Sentença de Julgado de Paz
Processo: 262/2023-JPVNG
Relator: PAULA PORTUGAL
Descritores: ADMINISTRAÇÃO DE CONDOMÍNIO
Data da sentença: 03/28/2024
Julgado de Paz de : VILA NOVA DE GAIA
Decisão Texto Integral:
Proc. n.º 262/2023-JPVNG

SENTENÇA

I - IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES

Demandante: [PES-1], residente na [...], n.º 192, 3º [...], [Cód. Postal-1] [...].

Demandada: [ORG-1], Lda.”, com sede à [...], n.º 1055, [Cód. Postal-2] [...].

II - OBJECTO DO LITÍGIO
A Demandante veio propor contra a Demandada a presente acção declarativa, enquadrada na al. c) do n.º 1 do art.º 9º da Lei n.º 78/2001 de 13 de Julho (LJP), alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho, pedindo a condenação desta a ser destituída das funções que desempenha, pela declaração da sua exoneração, tendo em conta o reiterado incumprimento das suas obrigações enquanto Administradora.
Alegou, para tanto, que, a ora Demandada tem pautado a sua actuação, como representante do Condomínio onde a Demandante reside, por uma constante violação da lei e incumprimento de funções para as quais é remunerada; a violação da lei é flagrante no que concerne à marcação da assembleia anual de condóminos que deverá ser marcada na primeira quinzena de Janeiro, sendo que, à data de entrada da presente acção (14 de Junho de 2023), ainda não havia procedido à realização da mesma; apesar de diversas situações graves de infiltrações que carecem de resolução há meses e colocam, inclusive, bens e pessoas em risco, a Demandada não intervém; apesar de ter apresentado uma reclamação no livro de reclamações eletrónico da Demandada, a 12.04.2023, a mesma continua sem resposta, apesar de a lei prever obrigação de resposta em 15 dias úteis; o dever de zelo da Demandada fica ainda comprometido pela falta de certificação de que o contrato celebrado com a empresa de elevadores está a ser cumprido, visto que os mesmos se encontram com a inspecção obrigatória fora da validade há mais de um ano; a indiferença e a não resposta no cumprimento das suas obrigações não deixa outra alternativa à ora Demandante que não o recurso à via judicial, visto que todas as tentativas de contacto com vista à resolução das mais diversas questões se revelaram sem efeito; a inércia e falta de cumprimento das funções para as quais a Demandada foi contratada têm provocado sucessivas falhas e agravamentos de situações no Condomínio.

Juntou documentos.

