Sentença de Julgado de Paz
Processo: 211/2016-JPPRT
Relator: MARTA M. G. MESQUITA GUIMARÃES
Descritores: AÇÃO DE CONDENAÇÃO
Data da sentença: 12/13/2018
Julgado de Paz de : PORTO
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
Proc. n.º 211/2016-JPPRT

IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: A., S.A., NIPC… , com sede na Avenida …., Porto, a qual, na pendência da acção, alterou a Firma para B. , S.A, NIPC ….. e a sede para Rua ….., Amadora
Demandada: C., NIF ……, ausente em parte incerta, com último domicílio profissional conhecido junto do estabelecimento comercial “D.”, sito na Rua..., Odivelas
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OBJECTO DO LITÍGIO
A Demandante veio propor contra a Demandada a presente acção declarativa, enquadrável na alínea i) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001 de 13 de Julho, pedindo a condenação desta:
a) a restituir à Demandante a quantia de € 1.523,73, acrescida de juros já vencidos de € 149,98 e dos vincendos, à taxa legal até efectivo pagamento;
b) a pagar à Demandante a quantia de € 685,68 a título de indemnização nos termos dos nºs 2 alínea c) e 3 alínea a) da cláusula nona do contrato identificado nos autos;
c) a pagar à Demandante a quantia de € 826,69, a título de indemnização por lucros cessantes.
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Tendo sido frustrada a citação da Demandada, foi nomeado, conforme ofício de fls. 72, e após despacho de fls. 71, Defensor Oficioso em representação da ausente, para assumir a respectiva defesa, o qual apresentou contestação, nos termos plasmados a fls. 76 e 77.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do legal formalismo, consoante resulta da respectiva acta (cfr. fls. 89 e 90).
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O Julgado de Paz é competente em razão da matéria (cfr. alínea i) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho), do território (cfr. artigo 12.º, nº 1, da indicada Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho) e do valor, que se fixa em € 3.186,08 (cfr. artigos 297.º, n.º 1 e 306.º, nºs 1 e 2, do CPC).
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
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FACTOS PROVADOS COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO DA CAUSA
A. Em 14.12.2006, a Demandante e a Demandada celebraram um contrato de fornecimento de café, com o n.º …./LB/…, bem como os respectivos e dele integrantes anexos nºs 1, 2, 3 e 5, um aditamento em 11.07.2008 e seus respectivos anexos 2A e 5A, um aditamento em 31.03.2009 e os seus respectivos anexos 2B e 5B, e um aditamento em 05.11.2010 e seus respectivos anexos 2C e 5C.
B. Por via do último aditamento mencionado no precedente ponto, a Demandada obrigou-se a adquirir à Demandante, em regime de exclusividade, 824Kgs de café extra strong, no prazo de 3 anos, em quantidades parcelares.
C. Beneficiando, por isso, da concessão de um “desconto antecipado” de € 3.131,05, à razão de € 3.80 por Kg que, na data da celebração do aditamento, lhe foram adiantados, sendo € 435,60 por via de encontro de contas com débito (XX) que a Demandada detinha para com a Demandante e o remanescente por via de transferência de saldo do contrato de fornecimento n.º …/LF/….. (anexos 2B e 5B).
D. Nos termos da alínea b) do n.º 2 da cláusula quarta, a Demandada obrigou-se a restituir à Demandante quaisquer importâncias que tenham sido adiantadas nos termos das vantagens especiais referidas nos anexos ao contrato e que dele fazem parte integrante, a título de desconto antecipado ou qualquer outro e ainda não tenham sido liquidadas ou amortizadas nos fornecimentos efectuados.
E. Em 14.12.2006, a Demandada era a titular do estabelecimento denominado “D.”, sito na Rua …, Odivelas, aí exercendo a sua actividade.
F. Desde 01.11.2013 que a Demandada não mais adquiriu à Demandante o café tipo extra strong, procedendo ao encerramento do seu estabelecimento.
G. Até à data referida no precedente ponto, a Demandada havia adquirido, à Demandante, daquele produto, 423 Kgs.
H. A Demandante enviou a carta resolutiva à Demandada em 09.12.2013.
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FACTOS NÃO PROVADOS COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO DA CAUSA
Não se deram como não provados quaisquer factos com relevância para a decisão da causa.
