Sentença de Julgado de Paz | |
| Processo: | 228/2012-JP |
| Relator: | JOSÉ DE ALMEIDA |
| Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL - DANOS CAUSADOS POR ANIMAIS |
| Data da sentença: | 07/18/2013 |
| Julgado de Paz de : | OURIQUE |
| Decisão Texto Integral: | SENTENÇA (26.º/1 da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho) Processo n.º: x Data: 18-07-2013. Matéria: Responsabilidade civil (artigo 9.º/1/alínea h) da Lei dos Julgados de Paz (LJP) – Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho). Valor da acção: 3004,00 €. Demandante: A Patrono nomeado: B Demandado: C Mandatário: D Objeto do litígio: O Demandante instaurou a presente acção declarativa de condenação contra o Demandado alegando o seguinte: I – O Demandante é rendeiro de uma exploração agrícola denominada “X”, sita no concelho de X. (doc 1). II – a partir de meados de julho de 2012 o Demandante começou a aperceber-se que na sua exploração agrícola havia ovelhas e cabras feridas, sem saber a razão dos ferimentos. III – O Demandante resolveu fazer esperas à noite para descobrir o motivo dos ferimentos dos animais. IV – O Demandante veio a descobrir que a causa dos ferimentos dos animais era um cão, propriedade do Demandado. V – Foi chamada a GNR ao local e, com a ajuda da Câmara Municipal, verificou-se que o animal possuía um chip, através do qual se descobriu o nome do proprietário o ora Demandado C, que é proprietário de matilhas de cães para caça ao javali. O respetivo cão foi abandonado numa dessas caçadas. VI – O Demandante entrou em contacto com o Demandado para o pôr ao corrente da situação e lhe explicar o que o seu animal teria feito. VII – O Demandado ofereceu 450,00 € pelo prejuízo do Demandante, que foi muito superior a isso, nomeadamente, para além dos animais mortos, houve despesas com medicamentos, sendo que alguns dos animais que morreram estavam prenhes. VIII – Alguns animais foram levantados pela E, nomeadamente 12 animais, mas existiam outros que já se encontravam em estado de decomposição. IX – Doze dos animais foram levantados pela E, a 100,00 € cada animal, o que perfaz um total de 1200,00 € e identificados conforme documento junto. X – Dez dos animais estavam mortos e em completo estado de decomposição, ficaram no terreno, avaliados em 60,00 € cada, o que perfaz um total de 600,00 €. XI – E onze dos animais sobreviveram mas encontram-se num estado de incapacidade, não procriam, têm membros amputados e apenas dão despesa médica, têm sido mantidos no rebanho à espera de uma solução, porque acabarão por morrer também. Apenas a medicação os tem mantido vivos. XII – Estes onze animais são avaliados em 64,00 € cada, o que perfaz um total de 704,00 € e despesas médicas com os mesmos com o valor de 500,00 € aproximadamente, faturas que protesta juntar. XIII – O prejuízo causado pelo cão do Demandado perfaz um total de 3004,00 €. XIV – O Demandante tentou várias vezes chegar a um entendimento com o Demandado mas até à data não foi possível, por essa razão não encontrou outra solução se não recorrer a este Julgado de Paz. Termina formulando o seguinte Pedido: O Demandante pretende que o Demandado pague 3004,00 € de prejuízos que o Demandante teve com os seus animais, ou que o Demandado lhe entregue em ovelhas e cabras esse montante de 3004,00 €. O Demandante juntou os documentos de fls.4 a 16, que se dão por reproduzidos. Relatório: As partes compareceram na sessão de pré-mediação e na sessão de mediação não tendo, contudo, sido alcançado qualquer acordo. Realizou-se a audiência de julgamento com audição das testemunhas, conforme consta da respetiva ata. No decurso da mesma o Demandante reduziu o pedido, retirando ao pedido inicial, no montante de 3004,00 €, as seguintes quantias: - 600,00 € respeitantes a 10 animais em estado de decomposição à razão de 60,00 € por cabeça (3004,00 € - 600,00 € = 2404,00 €); - 1202,00 € respeitantes a metade da quantia restante (2404,00 € : 2 = 1202,00 €), tendo em conta o facto de terem sido abatidos dois cães. Cumpre apreciar e decidir: O Julgado de Paz é competente em razão do objeto, do valor, da matéria e do território. As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legítimas. O processo encontra-se isento de nulidades que o invalidem na totalidade. Não há exceções dilatórias ou perentórias, nulidades ou incidentes processuais. Fundamentação de facto: Com relevância para a decisão da causa ficaram provados os seguintes factos: 1 – O Demandante explora, na qualidade de arrendatário, desde Julho de 2010, os seguintes prédios: - parte do prédio misto denominado “X”, inscrito na matriz predial sob o artigo x – Secção x, concelho de x.; - o prédio denominado “X e X”, inscrita na matriz predial sob o artigo x – Secção x, situado na mesma freguesia e concelho. 