A Demandada, regularmente citada, apresentou Contestação, onde alega que, desde o dia 02 de Janeiro de 2017, administra os destinos do Condomínio sito na [...], n.º 192, em [...]; fá-lo, ininterruptamente, tendo sido sempre reconduzida no cargo, anualmente, por deliberações tomadas em sede de assembleias gerais de condóminos; por sua vez, a ora Demandante é condómina do referido Condomínio, apenas e só, desde o dia 15 de Dezembro de 2022, há escassos seis meses; tem já a veleidade de entender que o trabalho que a Administração acometida à sociedade comercial demandada tem vindo a desenvolver nos últimos quase sete anos é pejada de irregularidades que permitem a sua exoneração; todavia, toda esta questão prende-se, simplesmente, com o facto de a Demandante não ver resolvida uma infiltração que alega ter dentro da sua habitação; e que, de acordo com o seu ponto de vista, é causada por um qualquer problema existente numa parte comum do edifício administrado pela Demandada, que esta, alegadamente de forma injustificada, não “resolve”; estando a referida condómina bem ciente de que inexiste uma qualquer deliberação da assembleia de condóminos quanto à intervenção requerida, e, muito menos, existem fundos disponíveis para a sua realização; e que a leva a empreender esta demanda injustificada, considerando que a culpa por tal falta de intervenção pertence à administração, pensando, quiçá, que com a sua exoneração e a nomeação de nova administração, porventura, de forma miraculosa, apareçam os fundos necessários à realização da intervenção que pensa dever ser realizada; ou que os condóminos acabem por deliberar intervenções em locais que sejam mais do agrado da Demandante, em detrimento de problemas existentes há muito mais tempo e que afetam muito mais outros condóminos; a Demandante é livre de assim pensar, todavia, já não é livre de propor acções judiciais desprovidas de quaisquer fundamentos de facto e de direito; lido e relido o arremedo apresentado pela Demandante, não descortina a Demandada qualquer referência ao cariz culposo das atuações apresentadas; a Demandante resume-se a apresentar uma série de comportamentos alegadamente omissivos por parte da ora Demandada, sem discorrer fatualmente, como deveria ter feito, sobre a culpa da Demandada nos comportamentos pretensamente omitidos; desta forma, só por aqui deverá a Demandada ser absolvida do pedido formulado; efetivamente, a assembleia geral de condóminos ordinária não ocorreu no prazo estipulado no artigo 1431º do C.C.; mas o que a Demandante se esquece de afirmar, disso tendo conhecimento porque lhe foi explicado, é que o exercício do condomínio em questão não corresponde ao ano civil, terminando sim a 31 de Março, pelo que, somente nesta data é que as contas do condomínio foram “fechadas” e somente a partir desse dia terminou o mandato da ora administração, pelo que o agendamento da assembleia geral ordinária anual apenas poderá ser realizado a partir desse mesmo dia; à data da contestação, a Demandada ainda não convocou a assembleia geral ordinária por dificuldades de agenda na marcação da referida assembleia, mas sempre garantindo o regular funcionamento do condomínio em questão; toda a Jurisprudência vertida pelos Tribunais superiores entende que a realização da assembleia geral de condóminos para um dia posterior ao do fim da primeira quinzena de Janeiro não constitui qualquer violação da lei vigente; entendendo que a estipulação de tal prazo legal apenas constitui uma orientação quanto ao período em que devem realizar-se as assembleias, não constituindo, também, fundamento a que se possa, porventura, impugnar as deliberações de tal assembleia; assim, como tal comportamento não constitui qualquer violação de uma determinação imperativa e porque tal não foi omitido de forma dolosa ou negligente, impõe-se a absolvição da ora Demandada do pedido formulado; seguidamente, alega a ora Demandante, de forma completamente errónea, que nos termos previstos no Código Civil, compete à administração intervir em todas as situações de urgência, convocando as assembleias gerais de condóminos extraordinárias; contudo, em lado algum da legislação civil aplicável tal é afirmado; o que a alínea r) do n.º 1 do art.º 1436º do C. Civil refere e preconiza é a intervenção em situações de urgência e depois a convocação de uma assembleia geral para a ratificação da sua intervenção, o que é bastante diferente daquilo que a Demandante afirma ser o que a lei prevê; no entanto, não alega a ora Demandante qualquer situação em concreto em que tal actuação urgente se impunha à administração, refugiando-se em considerações gerais quanto a pretensas “situações graves de infiltrações que carecem resolução há meses e colocam, inclusive, bens e pessoas em risco”, sem uma concretização onde se permita verificar do cariz de urgência objetiva da questão e, não somente, um cariz de urgência subjetiva para a sua própria pessoa; é que, a administração do condomínio em questão é conhecedora dos diversos problemas que afligem o edifício que compõe o condomínio que administra, problemas esses que têm vindo a ser tratados em diversas assembleias de condóminos anteriores, e ainda anteriores à aquisição da fracção autónoma de que é proprietária a ora Demandante, e que têm merecido uma cronologia de tratamentos de acordo com aquilo que são as deliberações tomadas em sede de assembleias gerais