabalhos e o subsequente abandono da obra, por parte do demandado, pode e deve, ser interpretado como manifestação da intenção firme e definitiva do mesmo de não cumprir a obrigação contratual de concluir a obra, assiste aos demandantes o direito de considerar o contrato definitivamente incumprido e pedir ao demandado a restituição da quantia paga referente a trabalhos não executados. ------------------------------------------------------------------ Por outro lado, tendo resultado provado que o demandado efetuou alguns dos trabalhos acordados, mas não todos, não temos dívidas que assiste aos demandantes o direito de se fazer ressarcir dos trabalhos não executados que, considerando o montante do preço pago ao demandado por trabalhos não executados, ascende a € 7.900 (sete mil e novecentos euros). ------- *** Pedem também os demandantes a condenação do demandado no pagamento de uma indemnização “pelos danos, constrangimentos e impactos causados”, no montante de € 7.100 (sete mil e cem euros). ------Danos não patrimoniais ou morais, são "prejuízos (como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio, de reputação, de descanso, os complexos de ordem estética) que, sendo insuscetíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física, a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização" (A. Varela, Das Obrigações, pág. 623). De harmonia com o disposto no n.º 1 do art.º 496.°, do Código Civil, "na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito", acrescentando o seu n.º 3 que "O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art.º 494.° (…)" ou seja, atendendo aos danos causados, ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular do direito de indemnização, aos padrões da indemnização geralmente adaptados na jurisprudência, às flutuações do valor da moeda, etc. ----------------------------------------------------------- Donde resulta que, no caso dos danos não patrimoniais, a indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista: "por um lado, visa reparar, de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada, por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente" (A. Varela, ob. cit., pág. 630). Assim, o montante da indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, calculado segundo critérios de equidade e tendo em conta as circunstâncias concretas do caso. ------------- Por outro lado, a jurisprudência maioritária é no sentido que os simples incómodos e arrelias não atingem um grau suficiente de gravidade para serem indemnizáveis (cfr. Acórdão do STJ, de 13/12/1995). ---------- Atendendo ao elenco factual provado, é inquestionável que a obra não foi concluída por causa imputável ao demandado, não aos demandantes. É inquestionável que a situação causou nervosismo aos demandantes, que ficaram desesperados por perderem o seu investimento e tempo e que lhes causou ansiedade, desgaste psicológico, transtornos, angústia, stress. Por outro lado, a conduta do demandado foi, para nós, absolutamente inadmissível, e não a podemos avalizar, nem tão pouco desculpabilizar. O demandado tinha a obrigação de cumprir o acordado e concluir a obra e não o fez. O demandado tinha a obrigação de restituir aos demandantes a quantia que recebeu referente a trabalhos que nunca executou, e não o fez. E foi ele que causou o estado emocional dos demandantes acima referido. Tratam-se, por um lado, de danos que, na situação em concreto, vão muito além de meros incómodos ou transtornos, pelo que, segundo a nossa opinião, são indemnizáveis. Trata-se, por outro lado, de uma conduta inaceitável, que cumpre reprovar ou castigar. ----------------- Quanto ao montante indemnizatório, os demandantes quantificam estes seus danos em € 7.100 (sete mil e cem euros), sem qualquer justificação ou argumentação. E considerando a gravidade dos danos provados, e concretamente provados e os padrões da indemnização geralmente adaptados na jurisprudência, consideramos o valor indemnizatório peticionado pelos demandantes manifestamente exagerado, pelo que nos termos do n.º 3, do art.º 496.º, do Código Civil, fixa-se em € 1.000 (mil euros) o montante indemnizatório a pagar aos demandantes, a título de danos não patrimoniais, por o considerarmos o mais justo, equilibrado e equitativo com vista a ressarcir os demandantes destes seus danos. -- *** DECISÃO ----------------------------------------------------------------------Em face do exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, consequentemente, condeno o demandado a pagar aos demandantes a quantia de € 8.900 (oito mil e novecentos euros), indo no demais absolvido. ----------------- *** CUSTAS -------------------------------------------------------------------------Nos termos da Portaria n.º 342/2019, de 1 de outubro, condeno as partes no pagamento das custas em partes iguais, devendo cada uma delas proceder ao pagamento de € 35 (trinta e cinco euros), através de terminal de pagamento automático, multibanco e homebanking, após emissão do documento único de cobrança (DUC) pelo Julgado de Paz, no prazo de três dias úteis a contar da data de notificação da presente sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa de € 10 (dez euros) por cada dia de atraso e até um máximo de € 140 (cento e quarenta euros).----------------------- *** Transitada em julgado a presente decisão sem que se mostre efetuado o pagamento das custas, emita-se a respetiva certidão para efeitos de execução por falta de pagamento de custas, e remeta-se aos Serviços da Autoridade Tributária de Lisboa, pelo valor das custas em dívida, acrescidas da respetiva sobretaxa, com o limite máximo previsto no art.º 3.º da citada Portaria n.º 342/2019. ---------------------------------- *** A presente sentença (processada em computador, revista e impressa pela signatária – art.º 18.º da LJP) foi proferida e notificada aos demandantes, nos termos do artigo 60.º, da LJP, que ficaram cientes de tudo quanto antecede. -----------------------------------------------------------Remeta-se cópia ao demandado. -------------------------------------------- *** Registe. --------------------------------------------------------------------------------------*** Após trânsito, e encontrando-se integralmente pagas as custas, arquivem-se os autos. -------------------------------------------------*** Julgado de Paz de Lisboa, 17 de maio de 2024 A Juíza de Paz, ______________________________ (Sofia Campos Coelho) |