2 – O Demandante possui animais de raça ovina e caprina, que pastoreia nos referidos prédios. 3 – No Verão de 2012 o Demandante apercebeu-se de que havia ovelhas e cabras feridas, desconhecendo a causa dos ferimentos. 4 – No dia 6-08-2012 o Demandante chamou a GNR ao local, tendo a patrulha destacada para o efeito constatado ferimentos em 16 animais de raça ovina e 10 de raça caprina. 5 – Dois ou três dias depois desta ocorrência o Demandante decidiu fazer esperas à noite com a ajuda do seu genro, X que, no dia 6-08-2012, não se encontrava presente. 6 – Numa das vezes que ficou à espera o X viu dois cães a investir contra o rebanho, apontou a arma a um deles e matou-o. 7 – O cão morto era médio e de cor acastanhada clara e não tinha “chip”. 8 – O outro cão fugiu e tinha o pêlo eriçado, de cor acastanhada escura com manchas pretas e era mais baixo e mais pequeno que o que foi atingido mortalmente. 9 – O X continuou a fazer esperas e, na noite de 15 para 16 de agosto de 2012 abateu outro cão. 10 – A GNR foi chamada ao local na madrugada do dia 16-08-2012, tendo a patrulha destacada para o efeito constatado ferimentos em dois animais de raça ovina e o abate de um cão. 11 – Conforme reportagem fotográfica constante dos autos, este segundo cão abatido era de cor castanha clara e era malhado de branco no focinho e no peito. 12 – Conforme consta do auto elaborado pela GNR, este cão possuía um “chip”, através do qual foi possível identificar o dono, o ora Demandado. 13 – O Demandado foi matilheiro até à época venatória que findou em final de fevereiro de 2012, tendo feito várias montarias aos javalis nos terrenos situados entre x e x. 14 – O Demandado, numa das caçadas que fez aos javalis, perdeu o cão que foi abatido na noite de 15 para 16 de agosto de 2012. 15 – Cada matilha é composta por 25 cães, aproximadamente, sendo relativamente frequente perder cães nas caçadas. A fixação da matéria de facto dada como provada resultou dos documentos juntos aos autos, dos depoimentos das testemunhas apresentadas e da consideração dos factos instrumentais que resultaram da instrução e discussão da causa, tendo também em conta o princípio da livre apreciação da prova. Os depoimentos dos agentes da GNR revelaram-se isentos e credíveis, tendo contribuído para esclarecer o tribunal sobre as deslocações efetuadas ao local e sobre os factos constantes das informações elaboradas por ocasião dessas deslocações. A testemunha X, não obstante ser genro do Demandante, não se recusou a depor, tendo o seu testemunho sido importante para a descoberta da verdade na medida em que contribuiu para esclarecer o tribunal sobre as circunstâncias em que ocorreram os ataques e as caraterísticas dos cães que investiram contra o rebanho. Do depoimento desta testemunha conclui-se que foram três, pelo menos, os cães que atacaram o rebanho: o cão primeiramente abatido, que era médio e de cor acastanhada clara e não tinha “chip”; o cão que investiu juntamente com este e fugiu - tinha o pêlo eriçado, era de cor acastanhada escura com manchas pretas e era mais baixo e mais pequeno que o atingido mortalmente; e, por último, o cão do Demandante, que também foi morto e que era de cor castanha clara e tinha um “chip” cuja leitura permitiu a sua identificação. Conclui-se, pois, terem sido três, pelo menos, os cães que atacaram o rebanho do Demandante no Verão de 2012, sendo o cão do Demandado um deles. Os depoimentos das testemunhas X, X e X revelaram-se isentos e credíveis, contribuindo para esclarecer o tribunal sobre o modo como são organizadas as caçadas aos javalis, o comportamento dos cães e o preço dos animais de raça ovina. De acordo com estes testemunhos uma ovelha boa, de raça média, pode custar 50 a 60 €. Não ficou provado: - que o cão do Demandado, isoladamente ou em conjunto com outros, tenha atacado o rebanho em data anterior a 15 de agosto de 2012. A fixação da matéria de facto dada como não provada resultou da ausência de prova credível relativamente à mesma. Com efeito, nada se sabe sobre os ataques anteriores à morte do primeiro cão, que não foram testemunhados por ninguém. E as caraterísticas do cão que fugiu quando o primeiro foi abatido não coincidem com as caraterísticas do cão do Demandado constantes dos autos. Fundamentação de Direito: O princípio geral em matéria de responsabilidade civil consta do artigo 483.