de condóminos e apenas e só da sua total responsabilidade; acresce que, a Demandante tem ao seu dispor a possibilidade legal de convocar uma assembleia geral extraordinária, recolhendo 25% do capital investido no prédio que constitui o condomínio demandado, sendo que, por esta via, conseguiria ver convocada, de forma putativa, uma assembleia geral de cariz extraordinário, com a ordem de trabalhos que bem entendesse ser a adequada, o que nunca fez, refugiando-se numa culpabilização da ora Demandada, que não tem culpa, nem é obrigada legalmente a promover assembleias de cariz extraordinário, simplesmente, porque um condómino assim o entende como necessário; portanto, também por aqui falecem os argumentos da Demandante, devendo a Demandada ser absolvida do pedido formulado; seguidamente, a Demandante entende peticionar a exoneração da administração porque, alegadamente, apresentou uma reclamação junto do livro de reclamações eletrónico da sociedade comercial em questão, e, também alegadamente, esta não terá respondido a esta reclamação no prazo legalmente fixado para o efeito; inexiste qualquer obrigação legalmente acometida a uma administração do condomínio que se assemelhe, ainda que remotamente, àquilo que é a causalidade apontada à ora Demandada; em lado algum é afirmado que constitui função do administrador do condomínio responder, ou fazê-lo de forma atempada, a reclamações dos condóminos insertas em livros de reclamações; em lado algum das sucessivas deliberações tomadas em sede de assembleias de condóminos, com vista à constituição do contrato de mandato com a Demandada, é indicado como obrigação que esta deva responder a reclamações insertas em livros de reclamações; o posicionamento da ora Demandada, no que concerne à relação concreta com os condóminos, cinge-se a respostas a cartas e a comunicações eletrónicas que lhes são dirigidas diretamente por estes; a questão relacionada com o livro de reclamações é uma questão administrativa, que apenas diz respeito ao relacionamento da entidade administradora, enquanto sociedade comercial, e as autoridades de supervisão administrativa estaduais; portanto, também por aqui falecem os argumentos aduzidos pela ora Demandante, devendo a Demandada ser absolvida do pedido formulado; por fim, entende a Demandante que a Demandada incumpriu também nos seus deveres enquanto administradora, por, alegadamente, não supervisionar o cumprimento do contrato de elevadores pela correspondente empresa prestadora de serviços porque estes se encontram sem inspecção certificada pela entidade administrativa correspondente; mais uma vez alega o que alega sem alegar qualquer tipo de factos de onde se possa extrair a culpa, dolo ou negligência da actuação da Demandada; alega o que alega, sem sequer ser conhecedora dos factos relacionados com esta situação; o condomínio em questão é titular de um contrato de manutenção completa com a empresa [ORG-2]”, que abrange os dois elevadores que dotam o prédio em questão, e que transfere para esta empresa a obrigação de proceder aos pedidos de reinspecção periódica dos elevadores, o pagamento das taxas inerentes e a realização, a suas expensas, das reparações que possam ser necessárias para a passagem dos elevadores nas inspeções; os elevadores em questão foram reprovados na inspecção periódica realizada pela “[ORG-3]”, para revalidação da sua operacionalidade para lá de 08 de Março de 2022, no dia 21 de Outubro de 2022; o pedido de inspecção foi realizado dentro do prazo legalmente estipulado para o efeito, contudo, por constrangimentos de agenda, a entidade administrativa responsável apenas conseguiu realizar a inspecção naquele dia; mal tomou conhecimento do resultado do relatório de reprovação, a 25 de Outubro de 2023, a Demandada interpelou a empresa [ORG-2]” à realização das reparações necessárias à aprovação dos elevadores e ao pedido de reagendamento da inspecção em causa, que, devido a problemas internos relacionados com uma reestruturação dos seus elementos na zona norte do país, e após insistências da Demandada, por comunicações eletrónicas de 03 e 12 de Abril de 2023, promoveu a requisição das reinspeções, a 19 de Abril de 2023, e que agora aguardam realização efetiva por parte da entidade competente, a “[ORG-3]”; portanto, fica claro que a Demandada cumpriu, integralmente, aquilo que são as suas funções enquanto administradora do condomínio em questão, sendo que as inspeções e reinspecções apenas não foram realizadas mais cedo, por dificuldades de agendamento relacionadas com a prestadora de serviços e com a entidade administrativa competente para a sua realização; de notar que nenhum dos elevadores foi selado ou imobilizado, uma vez que os problemas apontados ao seu funcionamento não impunham tal procedimento; portanto, também por aqui falecem os argumentos aduzidos pela ora Demandante, devendo a Demandada ser absolvida do pedido formulado; seria talvez importante para a Demandante entender a diferença entre “não haver resposta e resolução dos assuntos” e “não responderem da forma como pretendo que me respondam e atuarem da forma como pretendo que atuem”; é que são conceitos totalmente diferentes; a administração do condomínio não se encontra ao mando e desmando de apenas uma condómina, mas antes constitui o órgão executor das decisões tomadas pela vontade da maioria dos condóminos reunida em assembleia geral de condóminos.

