Sentença de Julgado de Paz
Processo: 434/2018JPVFR
Relator: DANIELA SANTOS COSTA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL. DANOS. INUNDAÇÃO.
Data da sentença: 01/25/2019
Julgado de Paz de : SANTA MARIA DA FEIRA
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA
Proc. n.º 434/2018

IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: A.
Demandada: COMPANHIA DE SEGUROS B.

OBJETO DO LITÍGIO
O Demandante intentou contra a Demandada a presente ação declarativa, enquadrável na alínea h) do n.º 1 do Art. 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho, adiante LJP, tendo pedido a sua condenação no pagamento de uma indemnização pelos prejuízos no valor de 1.250,00€ (Mil duzentos e cinquenta euros) (750,00€, referente a danos causados a terceiros e 500,00€ a titulo de danos morais ), acrescido de juros legais a partir de citação e até efectivo e integral pagamento.

A Demandada apresentou contestação, conforme plasmado a fls. 35 a 40, tendo impugnado os factos vertidos no requerimento inicial.

O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objeto, do território e do valor.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias.
Não se verificam quaisquer exceções ou nulidades, nem quaisquer questões prévias, que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do legal formalismo consoante resulta da Ata.

Valor da ação: € 1.250,00

FACTOS PROVADOS:
A. O Demandante é dono e legítimo proprietário da fracção autónoma designada pela letra "XXX" do artigo urbano XXXX da União das Freguesias de Santa Maria da Feira, Travanca, Sanfins e Espargo, sito na XXXXX;
B. O Demandante, no passado dia 05 de Fevereiro de 2018, celebrou contrato de abastecimento de água à rede Pública com a C, S.A;
C. No dia seguinte à celebração do contrato, um técnico da C, deslocou-se ao prédio para fazer a respectiva instalação dos serviços;
D. O Demandante soube do dia agendado para a instalação mas não esteve presente no respetivo ato;
E. A fracção do Demandante encontrava-se devoluta/desabitada, tendo os anteriores proprietários retirado o esquentador que existia na cozinha;
F. O buraco de ligação do esquentador à rede de canalização de água não chegou a ser tapado;
G. O contador foi instalado e o serviço foi concluído às 11:28:11 horas, tendo o contador e respetivo passador ficado fechado;
H. O técnico da C deixou postal da intervenção, de fls. 97, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido e provado;
I. No dia 08 de Fevereiro, o Demandante foi contactado por uma pessoa ligada ao condomínio de que estava a acontecer uma inundação provinda da fracção "XXX",;
J. A companheira do Demandante deslocou-se ao prédio, nesse dia, e deparou-se com fuga de água do buraco onde havia estado instalado o esquentador e, ainda, com o passador fechado;
K. Ocorreram danos derivados da inundação, ao nível do soalho, na fracção, que fica por baixo da sua propriedade;
L. O Demandante, através de carta registada com aviso de recepção datada de 12/02/2018, comunicou os factos à C, S.A.;
M. O Demandante assumiu as despesas, pagando o montante de 750,00€;
N. O contador localiza-se no corredor comum que dá acesso às frações do prédio.

FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa.

Os factos provados resultaram da conjugação dos documentos constantes dos autos, a fls. 5 a 20, 43 a 78, 95 a 97, e dos depoimentos testemunhais prestados em sede de audiência final.
O depoimento prestado pela testemunha indicada pelo Demandante, D, administrador do condomínio da fração do Demandante, não foi determinante para a descoberta da verdade na medida em que, apesar de ter verificado danos na fração do piso inferior, decorrentes de inundação na fração do Demandante, não viu o passador do contador aberto, apenas tendo apoiado o seu discurso em meras suposições, sem conhecimento direto dos factos.
Quanto a E, indicada pelo Demandante e sua companheira, foi tido como relevante para apurar a causa da inundação na fração porquanto visualizou água a sair do buraco onde fora instalado o esquentador, entretanto retirado, porém, só verificou tal evento após dois dias da instalação do contador.
Quanto aos depoimentos das testemunhas da Demandada, ouviu-se o perito jurista, F, responsável pela elaboração do relatório de fls. 68 a 78, o qual foi valorado dada a investigação que o mesmo empreendeu e que justificou em juízo.
Depôs, ainda, G, colaborador engenheiro da C, que explicou as normas de procedimento de instalação, de forma objetiva e precisa, razão pela qual foi objeto de relevo em sede probatória.
Por fim, o depoimento do técnico H foi decisivo porque instalou o contador e justificou, de modo sincero, que é procedimento deixar o passador fechado, tendo de preencher essa tarefa como concluída no relatório de fls. 11, com recolha fotográfica, e posteriormente validada por outro colega.
Quanto aos factos não provados, eles resultaram da ausência de prova ou de prova convincente sobre os mesmos.