º/1 do Código Civil, segundo o qual “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.” E o n.º 2 diz também que “Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.” No presente caso estamos perante danos causados por animais e este é precisamente um dos casos que cabe no acima mencionado n.º 2 do artigo 483.º do Código Civil como um caso de responsabilidade sem culpa. Diz o artigo 502.º do Código Civil que “quem no seu próprio interesse utilizar quaisquer animais responde pelos danos que eles causarem, desde que os danos resultem do perigo especial que envolve a sua utilização.” Trata-se de um caso especial de responsabilidade pelo risco.“É quanto a essas pessoas – as que utilizam os animais no seu próprio interesse que tem inteiro cabimento a ideia de risco: quem utiliza em seu proveito os animais, que, como seres irracionais, são quase sempre uma fonte de perigos, mais ou menos graves, deve suportar as consequências do risco especial que acarreta a sua utilização.” (Vaz Serra, citado por Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol I, pág. 652). Contudo não se pode, obviamente, prescindir nem da existência de danos, nem do nexo de causalidade entre o facto e os danos. No presente caso os danos indemnizáveis são aqueles que resultam do perigo especial que envolve a utilização dos animais. Conforme ficou provado, por vezes os matilheiros perdem cães nas caçadas. Os cães, como seres irracionais que são, longe da matilha e do dono, podem causar danos a terceiros. Foi o que aconteceu. Ficou provado que o Demandado foi matilheiro, utilizando cães no seu próprio interesse, para a caça aos javalis e que um desses cães, perdido da matilha, errou pelos campos e, movido pelo instinto, acabou por atacar o rebanho do Demandante e provocar ferimentos em dois animais de raça ovina no dia 15-08-2012, facto este constante da informação elaborada pela GNR, que se deslocou ao local no dia seguinte. Não se sabendo se o referido cão atacou ou não o rebanho em data anterior a 15-08-2012, falha um dos elementos necessários ao estabelecimento do nexo de causalidade entre o facto e o dano, isto é, o facto (os ataques perpetrados pelo cão do Demandado). Podia ter sido o cão do Demandado, ou não e também podiam ter sido outros cães pois, conforme se provou vários cães atacaram o rebanho. Em situações como esta – em que a dúvida persiste – o legislador resolve a dúvida contra a parte a quem o facto aproveita, isto é, contra o Demandante, não dando por provado o ataque do cão do Demandado contra o rebanho antes daquela data de 15-08-2012 (artigos 63.º da LJP e 516.º do Código de Processo Civil). Em conclusão, não podendo o Demandado ser responsabilizado por danos causados por factos ocorridos antes de 15-08-2012, só poderá o mesmo responder por factos ocorridos nessa data (danos nos dois animais de raça ovina verificados pela patrulha da GNR que se deslocou ao local no dia 16-08-2012) já que, posteriormente, cessaram os ataques e os consequentes danos. Assim deve o Demandante ser indemnizado pelo Demandado no montante de 120,00 €, preço estimado máximo de duas ovelhas boas de raça média à razão de 60,00 € por cabeça. Decisão: Face ao que antecede julgo a ação parcialmente procedente e condeno o Demandado no pagamento ao Demandante da quantia de 120,00 €, correspondente ao preço estimado máximo de duas ovelhas boas de raça média. Custas: Na proporção do decaimento, sendo 67,00 € a cargo do Demandante e 3,00 a cargo do Demandado. Tendo o Demandante pago 35,00 € deve pagar a quantia de 32,00 € num dos três dias úteis imediatamente subsequentes ao do conhecimento desta sentença, sob pena da aplicação e liquidação de uma sobretaxa de 10,00 € (dez euros) por cada dia de atraso no efectivo cumprimento dessa obrigação (artigos 8.º e 10.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, alterada pela Portaria n.º 209/2005, de 24 de Fevereiro). O pagamento deve ser efectuado no Julgado de Paz em dinheiro ou através de multibanco ou por meio de cheque à ordem da Direção Geral da Política de Justiça devendo o comprovativo do mesmo ser remetido a este Julgado de Paz. Devolva-se ao Demandado a quantia de 32,00 €. Registe e notifique. Texto processado informaticamente – artigo 18.º da Lei n.º 78/2001, de 13-07. O Juiz de Paz José de Almeida |