Juntou documentos.

Procedeu-se à realização da Audiência de Julgamento com obediência às formalidades legais, como da Acta se infere.

Fixo o valor da acção em €100,00 (cem euros).

Cumpre apreciar e decidir.

III - FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Da matéria carreada para os autos, resultaram provados os seguintes factos:
A) À data de entrada da presente acção (14 de junho de 2023), ainda não tinha sido realizada a Assembleia de Condóminos referente ao exercício de 2023 (veio a ser realizada a 12.09.2023 – cfr. Acta n.º 10 a fls. 151 a 162);

B) A Demandante apresentou uma reclamação no livro de reclamações eletrónico da Demandada, a 12.04.2023 – cfr. folha de reclamação a fls. 5;

C) Desde o dia 02 de janeiro de 2017, a Demandada administra os destinos do Condomínio sito na [...], n.º 192, em [...] – cfr. Acta n.º 04, de 02.01.2017, a fls. 26 a 34;

D) Fá-lo, ininterruptamente, tendo sido sempre reconduzida no cargo, anualmente, por deliberações tomadas em sede de assembleias gerais de condóminos – cfr. Acta n.º 09, de 13.04.2022, a fls. 35 a 58, Acta n.º 06, de 08.03.2018, a fls. 59 a 81, Acta n.º 08, de 09.09.2020, a fls. 82 a 104, Acta n.º 09, de 13.04.2022, a fls. 105 a 128, e Acta n.º 10);

E) O exercício do condomínio em questão não corresponde ao ano civil, terminando sim a 31 de março;

F) O condomínio em apreço é titular de um contrato de manutenção completa com a empresa [ORG-2]”, que abrange os dois elevadores que dotam o prédio, e que transfere para esta empresa a obrigação de proceder aos pedidos de reinspecção periódica dos elevadores, o pagamento das taxas inerentes e a realização, a suas expensas, das reparações que possam ser necessárias para a passagem dos elevadores nas inspeções;

G) Os elevadores foram reprovados na inspecção periódica realizada pela “[ORG-3]”, para revalidação da sua operacionalidade para lá de 08 de março de 2022, no dia 21 de outubro de 2022 – cfr. relatórios técnicos a fls. 129 a 132;

H) Mal tomou conhecimento do resultado do relatório de reprovação, a 25 de outubro de 2023, a Demandada interpelou a empresa “[ORG-2]” à realização das reparações necessárias à aprovação dos elevadores e ao pedido de reagendamento da inspecção em causa;

I) Após insistências da Demandada, por comunicações eletrónicas de 03 e 12 de abril de 2023, a “[ORG-2]” promoveu a requisição das reinspecções junto do Município, a 19 de abril de 2023 – cfr. emails a fls. 133 e 134 e pedido de inspecção a fls. 135 a 138;

J) A reinspecção aos elevadores foi realizada a 27.12.2023, tendo novamente reprovado um dos elevadores, e pedida a reparação pela Demandada à “OTIS”, a 07.02.2024, tendo esta empresa requerido a reinspecção junto do Município, a 21.02.2024, o que se aguarda – cfr. emails, relatórios técnicos e pedido de reinspecção a fls. 163 a 170.

Motivação da matéria de facto provada:
Relevaram os suprarreferidos documentos conjugados com os esclarecimentos prestados pela Demandante e pela representante legal da Demandada, [PES-2].

IV - O DIREITO
Nem sempre o administrador corresponde às expectativas dos condóminos. A sua actuação pode desagradar-lhes ou até ser prejudicial aos seus interesses. Quando isso acontece, a solução pode passar pela exoneração, ou seja, a destituição do administrador. Nesse caso, o procedimento é, de certa forma, semelhante ao que leva à sua designação. Primeiro, é necessário convocar a assembleia de condóminos. A intenção de exoneração do administrador deve constar da ordem de trabalhos da reunião. Esta pode ser convocada por um grupo de condóminos que representem, pelo menos, um quarto do valor investido no edifício. Depois, bastará votar favoravelmente a proposta de exoneração e registar o resultado na Acta. Se não for possível reunir um número de condóminos suficiente para a convocatória, é possível requerer ao Tribunal que o faça. Se ficar demonstrado que o Administrador praticou irregularidades ou agiu com negligência no exercício das suas funções, o próprio Tribunal poderá decretar a exoneração e, em certas circunstâncias, obrigá-lo a indemnizar o Condomínio. Neste caso, qualquer condómino, isoladamente, tem legitimidade para propor a acção.
O Administrador quando é eleito, é-o por um determinado período de tempo.

Apenas poderá ser exonerado legalmente, antes do período decorrido para o qual foi eleito, quando não cumpra as suas funções, as quais constam das diversas alíneas do artigo 1436.º do Código Civil.

Porém, para que o Condomínio possa obter a exoneração do Administrador é necessário que seja provado que o Administrador praticou as irregularidades de que é acusado, sob pena deste, sendo exonerado sem justa causa e quando o cargo é remunerado, poder exigir uma indemnização pelos danos causados, aplicando-se analogicamente o artigo 1172.º do Código Civil.

A atribuição da indemnização faz sentido uma vez que a actividade administrativa de um Condomínio pode implicar actividades profissionais complexas, com disposição de meios e despesas relevantes, não sendo, pois, justo negar o ressarcimento dos danos quando a exoneração não seja legitima e antes do decurso do prazo para o qual o Administrador foi eleito.