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos provados resultaram da conjugação dos documentos constantes dos autos a fls. 10 a 26, juntos com o requerimento inicial, conjugados com o depoimento testemunhal prestado em audiência de julgamento por E. e F., ambos funcionários da Demandante, que revelaram conhecimento directo sobre os factos em discussão nos autos e cujos depoimentos se revelaram isentos e credíveis, tendo o primeiro relatado que negociou o contrato com a Demandada, além de ter vindo a constatar o encerramento do estabelecimento desta, enquanto o segundo confirmou o teor dos documentos acima aludidos. Acresce que, ambas as testemunhas afirmaram a quantidade de café adquirida pela Demandada.
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O DIREITO
As questões a resolver nos presentes autos passam, essencialmente, por determinar se a Demandante poderia ter resolvido o contrato em apreço nos termos em que o fez e, em caso afirmativo, se tem direito ao peticionado; em caso negativo, se, ainda assim, lhe assiste algum(ns) direito(s).
Resulta da factualidade provada que a Demandante celebrou, em 14.12.2006, com a Demandada, um contrato atípico, denominado “Contrato de Fornecimento”, com o n.º …./LB/…, assim como celebrou, em 11.07.2008, 31.03.2009 e 05.11.2010, aditamentos, o último por via do qual a Demandada se obrigou a adquirir à Demandante, em regime de exclusividade, 824Kgs de café tipo extra strong, no prazo de 3 anos, em quantidades parcelares, nos termos e condições previstas no contrato, aditamento e respectivos anexos, beneficiando, por isso, da concessão de um “desconto antecipado” de €3.131,05, à razão de € 3.80 por Kg que, na data da celebração do aditamento, lhe foram adiantados.
Mais resultou provado que a Demandada se obrigou a restituir à Demandante as importâncias que tenham sido adiantadas nos termos das vantagens especiais referidas nos anexos ao contrato e que dele fazem parte integrante, a título de desconto antecipado ou qualquer outro e que ainda não tenham sido liquidadas ou amortizadas nos fornecimentos efectuados (cfr. alínea b), do n.º 2, da cláusula quarta do contrato em apreço), isto é, se não adquirisse à Demandante, a totalidade dos Kgs de café a que se obrigou, teria, desde logo, de lhe restituir o montante correspondente ao desconto que adiantadamente recebeu, atentos os Kgs que faltassem.
Sucede que resultou, igualmente, provado que, desde 01.11.2013, a Demandada não mais adquiriu à Demandante o café tipo extra strong, mais se tendo ainda provado que até à aludida data, a Demandada havia adquirido, à Demandante, daquele produto, 423 Kgs, faltando, assim, adquirir 401Kgs daquele produto, relativamente à totalidade que se havia obrigado a comprar, o que representa, em termos de “desconto antecipado” a quantia de € 1.523,73.
Nos termos do disposto no artigo 405.º, n.º 1, do CC, dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos no código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.
Já nos termos do disposto no artigo 406.º, n.º 1, do CC, o contrato deve ser pontualmente cumprido e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.
Dispõe, ainda, o artigo 278.º do CC, sob a epígrafe “Termo”, que as partes podem estipular que os efeitos do negócio jurídico cessem a partir de certo momento.
No caso, resultou provado que o contrato inicialmente celebrado entre as partes em 14.12.2006, foi alvo de vários aditamentos, o último dos quais em 05.11.2010, por via do qual a Demandada se obrigou a adquirir à Demandante, em regime de exclusividade, 824Kgs de café tipo extra strong, no prazo de 3 anos, em quantidades parcelares, beneficiando, por isso, da concessão de um “desconto antecipado” de €3.131,05.
Portanto, por via do último aditamento, o último acordo negocial celebrado entre as partes iniciou a sua vigência em 05.11.2010 e terminou em 05.11.2013.
Deu-se como provado que a Demandante enviou carta resolutiva à Demandada em 09.12.2013, portanto, já após terem cessado os efeitos jurídicos do contrato celebrado entre as partes.
Temos, assim, que a carta resolutiva enviada, em 09.12.2013, à Demandada, não operou qualquer cessação do contrato na medida em que desde 05.11.2013 que o mesmo já havia cessado, em face do termo acordado entre as partes. Na verdade, não se pode pretender resolver um contrato cuja vigência já terminou.
Atente-se, ainda, no que se estipula na cláusula sétima do contrato em apreço: “O presente contrato atingirá o seu termo: a) por caducidade, logo que o segundo contraente tenha adquirido a quantidade dos Produtos prevista no anexo n.º 2 deste contrato, ainda que não tenha decorrido o prazo também aí previsto; b) por resolução, conforme o disposto na cláusula seguinte.” Ora, não pode, naturalmente, o contrato considerar-se caducado logo que o segundo contraente tenha adquirido a quantidade dos Produtos prevista no anexo n.º 2 do contrato, ainda que não tenha decorrido o prazo também aí previsto, e não deixar de se considerar que o contrato cessa, igualmente, logo que tenha decorrido o prazo também aí previsto, pois que foi precisamente isso que as partes acordaram ao ter estipulado um termo para o contrato.