ENQUADRAMENTO JURÍDICO
Nos presentes autos, está em causa a apreciação do pedido de indemnização formulado pelo Demandante, contra a Demandada, com o fim de esta ser responsabilizada pelos danos sofridos na sequência de uma inundação ocorrida na sua fração e que causou danos na fração do piso inferior, em virtude de alegadamente não ter sido fechado, no ato da instalação do contador, o respetivo passador.
Importa, pois, determinar, em primeiro lugar, se aquela alegada omissão, no ato de instalação do contador, representou a causa direta e adequada à verificação dos danos ora em análise e se, por conseguinte, fica a Demandada constituída na obrigação de ressarcir o Demandante pelos prejuízos sofridos.
Desde já, seja qual for a fonte de que provenha este dever de indemnizar - responsabilidade por factos ilícitos– Art.ºs 483.º e ss. do Código Civil (CC); responsabilidade pelo risco - Artº.s 499.º e ss.; responsabilidade por factos lícitos ou responsabilidade contratual - Art.ºs. 798.º e ss. - radica sempre num dano, isto é, “na supressão ou diminuição de uma situação vantajosa que era protegida pelo ordenamento jurídico” - cfr. Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, Vol. II, 1986 – reimpressão, AAFDL, pág. 283).
Por outro lado, sob a ótica da responsabilidade civil extracontratual, são requisitos cumulativos: um facto, ou seja, uma ação humana sob o domínio da vontade; a ilicitude, isto é, a violação de direitos subjetivos absolutos ou de normas que visem tutelar interesses privados; a culpa do agente que praticou o facto, ou seja, o juízo de censura ou reprovação que o Direito faz recair sobre o lesante porquanto agiu ilicitamente, quando podia e devia ter agido de outra forma e, por fim, um nexo de causalidade entre esse facto e o dano provocado, de acordo com a teoria da causalidade adequada.
É em relação ao primeiro pressuposto que urge, então, averiguar se o facto, o não fechamento do passador, foi idóneo a produzir os danos patrimoniais invocados ou, por outras palavras, se tal facto está ligado àqueles danos por um nexo de causalidade.
Estipula o Art. 563º do CC que “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.”.
Neste sentido, a obrigação de reparar um dano tem por condição essencial a existência de um nexo causal entre o facto e o prejuízo, sendo que a nossa legislação adotou a teoria da causalidade adequada de molde que “não basta que o evento tenha produzido (naturalística ou mecanicamente) certo efeito para que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele; para tanto, é necessário ainda que o evento danoso seja uma causa provável, como quem diz adequada desse efeito” – cfr. Manuel de Andrade apud Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª Edição, pág. 579.
Nessa medida, para que um facto seja causa de um dano é necessário, antes de mais, que no plano naturalístico, ele seja condição sem a qual o dano não se teria verificado. Depois há que ver, se aquele facto era, em abstrato, ou em geral, segundo as regras da vida, causa adequada ou apropriada, para a produção do dano.
Ora, no presente caso, os factos provados não permitem chegar à conclusão que o passador não foi fechado no ato de instalação do respetivo contador de água por parte do técnico.
Assim, apesar de ter ocorrido uma inundação no interior da fração do Demandante, certo é que decorreram dois dias entre a sobredita instalação técnica e a fuga de água em causa, o que não nos permite concluir, mesmo de forma indireta, que foi o facto de o passador estar aberto, com a operação em causa, que despoletou a circulação de água e o consequente evento.
Além de tal aspeto, também não se provou que o passador tivesse sido visto pelas testemunhas que depuseram como estando aberto, elas próprias reconheceram que estava fechado quando se deslocaram ao prédio, logo, no hiato temporal de dois dias pode ter sucedido algo totalmente alheio à intervenção da C, junto do contador em causa, sem que a esta, ou à Demandada, possa ser imputada qualquer responsabilidade. Com efeito, o contador localiza-se no corredor comum que dá acesso às frações do prédio, havendo facilidade em aceder ao mesmo por qualquer pessoa que esteja no interior do prédio.
Ao demais, não será despiciendo referir que o Demandante podia e devia ter-se assegurado, no dia da instalação, se o passador estava efetivamente fechado, antes tendo optado por não se dirigir à fração, mesmo sabendo que, nesse dia, havia ocorrido a intervenção técnica em análise e que a fração não estava habitada, carecendo de um nível mínimo de vigilância.
Por fim, o buraco existente no local de ligação do esquentador, que havia sido retirado pelos anteriores titulares da fração, não foi oportunamente tapado pelo Demandante, o que certamente teria evitado situações análogas a esta.
Não tendo, pois, o Demandante logrado provar que ocorreu o facto em causa, isto é, o contador não estava com o passador fechado, sendo certo que a Demandada convenceu o Tribunal de que cumpriu os preceitos relativos à sua instalação, conforme relatório de fls. 11, preenchido em tempo real pelo técnico e posteriormente validado por um outro técnico, afastada se mostra a possibilidade de a Demandada ser condenada no cumprimento da obrigação de indemnizar tais prejuízos de recorte patrimonial.
Na verdade, segundo o estatuído no n.º 1 do Art. 342º do CC, é ao autor, aquele que invoca um direito, que incumbe provar os factos constitutivos desse mesmo direito alegado, sendo que “à parte contrária recai o dever de provar, por seu turno, os factos anormais que excluem ou impedem a eficácia dos elementos constitutivos – cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª Edição, pág. 306.
Consequentemente, terá de se votar ao insucesso a pretensão do Demandante, que improcede na totalidade.

DECISÃO:
Pelo exposto e nos termos dos fundamentos de Direito invocados, julgo a ação totalmente improcedente, absolvendo a Demandada do pedido.


Custas pela parte vencida – o ora Demandante, devendo efetuar o pagamento da 2ª parcela (€35,00), no prazo de 3 dias úteis, sob pena de ser aplicada uma sobretaxa de €10,00 por cada dia útil de atraso no seu pagamento, em conformidade com os Artigos 8º e 10º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro, alterada pela Portaria nº 209/2005 de 24 de Fevereiro.
Quanto à Demandada, proceda-se ao reembolso de €35,00, em conformidade com o Artigo 9º da Portaria atrás mencionada.
A presente sentença foi proferida e notificada nos termos do n.º 2 do Art. 60º da LJP.
Registe e notifique.
Santa Maria da Feira, 25 de janeiro de 2019
A Juíza de Paz,

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Daniela Santos Costa