A exoneração da Administração do Condomínio é matéria que vem prevista no artigo 1435.º do Código Civil.

Decorre do regime ali previsto que o Administrador pode ser exonerado, mas a sua exoneração, como já se referiu, deve ser fundamentada, ou porque praticou irregularidades, ou porque a sua função de Administrador não foi desempenhada com a diligência com que deveria sê-lo. Mas mais do que isso, é necessário que tenha existido dolo, ou pelo menos, negligência, no desempenho do seu cargo, enquanto representante das partes comuns do prédio.

É importante, através de exemplos, definir o que se entende como justa causa para exoneração do Administrador, para os efeitos do n.º 3 do artigo 1435.º do Código Civil.

Assim, terá justa causa para promover a exoneração a Assembleia do Condomínio em que o Administrador violar as obrigações que tem enquanto Administrador, nomeadamente, não convocando a assembleia ordinária ou, até mesmo, extraordinária, não apresentando as contas, não pagando determinadas despesas essenciais, apropriando-se de valores e importâncias provenientes das quotas pagas pelos condóminos, não cumprindo as ordens da Assembleia de Condóminos, enfim, colocando em causa o vínculo de confiança estabelecido.

Ocorrendo uma situação de quebra de relação de confiança, verifica-se justa causa.

Aqui chegados, debrucemo-nos sobre o caso dos autos.

A Demandada foi eleita Administradora do Condomínio em Assembleia de Condóminos realizada a 02.01.2017 (Acta n.º 04), exercendo o cargo, desde essa data, ininterruptamente, na sequência de sucessivas reconduções deliberadas em assembleia de condóminos, a última das quais em setembro de 2023.

A Demandante aponta como fundamento para a exoneração da Demandada os seguintes pontos:

- A assembleia geral ordinária não é realizada na primeira quinzena de janeiro conforme o previsto no n.º 1 do art.º 1431º do C.C.

Convém antes de mais frisar que a Demandante esteve presente na assembleia de condóminos realizada a 12 de Setembro de 2023 (Acta n.º 10), e, tal como os demais condóminos presentes, votou favoravelmente a recondução da Demandada na administração do condomínio, o que não deixa de ser curioso, tendo em conta que, em 14.06.2023, dá entrada à presente acção para exonerar a administração, e passados três meses, ainda na pendência do processo, aprova a permanência da mesma (!!!).

Posto isto,
A Lei n.º 8/2022 de 10.01 veio rever o regime da propriedade horizontal, procedendo à alteração, entre outros, do artigo 1431º do C.C., aditando um n.º 4 que dispõe que:
“A reunião prevista no n.º 1 deste artigo pode realizar-se, excecionalmente, no primeiro trimestre de cada ano se esta possibilidade estiver contemplada no regulamento do condomínio ou resultar de deliberação, aprovada por maioria, da assembleia de condóminos.”

No caso, resulta das actas juntas que o exercício do condomínio em apreço termina a 31 de março do ano civil, data em que são fechadas as contas a submeter à aprovação da assembleia, pelo que só a partir desta data poderá ser convocada/realizada a assembleia ordinária anual.

É certo que a assembleia referente ao exercício de 2023 apenas foi realizada no mês de setembro, mas foi realizada, não havendo assim incumprimento do dever da administração previsto na alínea a) do art.º 1436º do C.C.

Sendo que, segundo esclarecimentos prestados pela representante legal da Demandada, estariam em curso obras na fachada das traseiras do edifício e estiveram à espera que fosse concluída a obra para prestarem contas da mesma, não deixando este de ser um motivo atendível para justificação do atraso na realização da assembleia.

Não vislumbramos, por aqui, a existência de justa causa para exoneração da administração.

- A Demandada não intervém em situações de urgência, convocando assembleias extraordinárias de condóminos

Não concretiza a Demandante em que situação ou situações de urgência é que a Demandada terá sido negligente, referindo apenas a existência de infiltrações que carecem de resolução há meses e colocam, inclusive, bens e pessoas em risco.

Ora, desde logo, não foram alegados factos que permitam aferir do carácter de urgência da intervenção que a Demandante reclama, de forma a enquadrar o comportamento da Demandada como omissão no cumprimento da função prevista na alínea r) do já citado art.º 1436º, n.º 1, do C.C.: “Intervir em todas as situações de urgência que o exijam, convocando de imediato assembleia extraordinária de condóminos para ratificação da sua actuação”.