Portanto, a resolução levada a cabo pela Demandante, com base em alegado incumprimento por parte da Demandada, e por via de carta remetida em 09.12.2013, não pode ser considerada válida e eficaz, na medida em que a mesma ocorreu num momento em que o contrato em apreço já não se encontrava em vigor (atento o termo de 3 anos convencionado, que se deu em 05.11.2013), pelo que, não tem, por conseguinte, a Demandante direito à indemnização mencionada na alínea c) do n.º 2 e no n.º 3 da cláusula nona do contrato em apreço.
Finalmente, cumpre aferir se assiste à Demandante algum(ns) direito(s), mesmo não podendo ter resolvido o contrato em apreço nos termos em que o fez.
Ora, no que se reporta à restituição, pela Demandada, à Demandante, das importâncias que tenham sido adiantadas nos termos das vantagens especiais referidas nos anexos ao contrato e que dele fazem parte integrante, a título de desconto antecipado ou qualquer outro e ainda não tenham sido liquidadas ou amortizadas nos fornecimentos efectuados, nos termos da alínea b), do n.º 2, da cláusula quarta do contrato em apreço, consideramos que tal restituição é devida, pois as partes assim se vincularam (acresce que, mesmo que assim não fosse, sempre a restituição seria devida a título de enriquecimento sem causa, nos termos do disposto no artigo 473.º do CC, como alega a Demandante).
Efectivamente, no caso, deu-se como provado que a Demandada se obrigou a adquirir à Demandante, em regime de exclusividade, 824Kgs de café, no prazo de 3 anos, em quantidades parcelares, beneficiando, por isso, da concessão de um “desconto antecipado” de €3.131,05, à razão de € 3.80 por Kg que, na data da celebração do aditamento, lhe foram adiantados, sendo € 435,60 por via de encontro de contas com débito (XX) que a Demandada detinha para com a Demandante e o remanescente por via de transferência de saldo do contrato de fornecimento n.º …/LF/…. (anexos 2B e 5B); mais se provou que, desde 01.11.2013 não mais adquiriu à Demandante o café e que até essa data havia adquirido 423 Kgs, faltando, assim, adquirir 401 Kgs, o que, em termos de desconto antecipado representa € 1.523,73. Mais se provou que a Demandada se obrigou a restituir as importâncias que lhe tivessem sido adiantadas, a título de desconto antecipado, e ainda não tivessem sido liquidadas ou amortizadas nos fornecimentos efectuados, nos termos da alínea b), do n.º 2, da cláusula quarta do contrato em apreço. Pelo que, é, assim, devida a restituição, à Demandante, do peticionado valor de € 1.523,73.
A esta quantia acrescem juros de mora, à taxa legal de juros comerciais sucessivamente em vigor, a partir da citação até efectivo pagamento, nos termos do disposto nos artigos 804.º, 805.º, n.º 1 e 806.º do CC.
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DECISÃO
Face a quanto antecede, julgo parcialmente procedente a presente acção e, em consequência:
a) Condeno a Demandada a restituir à Demandante a quantia de € 1.523,73 (mil quinhentos e vinte e três euros e setenta e três cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de juros comerciais sucessivamente em vigor, a partir da citação até efectivo pagamento;
b) Absolvo a Demandada dos restantes pedidos contra ela formulados.
Custas a cargo da Demandante e da Demandada, na proporção de 45% e 55% respectivamente – cfr. artigos 8.º e 9.º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro.
Contudo, nos termos do artigo 21.º do CPC, havendo defensor oficioso de ausente, trata-se de uma situação processualmente idêntica à da realizada por magistrado do Ministério Público. Assim, atento o disposto na alínea l) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais, conclui-se pelo respectivo regime de isenção de custas no que se reporta à Demandada.
Dê cumprimento ao disposto no artigo 60.º, n.º 3, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho.
Registe e notifique a Demandante, atenta a sua falta de comparência na presente data e hora (17.30h), agendadas para a leitura de sentença.
Porto, 13 de Dezembro de 2018
A Juíza de Paz,

(Marta M. G. Mesquita Guimarães)

Processado por computador
(Artigo 18.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho)
Revisto pela signatária.
Julgado de Paz do Porto