Refira-se que, num outro processo, com as mesmas partes, que correu termos neste Julgado de Paz sob o n.º 261/2023-JP, em que era pretensão da Demandante a realização de obras de impermeabilização no terraço da fracção superior e reparação dos danos verificados no interior da sua fracção, não logrou a Demandante obter vencimento de causa.

Diga-se ainda, que sempre poderia a Demandante convocar uma assembleia extraordinária, recolhendo 25% do capital investido no prédio em questão, para tratar dos assuntos que entendesse por bem, o que não fez, não sendo obrigação legal da administração promover assembleias extraordinárias sempre que um condómino assim o entenda.

Certo é que, entretanto, e pelo que se apurou em Audiência de Julgamento, já foi aprovada em assembleia de condóminos de 12.09.2023 a cobrança de uma verba extraordinária para intervenção no dito terraço, as quais já terão até sido realizadas.

Também, por aqui, não vemos qualquer fundamento para exoneração.

- A Demandada não respondeu a uma reclamação que a Demandante apresentou no livro de reclamações eletrónico.

A Demandada não tem qualquer obrigação legal ou contratual de o fazer à reclamante, mas sim à entidade administrativa competente.

Falece, de igual modo, por aqui, o argumento aduzido para exoneração.

- A Demandada não supervisiona o cumprimento do contrato de elevadores pela correspondente empresa prestadora de serviços

Apurou-se que o condomínio em apreço celebrou com a empresa “[ORG-3]” um contrato de manutenção completa dos dois elevadores.

Em 14 de Abril de 2022, a Demandada requereu junto da [ORG-6] a inspecção periódica aos elevadores, tendo pago a respectiva taxa (cfr. comprovativo a fls. 173), delegando o Município essa competência na empresa “[ORG-3]”.

A partir do pedido da administração, a marcação da inspecção está sujeita à agenda da “[ORG-3]”.

No caso, a inspecção só veio a ser realizada em 21.10.2022, tendo sido reprovados ambos os elevadores (cfr. relatórios técnicos a fls. 129 a 132).

Nesta sequência, a Demandada interpelou a empresa “[ORG-2]”, por email enviado a 25.10.2022, para que providenciasse às reparações necessárias para reinspecção.

A 03.04.2023, enviou novo email, solicitando informações quanto aos elevadores reprovados, se as reparações foram efetuadas e se procederam ao pedido de reinspeção (cfr. emails a fls. 134).

A “[ORG-2]” requereu inspecção junto do Município, a 19.04.2023 (cfr. pedidos de inspecção a fls. 135 a 138), a qual veio a ser realizada pela entidade competente apenas a 27.12.2023, tendo novamente reprovado um dos elevadores (cfr. relatório técnico a fls. 164 e 165).

Foi pedida reinspeção pela “[ORG-3]”, a 21.02.2024, o que se aguarda (cfr. comprovativos a fls. 167 e 168).

Quanto ao elevador aprovado em 27.12.2023, o mesmo tem inspecção periódica válida até 27.10.2025, sendo da competência da “[ORG-3]” a colocação no elevador do selo informativo da inspecção.

Conclui-se assim que as inspeções e reinspeções apenas não foram realizadas mais cedo por razões alheias à Demandada, mas sim condicionamentos das entidades competentes (prestadora de serviços e entidade administrativa).

Ademais, pelo que foi dito, os elevadores não foram selados, o que significa que, embora reprovados, não punham em causa a segurança das pessoas e bens.

Não merece, assim, acolhimento o argumento aduzido.

Concluindo,

não foram comprovados quaisquer comportamentos culposos, a título de dolo ou negligência, por parte da Demandada, na execução das funções de administradora, que fundamentem a sua exoneração, pelo que improcede o pedido.

V – DISPOSITIVO
Face a quanto antecede, julgo improcedente a presente acção, e, por consequência, absolvo do pedido a Demandada [ORG-1], Lda.”.
Custas totais pela Demandante, a qual deverá efectuar o pagamento das mesmas, no montante de €70,00 (setenta euros), no prazo de três dias úteis a contar da notificação da presente Sentença, sob pena de incorrer numa penalização de €10,00 (dez euros) por cada dia de atraso, não podendo exceder a quantia de €140,00, nos termos do n.º 4 do art. 3º da Portaria 342/2019, de 01 de Outubro.

Registe e notifique.

Vila Nova de Gaia, 28 de março de 2024

A Juiz de Paz

(Paula Portugal)